Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01008/08
Data do Acordão:04/29/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:O imposto municipal sobre imóveis, IMI, inscrito para cobrança em momento posterior ao “ano corrente na data da penhora ou acto equivalente” não goza do privilégio creditório imobiliário, previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º, n.º 1, do Código Civil - por força do que se determina o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (também aplicável à contribuição autárquica e à contribuição predial).
Nº Convencional:JSTA00065741
Nº do Documento:SA22009042901008
Data de Entrada:11/12/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART31 N1.
CCA89 ART24.
CIMI03 ART119 ART120 N1 N2 ART122.
CCIV66 ART744.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC863/08 DE 2009/01/07.; AC STA PROC16053 DE 1993/05/19.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo:
1 – O Magistrado do Ministério Público, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que não aceitou nem graduou o crédito reclamado pela Fazenda Pública e relativo a IMI do ano de 2005, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª- A sentença recorrida não aceitou nem graduou o crédito relativo a IMI inscrito para cobrança do ano de 2006, reclamado pela FP, por entender que, atento o disposto no art. 24°, nº 1 do CCA, 122°, n° 1 do CIMI e 744°, n° 1 do CC, apenas os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores têm privilégio imobiliário sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos a CA/IMI.
2ª- As penhoras de imóveis efectuadas na execução fiscal foram registadas em 30 de Janeiro de 2003 e 5 de Janeiro de 2005.
3ª- O art. 122°, n° 1 do CIMI, como, anteriormente, o art. 24°, n° 1 do CCA, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não quis deixar desprovidos de garantia, só pelo facto de haver dilação na venda do imóvel, os créditos provenientes de IMI posteriores à penhora mas anteriores à data da venda.
4ª- O art. 114° do CIMI, reproduzindo o anterior art. 19° do CCA, é expresso na afirmação de que, para efeito de graduação de créditos, “quando um prédio possa vir a ser objecto de transmissão em processo onde deva haver lugar a graduação de créditos, a entidade responsável pelo processo notifica o serviço de finanças da área da localização dos prédios, para este lhe certificar o montante total em dívida e ainda o que deve ser liquidado com referência ao ano em curso, por aplicação das taxas em vigor, caso a transmissão presumivelmente venha a acontecer após o termo desse ano”.
5ª- Não faria sentido que, para efeito de graduação de créditos, o legislador mandasse certificar o montante de imposto a liquidar “com referência ao ano em curso, por aplicação das taxas em vigor, caso a transmissão presumivelmente venha a acontecer após o termo desse ano”, se o mesmo legislador quisesse que na graduação de créditos fosse atendido, apenas, o imposto municipal sobre imóveis correspondente ao ano da penhora e aos dois anteriores.
6ª- Acresce que, devendo o imóvel ser transmitido livre de ónus ou encargos, como ordena o artigo 888° do Código de Processo Civil, e constituindo o IMI um ónus que incide sobre ele, gozando, ademais, de hipoteca legal (cfr. art. 705°, al. a) do CC), a transmissão decorrente da venda ou adjudicação não poderá ocorrer sem que esteja pago todo o IMI devido até esse momento — e não apenas o relativo ao ano da penhora.
7ª- Por outro lado, o IMI, como as antecedentes contribuição autárquica e contribuição predial, constitui um encargo do prédio, que o fiel depositário deve satisfazer, enquanto estiver na administração dele, apresentando contas (cfr. arts. 843°, n° 1 e 844°, n° 2 do CPC), pelo que, também por esta razão, deverá o referido encargo ser tido em conta na execução.
8ª- Ao não aceitar nem graduar o crédito reclamado pela Fazenda Pública, proveniente de IMI, inscrito para cobrança no ano de 2006, a sentença recorrida errou na aplicação de direito e violou o disposto nos artigos 122°, n° 1 do CIMI e 744º n° 1 do CC.
