Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0863/08
Data do Acordão:01/07/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
VERIFICAÇÃO
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
IMPOSTO MUNICIPAL
IMÓVEL
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
Sumário:O imposto municipal sobre imóveis, IMI, inscrito para cobrança em momento posterior ao «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente», não goza do privilégio creditório imobiliário, previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º, n.º 1, do Código Civil - por força do que se determina o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro [também aplicável à contribuição autárquica e à contribuição predial].
Nº Convencional:JSTA00065476
Nº do Documento:SA2200901070863
Data de Entrada:10/08/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:CENTRO REGIONAL DA SEGURANÇA SOCIAL DE SANTARÉM
Recorrido 2:OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CCA88 ART24 N1.
CIMI03 ART103 ART119 ART121 ART122.
CCIV66 ART744 N1.
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART31 N1 ART32.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC117/07 DE 2004/03/10.; AC STA PROC16053 DE 1993/05/19.
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI ANOTAÇÃO AO ART744.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 O Ministério Público vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferida nos presentes autos de verificação e graduação de créditos.
1.2 Em alegação, o Ministério Público recorrente formula as seguintes conclusões.
1.O CCP aprovado pelo DL n° 45104, de 1 de Junho de 1963, nomeadamente, o § 2° do seu artigo 230°, foi, na sequência do art. 35°-2 da Lei de autorização legislativa n° 106/88, de 17/9, revogado pelo artigo 3º, n° 1 dos DL s n° s 442-A/88 e 442-B/88 (que aprovaram os Códigos do IRS e IRC, respectivamente) e pelo DL n° 442-C/88, (que aprovou o CCA), todos de 30 de Novembro de 1988, tendo este último ressalvado nos seus artigos 3º, 5° e 8° determinadas situações previstas no CCP, que não a dos autos.
2. Por sua vez, o DL n° 287/2003, de 12/11 (que aprovou o CIMI), que, por força do disposto no seu art. 32° entrou em vigor em 1/12/2003 (com excepção de algumas das suas normas relativas à avaliação e peritagem), revogou no seu art. 31°- 1 o CCA e o CCP, na parte ainda vigente, “considerando-se a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) para todos os efeitos legais”.
3. De acordo com o art. 122° do CIMI, que veio substituir e reproduzir o 24°, n° 1 do CCA, o IMI «goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial”: não remetendo nenhum desses normativos, implícita ou explicitamente, para o disposto no § 2° do artigo 230° do revogado C.C.P. .
4. O art. 744.º do Cód. Civil é a única norma legal a conceber um tal benefício não consentindo a sua letra e espírito uma interpretação no sentido de se poder conferir privilégio a créditos de CA/IMI liquidada após a penhora e até à venda ou adjudicação.
5.Resulta daí que, carece de qualquer relevância para esse efeito o art. 114° do CIMI, que reproduziu o art. 19º do CCA, e o qual era visto como um contributo a favor da vigência do art. 230° § 2.
6. Quanto ao crédito relativo à CA, exequenda e reclamada, não está em causa o entendimento pacífico dos tribunais superiores indicados na sentença recorrida, que culminou com o citado Ac. do Pleno do STA de 11/7/2006 (P° 060/03), no sentido de que o legislador do CCA disse menos do que queria, na medida que os créditos por CA, posteriores à data da penhora e liquidados antes da venda ou da adjudicação beneficiavam do privilégio imobiliário previsto no art. 744°-1 do Cód. Civil.
7. Só que, com a vigência do art. 122° do CIMI, renasce a dúvida outrora gerada com a entrada em vigor do CCA, concretamente do seu art° 24°, n° 1, se encontrava ou não revogado o art° 230º, § 2° do CCP, (na redacção do Decreto-Lei n° 764/75 de 31/12), sendo certo que e como é sabido, a CA extinguiu e substituiu a CP e o IMI extinguiu e substituiu a CA.
8. Isso porque, temos que a argumentação a favor vigência do art. 230° § 2 do CCP deixou de subsistir com a entrada em vigor do CIMI, não só porque o art. 31° do DL 287/2003, de 12/11 é expresso e inequívoco a não querer deixar em vigor qualquer resquício do CCP, mas porque a revogação do art. 24° do CCA arrastou necessariamente a revogação da disciplina ou regime jurídico que lhe estava imanente ou associado, ou seja, se o art. 230º § do CCP sobrevivia à sombra do art. 24° do CCA, com a eliminação deste da ordem jurídica o mesmo sucedeu com aquele outro dispositivo legal.
