Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02142/11.8BELRS
Data do Acordão:12/15/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RELAÇÕES ESPECIAIS
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
BENEFÍCIOS FISCAIS
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I - A Administração Tributária pode, ao abrigo do preceituado no artigo 58.º do CIRC, efectuar correcções ao lucro tributável sempre que, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas em determinadas operações condições diferentes das que, em regra, são acordadas entre pessoas independentes e essas particulares condições tenham conduzido a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que teria sido apurado se tais relações especiais não existissem.
II - É à Administração Tributária que compete o ónus de alegar e de provar quer a existência de relações especiais quer as “circunstâncias normais” em que determinadas operações se realizam, ou seja, as condições em que, em regra, essas operações se concretizam entre pessoas jurídicas independentes.
III - Fundando-se o juízo de comparabilidade de operações, exigido pelo n.º 3 do artigo 4.º da Portaria 1446-C/2001, num critério economicista, deve ser anulada a liquidação emitida ao abrigo do artigo 58.º do CIRC se a Administração Tributária não logrou demonstrar que, no caso concreto, as operações apresentam características económicas e financeiras relevantes suficientemente similares capazes de assegurar o elevado grau de comparabilidade legalmente exigido para que sejam realizadas correcções à matéria tributável por via do regime dos preços de transferência.
IV - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias não consentem que do artigo 17.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos.
V - Nos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos.
VI - Não há tratamento discriminatório, nem sequer arbitrariedade da solução legal, se é colocada na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P30357
Nº do Documento:SA22022121502142/11
Data de Entrada:11/15/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z........., SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por “V.……… Multimédia – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A.” contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3107201004001915, apresentada ao acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), do ano de 2006, no montante de € 106.077,20, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2. Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«A) Em sede de procedimento inspetivo procedeu a AT a uma correção no montante de € 266.000,00 relativa a proveitos não declarados, decorrentes da prestação de garantia (fiança) de pagamento concedidas no âmbito de crédito contratualizado entre instituição bancária e a X………..., sua participada, tendo por base a aplicação das regras dos preços de transferência.

B) Entendeu o Tribunal a quo, na douta sentença recorrida que “não se pode concluir que as operações aqui em causa são comparáveis com base no critério adoptado pela Administração Tributária supra referido. Com efeito, embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade.”

C) Dissente a Fazenda Pública como assim decidido pelas seguintes ordens de razão.

D) Determinava o art.º 58º, nº 1, do CIRC, na redação à data dos factos, que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

E) Segundo o n.º 2 do art.º 58º e nº 2 do art.º 4º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

F) Na determinação do preço de transferência utilizou a AT o método do preço comparável de mercado, utilizando como operação comparável à fiança a garantia bancária.

G) Embora a fiança e a garantia bancária sejam figuras distintas, apresentam os traços mais relevantes em comum, sendo ambas garantias especiais e pessoais.

H) Não sendo expressamente prevista e regulada no nosso ordenamento jurídico, a garantia autónoma encontra o seu suporte normativo no art.º 405° do CC, sendo que o seu regime jurídico é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 217.° e ss do CC) e dos contratos (art.ºs 405.° e ss do mesmo diploma legal).

I) Podendo definir-se tal negócio jurídico como a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

J) A fiança, por sua vez, é uma garantia pessoal das obrigações, através da qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento perante o credor.

K) Uma vez que a fiança abrange todo o património do devedor o seu valor como garantia encontra-se, por isso, dependente do valor do património do fiador.

L) Ou seja, conforme conclui o relatório inspetivo, tais operações apresentam em comum o facto de:

i. Serem emitidas por um terceiro formalmente alheio à relação estabelecida entre credor e devedor;

ii. Do ponto de vista económico, existe para o credor beneficiário uma garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela participada;

iii. Se encontrarem definidos os fins subjacentes à sua emissão e se balizar o âmbito dos seus efeitos;

iv. O subscritor/garantista assume uma obrigação de pagar;

v. Se verificar a existência de uma declaração de garantia de pagamento, uma vez que se assegura a realização de uma prestação de conteúdo económico equivalente que satisfaça o seu interesse económico e é assumido pelo emitente/garante que o risco económico da operação corre por sua conta e não do beneficiário;

vi. O emitente garantir o resultado, em termos de assunção do pagamento se o patrocinado não pagar, existindo uma garantia do pagamento;

vii. Quer o emitente da garantia bancária, que a impugnante, protegem o credor dos riscos económicos de incumprimento pelo devedor.

M) Em suma, que com uma, quer com outra, para o credor é obtido o mesmo efeito útil: ter a garantia efetiva do seu crédito.

N) Pelo que, ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o disposto no art.º 58º do CIRC, impondo-se a sua revogação, com a consequente manutenção no ordenamento jurídico-tributário, do ato impugnado.

O) A sentença recorrida, fez, ainda, uma interpretação errada das normas constantes, à data dos factos, do nº 3 do art.º 17º do EBF.

P) O art.º 17º do EBF estabelece um benefício fiscal em sede de IRC que consiste na majoração em 50% dos custos incorridos por cada posto de trabalho líquido criado nas condições previstas no n.º 1.

Q) O nº 3, do citado art.º 17º do EBF, (na redação anterior à da Lei 10/2009, de 10/03) estabelecia que a majoração “tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”

R) Daquele preceito legal resulta que o benefício tem uma duração de cinco “anos” (e não cinco exercícios) a contar da vigência do contrato de trabalho. Assim sendo, o legislador pretendeu que o benefício, em vez de vigorar por cinco exercícios fiscais, vigorasse por cinco anos.

S) Com efeito, se o dies a quo do benefício fiscal é a data do início da vigência do contrato de trabalho, então, o dies ad quem será o último dia do prazo de cinco anos, que se conta a partir daquela data, de acordo com as regras de cômputo do termo fixado por lei (art.º 279º, alínea c) e art.º 296º, ambos do Código Civil).

T) No que respeita às deduções efetuadas pela Recorrida, em razão do benefício fiscal pela criação do emprego líquido, entenderam os serviços da AT que as mesmas não são aceitáveis por o limite máximo da majoração anual dever ser ajustado proporcionalmente ao número de meses em que o trabalhador, elegível para o benefício, se manteve nessas condições.

U) A sentença recorrida contrapõe sustentando que, não deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho.

V) Discordamos com o assim decidido, pois, se o benefício fiscal, (que consiste na majoração de encargos dos respetivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art.º 17.º do EBF), depende da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.

W) A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respetivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbilicalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo período de cinco anos estabelecido no n.º 3.

X) Não se pode olvidar que, há uma racionalidade na lei que o intérprete deve reconstruir, o que exclui a aplicação automática da letra da lei, devendo, antes, ser considerado o contexto lógico-literal da norma.

Y) Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art.º 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art.º 9.º do C.C., aplicável ex vi, art.º 11.º, n.º 1 da LGT).

Z) Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.º 2 se reporta a uma “majoração anual”, o termo “anual” deve também ser objeto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n.º 3) ou seja, se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art.º 279.º, alínea c) e art.º 296.º, ambos do Código Civil).

AA) O que significa que, o n.º 2 do art.º 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no art.º 10.º do EBF.

BB) Deste modo, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação do teor das normas ínsitas aos n.ºs 2 e 3 do art.º 17º do EBF, impondo-se, também, neste segmento a sua revogação.

CC) Face ao exposto, não se verificando a ilegalidade da liquidação de IRC impugnada nos autos e das correções que lhe subjazem, devem as mesmas subsistir na ordem jurídico-tributária, por que legais.

DD) A procedência do presente recurso, com a consequente, improcedência da impugnação judicial, implicará, também, a reforma da sentença recorrida em matéria de custas processuais. O que se requer».

1.3. Contra-alegou a “V………. Multimédia – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A (doravante apenas designada por V………. ou Recorrida), concluindo a defesa do julgado nos seguintes termos:

«A) Em discussão nos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da Recorrida de anulação do ato de liquidação de IRC n.° 2009 8500019041, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.° 2009 00002286146 relativos ao exercício de 2006.

B) Em causa estava uma correção, no montante total de € 281.594,45, dos quais € 266.000 eram relativos a proveitos alegadamente não declarados pela Recorrida, e € 15.594,45 referentes à majoração de encargos relativos à criação líquida de emprego.

C) Em síntese, decorre do entendimento da Administração tributária que, por um lado, as operações de garantia a favor de entidades relacionadas foram efetuadas em incumprimento das regras derivadas da aplicação das normas de preços de transferência, tendo, consequentemente sido declarados rendimentos tributáveis inferiores aos que efetivamente deveriam ter sido auferidos e, consequentemente, tributados e, por outro, que o limite anual previsto, no Estatuto dos Benefícios Fiscais, para a criação líquida de emprego, deve ser proporcional ao número de meses em que o funcionário esteve em condições de elegibilidade para o benefício.

D) Não se podendo conformar com o entendimento da Administração tributária, a Recorrida apresentou os competentes meios de defesa, inicialmente, mediante a apresentação de Reclamação Graciosa e, posteriormente, através da Impugnação Judicial, no âmbito da qual foi proferida a Sentença objeto do presente recurso.

E) Conforme resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo acolheu integralmente o entendimento perfilhado pela Recorrida tendo considerado procedente o peticionado.

F) Neste âmbito, entendeu o Tribunal a quo que: “Com efeito, embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade. "(cf. página 33 da sentença recorrida).