9ª- Deve ser revogada e substituída por outra que, admitindo o referido crédito, por beneficiar de privilégio imobiliário especial, nos termos dos arts. 744º, n° 1 do CC e 122° do CIMI e atento o disposto no art. 748°, n°1, al. a) do CC, gradue os créditos, reclamados e exequendos, da seguinte forma:
1° Crédito reclamado pela Fazenda Pública, proveniente de IMI relativo ao ano de 2005, inscrito para cobrança em 2006.
2° Crédito reclamado pelo B..., S.A.
3° Crédito reclamado pela Fazenda Pública, relativo a contribuições para a Segurança Social.
4° Crédito exequendo relativo a IRS do ano de 2000.
5° Restantes créditos exequendos.
Não houve contra-alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, atento o disposto no artº 146º do CPTA.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. Em 22 de Janeiro de 1997, foi autuado o processo executivo nº 1546-97/100287.2, contra A..., Lda., na repartição de finanças de Mafra, para cobrança coerciva de dívida de CA, relativa ao ano de 1995, no montante total de Euros 33,88, sendo a quantia de Euros 32,49, relativa ao prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2546, e a quantia restante relativa ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18-C e 19-C (cf. fls. 1, 2, da certidão do processo executivo apensa).
2. Em 6 de Agosto de 2002, foram apensos ao processo executivo referido no ponto anterior os processos executivos nºs 98/100255.4, 00/100462.0, 00/102872.1, 02/101951.1, 98/101589.0, 01/1512099, 01/100527.8, 01/1502360 e 01/1905742, relativos a IVA, referentes aos anos de 1996, 1997, CA, referente a 1995, 1996 e 1998, IRS, relativo a 2000, e IRC, relativo aos anos de 1996 e 1997, passando a quantia a exequenda a ascender ao montante de Euros 253.975,68 e acrescido (cf. fls. 3, 29-30, da certidão do processo executivo apensa).
3. Em 4 de Outubro de 2002, foi penhorado pelo serviço de finanças de Mafra o prédio urbano, sito no lugar da Lagoa, Malveira, freguesia do Milharado, concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo predial (CRP) de Mafra sob o nº 36.322, do livro B-97, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2546 (cf. auto de penhora, a fls. 6, da certidão do processo executivo apensa).
4. A penhora referida no ponto anterior foi registada em 30 de Janeiro de 2003 (cf. certidão da CRC de Mafra, a fls. 26, da certidão do processo executivo apensa).
5. Em 8 de Março de 2005, foi penhorado pelo serviço de finanças de Mafra o prédio rústico denominado “C...”, descrito na CRP de Mafra sob o nº 42.688, do livro B-114, e inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 18, da secção C (cf. auto de penhora, a fls. 36, da certidão do processo executivo apensa).
6. A penhora referida no ponto anterior foi registada em 5 de Abril de 2005 (cf. certidão da CRC de Mafra, a fls. 51, da certidão do processo executivo apensa).
7. Através de escritura pública, exarada em 29 de Outubro de 1997, a executada constituiu a favor do B..., S.A., hipoteca, sobre o prédio urbano, sito no lugar da ..., Malveira, freguesia do Milharado, concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo predial (CRP) de Mafra sob o nº 36.322, do livro B-97, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2546, e sob o prédio rústico, denominado “C...”, sito nos limites do Casal ..., freguesia do Milharado, concelho de Mafra, descrito na CRP de Mafra sob o nº 42.688, do livro B-114, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 18, da secção C, para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades assumidas por si assumidas (cf. certidão de hipoteca, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 20-27, dos autos).
8. A hipoteca referida no ponto anterior foi registada em 4 de Novembro de 1997 (cf. certidão a fls. 22 e 47, da certidão do processo executivo apensa).
9. Foi passada a favor do B..., SA. pela executada, uma livrança no montante de Esc. 142.467.794, vencida em 16 de Junho de 1999, e não paga (cf. 28, dos autos).
