Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0822/09
Data do Acordão:11/12/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:NULIDADE
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:I - Anulado o acto de segunda avaliação do prédio, é nulo, e não anulável, ex vi da alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo, o acto subsequente de liquidação de Contribuição Autárquica incidente sobre aquele prédio;
II - Sendo o acto de liquidação nulo, há que declarar a nulidade do acto, e não anular o acto de liquidação (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 8.ª reimpr. da edição de 2001, Coimbra, Almedina, 2008, p. 406);
III - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação "houve erro imputável aos serviços", entendido este como o "erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal", que não se deve ter por verificado, ao contrário do decidido, se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação;
IV - Esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT é a que melhor se adequa à letra da lei - que pressupõe a existência de "erro", não se bastando com qualquer "vício" ou "ilegalidade" - e não conflitua com o disposto nos artigos 173.º, n.º 1 do CPTA e 22.º da Constituição, pois a reparação de prejuízos não tem de ser feita através do pagamento de juros, havendo acção própria para fazer valer junto do Estado a pretensão indemnizatória decorrente de actuações administrativas ilegais causadores de danos.
Nº Convencional:JSTA00066098
Nº do Documento:SA2200911120822
Data de Entrada:08/03/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2009/03/20.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:LGT98 ART43 N1.
CPA91 ART133 N2 I.
CPTA02 ART173 N1.
CONST76 ART22.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC5557-A DE 1999/05/05.; AC STA PROC772/04 DE 2004/11/17.; AC STA PROC665/09 DE 2009/11/04.; AC STA PROC346/09 DE 2009/06/25.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VII 2008 PAG406.
JORGE DE SOUSA JUROS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG156-157 PAG159-162.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 20 de Março de 2009, na parte em que a condena ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, para o que apresentou as conclusões seguintes:
I – O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra a liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 2001, no segmento que condena a Fazenda Nacional no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante.
II – Fundamentação da sentença recorrida (síntese): “porque concorda com esta jurisprudência [Ac do STA de 10/07/2002, no Recurso nº 026688] justifica-se a condenação da AF a pagar juros indemnizatórios à Impugnante, desde a data em que ocorreu o pagamento até à data da emissão da nota de crédito a favor da Impugnante.
III – No tocante à questão dos juros indemnizatórios, temos a mais recente jurisprudência – Acórdãos do STA proferidos em 01/10/2008 e 29/10/2008 nos processos 0244/08 e 0622/08 respectivamente – tem-se pronunciado no sentido de esse pedido não poder proceder quando a anulação do acto de liquidação impugnado se fundamenta num vício de forma por falta de fundamentação.
IV – Ora no caso dos autos, e tal decorre expressamente do Ac. proferido pelo TCA Sul em 27/05/2008 – cfr. certidão de fls. 144 a 160; que a sentença aí recorrida foi revogada e anulado o acto tributário aí impugnado: a segunda avaliação do edifício do …, por vício de falta de fundamentação.
V – Na medida em que o acto de avaliação de imóvel é um acto prejudicial do acto de liquidação de CA, pois este tem de se conformar com aquele, a anulação do acto de 2.ª avaliação, como acto prejudicial, acarreta a invalidade do acto de liquidação de CA consequente;
VI – Conclui-se que o acto impugnado, a liquidação de CA do ano de 2001, também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação.
VII – A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, na condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, revela-se desconforme com a mais recente jurisprudência, supra citada.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo do seguinte modo:
1.ª Ao contrário do entendimento perfilhado pela recorrente, não foi o vício de falta de fundamentação que conduziu à declaração de nulidade do acto impugnado nos presentes autos e que legitima o pedido de juros indemnizatórios formulado pela recorrida.
2.ª A sentença recorrida não merece qualquer juízo de censura ou reparo ao julgar procedente o pedido de juros deduzido pela recorrida, na medida em que o acto tributário impugnado nos autos enferma de erro sobre os seus pressupostos de facto e de direito, porquanto da anulação do acto de 2.ª avaliação resultou a falta um elemento essencial para o cálculo do imposto a cobrar, erro esse imputável aos serviços da Administração Tributária.