G) Tendo, assim, concluído que: “a Administração Tributária não logrou demonstrar que, no caso concreto, a prestação de fiança pela Impugnante à «X……….. Portugal, S.A.», e a prestação de garantias bancarias autónomas cujos encargos foram por si suportados reúnem condições para serem consideradas comparáveis, por apresentarem características económicas e financeiras relevantes suficientemente similares, e assegurar um elevado grau de comparabilidade, de modo a corrigir a matéria tributável mediante o regime de preços de transferência previsto no artigo 58°, n.° 1, do Código do IRC, o que justifica a anulação da liquidação de IRC ora impugnada na parte relativa à correção «Proveitos Financeiros por Prestação de Garantias a Favor de Entidades Relacionadas», dando-se por prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Impugnante [cf. artigo 608°, n.° 2, do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPTJ."(cf. página 34 da sentença recorrida).

H) Ademais, e no que se refere à correção referente à criação líquida de emprego, entendeu o douto Tribunal - e bem - que não deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, fazendo menção ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08.05.2019, processo n.° 01054/17.6BALSB, no qual se refere que “(…) as regras da hermenêutica das normas legais tributárias (...) não consentem que do art.19.° do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.° 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos (...)

I) Por não se conformar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, vem a Administração tributária interpor o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando que: “Embora a fiança e a garantia bancária sejam figuras distintas, apresentam os traços mais relevantes em comum, sendo ambas garantias especiais e pessoais.” (cf. página 8 das alegações de recurso).

J) E ainda, “(...) o n. °2 do art.° 17.° do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite reporta-se à majoração anual de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no art. ° 10.° do EBF”.

K) Ora não pode a Recorrida deixar de considerar que não assiste razão à Administração tributária nos fundamentos que invoca contra a Sentença recorrida não podendo, nessa medida, ser o presente recurso considerado procedente.

L) Com efeito, conforme ficou demonstrado nos autos de Impugnação Judicial, ao contrário do invocado peia Administração tributária, nas suas alegações de recurso, o grau de comparabilidade das operações, exigido pelo (então) n.° 2 do artigo 58.° do Código do IRC não se basta com a simples verificação da existência: "[d]o mesmo efeito útil (...)”.

M) Efetivamente, no caso das operações em apreço - fiança e garantia bancária a autonomia, a repartição da responsabilidade entre as partes e o risco assumido pelo garante, são fatores de diferenciação de ambas as operações, impossibilitando, assim, à luz do que tem vindo a ser a doutrina e a jurisprudência dominantes, qualquer raciocínio de comparabilidade.

N) Aliás, as diferenças significativas entre ambas as operações ressaltam, desde logo, das definições efetuadas, pela própria Administração tributária nas alegações de recurso apresentadas.

O) Pois, enquanto - conforme definido pela Administração tributária - no caso da Fiança, esta engloba: todo o património do devedor, o seu valor como garantia encontra-se, por isso, dependente do valor do património do fiador” (cfr. página 9 das alegações de recurso).

P) No caso da garantia bancária, a mesma permite assegurar, à partida, um valor concreto, sendo um negócio jurídico “pelo qual o banco (...) se obriga a pagar uma certa quantia em dinheiro (...)” (cfr. página 9 das alegações de recurso).

Q) Com efeito, considerando que a autonomia é a característica diferenciadora da garantia bancária e que a fiança, pela sua própria natureza, tem uma função meramente subsidiária - apenas sendo exigível caso não seja cumprida a obrigação principal - e acessória - estando dependente das vicissitudes da obrigação principal - facilmente se compreende o maior risco assumido, na prestação de uma garantia bancária, por um lado, e o maior grau de segurança obtido pelo credor, por outro lado.

R) Adicionalmente, o cumprimento da obrigação subsidiária do fiador está dependente da excussão dos bens do devedor da obrigação principal, o que diminui excecionalmente o grau de risco do garante.

S) Assim, reside, precisamente, no diferente grau de risco assumido pelo garante e no diferente benefício retirado pelo credor, a segunda razão pela qual estas duas figuras não são comparáveis.

T) Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que: “Com efeito, embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade."(cf. página 33 da sentença recorrida).

U) No mesmo sentido, a doutrina considera que “isto significa que não deve haver diferenças entre situações comparadas suscetíveis de afetar os itens que se pretendem examinar ou que, a existirem algumas diferenças, podem ser efetuados ajustamentos razoavelmente fiáveis a fim de eliminar o efeito dessas diferenças" (cfr. Joaquim António R. Pires, Os Preços de Transferência, Vida Económica - Editorial S.A., Porto, Maio 2006, pág.40).

V) Por outro lado, a OCDE esclarece, no Relatório emitido em 1979 que, além de as características económicas das situações consideradas deverem ser suficientemente comparáveis, em concreto, devem ser considerados os seguintes critérios: "a) a análise deverá incidir sobre transações específicas, individualmente identificadas; b) a transação efetuada deve ser comparada com uma outra transação [...] igual ou semelhante inserida num contexto igual ou semelhante; c) os termos legais dos contratos celebrados devem, em princípio, ser tido em conta, designadamente em de obrigações emergentes; (...) e) a individualidade do contexto em que a transação é efetuada deve ser respeitada”.

W) Efetivamente, e em linha com o decidido pelo Tribunal a quo "n.° 2 do referido artigo 58° estabelece que o sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco." (cfr. página 23 da sentença recorrida).

X) De igual modo, também o Supremo Tribunal Administrativo considerou, no Acórdão emitido em 13 de janeiro de 2016, que: “com a prestação de uma garantia bancária não se previne apenas o risco do incumprimento de uma obrigação futura mas assume-se o pagamento de um determinado valor ainda que questionado quanto à sua exigibilidade e de forma irrevogável (...) enquanto que na fiança, surpreendemos a característica essencial da acessoriedade, que se traduz no facto de a obrigação do fiador se moldar necessariamente à do afiançado, já na garantia bancária o garante assegura a verificação de um determinado resultado, totalmente independente da obrigação assumida pelo devedor não podendo invocar, em princípio, quaisquer meios de defesa por exceção”.

Y) No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo, em 2021, atentou, no Acórdão emitido em 12 de maio de 2021, que: "(...) Atento o disposto no artigo 5.° da Portaria n.° 1446-C/2001, especialmente na alínea d) não se pode abstrair do facto de a relação entre a Impugnante e as sociedades dominadas não poder ser comparável às relações que se estabelecem entre entidades independentes entre si, sendo que em condições normais estas últimas se encontram impedidas, nos termos do artigo 6.°, n.° 3 do CSC de prestar este tipo de garantias a terceiras entidades, encontrando-se tal função reservada às instituições de crédito, como já mencionado supra. Nestes termos, temos que as aludidas garantias não configuram uma operação comparável para efeitos do artigo 58.° do CIRC."

Z) Com o mesmo entendimento, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, emitido em 10 de novembro de 2021, considerando que:

“(…) tendo presente o facto de a garantia bancária revestir características próprias que a diferenciam da fiança; tal como se deixou profusamente explanado na sentença recorrida, leva-nos a concluir que as condições da prestação de garantia bancária por parte de uma instituição bancária não podem servir de modelo de comparação para efeitos de determinação do valor remuneratório a fixará fiança prestada pela Recorrente, uma vez que as duas operações não revestem similitudes suficientes de comparabilidade, (...) Tendo presente as especificidades acima assinaladas e o facto de a garantia bancária revestir características próprias que a diferenciam da fiança, tal como se deixou profusamente explanado na sentença recorrida, leva-nos a concluir que as condições da prestação de garantia bancária por parte de uma instituição bancária não podem servir de modelo de comparação para efeitos de determinação do valor remuneratório a fixar à fiança prestada pela Recorrente, uma vez que as duas operações não revestem similitudes suficientes de comparabilidade, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 4.º da Portaria n°1446-C/2001 (...)."

AA) Pelo que, entende a Recorrida que é forçoso concluir como concluiu o Tribunal a quo na sentença recorrida no sentido de que: “(...) não se pode concluir que as operações aqui em causa são comparáveis com base no critério adoptado pela Administração Tributária supra referido" (cf. página 33 da sentença recorrida).

BB) No que se refere às deduções efetuadas em razão do benefício fiscal pela criação do emprego líquido, conforme ficou demonstrado nos autos de Impugnação Judicial, ao contrário do invocado pela Administração tributária nas suas alegações de recurso, não deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho.

CC) Como bem referiu o Tribunal a quo afirmando ainda que, e no mesmo sentido do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08.05.2019, processo n.° 01054/17.6BALSB "(…) as regras da hermenêutica das normas legais tributárias (...) não consentem que do art.19.° do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.° 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos (cfr. páginas 34 e 35 da sentença recorrida).

DD) Não pode a Recorrida deixar de discordar da Administração tributária quando esta defende que o montante máximo da majoração deve ser interpretado no sentido de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e nesse sentido, ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho.

EE) Importa destacar a posição da Administração relativamente a esta matéria e veiculada através das Instruções de Serviço IR/RI 20003/2019 e 20004/2019 de 21 de agosto de 2019, mediante as quais é alterada a forma de cálculo considera pela Administração tributária para efeitos de Majoração dos benefícios previstos para a criação líquida de emprego.

FF) Neste sentido, resulta da Instrução de serviço IR/RI 20003/2019 que:

"Considerando a jurisprudência já emitida, nomeadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, sobre se o limite mensal, e por posto de trabalho, de 14 vezes o salário mínimo nacional, previsto no n.° 2 do artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Dec. Lei n. ° 198/2001, de 3-07, em vigor até à sua alteração, promovida pela Lei n.° 32-B/2002, de 30-12, se refere à base de incidência sobre a qual opera a majoração, ou se, como vinha defendendo a AT, aí se contém o limite à dedução de encargos por referência à soma dos encargos com salários com o incentivo da majoração; Foi, por meu despacho de 2019-04-03, exarado na Informação n.° 2019000320, da Direção de Serviços do IRC, determinada a alteração da interpretação dada ao citado n.° 2 do artigo 17.° do EBF (na referida redação), no sentido de que o limite imposto se reporta unicamente ao valor dos encargos mensais e não ao valor dos encargos mensais acrescidos da majoração."

