Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0185/09
Data do Acordão:05/13/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
Sumário: I- Os créditos de IRS reclamados pela Fazenda Pública, muito embora gozem apenas privilégio imobiliário geral e não beneficiarem de um direito real de garantia, devem ser admitidos ao concurso de credores por apenso à execução fiscal.
II-O artigo 240.º do CPPT deve ser interpretado amplamente no sentido de abranger não só os credores que gozem de garantia real, stricto sensu, mas também aqueles a que a lei substantiva confere causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.
Nº Convencional:JSTA000P10467
Nº do Documento:SA2200905130185
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Fazenda Publica, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que rejeitou a graduação do crédito que reclamara relativo a IRS do ano de 1996, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. O crédito de IRS de 1996, reclamado pela Fazenda Pública, beneficia de privilégio creditório imobiliário, e encontra-se abrangido pelos três anos anteriores ao da penhora, nos termos do artº. 111°. Do CIRS.
B. O privilégio creditório, consiste na faculdade que a lei substantiva concede em atenção à causa do crédito, de ser pago com preferência em relação a outros credores;
C. O privilégio creditório, sendo uma mera preferência de pagamento, não implica o afastamento do crédito que dele beneficia da reclamação e graduação no lugar que lhe competir;
D. A admissão ao concurso de credores, constitui a razão de ser da atribuição do privilégio creditório;
E. Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o falado artigo 111° do Código do CIRS, pois, nesse caso, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio.
F. O artº. 240°. do CPPT, deve ser interpretado no sentido de conferir dimensão lata à expressão credores que gozem de garantia real, por forma a abranger não apenas os credores que gozem de garantia real stricto senso, mas também aqueles a quem a lei atribui causas legitimas de preferência, como os privilégios creditórios;
G. O crédito reclamado de IRS de 1996, e respectivos juros de mora, deve ser graduado logo após o crédito do BCP, garantido por hipoteca, e a par do exequendo de IRS, de harmonia com o previsto nos arts 747°.n°.1 e 822º do CC.
H. A douta sentença recorrida violou o disposto no artº. 240°. Do CPPT, nos art°s 733°, 747°., 822° do CC., 111° do CIRS., e 8° do DL. nº 73/99.
2 – Os recorridos não contra-alegaram.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“1.A jurisprudência recente do STA tem-se pronunciado de forma consolidada, a propósito da interpretação da norma constante do art.240° n°1 CPPT, no sentido de que podem reclamar os seus créditos no processo de execução fiscal não apenas os credores que gozem de garantia real stricto sensu mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente privilégios creditórios (acórdãos STA Pleno 2ª secção l3.04.2005 processo nº 442/04;18.05.2005 processo nº 612/04;6.12.2006 processo n°929/06)
2.O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do art. 104° CIRS (numeração resultante do DL nº 198/2001, 2 Julho) na interpretação segundo a qual os privilégios imobiliários gerais por eles conferidos à Fazenda Pública preferem à hipoteca, nos termos do art.751° CCivil, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito art.2°CRP (acórdão n°362/2002,17.09.2002 DR I-A n°239 16.10.2002)
3.O crédito reclamado de IRS (1996) deve ser admitido e graduado:
a) após o crédito do BCP, garantido por hipoteca
b) a par dos créditos exequendos de IRS (anos 1993 a 1995),garantidos pela penhora efectuada em 2.09.2009, para pagamento rateado (art.745° n°2 CCivil; probatório als. A),C) e D)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença de graduação de créditos deve ser revogada (no segmento impugnado) e substituída por acórdão que proceda a nova graduação nos termos constantes da fundamentação”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) O SF de Amarante instaurou o processo de execução fiscal n.º 1759199901011340, para cobrança de dívidas de IRS dos anos de 1993 a 1995, no valor total de 127.475,64 € equivalente a 25.556.573$00— Fls. 2 a 9 do apenso.
B) A este processo foram apensados:
B.1) O processo de execução fiscal n.º 1759200201500872, para cobrança de dívidas de IVA do ano de 1999 e Fevereiro a Junho de 2000, com um valor atribuído de 14.322,00€- fls. 19 a 46 do apenso.
B.2) Ao processo de execução fiscal identificado em B.1), foi apensado o processo de execução fiscal n.º 1759200201501330, para cobrança de dívidas de IRS dos anos de 1999 e 2000, no valor atribuído de 25.582,00€- fls. 47 a 54 do apenso.
B.3) O processo de execução fiscal n.º 1759200201503740, para cobrança de dividas de IVA de Janeiro de 2000, no valor de 13.923,40€- fls. 56 a 66 do apenso.
C) No processo de execução fiscal identificado em A) foi penhorada em 02/09/1999 a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar, lado norte, do prédio constituído em propriedade horizontal sito na freguesia de …, concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 00250/020686 — “B”, da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1063— B —fls. 169.
D) A penhora realizada em C) foi registada em 09/09/1999, pela inscrição F-1, Ap.07/990909, para garantia da quantia exequenda de 25.556.573$00 — Fls. 39.
E) Nos processos de execução fiscal referidos em B.1) e B.2) foi penhorado, em 4/02/2003, o imóvel identificado em C), para garantia do pagamento da quantia exequenda de 43.459,37€—fls. 39, 170 e 171.
