Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0841/02
Data do Acordão:10/16/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BENJAMIM RODRIGUES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
TAXA MUNICIPAL.
INTERPRETAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL.
Sumário:I - É de interpretar uma petição inicial que foi entregue nos serviços de uma Câmara Municipal e erradamente endereçada ao seu Presidente como uma impugnação judicial das taxas nela indicadas se do contexto do articulado, conjugado com os meios de defesa do administrado legalmente possíveis, resulta que o interessado quis impugnar judicialmente a liquidação daqueles tributos.
II - No domínio da Lei das Finanças Locais Lei n.º 42/98, de 6/8 e do art.º 103º do CPPT, na versão anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, essa petição só poderia ser apresentada nos Serviços da Câmara Municipal.
Nº Convencional:JSTA00058230
Nº do Documento:SA2200210160841
Data de Entrada:05/16/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DO BARREIRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST SETÚBAL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:DL 42/98 DE 1998/08/06 ART30.
DL 433/99 DE 1999/10/26 ART7 ART10.
CPPTRIB99 ART103 ART111 ART112.
CPC96 ART137.
CCIV66 ART236.
Jurisprudência Nacional:AC STJ DE 1994/06/28 IN CJ AC STJ ANO1994 TII PAG15.; AC STJ DE 1997/01/28 IN CJ AC STJ ANO1997 TI PAG83.; LOCAL DE APRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
A – O relatório
1. A..., identificada com os demais sinais dos autos, dizendo-se inconformada com o despacho do Senhor Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal, que indeferiu liminarmente a impugnação judicial que deduziu contra vários actos de liquidação feitas pelos serviços da Câmara Municipal do Barreiro a título de "licença pela ocupação da via pública" e ordenou a remessa dos autos a esta Câmara Municipal, dele recorre directamente para este Supremo Tribunal, pedindo a sua revogação e substituição por outra decisão que determine o prosseguimentos dos autos como processo de impugnação judicial.
2. A recorrente refuta o decidido com base nas razões que sintetizou nas seguintes proposições conclusivas das suas alegações de recurso:
«I – A ora recorrente não concorda com a douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, porquanto a mesma, e salvo o devido respeito, não fez a melhor aplicação do direito e não decidiu da melhor maneira.
II – Não tendo o meritíssimo juiz a quo razão quando absolve a recorrida da instância com fundamento na ausência de impugnação judicial dirigida ao tribunal.
III – Ora, tal argumentação não faz qualquer sentido, uma vez que a petição que deu entrada junto da Câmara Municipal do Barreiro não é uma reclamação graciosa mas sim uma impugnação judicial.
IV – Ao apresentar a p.i. em causa juntos dos serviços da C.M.B., a recorrente impugnou as liquidações feitas por esta, relativas aos anos de 2001, a título de licença pela ocupação da dívida pública, procedimento este, aliás, em tudo igual ao adoptado pela recorrente em anos anteriores para as mesmas situações.
V – Conforme dispõe o art.º 103º do CPPT (com a redacção em vigor à data da entrada da p.i.) a petição ".... será apresentada no serviço periférico local onde haja sido ou deva considerar-se praticado o acto", como sucedeu no caso concreto.
VI – A tramitação da impugnação impõe que a mesma seja apresentada junto da entidade administrativa que pratique o acto, a qual deverá organizar o processo e apreciar a situação, emitindo o seu parecer e depois remeter o respectivo processo para o Tribunal competente.
VII – Acontece que a p.i. da ora recorrente foi apresentada junto da C.M.B. e dirigida, erradamente, ao Ex.mo Sr. Presidente da C.M.B.
VIII – Contudo, e uma vez que se trata de uma questão meramente formal, não deve obstar à apreciação da impugnação apresentada, tendo em conta que o direito processual tributário, hoje em dia, assenta no princípio da prevalência da substância sobre a forma.
IX – Como se referiu, é manifesta a intenção da ora recorrente de deduzir impugnação judicial, até porque se assim não fosse nunca teria sido requerida a remessa do presente processo ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal, o que fez atendendo ao disposto na lei.
X – Pelo que deverá a presente impugnação ser admitida a juízo e o processo seguir os seus termos até final.
XI – A decisão recorrida é ilegal porquanto violou o princípio do tratamento mais favorável aos interessados, consagrado no art.º 76º do C.P.A. aplicável ex vi o art.º 2º al. a) do CPPT e o princípio da prevalência da substância sobre a forma consagrado no art.º 37º do CPPT e no n.º 1 do art.º 40º da LPTA, aplicável ex vi o disposto na alínea c) do art.º 2º do CPPT.
3. A recorrida Câmara Municipal do Barreiro não contra-alegou.
4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, por em síntese, ser de todo irrelevante o verificado erro de endereço da petição inicial ao Presidente da Câmara do Barreiro em vez de o ser ao Juiz do Tributário, e nos termos do art.º 103º do CPPT e do art.º 7º do DL. n.º 433/99, de 26/10, que o aprovou, a petição da impugnação judicial tanto poder ser apresentada nos Serviços da Câmara Municipal que liquidou o tributo, como directamente no tribunal, sendo que tais preceitos são aqui aplicáveis por via do estabelecido pelo art.º 30º n.º 1 da Lei n.º 42/98, de 6/8 (Lei das Finanças Locais que substituiu a Lei n.º 1/87, de 6/1) que dispõe que à impugnação das taxas liquidadas pelos municípios se aplicam as normas do CPPT.
