Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0449/17
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:DECLARAÇÃO MODELO 22
IRC
Sumário:O nº 7 do artigo 117º do CIRC foi revogado pelo artigo 7º da Lei nº 20/2012, de 14 de maio, o qual previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos das entidades isentas do pagamento de IRC pelo que passaram, por isso, a estar obrigadas à entrega da declaração de rendimentos todos os sujeitos passivos de IRC, nomeadamente as entidades que beneficiam de isenção definitiva e total de IRC.
Nº Convencional:JSTA00070406
Nº do Documento:SA2201711150449
Data de Entrada:04/10/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC01 ART7 ART83 N1 B ART117 N7 ART90 N1 B ART9.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART84 N2.
L 20/2012 DE 2012/05/14.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC077/12 DE 2012/04/12.; AC STA PROC0457/15 DE 2015/11/11.; AC STA PROC0454/15 DE 2015/12/02.; AC STA PROC0412/16 DE 2016/07/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………, S.A., impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, o ato de liquidação oficiosa de IRC, relativa ao ano de 2013, no montante de € 1.835,43, tendo peticionado a anulação deste ato.
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1.2. O TAF de Aveiro, por sentença de 30/09/2016 (fls.185/193), julgou: «… procedente a impugnação anulando-se a liquidação com as legais consequências, reconhecendo-se à impugnante o direito ao pagamento da indemnização por prestação indevida da garantia, caso a mesma tenha sido prestada.».
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1.3. É dessa decisão a FP recorre concluindo as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1) Segundo o entendimento vertido na sentença, a liquidação é ilegal porque a Administração Tributária não provou que a impugnante estivesse sujeita a uma qualquer tributação autónoma o que imporia a apresentação da declaração modelo 22.
2) Conforme resulta dos factos provados, a liquidação impugnada refere-se a uma liquidação de IRC que foi emitida nos termos do artº 90º n.º 1 al. b) do CIRC. E foi efetuada pelo facto de no exercício económico de 2013, não ter sido apresentada a declaração modelo 22 de IRC.
3) No presente processo está em causa o não cumprimento de uma obrigação acessória do sujeito passivo, concretamente a declarativa.
4) Com a Lei nº 20/2012 de 14 de maio é revogado o n.º 7 do artº 117º do CIRC, que previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos a outras entidades isentas do pagamento de IRC. Assim não se entende como é que a impugnante invoca a exclusão de obrigação de apresentação da declaração periódica de rendimentos (Declaração Modelo 22).
5) No que se refere à recorrida, muito embora os rendimentos diretamente resultantes do exercício de atividade sujeita ao imposto especial de jogo, não sejam tributados em sede de IRC, o disposto no artigo 117º n.º 6 do CIRC, obriga-a a apresentar declaração periódica de rendimentos.
6) Primeiro, porque a impugnante não beneficia de uma isenção em IRC, mas tão só de uma não sujeição no que concerne aos rendimentos que resultam diretamente da atividade do jogo.
7) Segundo, não se verifica que a impugnante não esteja sujeita a uma qualquer tributação autónoma em IRC.
8) No presente caso estamos perante um contribuinte que se encontra coletado para o exercício de uma atividade económica, que não entregou a declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2013.
9) O que tem como efeito que seja efetuada uma liquidação oficiosa nos termos do artº 90º nº 1 alínea b) do CIRC.
10) A administração fiscal quando procedeu ao ato de liquidação aqui impugnado, limitou-se a exercer poderes vinculados, não existindo no ato de liquidação nenhuma liberdade de apreciação deixada aos seus titulares. Pois que a lei cuidou de traçar rigorosamente a via a seguir pelos executores para o fim de interesse público visado.
11) O M° Juiz do Tribunal a quo não decidiu esta situação segundo as regras de direito civil relativas ao ónus da prova.
12) Os factos que aqui relevarão são os que rodearam/presidiram à tomada de decisão da qual resultou a liquidação.
13) Para o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo a Administração Tributária tinha que provar a existência de tributações autónomas tributáveis em sede de IRC e que imporiam à aqui impugnante a apresentação do modelo 22.