10. A executada é devedora da quantia de Euros 13.059,02, de contribuições à segurança social, relativas ao ano de 1997, e juros de mora (cf. certidão de dívida a fls. 66, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11. A executada é devedora da quantia de Euros 204,31, referente a IMI, relativo ao ano de 2005, inscrito para cobrança em 2005, e de Euros 20,40, relativos a juros de mora, no montante total de Euros 238.81, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2546 sobre o artigo 2546 (cf. ponto 3), e a quantia de Euros 0,84, ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 18, da secção C (cf. Ponto 5) (cf. certidão de dívida a fls. 66, e printde fls. 143, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3 – Questão idêntica à que constitui objecto do presente recurso foi recentemente conhecida por esta Secção do STA, na Acórdão de 7/1/09, in rec. nº 863/08, cuja jurisprudência sufragamos e que não vemos motivo para alterar, razão pela qual e tendo em vista obter uma aplicação e interpretação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC), vamos passar a transcrever.
Escreve-se, então, no citado aresto que “porém, o que é certo é que o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que aprovou o Código do IMI, pelo n.º 1 do seu artigo 31.º, veio decretar, sem sombra de dúvida, que «A partir da data da entrada em vigor do CIMI [em 1-12-2003 (art.º 32.º do mesmo Decreto-Lei)], são revogados os Códigos da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45104, de 1 de Julho de 1963, na parte ainda vigente, considerando-se a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) para todos os efeitos legais».
Como assim, julgamos que, a partir de 1-12-2003, e por força das disposições combinadas dos artigos 24.º do Código da Contribuição Autárquica, 122.º do Código do IMI, e 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de contribuição autárquica e de imposto municipal sobre imóveis (IMI) gozam de privilégio creditório imobiliário sobre os respectivos bens, desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.
O que quer dizer que não gozam de privilégio creditório imobiliário os créditos de contribuição autárquica e de IMI, inscritos para cobrança em momento posterior ao «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente».
Quanto ao pagamento do IMI (imposto municipal sobre imóveis), diz o artigo 119.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Documento de cobrança”, no seu n.º 1, que «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios». A respeito do “Prazo de pagamento”, o artigo 120.º do Código do IMI estabelece que «O imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de Abril e Setembro, desde que o seu montante seja superior a (euro) 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efectuado de uma só vez, durante o mês de Abril» [n.º 1]; «Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação» [n.º 2]. E, nos termos do 121.º do mesmo Código do IMI, «São devidos juros de mora nos termos do artigo 44.º da Lei Geral Tributária, quando o sujeito passivo não pague o imposto dentro do prazo legalmente estabelecido no documento de cobrança, quer a liquidação tenha ocorrido no prazo normal, quer fora do prazo normal, ou ainda na sequência de liquidação adicional». E o IMI (imposto municipal sobre imóveis) estará inscrito para cobrança, quando, nos termos da lei, «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo (…) o competente documento de cobrança (…)». Do mesmo modo que estarão inscritos para cobrança os créditos de imposto postos à cobrança – voluntária – quer os que constam das notas de cobrança enviadas ao contribuinte quer os incluídos nos conhecimentos debitados ao tesoureiro no momento da abertura do cofre (para nos exprimirmos conforme aos termos do acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 19-05-1993, proferido no recurso n.º 16053)”.
Posto isto e descendo ao caso em apreço, dizendo o IMI respeito ao ano de 2005 e tendo sido inscrito para cobrança em 2006, esse crédito não goza de privilégio creditório imobiliário, logo, especial em relação aos imóveis penhorados, face às datas do registo das penhoras (30/1/03 e 5/1/05, respectivamente) pois não se trata de crédito de IMI inscrito para cobrança no “ano corrente na data da penhora ou acto equivalente”, nem “nos dois anos anteriores”, como exige a lei.
Pelo que tal crédito não pode ser atendido e graduado nos presentes autos de verificação e de graduação de créditos.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 29 de Abril de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Miranda de Pacheco – Jorge Lino.