B – A fundamentação
5. A questão decidenda
É a de saber se se deve ter por apresentada no tribunal tributário uma petição de impugnação da liquidação de taxas municipais que foi endereçada ao Presidente da Câmara Municipal do Barreiro e apresentada nos seus serviços, aí tramitada como reclamação, e que posteriormente a requerimento da impugnante foi remetida ao tribunal.
6. Do mérito do recurso
Dispõe o art.º 30º da Lei n.º 42/98, de 6/8, que "à reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação dos impostos referidos nas alíneas a) e b) do art.º 16º, bem como das taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza fiscal, aplicam-se as normas do Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações".
O preceito abandonou a exigência da apresentação de reclamação necessária das taxas antes do recurso a juízo que constituiu um princípio seguido em todas as leis de finanças locais pos-25 de Abril. Hoje o interessado poderá recorrer a juízo independentemente da apresentação de qualquer reclamação contra o acto de liquidação quer de taxas, quer de outros tributos municipais.
Por outro lado, de acordo com aquela nova lei, o interessado poderá reagir contra a liquidação ilegal dos tributos municipais por meio da reclamação graciosa e por meio da impugnação judicial, sendo a tramitação processual a estabelecida actualmente no Código de Procedimento e Processo Tributário (De acordo com o disposto no art.º 10º do DL. n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o Código de Procedimento e de Processo Tributário, consideram-se feitas para as disposições correspondentes deste novo compêndio legislativo as remissões efectuadas nas leis e nos códigos para o Código de Processo Tributário.), sob cuja vigência a situação processual examinada aconteceu. Relativamente aos meios impugnatórios administrativos e judiciais das receitas municipais, é, pois, clara hoje a distinção que a lei faz entre a reclamação graciosa, de um lado, e a impugnação judicial, do outro lado, como da sua não opção pela prévia apresentação de qualquer reclamação necessária. Assim sendo, tendo a ora recorrente vindo impugnar as liquidações que identificou na sua petição inicial, haveria essa petição de ser interpretada enquanto uso do meio de impugnação judicial previsto no CPPT (art.ºs 99º e segs.). E de acordo com o disposto no art.º 103º do CPPT, na versão que vigorava à data da apresentação da petição inicial ou seja, em 5 de Junho de 2001, anterior por isso à alteração introduzida pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, essa petição só poderia ser apresentada como foi nos Serviços da Câmara Municipal do Barreiro. Na verdade, o art.º 7º do referido DL. n.º 433/99 coloca os órgãos da autarquia na posição dos órgãos periféricos locais para efeito do exercício de competências atribuídas a estes pelo CPPT. Temos, pois, que a petição só poderia ter sido apresentada à Câmara Municipal do Barreiro, equivalendo esse acto a sua apresentação ao seu presidente. Claro que apresentada não é endereçada, como fez a recorrente. Todavia, o erro é facilmente desculpável e deve ser juridicamente desconsiderado, por ser evidente a intenção da parte, aferida do ponto de vista objectivo e perante o contexto da petição inicial. Cabe aqui referir que os articulados das partes devem ser interpretados segundo os princípios comuns à interpretação dos negócios jurídicos (a teoria objectivista da impressão do destinatário consagrada no art.º 236º do C. Civil) e das leis, estes depositados no art.º 9º do mesmo código (Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ, de 94.06.28, CJ – STJ-1994, tomo II, págs. 15 e de 97.01.28, CJ – STJ – tomo I, págs. 83). De resto, nesta matéria não poderá deixar de seguir-se o princípio da utilidade dos actos, mesmo que das partes, assumido já no art.º 137º do CPC, de modo a potenciar sempre que possível a emissão de pronúncias de mérito, como agora veio explicitamente afirmar o art.º 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Se bem que ainda não em vigor, a sua normatividade já está condensada naquela norma jurídica, para além de reflectida em outras do sistema jurídico. Sendo assim, é indiferente a tramitação que a autarquia haja dado à impugnação, mormente vendo-a como uma reclamação necessária dos tempos da Lei n.º 1/87. De qualquer modo, a essa intervenção sempre será de atribuir a utilidade que era própria do acto que o art.º 111º do CPPT então previa – a apreciação do pedido de impugnação (Momento esse que foi abolido enquanto momento de observância obrigatória pela referida Lei n.º 15/2001, na nova redacção que deu ao preceito, tendo passado a ter agora apenas o recorte constante do art.º 112º do CPPT (possibilidade de revogação total ou parcial do acto dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do art.º 111º).
Temos, pois, que o recurso merece provimento.
C – A decisão
7. Destarte, atento tudo o exposto, acordam os juizes deste tribunal em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho de indeferimento liminar, o qual deverá ser substituído por outro que não seja de indeferimento pelos motivos aqui apreciados.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Outubro de 2002
Benjamim Rodrigues – Relator – Fonseca Limão – Ernâni Marques da Silva Figueiredo