14) Contudo para a recorrente estando perante uma sociedade comercial, que se encontra coletada para o exercício de uma atividade comercial, encontravam-se reunidos os pressupostos para esta entregar a declaração de rendimentos. E não o tendo feito encontram-se reunidos os pressupostos para que a Administração Tributária proceda à liquidação oficiosa, não havendo mais factos a alegar nem a provar.
15) Competindo à impugnante, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados, nomeadamente a inexistência de rendimentos, a inexistência de tributações autónomas, ou a obtenção de rendimentos que beneficiem de uma isenção definitiva, que a dispensariam de entregar a declaração periódica de rendimentos e da consequente liquidação oficiosa.
16) Dispõe o artigo 342º nº 1 e nº 2 do C.C. que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
17) A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”
18) O tribunal nunca devia ter decidido julgar ilegal e anular a liquidação oficiosa de IRC de 2013 com o fundamento que incumbe à Administração Tributária provar que a impugnante estava sujeita a uma qualquer tributação autónoma e consequentemente obrigada à apresentação da declaração de rendimentos, e como não fez essa prova, estava impedida de ter procedido à liquidação impugnada.
19) Pois como atrás se referiu, não incumbia à Autoridade Tributária a prova de tal facto.
20) A douta sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação errada do disposto nos art.ºs 117º n° 1 b) nº 6, 2º nº 1 a), 7º, 90º nº 1 b), do CIRC, 74º nº 1 da LGT, 342º nº 1 e nº 2 do CC.».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. Recebidos os autos neste Tribunal o Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Aveiro, exarada a fls. 185 e seguintes, que julgou procedente a ação intentada contra o ato de liquidação de IRC do ano de 2013, no valor de € 1.835,43 euros.
Considera a Recorrente que a sentença recorrida “fez uma interpretação e aplicação errada do disposto nos arts.117º, nº 1, al. b), nº 6, 2º, nº 1, al. a), 7º, 90º, nº 1, al. b), do CIRC, 74º, nº 1, da LGT, 342º, nº 1 e nº 2, do Código Civil”.
Para o efeito alega que embora os rendimentos diretamente resultantes do exercício da atividade sujeita ao imposto de jogo não sejam tributados em sede de IRC, está obrigada a apresentar declaração de IRC em relação a eventuais outros rendimentos que obtenha. Pelo que se não apresentar declaração a AT emitirá declaração oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 90º, nº 1, al. b), do CIRC.
Mais considera que recai sobre a impugnante o ónus da prova de que não auferiu quaisquer outros rendimentos sujeitos a tributação.
E termina pedindo a revogação da sentença.
2. Para se decidir pela procedência da ação o tribunal “a quo” considerou que a questão suscitada nos autos era em tudo idêntica à do acórdão da seção de contencioso tributário do STA de 11/11/2015, proferido no processo n° 0457/15, que em parte transcreveu, pelo que aderindo aos fundamentos ali aduzidos concluiu pela ilegalidade da liquidação impugnada.
Em sede de julgamento da matéria de facto o tribunal “a quo” deu como assente que a impugnante e aqui recorrida “tem como atividade principal a exploração de jogos de fortuna e azar, tendo igualmente como atividade incluída e estritamente conexa com o âmbito da concessão dos jogos de fortuna ou azar, a industria hoteleira”, atividades que estão abrangidas por três contratos celebrados com o Estado Português, as quais estão, exclusivamente, sujeitas ao imposto sobre jogo. E que no seguimento de informação prestada pela DSIRC nos anos de 2006 e 2009 a impugnante deixou de apresentar a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.
3. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de direito como é invocado pela Recorrente, e mais precisamente se não tendo a impugnante e aqui recorrida apresentado declaração de IRC relativa ao exercício de 2013 (pese embora este facto não tenha sido expressamente discriminado no probatório, o mesmo resulta implícito do nº 3 da matéria de facto), pode a AT emitir liquidação oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 90º, nº 1, alínea b), do CIRC, com base em rendimentos tributáveis ficcionados.