GG) No mesmo sentido, resulta da Instrução de Serviço n.° 20004/2019 de 21 de agosto que: ‘‘Relativamente à matéria em epígrafe, considerando que a jurisprudência já emitida, nomeadamente no Acórdão de uniformização de jurisprudência pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Processo n.° 01054/17.6BALSB, de 2019-05-08, é contrária à interpretação assumida pela AT; Foi, por despacho de 2019-07-13, da Diretora - Geral, exarado na Informação n.° 2019000681, da Direção de Serviços do IRC, determinada a alteração da interpretação dada aos citados normativos, no sentido de que o limite máximo de majoração anual, por posto de trabalho, corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida (sem o seu ajustamento proporcional anteriormente defendido pela AT) nos anos inicial e final dos contratos de trabalho elegíveis, quando estes não sejam inteiramente coincidentes com o início e o fim do período de tributação. Entendeu o Tribunal que «As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do artigo 9.° do CC, ex vi do n.° 1 do art. 11.° da LGT) não consentem que do artigo 19.° do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.°1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos.» ",

HH) Sendo expressamente indicado em ambas as Instruções de Serviço que: “Assim, nos procedimentos que estejam pendentes de decisão, como sejam, nomeadamente, as reclamações, os recursos ou as impugnações, em que esteja a ser discutida a matéria em apreço, deve ser refletido o entendimento agora sancionado.", o que, contudo, não sucedeu neste caso em apreço.

II) Em face de todo o exposto, deverá o presente recurso ser considerado improcedente por não provado e, consequentemente, ser mantida na ordem jurídica a Sentença recorrida que determina a anulação do ato de liquidação de IRC emitido com referência ao exercício de 2006, a que correspondeu a demonstração de acerto de contas no montante de € 106.077,20 porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, designadamente, por violação do disposto no (então) artigo 58.° do Código do IRC e (então) artigo 17.° do EBF.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, convocando, no sentido da manutenção do julgamento, a existência de jurisprudência recente do Pleno e desta Secção de Contencioso relativamente às questões suscitadas, que a sentença identifica e o Ministério Público acompanha.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são duas as questões a decidir.

A primeira relativa aos pressupostos de aplicação dos preços de transferência, consagrado no artigo 58.°, n.º 1 e 2 do CIRC, regime que a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou e de que resultou uma correcção relativa a proveitos não declarados pela Recorrida, decorrentes de prestação de garantias a favor de entidades relacionadas [prestação de fiança no âmbito de crédito contratualizado entre instituição bancária e a X……….., sua participada], no montante de € 266.000,00.

A segunda, conexa com o regime relativo à majoração de encargos relativos à criação líquida de emprego, prevista no artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que a Recorrida deduziu ao lucro tributável, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu legalmente inadmissível e que deu origem a uma correcção no montante de € 15.594,45.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Da instrução dos autos resultaram provados os seguintes factos:

A) Em 2006, a Impugnante era a sociedade dominante do “Grupo V……….. Multimédia, SGPS, S.A.”, nesse ano enquadrado no regime especial de tributação de grupos de sociedades, que era composto por si e por diversas sociedades, entre as quais a “U……. ……Portugal, S.A” – factos não controvertidos.

B) Em 2006, a Impugnante prestou uma fiança no valor de € 70.000.000,00 a favor da “X……….. Portugal, S.A.”, sendo esta entidade indiretamente detida em 50% pela Impugnante – facto não controvertido.

C) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200800191, a entidade “U………….., S.A.”, pertencente ao grupo V………., foi alvo de ação inspetiva externa, incidente sobre o exercício do ano 2006 – cf. documento a fls. 86 do PRG.

D) A ação inspetiva mencionada na alínea que antecede, culminou em correções ao lucro tributável de IRC no montante de € 15.594,45, referente ao montante deduzido pela entidade referente ao benefício fiscal respeitante à majoração de encargos relativos à criação líquida de emprego, extraindo-se do teor do relatório de inspeção o seguinte:

“(…)

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA

III.I. Correcções à Matéria Tributável – IRC

a) Benefícios Fiscais - Criação de Emprego para Jovens

O sujeito passivo deduziu ao lucro tributável (Campo 234 do quadro 07 da Declaração Modelo 22), a título de benefício fiscal referente à majoração de encargos relativos à criação líquida de emprego, prevista no artigo 17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o montante de 194.780,68 €.

No que respeita ao cálculo da majoração relativa à criação líquida de postos de trabalho do exercício de 2006, constatou-se que o sujeito passivo utilizou o limite previsto no n.° 2 do artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme redação dada pelo n.° 1 do artigo 38° da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE 2003), sem, no entanto efectuar a devida correspondência para o número de meses decorridos desde a data de início do contrato até ao final do exercício, em virtude de o referido limite ser anual e como tal respeitar a 12 meses de trabalho e de o n.° 3 referir que a majoração "tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho", significando claramente que tem início na data em que efectivamente o trabalhador é contratado sem termo.

No mesmo sentido, o despacho do Director-Geral dos Impostos de 26.09.2006 exarado no processo 1498/2006 refere que - o prazo de 5 anos a que se refere o n.°3 do artigo 17° do EBF pode reflectir-se em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o exercício económico.

Assim, se o início de vigência do contrato ocorrer, por exemplo, em 1 de Junho de 2006, a majoração tem lugar durante um período de cinco anos, ou seja, até Maio de 2011, conforme o disposto no referido n.° 3. Neste caso, sendo que o limite referido no n.° 2 é anual e como tal, respeita a 12 meses de trabalho o montante máximo da majoração deverá ser proporcional ao número de meses de trabalho efectuado nos anos em que não permanece na empresa o ano completo, ou seja, 2006 (7 meses) e 2011 (5 meses), isto pressupondo que o trabalhador se manteria na empresa durante esse período de cinco anos.

Relativamente à criação líquida em 2006, tem-se a acrescentar que, o sujeito passivo, considerou 9 colaboradores como criação líquida de emprego neste exercício (18 entradas elegíveis - 9 saídas elegíveis). No entanto, nestas entradas e saídas elegíveis foi considerado o colaborador n° 10047048 admitido em 3 de Fevereiro de 2006 e cuja saída ocorreu em 29 de Junho do mesmo ano, cujos encargos foram considerados no cálculo da majoração.

Tal como deve ser efectuada a correspondência para o número de meses decorridos desde a data de início do contrato até ao final do exercício, de igual forma deve ser efectuada a correspondência para o número de meses decorridos desde o início do exercício até à data de saída do colaborador, se esta ocorrer antes do prazo dos 5 anos. Ou seja, se um colaborador sair da empresa em 1 de Fevereiro de 2006, a majoração só pode ocorrer durante o período de permanência do colaborador na empresa, que neste caso seria de 1 mês.

Face ao exposto, a correcção a efectuar ao lucro tributável, relativamente à majoração referente à criação líquida de postos de trabalho será no montante de 15.594,45€, conforme Anexo I e de acordo com o artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

(…)

a) Correcções à Matéria Tributável - IRC - Criação de Emprego para Jovens (Ponto III.I.a do Projecto de Relatório)

O sujeito passivo, veio em sede de direito, de audição, nos pontos 14 a 28, expor as suas alegações quanto à correcção proposta referente à Criação Líquida de Postos de Trabalho, e que se passam de seguida a enunciar.

Começando por alegar, no ponto 18, que “nos termos do n°1 do artigo 19°do EBF (artigo 17° à data dos factos) “(...) os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício", refere, no ponto 20, que a letra da lei é clara quando estabelece que " o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado", considerando não existir -qualquer limitação, da majoração em função do número de meses que o trabalhador esteve ao serviço da empresa (...) mas tão só uma limitação do montante da majoração".

Afirma ainda, no ponto 21, que “à luz do regime em vigor no exercício de 2006 (...), o benefício fiscal era aplicável a todos os empregos criados (...) independentemente do valor da remuneração auferida e do tempo de trabalho do colaborador no ano em que é contratado" não compreendendo “em que medida o teor do Despacho de 26 de Setembro de 2006 sustenta a posição constante do Projecto de Conclusões relativamente a esta matéria", sendo que o despacho "visa apenas delimitar o período temporal do benefício, referindo que o prazo de 5 anos não se reporia ao conceito de anos civis, mas sim a 5 anos completos, a contar da data de celebração do contrato de trabalho" não esclarecendo "se a majoração a efectuar deve ou não ser considerada em função dos meses que o trabalhador se encontrou ao serviço da empresa. Face às alegações do sujeito passivo, em Direito de Audição, cumpre referir o que de seguida se expõe.

De acordo com o n°1 do artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais. “Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos com idade não superior a 30 anos são levados a custos em valor correspondente a 150%. “O n°2 do mesmo artigo estipula que “Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado."

Por fim vem o n°3, dispor que "A majoração referida do n°1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início de vigência do contrato de trabalho".

Assim, decorre da lei que o montante máximo da majoração resulta do período temporal relativamente ao qual se verificaram os encargos referidos no n°2, de forma a dar cumprimento ao preconizado no n°3.

Se o benefício é aplicado por cinco anos e se o mesmo tem um limite anual, ao usufruir do limite máximo no ano de início de vigência do contrato e no exercício em que finda o benefício, estaria o contribuinte a utilizar um benefício superior ao que lhe é conferido pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais, no seu artigo 17°.

Ou seja, a título de exemplo se é celebrado contrato de trabalho com um funcionário (que reúne as condições previstas na lei) em Junho de 2006, a entidade patronal poderá beneficiar da majoração prevista no referido artigo 17 ° do Estatuto dos Benefícios Fiscais por um período de 5 anos completos ou seja, até Maio de 2011, e não por um período de 5 anos civis com início em 2006 e terminus em 2010.