3.ª Em situação similar à dos autos, decidiu já o STA que “são devidos juros indemnizatórios, por haver erro imputável aos serviços, se estes procederam à liquidação na sequência de um acto administrativo contido numa portaria que depois veio a ser judicialmente anulada, o que levou a administração a revogar o acto de liquidação, assim reconhecendo a sua ilegalidade e o erro imputável aos serviços” – cfr. Ac. STA, de 25/06/2003, no Proc. nº 672/03, in www.dgsi.pt.
4.ª Ainda que se considerasse que na base da declaração de nulidade do acto impugnado nos autos está um vício de falta de fundamentação – o que não sucedeu, como vimos -, o certo é que tal vício traduz ele mesmo um erro que legitima o pagamento de juros indemnizatórios peticionado pela recorrida.
5.ª Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão que condenou a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que, nos termos do previsto no art. 43.º/1 da LGT, o acto de liquidação padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, imputável aos serviços da Administração Tributária, pois o reconhecimento judicial da existência de um vício de falta de fundamentação, implica também um juízo sobre o carácter indevido da prestação tributária, na medida em que o acto de liquidação anulado viola de forma inaceitável o previsto nos arts. 268.º/3 da CRP e 77.º da LGT, conferindo direito ao pagamento de juros indemnizatórios – cfr. Acórdão do TCAS, de 25/09/2007, Processo n.º 01304/06, in www.dgsi.pt.
6.ª Contra o exposto não colhe a argumentação da recorrente, no sentido de restringir o tipo de vícios que podem estar na origem do dever de pagamento de juros indemnizatórios, restrição essa que se reconduziria apenas aos vícios materiais e afastando a aplicação do art. 43.º/1 da LGT nas situações em que o acto de liquidação fosse anulado por vício de forma.
7.ª A solução normativa expressa no artigo 43º da LGT, trata, por isso, de estabelecer uma garantia acrescida ao particular (garantindo o pagamento de juros indemnizatórios em qualquer situação de erro) e não de limitar o ressarcimento de danos aos casos em que o vício se reconduza a vícios materiais, o que não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei.
8.ª Ao contrário do entendimento da recorrente, no caso que ora nos ocupa, estão verificados os requisitos legais, dos quais, o art. 43º/1 da LGT faz depende o direito da recorrente a juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços da Administração Tributária, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida, condenando-se a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios.
9.ª O desaparecimento do acto tributário de liquidação, por força da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal o dever de reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o acto tributário nulo (cfr. art. 173.º/1 do CPTA), o que compreende o pagamento de juros indemnizatórios à recorrida, pela privação de utilização de capital, nos termos do previsto no art. 22.º da CRP.
10.ª Pelo exposto, concluímos que decidiu bem o Tribunal “a quo” ao julgar procedente o pedido formulado pela recorrida, condenando a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, para, desta forma, compensar a recorrida pelos prejuízos que a privação de capital decorrente da liquidação e cobrança ilegal do tributo lhe causou.
NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, com as legais consequências.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão condenatória da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios
FUNDAMENTAÇÃO
1. A tese da recorrente exprime o entendimento de que não são devidos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, quando o acto de liquidação foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma, in casu falta de fundamentação do acto de avaliação do imóvel objecto das liquidações de contribuição autárquica; cf. acórdão TCA Sul 27.05.2008 certidão fls. 219/231).