O acórdão citado na sentença recorrida, cita e transcreve por sua vez o acórdão da mesma secção do STA de 12/04/2012, proc. n.º 71/12, no qual se faz a delimitação entre os rendimentos obtidos pelas concessionárias de jogos de fortuna e azar sujeitos a tributação em sede de imposto de jogo, por confronto com o âmbito do IRC, e rendimentos respeitantes a outra atividade que não seja a conexa com a exploração do jogo, como no caso da atividade hoteleira, designadamente despesas confidenciais caso em que são sujeitas a tributação autónoma. E conclui-se no citado aresto que não tendo resultado evidenciadas na matéria de facto assente tais despesas confidenciais não recaía sobre a impugnante a obrigatoriedade de apresentação da declaração de rendimentos e que sobre a matéria tributável apurada na liquidação oficiosa não se mostrava provada a sua proveniência.
Decorre das alegações da Recorrente que a mesma alicerça a sua argumentação da obrigatoriedade de apresentação por parte da Recorrida nas alterações introduzidas pelo artigo 7º da Lei nº 20/2012, de 14 de Maio, ao art. 117º do CIRC, e designadamente na revogação do nº 7, no qual se desonerava da obrigação de apresentação de declaração de rendimentos as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiassem de isenção definitiva e total, exceto quando estivessem sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.
Considera, assim, a Recorrente, que com a revogação de tal preceito legal, que desonerava tais entidades da obrigação de apresentação de declaração de rendimentos, passou a recair sobre as mesmas essa obrigação. E como não foi cumprida a obrigação no caso dos autos, não restava à AT outra coisa que não fosse proceder à liquidação oficiosa com base nos rendimentos ficcionados por lei, incumbindo ao sujeito passivo a prova de que não foram obtidos quaisquer rendimentos, para além daqueles que não estão sujeitos a tributação por conexionados para a atividade de exploração do jogo.
A questão que se coloca, consiste em saber se as alterações legislativas referenciadas pela Fazenda Pública têm os efeitos que esta lhe atribui, ou seja, se tendo sido revogado o preceito que dispensava a impugnante e aqui recorrida de apresentar declaração de rendimentos, a não ser em casos específicos (tributações autónomas), podem ser presumidos rendimentos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do CIRC (Que manda atender ao “valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.)
Em face das alterações introduzidas pela Lei nº 20/2012 parece não oferecer dúvidas que passou a recair sobre todas aquelas entidades que anteriormente estavam dispensadas (entidades isentas) a obrigação de apresentação da declaração de rendimentos.
Assim e após a entrada em vigor daquela lei, apenas as entidades isentas de IRC previstas no artigo 9.º do Código do IRC (Isto é, o Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; as associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; as instituições de segurança social e previdência, e os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social.) mantiveram o benefício da dispensa de apresentação da declaração Modelo 22, salvo quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.
Pelo que nesta parte a argumentação esgrimida pela impugnante ao invocar anteriores informações da AT sobre aquela dispensa mostra-se ultrapassada em face do novo figurino legal.
Na sentença recorrida também não foi apreciada a questão à luz dessas alterações legislativas, já que o tribunal “a quo” se limitou a fazer sua a fundamentação vertida no acórdão de 11/11/2015, proferido no processo nº 0457/15, e na matéria de facto assente não se fez constar qualquer elemento sobre as circunstâncias e termos da liquidação impugnada, limitando-se o tribunal “a quo” a fazer constar dos pontos 4) e 5) que foi emitida liquidação tendo por base um determinado valor tributável e apurado determinado valor de imposto.
Com efeito não foram apurados quaisquer elementos sobre os termos em que a liquidação foi comunicada à impugnante e aqui recorrida e designadamente se lhe foi comunicado que a liquidação foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do CIRC.
Afigura-se-nos, assim, que para apreciação da questão da legalidade da liquidação (assim como do vício de falta de fundamentação que lhe é imputado pela impugnante e cujo conhecimento o tribunal “a quo” deu como prejudicado) se mostra imprescindível a ampliação da matéria de facto.