Assim, no exercício de 2006 poderia beneficiar da majoração relativamente a 7 meses, apurando o montante máximo da majoração da seguinte forma, 7/12 x 'montante máximo da majoração anual', nos exercícios de 2007 a 2010 poderia beneficiar da majoração com um limite máximo igual ao 'montante máximo da majoração anual‘ e no exercício de 2011 poderia beneficiar da majoração relativamente a 5 meses, apurando o montante máximo da majoração anual, tal como foi indicado para 2006, mas com referência a 5 meses e não a 7.

Senão, vejamos:

Um funcionário com contrato de trabalho iniciado em 1 de Março de 2006, cujo total dos rendimentos e encargos do mês correspondam a 10.236,16€ e que se mantém na empresa por período superior a cinco anos, a respectiva entidade empregadora iria beneficiar de uma majoração de 5.245,80€. valor igual ao limite anual preconizado no n.°2 do artigo 17° do EBF, nos exercícios de 2005 a 2010 (seis exercícios, uma vez que o benefício só iria terminar em Fevereiro de 2011 e pressupondo que todas as variáveis se mantêm constantes) o que excede os cinco anos previstos no n.° 3 do artigo 17° do EBF.

A este propósito refira-se, ainda, o despacho do Director Geral dos Impostos de 26.09.2006 exarado no processo 1498/2006, e já citado no Projecto de Relatório: "A majoração a que se refere o n.° 1 do artigo 17.° do EBF, relativa à criação líquida de emprego para jovens, origina, para a entidade empregadora, a dedução dos custos suportados com o trabalhador admitido, em valor correspondente a 150%, ao longo dos cinco anos a contar do início da vigência do contrato. Deste modo, o prazo de 5 anos a que se refere o n ° 3 do artigo 17.° do EBF pode reflectir-se em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico. “Pelo exposto, e se o benefício se pode estender por seis exercícios económicos, torna-se óbvio que o mesmo terá de ser fraccionado, para que não contrarie o n°3 do artigo 17° do EBF. Se o benefício tem de ser fracionado não faria sentido que o limite preconizado no n°2 do artigo 17° do referido diploma legal não o fosse.

Efectivamente, a Administração Fiscal não está a aferir o benefício ou o limite numa base mensal, como sugere o sujeito passivo. O procedimento da Administração Fiscal visa tão somente a concretização correcta do uso do benefício por 60 meses ainda que utilizados em 6 exercícios económicos, sendo que para tal faz a correspondência à fracção do ano em que efectivamente é devido um benefício ou não à fracção do ano em que este não é devido por o funcionário não se encontrar na empresa, de forma a dar cumprimento aos três requisitos do artigo 17° do EBF.

Pelo acima exposto será de manter a correcção proposta no Projecto de Correcções, no montante de 15.594,45 €.” – cf. documento a fls. 48-68 do PRG.

E) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200900238, a Impugnante foi alvo de ação inspetiva externa, incidente sobre o exercício do ano 2006, relativa à aplicação do regime especial do Grupo V……….. e à análise da sociedade dominante em termos individuais – cf. extraído da pág. 4 do relatório final da ação inspetiva (documento a fls. 252-311 do PAT).

F) A Impugnante foi notificada do projeto de relatório da inspeção tributária mencionada em E), para exercer o direito de audição, tendo-se pronunciado por escrito – cf. documentos a fls. 19-24 e 73-83 do PRG.

G) A ação inspetiva mencionada em E) culminou em correções ao resultado fiscal declarado pela Impugnante, no montante de € 266.000,00 (referente ao que os serviços consideraram como proveitos financeiros por prestação de garantia prestada pela Impugnante à “X…………. Portugal, S.A.”), e ao resultado fiscal declarado pela “U…………., S.A.”, no montante de € 15.594,45 (referente à desconsideração da dedução feita a título de montantes correspondentes a benefícios fiscais por criação líquida de emprego), extraindo-se do teor do relatório de inspeção o seguinte:

“(…)

IX.1 – V……….. Multimédia, SGPS, SA

IX.1.1 - Encargos Financeiros suportados com a aquisição de partes de capital

No ponto 5 do Direito de Audição, o sujeito passivo informou e comprovou que procedeu à entrega de Declaração de Rendimentos Modelo 22 de substituição com referência ao exercício de 2006, referente à correcção proposta no Projecto de Relatório relativamente aos encargos Financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, conforme referido no ponto VI.

Face ao exposto considera-se regularizada a correcção no montante de 447.492,74€, sendo de reflectir tal no lucro tributável do grupo aquando da elaboração do documento de correcção final.

IX.1.2 - Proveitos Financeiros por Prestação de Garantias a favor de Entidades Relacionadas

O sujeito passivo, vem nos pontos 10 a 13 do Direito de Audição, concordar que as operações realizadas entre entidades relacionadas deverão obedecer ao Princípio de Plena Concorrência e que no caso em concreto *não há dúvida que, entre a V……….. Multimédia e a X…………., sociedade detida indirectamente em 50% pela Exponente, existem relações especiais à luz do disposto no artigo 58° do Código do IRC". No entender da V………. Multimédia, SGPS os aspectos enumerados pela Administração Fiscal, com referência ás operações economicamente tomadas como comparáveis, não permitem demonstrar que a fiança prestada à X………. assume uma natureza idêntica ás garantias que foram prestadas Por instituições de crédito a solicitação da V……….. Multimédia, SG PS* (pontos 19 e 20 do Direito de Audição/entendendo que as operações em causa não são susceptíveis de ser comparadas por não partilharem uma natureza idêntica e por serem evidentes as diferenças entre si. Não concordando com tal entendimento, veio a Administração Fiscal proceder à sua refutação. Assim, importa, desde logo, precisar que as garantias em análise partilham a natureza de garantias especiais, por oposição à garantia geral que constitui o património do devedor. No caso sub judice estamos, relembre-se, a utilizar como comparável as garantias prestadas por instituições de crédito. A este propósito escreve Armindo Saraiva Matias relativamente aos vários bancos prestam aos seus clientes: "Pudemos chegar à conclusão de que qualquer daqueles instrumentos se reconduz a garantia pessoal na medida em que, pelo cumprimento de uma obrigação, passa a responder o património do banco garante, por acréscimo ao património do devedor. (...) Não há, por outro lado, qualquer afectação especifica de bens do garante. Os bancos não prestam, por isso, garantias reais. "Assevera este autor que a prestação de uma garantia pelo banco ao seu cliente configura uma garantia pessoal, aproximando-se, definitivamente, tal qualificação da figura da fiança. De acordo com Mário Júlio de Almeida Costa, para quem a fiança representa a figura-tipo das garantias pessoais reconhecidas pela lei civil, "A fiança analisa-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor." Considerando o exposto, não colhe a argumentação do sujeito passivo quando, no ponto 24 do Direito de Audição, afirma que "na garantia bancária autónoma (...) não está em causa garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas sim assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia". Não restam dúvidas, até por que admitir o contrário traduziria um paradoxo, que a função da garantia será sempre o cumprimento da obrigação do devedor, ainda que de forma mediata situação que, em si própria, se confunde com a satisfação do interesse económico do credor. Tratam-se de duas faces da mesma moeda, indissociáveis e que não faz sentido tentar separar. E mais fica demonstrado que o instrumento conducente ao cumprimento não apresenta, no caso presente, características que o afastem da fiança visto que, como anteriormente evidenciado, as garantias bancárias passivas (Banco Cliente) revestem natureza pessoal uma vez que 'pelo cumprimento de uma obrigação, passa a responder o património do banco garante, por acréscimo ao património do devedor'.

Dado o paralelismo existente entre as figuras em causa, poderá concluir-se estar verificado o disposto no n.° 3 do art° 4.º da Portaria n.° 1446-C/2001, de 12 de Dezembro, em que “Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas'.

Vem, ainda, alegar que tratam-se de garantias com naturezas jurídicas distintas, já que as prestadas pelas instituições de crédito 'subsumem-se na figura de garantia bancária autónoma", na qual o “garante assegura ao beneficiário da mesma um determinado resultado, assumindo uma obrigação própria, já que não está em causa garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas sim assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia" e a contrapartida exigida pelo garante será sempre superior à remuneração que seria exigida numa fiança, no âmbito da qual a obrigação do fiador é sempre acessória da que recai sobre o devedor principal' (pontos 22 a 25 do Direito de Audição).

Quando o sujeito passivo, vem afirmar que as garantias prestadas pela empresa e as prestadas pelas instituições de crédito (garantia bancária autónoma), têm natureza jurídica distinta, não significa, obrigatoriamente, que tenham naturezas económicas distintas, tal como se vai demonstrar.

Assim, a garantia bancária pode ser caracterizada como um contrato unilateral, pelo qual alguém garante ao credor a prestação a cargo do devedor, assegurando que aquele receberá sempre a quantia correspondente à divida, não só em caso de incumprimento, mas mesmo nos casos em que a mesma não exista ou não seja exigível.

Quando o sujeito passivo, no ponto 25, afirma que a contrapartida exigida pelo garante no âmbito de uma garantia bancária será sempre (sublinhado nosso) de valor superior à remuneração exigida numa fiança uma vez que a obrigação do fiador é sempre (sublinhado nosso) acessória da que recai sobre o principal devedor, tal definitividade não corresponde à verdade.