Esta tese, merecendo o sufrágio do Ministério Público, alinha com jurisprudência consistente do STA-Secção de Contencioso Tributário (acórdãos 5.05.1999 processo nº 5557-A; 17.11.2004 processo nº 772/04; 1.10.2008 processo nº 244/08; 29.10.2008 processo nº 622/08), cuja argumentação se pode condensar nos tópicos seguintes:
- a utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” inculca a intenção do legislador de eleger como fundamento dos juros indemnizatórios apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (art. 43º nº 1 LGT)
- a ocorrência de vício de forma “per si”, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis
- a anulação do acto tributário com exclusivo fundamento em vício de forma, permitindo a sua eventual renovação com idêntico conteúdo, não implica lesão de um direito ou interesse patrimonial do sujeito passivo que mereça reparação por virtude da atribuição de juros indemnizatórios
2. A circunstância de o vício de forma inquinar o acto preliminar destacável de avaliação do imóvel é irrelevante porque:
a) a invalidade do acto antecedente (avaliação) determina a invalidade do acto consequente (liquidação) (art. 133º nº 2 al. i) CPA
b) a invalidade do acto consequente (liquidação) exclusivamente fundada na invalidade do acto antecedente não configura a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação que confira ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios (art. 43º nº 1 LGT; acórdão STA 5.05.1999 processo nº 5557-A)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, anulada a liquidação de contribuição autárquica impugnada em consequência da anulação, por falta de fundamentação, da avaliação do imóvel ao qual o imposto respeita, o contribuinte que tiver pago o imposto impugnado tem direito a juros indemnizatórios, ex vi do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) Em 04.01.1996, a Impugnante requereu junto do 1 Serviço de Finanças de Cascais a segunda avaliação do prédio urbano denominado …, sito nos limites de Alcoitão, Estrada Nacional n.º ..., freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais.
B) Em 17.07.1996, foi lavrado termo de avaliação, referente ao prédio urbano a que alude a Al. A) do probatório, no qual consta:
“(…) A Comissão decidiu por maioria, baseando-se nos seguintes valores de referência relativos à área do total do terreno e à área de construção:
74.571 m2 de construção x 120.000$00 = 9.948.520.000$00
159.160 m2 de terreno x 2.000$00 = 318.320.000$00
9.266.840.000$00
(nove mil, duzentos e sessenta e seis mil, oitocentos e quarenta milhões de escudos), valor este o valor total do imóvel (…) (doc. n.º 7 junto à p.i)
C) Mediante ofício datado de 31.07.1996, a Administração do Condomínio do prédio urbano designado por “…” foi notificada do resultado da segunda avaliação. (Doc. n.º 6 junto à p.i.)
D) Em 29.10.1996, deu entrada na 1.ª Repartição de Finanças de Cascais Impugnação judicial contra o acto de 2.ª avaliação a que alude a al. C) do probatório. (Doc. de fls. 187 a 192 dos autos)
E) Em 27.05.2008 foi proferido Acórdão pelo TCA SUL, em sede de recurso jurisdicional no âmbito do processo de Impugnação Judicial a que alude a al. D) do probatório, nos termos do qual foi deliberado revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado. (certidão de fls. 238 a 270 dos autos)
F) O Acórdão a que alude a al. E) do probatório transitou em julgado em 12.06.2008. (Certidão de fls. 238 a 270 dos autos)
G) Em Abril de 2002 a impugnante foi notificada da nota de cobrança 2001 252357403, referente à liquidação da Contribuição Autárquica do ano de 2001 das fracções C, F, a H, L a O e AA a AE, na qual consta uma colecta no valor total de € 292.383,14. (Doc. n.º 1 junto à p.i.)
H) Em 30.04.2002, a impugnante liquidou a quantia de € 146.191,56 a título de 1ª prestação da CA referente ao ano de 2001. (Doc. nº 1 junto à p.i)
I) Em 13.09.2002, a presente impugnação deu entrada na Secretaria do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 nos autos)
6 – Apreciando.
6.1 Do vício do acto de liquidação decorrente da anulação, por vício de forma, do acto prejudicial de segunda avaliação do imóvel
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra liquidação de contribuição autárquica de 2001, anulando o respectivo acto de liquidação e condenando a entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios relativos ao montante entretanto pago, por ter entendido, com fundamento na alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento administrativo que é nulo o acto consequente de acto anterior anulado ou revogado e que, assim sendo, a liquidação sindicada, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada, resultando ainda o direito do então impugnante a juros indemnizatórios do disposto no art. 43.º, n.º 1 da LGT pois que entendeu, em conformidade com a jurisprudência do STA expressa no Acórdão de 10/7/2002 (rec. n.º 026688), em relação ao qual manifesta expressa concordância, que «Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte (…)» (cfr. sentença recorrida, a fls. 283 a 285 dos autos).