Pelo exposto entendemos que se impõe a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de ser ampliada a matéria de facto e conhecimento das questões suscitadas à luz das alterações introduzidas pela Lei n° 20/2012, de 14 de Maio.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1 – A impugnante tem como atividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar, tendo igualmente, como atividade incluída e estritamente conexa com o âmbito da concessão dos jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira, (facto admitido por acordo).
2 – As atividades exercidas pela impugnante estão incluídas no âmbito de três contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar com o Estado Português, encontrando-se as mesmas exclusivamente sujeitas ao Imposto sobre o Jogo (facto admitido por acordo).
3 – A impugnante deixou de apresentar a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC no seguimento de informação prestada pela Direção de Serviços de Imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas e datadas de 06/12/2006 e 04/12/2009 que a dispensava de tal obrigação exceto quando estivessem sujeitas a uma qualquer tributação autónoma, facto admitido por acordo e documentos juntos aos autos de fls. 40 a 43 e que aqui se dão por reproduzidas.
4 – Com data de 21.01.2015 foi emitida nota de liquidação em nome da impugnante para pagamento de IRC do ano de 2013 no valor de € 1.835,43, cfr. fls. 38 destes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5 – Na nota de liquidação identificada em 4), encontra-se exarado que a matéria coletável é de € 6.790,00, cfr. fls. 38 destes autos.».
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3.1. A sentença recorrida, fls. 185 e seguintes, anulou o ato de liquidação de IRC do ano de 2013, no valor de € 1.835,43 euros considerando ocorrer a suscita ilegalidade da liquidação, por vício de violação de lei e falta de fundamentação, no entendimento de que relativamente a esta matéria e numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, em que as partes são as mesmas, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo – Secção do Contencioso Tributário com data de 11.11.2015, no processo n° 0457/15/11.
Acrescentou que concorda na íntegra com os fundamentos lá aduzidos e, que por isso, se limitaria a aderir à fundamentação expendida nesse aresto tanto mais que a factualidade relevante é em tudo semelhante.
Concluiu pela ilegalidade da liquidação.
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3.2. Sustenta a recorrente que a sentença em apreciação “fez uma interpretação e aplicação errada do disposto nos arts.117º, nº 1, al. b), nº 6, 2º, nº 1, al. a), 7º, 90º, nº 1, al. b), do CIRC, 74º, nº 1, da LGT, 342º, nº 1 e nº 2, do Código Civil”.
Defende, para tanto, que embora os rendimentos diretamente resultantes do exercício da atividade sujeita ao imposto de jogo não sejam tributados em sede de IRC, está obrigada a apresentar declaração de IRC em relação a eventuais outros rendimentos que obtenha.
Ao não apresentar tal declaração a AT deve emitir declaração oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 90º, nº 1, al. b), do CIRC.
Acrescenta que recai sobre a impugnante o ónus da prova de que não auferiu quaisquer outros rendimentos sujeitos a tributação pelo que conclui que deve ser revogada a sentença em apreciação.
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3.3. A sentença recorrida fixou, em termos de matéria de facto, que:
A impugnante “tem como atividade principal a exploração de jogos de fortuna e azar, tendo igualmente como atividade incluída e estritamente conexa com o âmbito da concessão dos jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira”.
Estas atividades estão abrangidas por três contratos celebrados com o Estado Português, as quais estão, exclusivamente, sujeitas ao imposto sobre jogo.
No seguimento de informação prestada pela DSIRC nos anos de 2006 e 2009 a impugnante deixou de apresentar a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.
Com data de 21.01.2015 foi emitida nota de liquidação em nome da impugnante para pagamento de IRC do ano de 2013 no valor de € 1.835,43, cfr. fls. 38 destes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Na nota de liquidação identificada em 4), encontra-se exarado que a matéria coletável é de € 6.790,00, cfr. fls. 38 destes autos.».
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3.4. Importa determinar se, conforme defende a recorrente, a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de direito pois que não tendo a ora recorrente apresentado declaração de IRC relativa ao exercício de 2013 pode a AT emitir liquidação oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 90º, nº 1, alínea b), do CIRC, com base em rendimentos tributáveis ficcionados.