9. Sendo certo que, a entender-se como revogado o citado art. 230° § 2 pelo CCA, a revogação deste pelo CIMI não implica uma repristinação daquele preceito, sob pena de violação do art. 7°-4 do Cód. Civil.
10. Pelo que, a ser assim, uma vez que, nos autos, as penhoras dos imóveis foram efectuadas em 10 e 11/11/2005 e o IMI reclamado pelo RFP foi inscrito para cobrança em 10/3/2006, ou seja, posteriormente ao ano da penhora, não deveria o respectivo crédito ser admitido nem graduado.
11. E, o mesmo será de dizer quanto aos créditos exequendos de IMI (dos anos de 2003 e 2004) e de CA (do ano de 2002), na parte em que foi atribuído privilégio, após o ano de 2005 até à venda ou adjudicação do prédio respeitante à dívida inerente àquela contribuição.
12. Com efeito, tem vindo a ser defendido que as normas que estabeleçam privilégios ou eliminem algum já existente, são de aplicação imediata, resultante do disposto no art. 12° n° 2 do CC, uma vez que se trata de norma que dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem.
13. Donde, com a entrada em vigor do DL n° 287/2003, de 12/11 será de aplicar, igualmente, o seu art. 122° aos sobreditos créditos exequendos.
14. A douta sentença ao admitir e graduar os créditos reclamados atrás referidos, de IMI (de 2005 e inscrito para cobrança em 2006) e exequendos de CA (de 2002) e IMI (de 2003 e 2004), estes, para além da data da penhora, violou os artigos 122° -1 do CIMI e 744.° n.° 1 do Código Civil, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que não admita tais créditos.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação do recurso, as questões que aqui se colocam são as de saber se, nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, é, ou não é, de reconhecer e graduar o crédito reclamado de IMI do ano de 2005, e os créditos exequendos de contribuição autárquica (CA) de 2002 e de IMI dos anos de 2003 e de 2004.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A. A Fazenda Pública instaurou a execução fiscal com o n.º … , em que é executado A…., para cobrança coerciva da quantia de € 596,29, proveniente de dívidas de Contribuição Autárquica dos anos de 1999, tudo conf. cópia autenticada do processo executivo junto aos autos (fls. 2).
B. A estes autos foram apensos os processos executivos referidos no quadro em anexo referente a dívidas de impostos nele indicadas:
Nº. de ProcessoImpostoAnoValor em Euros
C. Autárquica2002574,80
C. Autárquica2002574,80
IMI2003893,13
IMI2004446,57
...
IMI2004446,56
Ficando a dívida a valer por € 3.532,15, tudo conforme cópias dos respectivos processos em anexo à cópia do processo executivo referido em A., junto aos autos.
C. O imposto identificado no quadro que antecede foi inscrito para cobrança nos anos de 2003, 2004 e 2005, conf. consta das cópias das respectivas certidões de dívida.
D. E diz respeito aos prédios inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos números: 2321; 2412; 2413; 6267-K; 6267-M; 6267-N; 6268-H; 6268-1; 6268-J; 6268-K; 6268-L; 6268-M; 6268-N; 6467-F; 6467-M; 6467-O e 6467-P - cfr. fls. 64 a 71 dos autos.
E. Conforme autos de penhora, elaborados no âmbito do processo executivo referido em A. do probatório aos 10 e 11/11/2005, foram penhorados os seguintes prédios urbanos:
1. Fracção autónoma designada pela letra “F” que corresponde ao 2.ª andar esquerdo do prédio sito em Rua …, n.º … em Almeirim, inscrito na matriz urbana da freguesia de Almeirim sob o art. n.º 6467 e descrito na conservatória do registo predial de Almeirim sob o n.º 03226-F/Almeirim; 2. Fracção autónoma designada pela letra “I” que corresponde a garagem n.º 1, com entrada pelo Largo … n.º… do prédio sito em Rua …, Lote … n.º … em Almeirim, inscrito na matriz urbana da freguesia de Almeirim sob o art. n.º 6268 e descrito na conservatória do registo predial de Almeirim sob o n.º 03224 - I/Almeirim;
3. Fracção autónoma designada pela letra “P” que corresponde ao rés do chão, com entrada pelo Largo …, actualmente denominado Largo … n.º …, destinado a garagem com o n.º … do prédio sito em Rua …, n.º… em Almeirim, inscrito na matriz urbana da freguesia de Almeirim sob o art. n.º 6467 e descrito na conservatória do registo predial de Almeirim sob o n.º 03226-F/Almeirim;
F. A penhora descrita em E. 1., foi registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim na descrição n.º 03226/160492-F /Almeirim em:
1.Ap 26/101100 (F-2) a favor de B… em Portugal pela quantia exequenda de Esc.: 8.403.287 (agora € 41.915,42) e em
2. Ap 12/051115 (F-3) a favor da Fazenda Nacional pela quantia exequenda de € 3.532,15. Cfr. cópia do processo executivo junto aos autos.