Atente-se, para o efeito, ao disposto no art.° 640° do Código Civil, no qual se prevêem duas situações de exclusão aos benefícios que assistem ao fiador, mormente o benefício da excussão prévia, e que o colocam ao mesmo nível do garante no caso de garantia bancária autónoma A V………..Multimédia, SGPS, procurou ainda defender esta ideia com base num hipotético âmbito mais alargado das funções desempenhadas pelo garante no caso das garantias bancárias autónomas, por oposição ao fiador. Tal argumento foi já afastado com base no disposto no art.° 640° do Código Civil. Acresce ainda, e não deixa de ser sugestivo, que é a própria V……….. Multimédia que afirma que a remuneração da garantia bancária autónoma será à partida, mais elevada, deixando em aberto a possibilidade de o inverso poder também verificar-se, isto é, ser mais elevada a remuneração do fiador em função do âmbito da sua obrigação. Tendo em conta que o objectivo da Exponente é afastar a possibilidade de comparação das operações, não poderá deixar de considerar-se que não conseguiu aqui deixar patente a insuficiente similaridade entre ambas. Nos pontos 26 e seguintes, veio ainda dar destaque às funções desempenhadas pelo garante que “têm um âmbito mais alargado no caso das garantias bancárias autónomas, razão pela qual a respectiva remuneração será, à partida, mais elevada". Relativamente às funções desempenhadas pelo garante, apraz-nos afirmar que dentro das semelhanças entre uma garantia autónoma e as garantias prestadas pelo sujeito passivo às suas participadas, podemos destacar que ambas são emitidas por uma entidade terceira alheia à relação entre credor e devedor, ambas criam para o subscritor uma obrigação própria e diferente da do devedor - sendo que, por vezes, a obrigação do patrocinante é também estruturalmente autónoma da patrocinada – e ambas exercem uma função de garantia do cumprimento da obrigação assumida pelo devedor.

Afirma, posteriormente, (…) que uma garantia prestada por uma instituição de crédito proporciona um nível de segurança mais elevado” do que uma fiança “pelo que (...) a respectiva remuneração deverá ser mais elevada.

Mais uma vez se discorda da V……….. Multimédia, SGPS. Com efeito, o nível de segurança terá de ser apurado em função da determinação concreta do fiador, concordando-se com Armindo Saraiva Matias quando afirma que 'sob o ponto de visto económico se reconhecerá sem dificuldade que a garantia vale o que valer o património e a honorabilidade do garante’.

Assim, a fiança conferida pelo detentor de uma grande fortuna não proporcionará um nível de segurança inferior à garantia prestada por uma instituição de crédito de média dimensão, o que fica reforçado pela pessoalidade inerente à exigência da fiança.

Também por aqui se mantém a pertinência da comparação das operações.

Finalmente, nos pontos 29 e seguintes, vem a V……….. Multimédia alegar a incomparabilidade das operações por considerar que apenas o seriam as operações em que uma sociedade comercial desempenhasse o papel de garante numa operação com uma entidade independente, o que considera não ser possível.

Para justificar a sua posição invoca o n.° 3 do art° 6º (ainda que não tenha indicado o artigo presume-se que a Exponente se refira ao art.° 6º do Código das Sociedades Comerciais (…).

Ora, relativamente a esta argumentação da V……….. Multimédia, SGPS, não pode a Administração Fiscal, de todo concordar, pois as empresas relacionadas poderão desenvolver operações que empresas independentes não desenvolveriam, não com intenção de obter vantagens fiscais, mas porque, nas suas relações reciprocas, as empresas de um mesmo grupo operam num contexto comercial diferente do das empresas independentes, o que poderá revelar-se de extrema dificuldade na identificação de operações comparáveis. No entanto, tal dificuldade não deverá constituir um obstáculo à aplicação do princípio de plena concorrência'.

É quase incompreensível que o sujeito passivo conclua pela impossibilidade de as sociedades comerciais, que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras poderem efetuar, este tipo de operações com entidades independentes quando o n.º 3 do art° 6 é absolutamente claro ao pronunciar que será assim “salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante”.

Ou seja, a operação em causa, prestação de garantia por sociedade comercial a entidade independente, não ilegal, podendo, ao invés, apenas verificar-se quando se encontre preenchido o requisito do “justificado interesse próprio da sociedade garante”.

E daqui resultam duas consequências relevantes.

Em primeiro lugar, e tendo sempre em vista que, in fine, estamos aqui tratar do seu grau de comparabilidade, as operações são comparáveis (por serem legalmente possíveis) no caso de uma sociedade comercial desempenhar o papel de garante numa operação com uma entidade independente, o que, a final, não se mostra indispensável uma vez que as operações utilizadas no Projecto de Relatório satisfazem plenamente o critério de suficiente similaridade previsto no n.º 3 do art° 4° da Portaria n.° 1446-C/2001, de 12 de Dezembro, conforme supra demonstrado.

Em segundo lugar, está totalmente afastado o argumento do sujeito passivo uma vez que a operação em análise não é ilegal à luz do ordenamento jurídico interno, dependendo, antes, do cumprimento de um requisito específico para ser admitido.

Não se exige que as condições praticadas fossem aquelas que seriam exigidas numa operação ilegal visto que, observado o requisito do justificado interesse próprio, nenhuma ilegalidade se encontra, fazendo sentido exigir que a remuneração praticada nas operações com entidades relacionadas seja efectuada nas condições que seriam praticadas nas operações com entidades independentes.

Assim, ainda que a V………… Multimédia, de acordo com o n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, apenas pudesse prestar garantias a entidades do grupo, tal não obvia à aplicação do princípio de plena concorrência, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CIRC, sendo, desta forma errada a conclusão da V……….. Multimédia de que as operações em analise não se encontram abrangidas pelas regras de preço de transferência, sendo também de referir que a própria exponente vacila na sua argumentação quando utiliza a expressão “em princípio”. (…)

IX. 2 – U…………, SA

IX.2.1. - Benefícios Fiscais - Criação Líquida de Emprego

Relativamente a esta proposta de conceção, o sujeito passivo, vem referir, ponto a ponto o que já foi argumentado no direito de audição individual da U……….. Portugal, SA. encontrando-se os argumentos aduzidos pelos nossos serviços, com vista à elucidação e clarificação da questão, reflectidos no ponto III. 1.2. do presente Relatório.

Face às alegações do sujeito passivo, em Direito de Audição, apraz-nos ainda tecer as seguintes considerações.

De acordo com o n°1 do artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, “Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos com idade não superior a 30 anos são levados a custos e m valor correspondente a 150%."

O n.º 2 do mesmo artigo estipula que “Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado”.

Por fim, vem o n.º 3 dispor que “A majoração referida do n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início de vigência do contrato de trabalho”.

Assim, decorre da lei que o montante máximo da majoração resulta do período temporal relativamente ao qual se verificaram os encargos referidos no n°2, de forma a dar cumprimento ao Se o benefício é aplicado por cinco anos e se o mesmo tem um limite anual, ao usufruir do limite máximo no ano de início de vigência do contrato e no exercício em que finda o benefício, estaria o contribuinte a utilizar um benefício superior ao que lhe é conferido pelo EBF, no seu artigo 17°. Ou seja, a título de exemplo, e como já foi anteriormente referido pela Administração Fiscal, se é celebrado contrato de trabalho com um funcionário (que reúne as condições previstas na lei) em Junho de 2006, a entidade patronal poderá beneficiar da majoração prevista no referido art°17.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais por um período de 5 anos completos, ou seja, até Maio de 2011, e não por um período de 5 anos civis com início em 2006 e terminus em 2010.

Assim:

- No exercício de 2006 poderia beneficiar da majoração relativamente a 7 meses, apurando o montante máximo da majoração da seguinte forma: 7/12 x "montante máximo da majoração anual";

- Nos exercícios de 2007 a 2010 poderia beneficiar da majoração com um limite máximo igual ao "montante máximo da majoração anual” e;

- No exercício de 2011 poderia beneficiar da majoração relativamente a 5 meses, apurando o montante máximo da majoração anual, tal como foi indicado para 2006, com referência a 5 meses.

Ou seja, no exercício em que se verificar o início ou fim das condições de elegibilidade do trabalhador para o benefício, o limite máximo da majoração anual deve ser ajustada proporcionalmente ao número de meses em que mantiverem essas condições.

Caso contrário, no seu total, poderia ser atribuído um benefício fiscal superior ao que consta da lei.

A este propósito refira-se o despacho do Director Geral dos Impostos de 26.09.2006 exarado no processo 1498/2006 e já citado no Projecto de Relatório: A majoração a que se refere o n.° 1 do artigo 17 ° do EBF, relativa à criação líquida do emprego para jovens, origina, para a entidade empregadora, a dedução dos custos suportados com o trabalhador admitido, em valor correspondente a 150%, ao longo dos cinco anos a contar do início da vigência do contrato.

Deste modo, o prazo de 5 anos a que se refere o n ° 3 do artigo 17 ° do EBF pode reflectir-se em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico. "Pelo exposto, e se o benefício se pode estender por seis exercícios económicos, toma-se óbvio que o mesmo terá de ser fraccionado, para que não contrarie o n°3 do artigo 17° do EBF. Se o benefício tem de ser fraccionado não faria sentido que o limite preconizado no n°2 do artigo 17° do referido diploma legal não o fosse. Efectivamente, a Administração Fiscal não está a aferir o benefício ou o limite numa base mensal, como sugere o sujeito passivo. O procedimento da Administração Fiscal visa tão somente a concretização correcta do uso do benefício por 60 meses ainda que utilizados em 6 exercícios económicos, sendo que para tal faz a correspondência à fracção do ano em que efectivamente é devido um benefício e não à fracção do ano em que este não é devido por o funcionário não se encontrar na em presa, de forma a dar cumprimento aos três requisitos do artigo 17° do EBF.

Pelo acima exposto será de manter a correcção proposta no Projecto de Correcções, no montante de 15.594,45 €” cf. documento a fls. 86-121 do PRG.

H) Na sequência das correções efetuadas, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2009 8500019041, referente ao ano 2006, no montante de € 106.077,20, com o seguinte teor:

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documento 1 junto com a p.i.