Alega a recorrente Fazenda Pública contra o decidido, no que aos juros indemnizatórios respeita, que a sentença recorrida revela-se desconforme com a mais recente jurisprudência deste Tribunal, pois que no tocante à questão dos juros indemnizatórios, (…) a mais recente jurisprudência – Acórdãos do STA proferidos em 01/10/2008 e 29/10/2008 nos processos 0244/08 e 0622/08 respectivamente – tem-se pronunciado no sentido de esse pedido não poder proceder quando a anulação do acto de liquidação impugnado se fundamenta num vício de forma por falta de fundamentação e, no caso dos autos, o acto impugnado, a liquidação de CA do ano de 2001, também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação pois que, como decorre expressamente do Ac. proferido pelo TCA Sul em 27/05/2008 (…) o acto tributário aí impugnado: a segunda avaliação do edifício do …, (foi anulado) por vício de falta de fundamentaçãoe na medida em que o acto de avaliação de imóvel é um acto prejudicial do acto de liquidação de CA, pois este tem de se conformar com aquele, a anulação do acto de 2.º avaliação, como acto prejudicial, acarreta a invalidade do acto de liquidação de CA consequente(cfr. as conclusões das alegações de recurso a fls. 305 dos autos e supra transcritas).
Contra-alegou a recorrida, defendendo a bondade da sentença.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, aderindo no essencial à tese da recorrente.
Todos os intervenientes processuais concordam que a legalidade do acto de segunda avaliação do imóvel constituía questão prejudicial relativamente à questão da legalidade do acto de liquidação de Contribuição Autárquica que está na origem dos presentes autos, e bem assim que transitado em julgado o Acórdão que anulou o acto de segunda avaliação por falta de fundamentação (cfr. fls. 219 a 231 dos autos) esta anulação determinou a invalidade do acto de liquidação de Contribuição Autárquica questionado nos presentes autos, porque acto consequente daquele.
Divergem, contudo, quanto à qualificação do vício de que enferma o acto consequente (sustentando a Fazenda Pública que o acto de liquidação também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação – cfr. conclusão VI das suas alegações de recurso; contra-alegando o recorrido que não foi o vício de falta de fundamentação que conduziu à declaração de nulidade do acto impugnado nos presentes autos e que legitima o pedido de juros indemnizatórios formulado pela recorrida – cfr. conclusão 1.ª das suas contra-alegações, supra transcritas) e bem assim quanto à verificação ou não dos pressupostos de que depende a atribuição de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Vejamos, pois.
A resposta à questão de saber qual o vício de que enferma o acto de liquidação de Contribuição Autárquica questionado nos autos resulta directa e inequivocamente da lei, pois que a alínea i), do n.º 2, do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) estabelece que: «2- São, designadamente, actos nulos: i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados (…)», tendo, aliás, a sentença recorrida expressamente mencionado esta disposição legal (cfr. sentença recorrida, a fls. 283 dos autos).
Em face desta disposição legal, não restam, pois, quaisquer dúvidas quanto ao vício de que enferma o acto de liquidação. Trata-se de um acto nulo, e não de um acto anulável, pelo que a sentença recorrida devia ter apenas declarado a nulidade do acto de liquidação, e não, como fez (cfr. a parte decisória da sentença recorrida, a fls. 285), anular a liquidação. É que, como ensina FREITAS DO AMARAL (Curso de Direito Administrativo, vol. II, 8.ª reimpr. da edição de 2001, Coimbra, Almedina, 2008, p. 406), «O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de “declaração de nulidade” e tem “natureza meramente declarativa”. (…). Não se pode anular um acto nulo: se o acto é nulo, declara-se a sua nulidade, não se anula».
Em face do exposto, há-de concluir-se que carece de razão a recorrente quando conclui (conclusão VI das suas alegações de recurso) que o acto impugnado, a liquidação de CA do ano de 2001, também padece desse mesmo vício de falta de fundamentação. Se assim fosse o acto seria anulável, e não nulo, e que é nulo e não anulável decorre expressa e inequivocamente do citado preceito do Código de Procedimento Administrativo.