F) A penhora realizada em E) foi registada em 18/03/2003, pela inscrição F-2, Ap. 6/030318, para garantia da quantia exequenda de 543.459,37€— Fls. 39.
G) No processo de execução fiscal referido em B.3) foi penhorado, em 13/03/2003, o imóvel identificado em C), para garantia do pagamento da quantia exequenda de 13.923,40€— fls. 39, 172 e 173.
H) A penhora realizada em G) foi registada em 20/03/2003, pela inscrição F-3, Ap. 25/030320, para garantia da quantia exequenda de 543.459,37€— Fls. 39.
I) Sobre o prédio referido em C) foi registada em 15/11/1996 a hipoteca voluntária a favor do Banco Português do Atlântico, SA, a quem o BCP sucedeu, para garantia do empréstimo com o capital de 5.000.000$00, com juro anual de 10,1%, acrescido de sobretaxa de 4% em caso de ora, a título de cláusula penal, despesas no valor de 200.000$00, com o montante máximo de 7. 315.000$00—fls. 39.
5- A sentença sob recurso rejeitou o crédito reclamado pela ora recorrente Fazenda Pública relativo a IRS do ano de 1996 com fundamento, em resumo, no facto de apenas ter sido invocado o privilégio imobiliário geral do artigo 111.º do CIRS, que não constitui uma garantia real para efeito da admissibilidade da reclamação nos termos do artigo 240.º do CPPT.
Por sua parte, a recorrente vem defender, no essencial, que o artigo 240.º do CPPT deve ser interpretado no sentido de conferir dimensão lata à expressão credores que gozem de garantia real, para abranger também aqueles a quem a lei atribui causas legítimas de preferência, como os privilégios creditórios.
Vejamos.
A questão que vem controvertida no recurso, saber se os créditos que gozam de privilégio imobiliário geral (como é o caso do IRS- artigo 111.º do CIRS) podem ou não ser reclamados nos termos do artigo 240.º do CPPT, tem obtido uma resposta na jurisprudência deste STA largamente maioritária no sentido afirmativo, “maxime” a nível do Pleno da secção- cfr. acórdãos de 07/02/04, 13/04/05 e 18/05/05, nos recursos n.ºs 2078/03,442/04 e 612/04, estes dois últimos do Pleno.
De igual modo se perfilha esse entendimento jurisprudencial, pelo que seguiremos de perto a fundamentação que tem vindo a ser aduzida nos arestos acima mencionados.
De harmonia com o disposto no artigo 240.º do CPPT-“Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados”.
Verifica-se deste normativo que, muito embora o legislador fiscal tenha optado pela execução de bens individualizados do património do exequente tendo em vista a satisfação dos créditos do exequente, permitiu que os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados reclamassem os seus créditos na execução.
Por sua vez dispõe o artigo 111.º do CIRS - “ Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data do penhor ou outro acto equivalente”.
No que respeita aos privilégios creditórios define o artigo 753.º do CC como sendo “a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros”.
Sendo praticamente unânime o entendimento que os privilégios gerais não são qualificáveis como direitos reais de garantia, a verdade é que, na doutrina, como na jurisprudência, existe consenso no sentido dos privilégios creditórios conferirem preferência sobre os credores comuns.
Sendo assim, o facto de a preferência decorrente do privilégio imobiliário geral não resultar de uma garantia real, em sentido próprio, não significa que o credor que goza do privilégio não deva ser admitido a requerer a verificação e graduação do seu crédito, tendo em vista obter pagamento pelas forças do produto da venda do imóvel penhorado.
Aliás, o n.º 2 do artigo 604.º do CC aponta como “causas legítimas de preferência, além de outra admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção”.
A este propósito se escreveu no citado acórdão de 07/02/04, no recurso n.º 2078/03-“Assim o impõe a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito,………. , e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor privilegiado de acorrer ao concurso”.
Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o artigo 111.º do CIRS pois, nesse caso, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio.
Nesta conformidade, importa concluir que o artigo 240.º do CPPT deve ser interpretado por forma a abranger não apenas os credores que gozem de garantia real, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribua causas legítimas de preferência, nomeadamente privilégios creditórios, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença na parte ora recorrida, e, em consequência, graduar os créditos pela ordem seguinte, saindo as custas da execução precípuas do produto dos bens penhorados:
1.º-Créditos da Fazenda Pública de CA e IMI e juros relativos aos últimos três anos;
2.º-Crédito do BCP, juros e encargos, garantidos por hipoteca;
3.º Crédito exequendo de IRS de 1993 a 1995 e juros relativos aos últimos três anos, garantido pela penhora mais antiga, registada pela penhora-F-1; a par com o crédito de IRS relativo ao ano de 1996 e respectivos juros;
4.º- Crédito exequendo de IRS do ano de 2000 e juros relativos aos últimos três anos, que gozam da penhora intermédia, registada pela inscrição-F-2, e privilégio imobiliário geral;
5.º- Crédito exequendo de IRS de 1999 e de IVA, acrescido de juros relativos aos últimos três anos, garantidos pela penhora intermédia, registada pela inscrição-F-2; e
6.º- Crédito exequendo de IVA e juros relativos aos últimos três anos, garantido pela penhora mais recente, registada pela inscrição –F-3.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Maio de 2009. - Miranda de Pacheco (relator) - Brandão de PinhoAntónio Calhau.