Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/05.1BECBR-A-AB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
EXECUÇÃO DE JULGADO
Sumário:É de admitir a revista relativa à possibilidade de extensão do caso julgado a autor que expressamente a ele não aderiu, porque no caso se suscitam dúvidas sérias sobre a ocorrência de uma situação de litisconsórcio necessário.
Nº Convencional:JSTA000P30260
Nº do Documento:SA1202211240606/05
Data de Entrada:11/16/2022
Recorrente:HERANÇA INDIVISA POR ÓBITO DE A……….. E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. B……….. e C…………. -autores, na qualidade de herdeiros de A……….., desta «acção executiva» - vêm, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor este «recurso de revista» do acórdão do TCAN -de 01.07.2022- que negou provimento à sua «apelação» da sentença - de 26.10.2021 - pela qual o TAF de Coimbra «absolveu da instância executiva» o IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P. - com base na sua ilegitimidade passiva, e «absolveu dos pedidos» por eles formulados os executados MINISTÉRIO DAS FINANÇAS [MF], MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI], e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES.

Alegam que o recurso de revista deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Os recorridos-MF, MAI, e CGA-não apresentaram contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3.Por acórdão de 06.03.2015 - proferido no processo nº606/05.1BECBR - o TCAN reconheceu a vários autores - entre eles a A………, de quem os ora exequentes são herdeiros - o direito de obterem dos ditos Ministérios - MF e MAI -,«nos termos e ao abrigo do artigo 45º do CPTA», indemnizações por omissão ilegal de regulamentação. Mas, uma vez frustrada a possibilidade de um acordo entre as partes, relativamente ao valor das indemnizações devidas, esses autores - entre eles A………. - solicitaram em juízo que elas fossem liquidadas, condenando-se os réus no respectivo pagamento.

Foi assim que no âmbito de «acção administrativa» - nº606/05.1BECBR-A - intentada, entre outros, pelo ora falecido A………, foi fixado em 15.000,00€ o valor da indemnização devida, a esse título, a cada um dos autores. Do assim decidido «foi interposto recurso de apelação» por alguns dos autores da acção, sendo que entre eles não se encontra o referido A………. que optou - expressamente- por não acompanhar a apelação. Este recurso terminou decidido pelo TCAN - acórdão datado de 12.06.2019 - que condenou os referidos Ministérios a pagar, a cada um dos recorrentes, os montantes correspondentes aos «diferenciais remuneratórios» - incluindo «suplemento inspectivo»- entre o valor das remunerações mensais que efectivamente auferiu desde 01.07.2000 até à data da interposição do recurso - ou à data da aposentação, se anterior-, e o valor da remuneração que devia ter auferido se tivesse transitado para a carreira de inspecção que deveria ter sido regulamentada «no cumprimento do que impunha o DL 112/2001, de 06.04», acrescido de juros de mora […].

Ora, é precisamente a execução deste acórdão do tribunal de apelação - TCAN - que os herdeiros de A………. visam obter com a presente acção executiva, a qual foi julgada improcedente em ambas as instâncias. E foi-o fundamentalmente com base no entendimento de que o «título executivo» em causa não abrangia o progenitor dos autores, uma vez que, quanto a ele - que expressamente não acompanhou a apelação -, a sentença que fixou em 15.000,00€ o valor da indemnização faz caso julgado. Acresce - no entender das instâncias - que também não poderá o dito progenitor - e, assim, os seus herdeiros - beneficiar da extensão do recurso prevista no artigo 634º do CPC, porque não se trata de um caso de litisconsórcio necessário[nº1] nem foi dada qualquer adesão ao recurso - pelo contrário, foi expressamente declarada a «não adesão» - [nº2 alínea a)] nem o pai dos autores era titular de um interesse que dependesse essencialmente do interesse dos apelantes [nº2 alínea b)].

Os exequentes discordam e pedem revista do assim decidido pelo tribunal de apelação, apontando erro de julgamento de direito ao respectivo acórdão. Defendem que apesar do seu pai não ter aderido ao recurso que levou à prolação do acórdão que pretendem ver executado - quanto a ele - essa decisão abrange-o porque, tendo o caso «nascido de um litisconsórcio voluntário»- pois que os vários autores, entre os quais o seu pai, invocaram como«causa de pedir inicial» a omissão ilegal da regulamentação imposta pelo DL 112/2001, de 06.04 - o certo é que, com a separação das várias acções - e respectivas decisões - esse «litisconsórcio passou a ser necessário» já que a relação jurídica em causa envolveria todos os vários autores para produzir o seu efeito útil normal [artigos 32º, nº1, e 33º, nº2, do CPC]. E acrescentam que uma aplicação do artigo 634º, nº1 e nº2, alíneas a) e b), do CPC, no sentido em que o fez o acórdão recorrido, é inconstitucional por violar os princípios da igualdade - igualdade de remuneração para trabalho igual [artigo 59º, nº1 alínea a), da CRP] -, do direito à tutela jurisdicional efectiva e a um processo justo e equitativo [artigos 20º, nº1 e nº4, da CRP, e 6º da CEDH].

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

E feita essa apreciação resulta que a «revista» interposta pelos exequentes deverá ser admitida, uma vez que é patente tratar-se de uma questão juridicamente complexa, a exigir uma hábil integração e interpretação dos contornos factuais deste caso - que é um entre vários-, e o manuseio e aplicação sagaz de institutos jurídicos de delimitação nem sempre fácil, como sejam o «caso julgado» e a sua possível «extensão», acoplado aos do «litisconsórcio voluntário e necessário», cuja dilucidação e aplicação se torna aqui indispensável para se chegar a uma «solução jurídica legal e justa». Da apreciação do decidido pelas instâncias - mormente pelo acórdão recorrido - não resulta patente «erro de julgamento de direito», mas resultam dúvidas sérias, bem evidenciadas nas alegações de revista, a exigirem a intervenção deste Supremo Tribunal. Ademais trata-se de caso com considerável relevância jurídica e social, não só por ter na base uma «omissão de regulamentação imputável ao Estado Legislador» mas também por ter a virtualidade de poder repetir-se noutros processos ainda pendentes nos tribunais.

Deste modo, temos por preenchidos os «requisitos necessários à admissão da revista», pelo que, neste caso, será de quebrar a «regra da excepcionalidade da sua admissão».

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.