Afrontemos agora a questão de saber se são devidos juros indemnizatórios numa situação, como a dos autos, em que o acto de liquidação é nulo em consequência da anulação, por vício de falta de fundamentação, de acto prejudicial daquele (no caso, o acto de segunda avaliação do imóvel).
Questão semelhante foi objecto do Acórdão deste Tribunal de 5 de Maio de 1999 (rec. n.º 5557-A), onde se decidiu que o direito a juros indemnizatórios pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, e que não se deve ter por verificado, ao contrário do decidido, se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação.
No mesmo sentido, o Acórdão deste Tribunal proferido no passado dia 4 de Novembro (rec. n.º 665/09).
As razões deste entendimento estão bem sintetizadas pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e encontram-se desenvolvidas no primeiro dos citados Acórdãos e em muitos outros depois deste que reproduzem aquela fundamentação (cfr. a título de exemplo, para além dos citados no parecer do Ministério Público e no recurso da Fazenda Pública, os recentes Acórdãos deste Tribunal de 25 de Junho de 2009, rec. n.º 346/09, de 9 de Setembro de 2009, rec. n.º 369/09 e de 4 de Novembro de 2009, rec. n.º 665/09; vide, também, JORGE LOPES DE SOUSA, «Juros nas Relações Tributárias», in Problemas Fundamentais do direito Tributário, Lisboa, Vislis, 1999, em especial pp. 159/162), à qual se adere, em cumprimento no disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.
É que a procedência da impugnação deduzida contra a liquidação questionada, no caso dos autos, resulta tão-só da verificação da nulidade do acto de liquidação em consequência da anulação do acto de segunda avaliação do imóvel, resultado este ope legis e que o Tribunal se devia ter limitado a declarar.
Ora, o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”, e que não se deve ter por verificado, ao contrário do decidido, se a declaração de nulidade do acto de liquidação for motivada exclusivamente pelo facto de a liquidação ser um acto consequente do acto anulado por falta de fundamentação (cfr. o Acórdão deste Tribunal de 5 de Maio de 1999, rec. 5557-A).
Contra esta orientação não colhem os argumentos da recorrida no sentido de que a interpretação sufragada não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei (conclusão 7.ª das suas contra-alegações supra transcritas) e de que seria violadora do disposto nos artigos 173.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 22.º da Constituição da República Portuguesa, pressupondo, mas mal, que não se lhe reconhecendo o direito a juros indemnizatórios não teria forma se ser compensada pelos prejuízos que a provação de capital decorrente da liquidação e cobrança ilegal lhe causou (cfr. as conclusões 9.ª e 10.º das suas contra-alegações).
No que respeita à alegada não correspondência da interpretação sufragada com a letra da lei, tenha-se presente que, como tem sido afirmado por este Tribunal, o facto de o n.º 1 do artigo 43.º da LGT utilizar a expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade”, para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação (…) sendo de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios (cfr., entre outros, o Acórdão de 9 de Setembro de 2009, rec. 369/09).
No que respeita à alegada violação do disposto nos artigos 173.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 22.º da Constituição da República Portuguesa, importa recordar que a Constituição e a lei não exigem que a reparação de prejuízos causados por actos ilegais tenha de ser assegurada através do pagamento de juros indemnizatórios, antes esta reparação pode ser obtida quer para além do montante dos juros, desde que se comprovem prejuízos superiores, quer nos casos em que não sejam devidos juros mas haja prejuízos imputáveis à actuação administrativa, sendo contudo, para tal necessário que o lesado intente acção própria para esse fim, na qual demonstre a existência do direito a essa reparação (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., pp. 156/157 e a jurisprudência deste Tribunal – exemplificativamente, Acórdão de 25 de Junho de 2009, rec. n.º 346/09).
Assim sendo, há que reconhecer razão à recorrente quanto ao carácter indevido dos juros indemnizatórios bem como que a sentença recorrida, aderindo a uma orientação diversa da hoje consolidada na jurisprudência deste Tribunal, não pode manter-se no que à condenação da Administração tributária ao pagamento dos juros indemnizatórios respeita, devendo ser, nesta parte, revogada.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, que não são devidos.
Custas pela recorrida, que contra-alegou, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 12 de Novembro de 2009. - Isabel Marques da Silva– (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.