Segundo a recorrente a obrigatoriedade de apresentação da declaração modelo 22 por parte da Recorrida resulta das alterações introduzidas pelo artigo 7º da Lei nº 20/2012, de 14 de Maio, ao artigo 117º do CIRC, revogando o nº 7 deste artigo, que desonerava da obrigação de apresentação de declaração de rendimentos as entidades que, embora exercendo, a titulo principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiassem de isenção definitiva e total, exceto quando estivessem sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.
Ainda segundo a recorrente a revogação deste preceito legal, que desonerava a recorrente da obrigação de apresentação de declaração de rendimentos, passou a impor à mesma esta obrigação declarativa.
Acrescenta a recorrente que, uma vez que não foi cumprida a obrigação no caso dos autos, tinha a AT que proceder à liquidação oficiosa com base nos rendimentos ficcionados por lei, incumbindo ao sujeito passivo a prova de que não foram obtidos quaisquer rendimentos, para além daqueles que não estão sujeitos a tributação por conexionados para a atividade de exploração do jogo.
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3.5. Sobre esta temática pronunciou-se já este STA nomeadamente no acórdão de 12-04-2012, Proc. 077/12, que tem o seguinte sumário:
I - Da leitura conjugada do art. 7º do CIRC com o nº 2 do art. 84º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, resulta que o que o legislador quer tributar em imposto especial de jogo em vez de tributar em IRC são os rendimentos resultantes directamente da actividade de jogo bem como de quaisquer actividades a que as empresas concessionárias estejam obrigadas no âmbito dos respectivos contratos de concessão.
II- As tributações autónomas, nas quais se incluem as despesas confidenciais, embora previstas no CIRC e tributadas conjuntamente com o IRC, nada têm que ver com a tributação do rendimento, nem com o exercício de uma actividade, uma vez que incidem sobre certas despesas, que constituem factos tributários autónomos, às quais se aplicam taxas diferentes das do IRC, que o legislador quis tributar de forma autónoma para evitar que pudesse haver rendimentos que escapassem a tributação.
III- O legislador criou as taxas de tributação autónoma com vista a penalizar a realização de determinadas despesas uma vez que devem ser tributadas na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo, dada a impossibilidades de o serem na pessoa que recebe as importâncias, pois se assim não fosse estaríamos a aceitar que fosse recebido rendimento que não pode ser tributado quer em sede de IRC quer em sede de IRC, por se desconhecer o destinatário.
IV- Assim sendo, não são ilegais as liquidações adicionais em IRC relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, no que se refere a tributação autónoma por despesas confidenciais ainda que contabilizadas por empresas concessionárias no exercício exclusivo da actividades de jogo.
As liquidações em apreciação resultaram de inspeção efetuada pela AT que verificou que a impugnante inscreveu na sua contabilidade, nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, despesas confidenciais respetivamente no montante de € 1.746.565,78, € 1.976.001,34 e € 2.052.615,00, relacionadas com a angariação de clientes de jogo.
O acórdão STA 11-11-2015, Proc. 0457/15, reafirmou a mesma orientação acrescentando:

III - No caso dos autos não resulta evidenciada a realização de despesas confidenciais e nestas circunstâncias não resulta demonstrada pela AT a ocorrência de obrigatoriedade de apresentação da declaração modelo 22 (ónus de evidenciação que incumbia à AT).
IV - Por outro lado a liquidação oficiosa efectuada refere o valor de matéria colectável de 5.964 Euros sem que se perceba a que respeita esta verba. Ocorre falta de fundamentação legal para a liquidação sindicada, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
Estávamos perante uma liquidação oficiosa referente ao ano de 2008 em que a AT notificou a impugnante para que apresentasse a declaração modelo 22 sob cominação de, não o fazendo, ser emitida liquidação oficiosa.
O acórdão STA 02-12-2015, P. 0454/15, reafirmou o mesmo entendimento, conforme resulta do seu sumário:
I - A liquidação oficiosa a que se refere o disposto no artº 83º, nº 1, al. b) do CIRC é uma consequência automática da falta de entrega da declaração modelo 22, aplicável à generalidade das empresas.