I) Em 03/03/2010, a Impugnante apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação mencionado na alínea que antecede, a cujo procedimento foi atribuído o n.º 3017201004001915 – cf. documento a fls. 2 do PRG.

J) Em 21/10/2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação mencionada na alínea que antecede, em concordância com a informação n.º 209-JT/11 prestada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária – cf. documento a fls. 210-220 do PRG.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora Recorrida, anulou, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a liquidação adicional emitida que substancia as duas correcções efectuadas na sequência do procedimento inspectivo: correcção no montante de € 266.000,00 relativa a proveitos não declarados pela V……….., decorrentes de prestação de garantias a favor de entidades relacionadas, tendo por base a aplicação das regras de preços de transferência; correcção no montante de € 15.594,45, referente à majoração de encargos relativos à criação líquida de emprego, deduzido ao lucro tributável pelo sujeito passivo.

3.2.2. Como deixámos dito, a Recorrente imputa a este julgamento erro de julgamento de direito, aduzindo, nuclearmente, que quer a aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do CIRC quer a interpretação e aplicação do artigo 17.º do EBF que fez no caso concreto não padecem do erro sobre os pressupostos que a sentença recorrida lhe apontou.

3.2.3. Vejamos, pois, sublinhando que quer uma quer outra das questões de direito colocadas neste recurso vêm sendo objecto de apreciação e decisão por parte desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Quanto à primeira, foi recentemente proferido julgamento em processo que envolvia as mesmas partes, idêntica factualidade, idêntico julgamento de direito (por nestes autos a questão ter sido decidida por transcrição do julgamento realizado no processo n.º 1209/11.7BELRS) e idênticas conclusões de recurso, distinguindo-se o objecto pelo diferente ano de exercício fiscal e quanto ao montante da correcção. Quanto à segunda questão, que esta Secção, em Pleno, uniformizou recentemente jurisprudência, ou seja, fixou o sentido interpretativo da norma cuja interpretação vem posta em causa neste recurso.

3.2.4. Assim sendo, tendo presente o preceituado no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil (CC), será por referência e com transcrição parcial desses arestos, que acolhemos integralmente e sem reservas, que serão decididas as questões com que ora somos, de novo, confrontados.

3.2.5. Da legalidade da correcção relativa a proveitos não declarados pela Recorrida, decorrentes de prestação de garantias a favor de entidades relacionadas [prestação de fiança no âmbito de crédito contratualizado entre instituição bancária e a X…………, sua participada], no montante de € 266.000,00: os pressupostos de aplicação dos preços de transferência, consagrado no artigo 58.°, n.º 1 e 2 do CIRC (na redacção vigente em 2006) e nos artigos 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

3.2.5.1. Para a Recorrente o Tribunal a quo errou ao julgar que as operações não são comparáveis, realçando que observou na determinação do preço de transferência os critérios definidos no n.º 2 do artigo 58.º do CIRC e n.º 4 do artigo 2.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21-12, ou seja, em conformidade com estes comandos legais utilizou como operação comparável à fiança a garantia bancária.

3.2.5.2. Reconhecendo que as “duas figuras jurídicas” são distintas, destaca que têm um conjunto de traços comuns que permitem sustentar a sua comparabilidade, os quais se mostram enunciados no relatório, a saber: (i) são ambas emitidas por um terceiro formalmente alheio à relação estabelecida entre credor e devedor; (ii) do ponto de vista económico, existe para o credor beneficiário uma garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela participada; (iii) em ambas se definem os fins subjacentes à sua emissão e fica balizado o âmbito dos seus efeitos; (iv) quer o subscritor quer o garantista assumem a obrigação de pagar; (v) em ambas se verifica a existência de uma declaração de garantia de pagamento, uma vez que se assegura a realização de uma prestação de conteúdo económico equivalente que satisfaça o seu interesse económico e é assumido pelo emitente/garante que o risco económico da operação corre por sua conta e não do beneficiário; (vi) o emitente garante o resultado, em termos de assunção do pagamento se o patrocinado não pagar, existindo uma garantia do pagamento; (vii) quer o emitente da garantia bancária, quer a impugnante enquanto fiadora protegem o credor dos riscos económicos de incumprimento pelo devedor.

Tudo para concluir que o “efeito útil obtido com a fiança ou com a garanta é o mesmo, já que com ambas se garante de forma efectiva o crédito”.

3.2.5.3. A súmula das conclusões recursivas que cuidamos de transcrever permitem-nos identificar de imediato o erro em que a Recorrente incorre. Na verdade, contrariamente ao que parece decorrer das suas conclusões de recurso, a liquidação, nesta parte, não foi anulada com fundamento na inexistência de características jurídicas comuns, mas com fundamento na existência de características jurídicas distintas com impacto substancial, no caso concreto, ao nível económico-financeiro, circunstancialismo que obstava à possibilidade de entre ambas poder subsistir um juízo comparativo.

3.2.5.4. E porque, competindo à Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus de alegar e demonstrar que, no caso concreto, essas distintas características jurídicas não obstavam ao juízo de comparabilidade económico imposto, conjugadamente, pelos artigos 58.º do CIRC e 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, não o lograra fazer, o que determinava a anulação da liquidação.

3.2.5.5. Foi precisamente este julgamento, como já o dissemos, que ficou confirmado pelo acórdão proferido a 10 de Novembro de 2021, no processo n.º 1209/11.7BELRS, que a acolheu, que passamos a transcrever na parte essencial (procedendo, no que respeita ao ano de exercício e ao montante da correcção operada pelos serviços inspectivos, à sua adaptação ao caso concreto):

«Para conceder abrigo à pretensão da aqui Recorrida, a decisão recorrida ponderou que:

«(…) Atentas as diferenças acima enunciadas, essa protecção, para além de naturalmente depender do valor do património do garante/do fiador, também divergirá em razão da possibilidade do credor poder solicitar o pagamento à primeira solicitação, no caso da garantia bancária autónoma, sem que, contra ele, possam ser invocadas excepções relacionadas com a obrigação principal, e da hipótese, no caso da fiança, ao exigir o pagamento da dívida, se ver confrontado com as possibilidade de o fiador exigir a excussão dos bens do devedor ou de invocar a invalidade ou outras excepções que respeitem à relação principal.

Nessa medida, e atendendo a estas diferenciações, que terão impacto e influenciarão o valor da contrapartida exigida, não se pode concluir que as operações aqui em causa são comparáveis com base no critério adoptado pela Administração Tributária supra referido.

Com efeito, embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade.

Em face do que o artigo 58º, n.º 1 e n.º 2, do Código do IRC e o artigo 5º da Portaria n.º 1446-C/2001 estabelece quanto aos factores a ser avaliados para se aferir da comparabilidade das operações, concluímos que a Administração Tributária não logrou demonstrar que, no caso concreto, a prestação de fiança pela Impugnante à «C............ Portugal, S.A.», e a prestação de garantias bancarias autónomas cujos encargos foram por si suportados reúnem condições para serem consideradas comparáveis, por apresentarem características económicas e financeiras relevantes suficientemente similares, e assegurar um elevado grau de comparabilidade, de modo a corrigir a matéria tributável mediante o regime dos preços de transferência previsto no artigo 58º, n.º 1, do Código do IRC, o que justifica a anulação da liquidação de IRC ora impugnada na parte relativa à correcção «Proveitos Financeiros por Prestação de Garantias a Favor de Entidades Relacionadas», dando-se por prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Impugnante [cf. artigo 608º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT]. …”.

O art. 58º nºs 1 e 2 do CIRC, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos, sob a epígrafe “Preços de transferência” e consagrando o princípio da plena concorrência previsto no artº 9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, referia que:

“1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”

Nesta sequência, temos que a AT pode introduzir correcções ao lucro tributável declarado desde que existam relações especiais entre o contribuinte e outra empresa que levou ao estabelecimento de condições diferentes das que se fixariam entre pessoas independentes, de modo que, os pressupostos legais para que a AT possa corrigir a matéria colectável ao abrigo do art. 58º do CIRC, para que seja respeitado o princípio de plena concorrência consagrado no art. 9º da Convenção Modelo OCDE de que Portugal é membro são os seguintes:

(i) a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;

(ii) que entre ambos se estabeleceram condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes;

(iii) que tais relações especiais são causa adequada das ditas condições;

(iv) que aquelas conduziram a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.

Por outro lado, tal como se refere no Ac. deste Supremo Tribunal de 12-05-2021, Proc. nº 0766/11.2BEAVR, www.dgsi.pt, “… Como se expendeu no já longínquo acórdão do S.T.A. de 23.05.01, Recurso nº 25915), «o citado art. 57º do CIRC [58º na redacção aplicável e acima transcrita], embora considerado, pela doutrina, uma norma de carácter genérico, já que a lei não define o que entende por relações especiais (pois só a partir do DL nº 5/96, de 29/01, que aditou o art. 57º-C do CIRC, a lei passou a referir quando considera existirem relações especiais, embora só para situações de subcapitalização, pelo que se têm levantado dúvidas sobre a sua aplicação noutras situações), nem indica a metodologia a adoptar para determinação do preço de plena concorrência, conferindo, desse modo, à AF uma certa flexibilidade, não contém, todavia, um “cheque em branco” para a AF usar como bem entenda, nem qualquer inversão do ónus da prova, pelo que, tratando-se de uma norma de incidência, cabe à AF a prova dos pressupostos ali previstos, interpretando-a de acordo com as orientações da OCDE na matéria.

Não se trata, também, de uma avaliação indirecta do lucro tributável, que só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei (cf. art. 51º a 56º do CIRC), até porque, nas situações enquadráveis no art. 57º do CIRC, a contabilidade das empresas, em regra, retrata a realidade das operações, não carecendo de credibilidade que justifique o uso de presunções.

Estamos, pois, aqui no âmbito da avaliação directa.

Assim, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT) - [actualmente, artº 75º da LGT], cabe à AF o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência. …”.

Isto significa que a correcção a que se refere o art. 58º do CIRC não pode assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 58º do CIRC, nomeadamente indicando os termos e caracterização de ocorrência de relações especiais bem como o modo como se deve calcular o valor de determinados bens ou serviços quando contratados e se contratados entre empresas com relações especiais ou de domínio uma sobre a(s) outra(s).

Assim, os normativos supra referidos acolhem a enunciação da OCDE que adopta o princípio de que os preços de transferência são os preços pelos quais uma empresa transfere bens corpóreos, activos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas, assumindo que pode revelar-se difícil determinar um preço de mercado aberto. O que vale por dizer que o que a OCDE visa é conhecer, mediante a aplicação do princípio da plena concorrência, como é que as empresas independentes fixam os seus preços no mercado livre, para em seguida substituir, se for demonstrada essa necessidade, os preços de transferência pelos valores encontrados através das transacções praticadas pelas empresas não ligadas.

Não obstante, da conjugação dos citados normativos com as regras fixadas no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, especialmente o artº 9º, já não resulta com a mesma clareza uma “obrigação” de contratar toda e qualquer prestação de bens ou serviços, nomeadamente quando as características económicas da situação sejam divergentes expressivamente, com a prestação de serviço que uma empresa não vinculada associada não estaria em condições de prestar ou então prestar de modo diferente.

Dito de outro modo, mais categórico: tem de verificar-se a comparabilidade entre a situação e o serviço prestado pela impugnante à sua participada e o mesmo serviço/situação se prestado por uma empresa independente.

No caso dos autos, de acordo com o probatório, a Recorrida, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades e no decurso do ano de [2006] prestou uma fiança, no valor de 70 milhões de euros, a favor de uma sociedade integrante do grupo e sua participada indirectamente em 50%, no âmbito de uma operação de crédito contratualizada com uma instituição bancária, verificando-se que a AT considerou que tal garantia devia ser remunerada, ao abrigo do regime previsto no artigo 58º do CIRC, tendo fixado o valor de” € 266.00,00 “ a que acresceu ao montante dos proveitos desse exercício.

Nesta sequência, em função do exposto no RIT, o referido valor de € 262.500,00 euros foi calculado tendo por suporte o método de comparação de preços e tendo por critério de comparação os valores cobrados em garantias bancárias prestadas ao sujeito passivo.

Diga-se ainda que dúvidas não existem no que concerne à existência de relação especial entre a Recorrida e a sociedade beneficiária, uma vez que aquela ao deter de forma indirecta 50% do capital social desta, tem o poder de exercer uma influência significativa nas suas decisões de gestão (alínea a) do nº4 do artigo 58º do CIRC).

Ora, resulta do regime consagrado no artigo 58º do CIRC, na redacção aplicável ao caso concreto dos autos, que recai sobre os sujeitos passivos de IRC, que efectuem operações comerciais e/ou operações financeiras com entidades relacionadas, de praticarem preços idênticos aos que seriam praticados se essas operações comerciais ou financeiras fossem praticadas com entidades não relacionadas, numa situação de mercado livre.

Como já se assinalou, a decisão recorrida colocou em crise a existência de similitude entre a fiança e a garantia bancária, tendo concluído pela verificação de assinaláveis diferenças que no seu entendimento punham em causa a fixação do mesmo valor de remuneração das garantias e nessa medida o montante dos proveitos acrescidos ao rendimento tributável na sequência das correcções efetuadas pela AT, situação que a Recorrente não aceita, pois que as diferenças entre as garantias não se de molde a pôr em causa a fixação do mesmo valor de remuneração.

Neste domínio, importa ainda ter presente o estabelecido no artigo 5º da Portaria n º 1446-C/2001, de 21-12.

«Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.».

A partir daqui, note-se que a prestação de garantia por parte da Recorrida consubstancia uma situação que não tem equivalente entre entidades independentes, uma vez que este tipo de prestações é próprio das entidades relacionadas e nessa medida não existe um termo de comparação entre a situação de uma garantia prestada por uma instituição bancária e a garantia prestada pela sociedade dominante em benefício de uma sua participada e como decorre do disposto no artigo 6º, nºs 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades é, regra geral, considerada contrária à prossecução do fim da sociedade (lucro), e as operações relativas à concessão de garantias (remuneradas) só podem ser realizadas por instituições de crédito e sociedades financeiras.

Ora, «a aplicação do princípio de plena concorrência assenta, de um modo geral, numa comparação entre as condições praticadas numa operação vinculada e as condições praticadas numa operação entre empresas independentes. Para que essa comparação seja relevante, é necessário que as características económicas das situações sejam suficientemente comparáveis. Isto significa que não deve haver diferenças entre as situações comparadas suscetíveis de afectar, designadamente, a condição a examinar na metodologia» [Relatório da OCDE (Lisboa 2002), CTF nº 180, pág.41].

E como referem Tiago Soares Cardoso e Ana Afonso Almeida (“Cadernos Preços de Transferência”, 2013, Almedina, Coordenação João Taborda da Gama.), “perante um cenário em que as entidades associadas realizam operações que as entidades independentes não efetuariam, ou operações que - atentos os termos e condições concretamente impostos por um específico regime jurídico aplicável apenas às sociedades associadas -, as entidades independentes estão impedidas de realizar, sempre se terá de admitir que a obtenção de um padrão de comparabilidade pode tornar-se impossível”.

Por outro lado a prestação de garantia por parte de uma sociedade dominante a uma sua participada insere-se no escopo societário daquela, por ser do seu interesse que esta desenvolva a sua actividade de modo a que no futuro sejam originados fluxos financeiros que valorizem a sua participação.

Depois, como se deixou dito na decisão recorrida:

“…

A fiança constitui uma garantia especial das obrigações, através da qual o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (cf. artigo 627º, n.º 1, do Código Civil.

A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (cf. artigo 627º, n.º 2, do Código Civil).

A fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, mas pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições (cf. artigo 631º, n.º 1, do Código Civil).

A fiança não é válida se o não for a obrigação principal (cf. artigo 632º, n.º 1, do Código Civil).

Sendo, porém, anulada a obrigação principal, por incapacidade ou por falta ou vício da vontade do devedor, nem por isso a fiança deixa de ser válida, se o fiador conhecia a causa da anulabilidade ao tempo em que a fiança foi prestada (n.º 2 do referido artigo 632º).

Prevê o artigo 634º do Código Civil que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.

Nos termos do disposto no artigo 638º, n.º 1, do Código Civil, ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.

É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.

O artigo 640º do Código Civil consagra que o fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores: a) se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador; b) se o devedor ou o dono dos bens onerados com a garantia não puder, em virtude de facto posterior à constituição da fiança, ser demandado ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes.

A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança (cf. artigo 651º do Código Civil).

Vemos, assim, que a fiança é uma garantia acessória, estando funcionalmente ligada ao crédito garantido, não sendo válida se o não for a obrigação principal (com a excepção prevista no n.º 2 do artigo 632º do Código Civil), deve obedecer à forma da obrigação principal, o seu âmbito está limitado pelo âmbito da obrigação principal, tem natureza civil ou comercial, consoante a natureza da obrigação principal e extingue-se com a extinção da obrigação principal.

As garantias bancárias são garantias pessoais prestadas por bancos.

Conforme refere Menezes Cordeiro, em «Manual de Direito Bancário», págs. 652, 653, 657, 658, «III. Nos finais do século passado, pôs-se a hipótese prática e teórica de surgir uma garantia que não fosse afectada pelas vicissitudes da relação principal. Seria, pois, uma garantia autónoma, por oposição à garantia acessória exemplificada com a fiança. (…). IV. Em Portugal, a garantia bancária autónoma foi introduzida pela prática bancária. (…). 220. Regime da garantia autónoma. I. A garantia autónoma é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado – o mandante – e o garante – a favor de um terceiro – o garantido ou beneficiário. (…). Na garantia autónoma, o garante obriga-se a pagar ao beneficiário uma determinada importância. Tal pagamento operará à primeira solicitação (…), isto é: o garante pagará ao beneficiário determinada importância, assim que este lha peça. (…). II. Exigida a garantia (…), o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: nunca as derivadas da relação principal. (…). O regime da garantia autónoma e, sobretudo, o facto de ela não poder ser detida com recurso a excepções derivadas da relação básica obriga a repensar a sua função. A tal propósito, cumpre citar Bonelli, quando explica que o contrato de garantia autónoma, (…) não tem a função de garantir o cumprimento da obrigação principal do devedor (função essa típica da fiança), mas a de assegurar a satisfação do interesse do beneficiário de ser indemnizado no caso de se verificarem determinados eventos indicados na garantia: (…). O contrato de garantia seria, pois, causal: Causa ou função deste contrato é portanto a de assegurar o pagamento de uma soma predeterminada (directamente ou per relationem) no caso de se verificar um risco para o beneficiário em consequência de um evento indicado na garantia bancária. A função da garantia autónoma não é, pois, a de assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no texto da própria garantia, uma determinada quantia em dinheiro. Por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir esgrimir com argumentos retirados do contrato principal: a garantia tem fins próprios, auto-suficiente, servindo, nas palavras de Galvão Telles, com um simples sucedâneo dum depósito em dinheiro. (…)».