II - Diversa é a situação da empresa que se encontra sujeita a um regime especial de tributação por ser concessionária de exploração de jogos de fortuna ou azar, exclusivamente sujeita a imposto sobre o jogo quanto a todas as actividades principais e secundárias exercidas e incluídas no âmbito dos contratos de concessão, e não a IRC, por força do disposto no Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro.
III - A liquidação oficiosa a desencadear nos termos do disposto no referido artº 83º do CIRC, dado tratar-se de empresa concessionária de exploração de jogos de fortuna ou azar, não é adequada a fundamentar o acto de liquidação impugnado sendo imperativo legal que a Administração Tributária pudesse indicar, para além da falta de apresentação da declaração modelo 22, outros elementos que fundamentassem a tributação por evidenciarem rendimentos da impugnante obtidos fora da referida actividade.
IV - Não dispondo desses elementos, não poderia efectuar uma qualquer liquidação adicional de IRC apenas por não ter sido apresentada a declaração modelo 22.
V - A Administração Tributária não pode reunir elementos na pendência de uma reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação, para fundamentar esse acto de liquidação, pese embora possa vir a obter elementos para fundamentar um acto de liquidação a elaborar futuramente.
Estávamos perante liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2006.
O acórdão STA 06-07-2016, P. 0412/16, acompanhou a referida jurisprudência do STA em situação em que estava em causa liquidação oficiosa de IRC, relativa ao ano de 2012.
O ato tributário impugnado assentou, exclusivamente, na falta de entrega da declaração de rendimentos em sede de IRC.
Escreveu-se neste acórdão que tratando-se de entidade não sujeita a tributação em IRC e não de entidade isenta desse imposto, não pode a Administração Tributária sujeitá-la a tal tributação ou sujeitá-la às obrigações declarativas que impõe aos sujeitos passivos de IRC, a menos que se evidenciasse, através de ação inspetiva, que no exercício em causa a impugnante ficara sujeita a essa tributação por força da ocorrência de factos tributários autónomos geradores desse tipo de tributação.
No caso vertente, a Autoridade Tributária nunca afirmou a existência de uma dessas circunstâncias, designadamente a constatação de uma realidade suscetível de tributação autónoma, para proceder à liquidação oficiosa de IRC.
Contudo, não auferindo a impugnante, rendimentos sujeitos a IRC, não pode ser alvo de uma liquidação oficiosa atentas as especificidades da sua atividade e o facto de não auferir rendimentos sujeitos a IRC, carecendo de cabimento legal a tributação, por ficção, de uma realidade que não é tributável.
Concluiu o mesmo acórdão que no caso em apreciação e visto que se trata de entidade que não se encontra sujeita a tributação em IRC, o incumprimento da obrigação declarativa, mero facto constitutivo de eventual contraordenação sancionada com coima, não pode fundamentar, só por si, uma liquidação oficiosa de IRC.
E tal obrigação declarativa encontrava-se excluída ainda que se considere que a impugnante constitui um sujeito passivo de IRC, por se tratar de sociedade comercial que se encontra coletada para o exercício de atividade comercial, dado que, na prática, todos os seus rendimentos estão legalmente excluídos de tributação em sede de IRC.
Em síntese entendeu o STA, no primeiro dos acórdãos referidos, que podia a AT emitir liquidação, por força de inspeção, efetuada pela AT, que verificou que a impugnante inscreveu na sua contabilidade, nos exercícios referidos, despesas confidenciais relacionadas com a angariação de clientes de jogo.
Nos demais acórdãos entendeu o STA que, não estando a impugnante sujeita à obrigação de apresentar a declaração modelo 22 não podia a AT emitir liquidação oficiosa por falta de apresentação de tal declaração.
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3.6. O artigo 117º do CIRC, sobre a epígrafe obrigações declarativas, estabelecia que:
“1. Os sujeitos passivos de IRC, ou os seus representantes, são obrigados a apresentar:

b) Declaração periódica de rendimentos …

7. A obrigação referida na alínea b) do nº 1 não abrange, igualmente, as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.