Ainda sobre a garantia bancária, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010, processo n.º 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «A teorização inicial do contrato de garantia parece dever-se a Rudolf Stammler, o qual, já nos finais do séc. XIX, distinguiu as garantias acessórias de uma obrigação principal - uma garantia pessoal, típica, fidejussória, de que é paradigma a fiança - das garantias autónomas, independentes da relação garantida, da relação-base, cujo fundamento decorre da autonomia privada (contrato de garantia - Garantievertrag). (…) a garantia autónoma encontra o seu suporte normativo no art. 405.º do CC. (…). Podendo definir-se tal negócio jurídico como a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato. Garantia atípica ou inominada, que, como a fiança, é uma garantia especial e pessoal (…). Sendo certo que a função da garantia autónoma não é a de assegurar o cumprimento de um determinado contrato, visando antes assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no texto da garantia, uma determinada quantia em dinheiro. E, por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir esgrimir com argumentos retirados do contrato principal, pois a garantia tem fins próprios, auto-suficientes, servindo, como diz Galvão Telles, como um simples sucedâneo dum depósito em dinheiro. Assumindo o garante uma obrigação própria, desligada do contrato-base. Sendo tal obrigação, nessa medida, autónoma, independente, não acessória, da obrigação do devedor principal. (…). Ficando o beneficiário numa situação tão segura e cómoda como se tivesse um depósito em dinheiro ao seu dispor. As garantias bancárias à primeira solicitação integram-se, como já vimos, no grupo das garantias pessoais e tendem a criar um negócio autónomo de garantia em relação à obrigação garantida, dependendo o seu conteúdo em definitivo da vontade das partes. Sendo uma figura complexa que leva CANARIS a considerar que a sua natureza não se pode determinar de forma uniforme, mas apenas pelo exame particular de cada uma das relações jurídicas que surgem neste negócio. E, assim acordada uma garantia autónoma à primeira interpelação pode admitir-se estar o credor dispensado da prova do evento que lhe permite fazer a exigência. Assim, verificada que é uma inversão do ónus da prova, basta ao credor exigir o pagamento da quantia garantida, alegando que não obtivera aquilo que lhe era devido».

A propósito das características da fiança e da garantia bancária autónoma, salienta-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/05/2014, proferido no proc. n.º 724/12.0YYPRT, disponível em www.dgsi.pt, que «Como referem Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, a fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, conjuntamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Deste modo, acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador. O credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador. Temos, então, que o património do devedor continua a responder por uma dívida própria enquanto o património do fiador responde por uma dívida alheia. (…). As garantias em referência são chamadas, indiferentemente, garantias bancárias autónomas, garantias (bancárias) automáticas, puras, incondicionais, abstractas, independentes, à primeira solicitação, à primeira interpelação ou de pagamento imediato. (…). (…) o banco, correndo um risco maior, também percebe do seu cliente uma comissão mais elevada; procura naturalmente acautelar em termos convenientes o eventual exercício do direito de regresso contra ele; e foge a imiscuir-se nos litígios entre garantido e o beneficiário, como terá de reembolsar o beneficiário, sem necessidade de o banco tomar posição a favor de um ou de outro. (…).Esta garantia caracteriza-se, pois, pela assumpção de uma responsabilidade de terceiro (devedor) por parte da entidade bancária (garante) perante um determinado credor (garantido), de indemnizar este pelo incumprimento daquele. Tal obrigação não depende da existência, da extensão, da validade ou mesmo da exequibilidade da obrigação do devedor. Em tais garantias, em que se estabelece a interpelação on first demand, o garante apenas ficará desobrigado de cumprir com o pagamento que lhe for exigido pelo credor garantido, caso seja manifesta e patente a obrigação deste. Fácil é, pois, concluir que tal garantia representa para o beneficiário um acréscimo de garantia, pois que o garante fica constituído na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário, sem poder discutir os pressupostos que legitimam o pedido de pagamento. (…). Em síntese, embora exista uma certa tendência para confundir a garantia autónoma com a fiança, essa tendência é errónea. Resulta do que deixamos exposto que, sem dúvida, as duas correspondem a preocupações semelhantes, na medida em que ambas têm uma função específica de garantia. Não podem, todavia, assimilar-se, porque as separam traços fundamentais. Como se referiu, a fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer. O fiador compromete-se a pagar a dívida de outrem – o devedor principal. O seu compromisso é acessório. No caso de garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia. Mais do que isso, ele assegura ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro, e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação. O objecto da fiança confunde-se com o objecto da dívida afiançada, no sentido de que o fiador tem de pagar o que o afiançado deixou de satisfazer. O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base. Daqui resulta que o garante autónomo ou independente, ao contrário do fiador, não é admitido a opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido. (…). Assim, ao accionamento da garantia basta a interpelação à instituição de crédito, por parte do beneficiário da garantia, tudo se passando como se o Banco, no momento em que se obrigou perante o beneficiário, tivesse depositado à ordem deste o montante estipulado na garantia». …”.

Tendo presente as especificidades acima assinaladas e o facto de a garantia bancária revestir características próprias que a diferenciam da fiança, tal como se deixou profusamente explanado na sentença recorrida, leva-nos a concluir que as condições da prestação de garantia bancária por parte de uma instituição bancária não podem servir de modelo de comparação para efeitos de determinação do valor remuneratório a fixar à fiança prestada pela Recorrente, uma vez que as duas operações não revestem similitudes suficientes de comparabilidade, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º da Portaria nº 1446-C/2001 - neste sentido, o já citado Ac. deste Supremo Tribunal de 12-05-2021, Proc. nº 0766/11.2BEAVR, www.dgsi.pt.

Na verdade, parte dos benefícios que a Recorrida espera vir a ter com a prestação da fiança a favor da sua participada decorrem da sua condição de sócia, situação que não tem equivalente económico na prestação de garantia bancária por parte de uma instituição bancária.

Além disso, para que seja considerada uma operação comparável é necessário que estejamos perante uma operação com características económicas semelhantes às que se praticam em operações não vinculadas, sendo de sublinhar a especificidade da prestação de garantias intragrupo e o facto de já decorrer do artigo 501.º do CSC uma responsabilidade ipso iure, solidária, ilimitada, objectiva e automática, pelo que “parece inquestionável que a assunção de uma garantia de pagamento por parte da sociedade dominante (pelas dívidas de uma sociedade dominada) não vem alterar, de forma significativa, o regime de responsabilidade que já lhe é aplicável por força das disposições dos artigos 501.º e 491.º do Código das Sociedades Comerciais.

Atento o disposto no artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001, especialmente na alínea d) não se pode abstrair do facto de a relação entre a Impugnante e as sociedades dominadas não poder ser comparável às relações que se estabelecem entre entidades independentes entre si, sendo que em condições normais estas últimas se encontram impedidas, nos termos do artigo 6.º, n.º 3 do CSC de prestar este tipo de garantias a terceiras entidades, encontrando-se tal função reservada às instituições de crédito.

Nesta sede, cabe ainda notar, como se aponta na decisão recorrida, o risco económico suportado nas duas operações é significativamente diverso, e “embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade(negrito de nossa autoria).

3.2.5.6. Em conclusão, competindo à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência consagrados no artigo 58.º, n.º 1 do CIRC - que, no caso, se traduziria em fazer a prova de que a prestação de fiança pela Impugnante e a prestação de garantias bancarias autónomas cujos encargos foram por si suportados reúnem condições para serem consideradas comparáveis, por apresentarem características económicas e financeiras relevantes suficientemente similares -, prova que não logrou fazer, há que concluir, como o fez a sentença recorrida, pela existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação geradora da sua anulação nesta parte.

Improcederá, pois, nesta parte, com os fundamentos expostos, o presente recurso.

3.2.6. Da legalidade da correcção relativa à majoração dos encargos relativos à criação líquida de emprego, no valor de € 15.594,45: a interpretação do regime legal consagrado no artigo 17.º, n.º 3 do EBF.

3.2.6.1. A Recorrente está igualmente inconformada com o julgado na parte em que, convocando um acórdão do Pleno desta Secção e Tribunal, decidiu anular a correcção realizada na parte respeitante à majoração dos encargos com a criação líquida de emprego.

3.2.6.2. Revelando não desconhecer o teor do aresto em causa, de que, de resto, foi notificada por ser parte no processo em que foi proferido, persiste a Autoridade Tributária em manter em recurso as alegações já anteriormente aduzidas, das quais resulta, acentuadamente, a insistência no sentido de que o regime em causa seja interpretado como contendo uma exigibilidade de correcção ou ajustamento proporcional ao número de meses em que o trabalhador, elegível para o benefício, se manteve em funções laborais nas exigidas condições

3.2.6.3. Como deixámos já salientado, o sentido interpretativo do artigo 17.º do EBF foi recentemente objecto de acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por referência ao actual artigo 19.º do EBF (que possui idêntico regime no que ora releva, o que impõe que seja inteiramente aplicável e relevada, in casu, a sua jurisprudência), aí se concluindo que: “I - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos. II - Nos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos. III - Assim, não há tratamento discriminatório, nem sequer arbitrariedade da solução legal, se é colocada na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal.” (acórdão o Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 8-5-2019, proferido no processo n.º 1054/17.6BALSB, integramente disponível em www.dgsi.pt).

3.2.6.4. Assim sendo, remetendo-se as partes expressamente para a fundamentação do acórdão cujas conclusões foram transcritas, que aqui acolhemos integralmente, confirma-se a sentença recorrida, julgando-se também nesta parte, com a fundamentação acolhida, improcedente o recurso jurisdicional.

3.2.6.5. As custas serão suportadas pela Recorrente que a elas deu causa e ficou vencida (artigo 527.º, n.º 1 e 2).

3.2.6.6. Dispensa-se a junção aos autos do acórdão identificado no ponto 3.2.6.5., por desnecessária, uma vez que o mesmo se encontra integralmente publicado no site oficial do Ministério da Justiça.

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negando provimento ao recurso, em confirmar na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2022 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.