…”.
O nº 7 do artigo 117º do CIRC foi revogado pelo artigo 7º da Lei nº 20/2012, de 14 de maio.
Esta Lei nº 20/2012, de 14 de Maio, revogou o nº 7 do artigo 117º do CIRC, que previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos das entidades isentas do pagamento de IRC.
Passaram, por isso, a estar obrigadas à entrega da declaração de rendimentos todos os sujeitos passivos de IRC, nomeadamente as entidades que beneficiam de isenção definitiva e total de IRC.
Questiona-se, agora, se não tendo a impugnante apresentado declaração de IRC, relativa ao exercício de 2013, pode a AT emitir liquidação oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 90º, nº 1, alínea b), do CIRC, com base em rendimentos tributáveis ficcionados.
Como refere a recorrente não cumprida a obrigação declarativa não podia a AT deixar de proceder à liquidação oficiosa com base nos rendimentos ficcionados por lei, incumbindo ao sujeito passivo a prova de que não foram obtidos quaisquer rendimentos, para além daqueles que não estão sujeitos a tributação por conexionados com a atividade de exploração do jogo.
É que revogado o preceito que dispensava a impugnante de apresentar declaração de rendimentos, podem ser presumidos rendimentos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do CIRC que manda atender ao “valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, à totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.
Como refere o MP em face das alterações introduzidas pela Lei nº 20/2012 passou a recair sobre as entidades que anteriormente estavam dispensadas, entidades isentas, a obrigação de apresentação a declaração de rendimentos.
Após a entrada em vigor da referida lei apenas as entidades isentas de IRC previstas no artigo 9.º do Código do IRC, o Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; as associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; as instituições de segurança social e previdência, e os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social, mantiveram o benefício da dispensa de apresentação da declaração Modelo 22, salvo quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.
Daí que, conforme refere o MP, a argumentação esgrimida pela impugnante ao invocar anteriores informações da AT, sobre aquela dispensa, mostra-se ultrapassada em face do novo figurino legal.
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3.7. A sentença recorrida não atendeu à referida alteração legislativa pois que igualmente não foi nem podia ser considerada na fundamentação do acórdão de 11/11/2015, proferido no processo nº 0457/15, para o qual a sentença em apreciação remeteu.
Este acórdão respeitava ao exercício de 2008 em que ainda não tinha ocorrido a mencionada alteração legislativa.
Ainda conforme refere o MP a sentença recorrida na matéria de fato assente não fez constar qualquer elemento sobre as circunstâncias e termos da liquidação impugnada, limitando-se o tribunal “a quo” a fazer constar dos pontos 4) e 5) que foi emitida liquidação tendo por base um determinado valor tributável e apurado determinado valor de imposto.
Não foram apurados quaisquer elementos sobre os termos em que a liquidação foi comunicada à impugnante e designadamente se lhe foi comunicado que a liquidação foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do CIRC.
Para apreciação da legalidade da liquidação e do vício de falta de fundamentação que lhe é imputado pela impugnante e cujo conhecimento o tribunal “a quo” deu como prejudicado, mostra-se necessária a ampliação da matéria de facto.
Torna-se, por isso, necessário revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos sejam remetidos ao tribunal recorrido para que seja ampliada a matéria de facto e posterior conhecimento das questões suscitadas por força da entrada em vigor da alteração legislativa introduzida pela referida Lei n° 20/2012, de 14 de Maio.
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O nº 7 do artigo 117º do CIRC foi revogado pelo artigo 7º da Lei nº 20/2012, de 14 de maio, o qual previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos das entidades isentas do pagamento de IRC pelo que passaram, por isso, a estar obrigadas à entrega da declaração de rendimentos todos os sujeitos passivos de IRC, nomeadamente as entidades que beneficiam de isenção definitiva e total de IRC.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que seja ampliada a matéria de facto e posterior conhecimento das questões suscitadas.
Custas pela recorrida, com dispensa da taxa de justiça uma vez que não apresentou alegações.
Lisboa, 15 de novembro de 2017. - António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.