G. A penhora descrita em E. 2., foi registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim na descrição n.º 03224/160492-I / Almeirim em
1. Ap 26/101100 (F-2) a favor de B… em Portugal pela quantia exequenda de Esc.: 8.403.287 (agora € 41.915,42) e em
2. Ap 14/051115 (F-4) a favor da Fazenda Nacional pela quantia exequenda de € 3.532,15 Cfr. cópia do processo executivo junto aos autos.
H. A penhora descrita em E. 3., foi registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim na descrição nº 03226/1 60492 -P / Almeirim em
1. Ap 26/101100 (E-2) a favor de B… em Portugal pela quantia exequenda de Esc.: 8.403.287 (agora € 41.915,42) e em
2. Ap 13/051115 (F-4) a favor da Fazenda Nacional pela quantia exequenda de € 3.532,15. Cfr. cópia do processo executivo junto aos autos..
I. Dos prédios descritos nos autos de penhora referidos em E., foi vendido por meio de “proposta em carta fechada” o bem referido em n.º 2 em 19/04/2006, conforme consta do auto de venda judicial lavrado no respectivo processo executivo.
Não se provou que tenha sido concretizado a venda dos bens penhorados em E. 1 e 3 do probatório.
Assim caso aquela não tenha ainda decorrido a presente graduação terá efeito suspensivo quanto ao seu objecto, sem prejuízo da do andamento da execução fiscal até à venda dos bens (Conforme decorre do art. 245.º do CPPT).
2.2 Sob a epígrafe “Garantias especiais”, o artigo 24.º do Código da Contribuição Autárquica, no seu n.º 1, diz que «A contribuição autárquica goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial».
O artigo 122.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sob a mesma epígrafe “Garantias especiais”, estabelece, no seu n.º 1, que «O imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial».
De sua banda, o artigo 744.º do Código Civil, intitulado “(Contribuição predial e impostos de transmissão)”, preceitua, no seu n.º 1, que «Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição».
Sobre a problemática respeitante à questão de saber se os créditos de contribuição autárquica (CA) devem, ou não, ser considerados no processo de verificação e graduação de créditos após a penhora e até à venda ou adjudicação dos bens, no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 10-03-2004, proferido no recurso n.º 117/07 (o qual, no regime anterior ao Código do IMI, veio a ser seguido nemine discrepante), expendeu-se fundamentalmente do modo que segue.
É incontroverso que aos créditos de contribuição autárquica se aplica o disposto no C.Civil para a contribuição predial quanto a garantias por força do artº 24º 1 do C.C.Autárquica.
Em termos semelhantes estabelece o artº 122º 1 do recente Código do Imposto Municipal sobre Imóveis que “o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial”.
E a situação é em tudo semelhante à apreciada no citado acórdão deste STA de 25-6-1998, Rec. 22.143, em que se discutia a existência ou não de tal privilégio a favor das dívidas de contribuição predial referentes ao período de tempo decorrido entre a penhora e a venda judicial.
Com efeito estabelece o artigo 74º nº 1 do Código Civil que “os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição”.
Acrescentava o artigo 230º do Código da Contribuição Predial, que:
“Nas transmissões dos bens a que se refere o artigo anterior e que venham a realizar-se por venda judicial ou administrativa, o juiz da execução fará notificar oportunamente o chefe da respectiva repartição de finanças para que proceda, com vista à graduação de créditos, à liquidação da contribuição predial devida pelo executado e lhe remeta certidão do seu quantitativo, no prazo de dez dias, o qual poderá ser prorrogado por motivos atendíveis.”
Acrescentava o § 2º que “Na verificação e graduação dos créditos atender-se-á não só à contribuição constante da certidão a que se refere este artigo, mas ainda à que deva ser liquidada pelos meses decorridos até à data da venda ou da adjudicação do prédio” (redacção do DL. 764/75 de 31 de Dezembro).
E perante este conjunto de preceitos normativos entendeu este STA no mencionado acórdão que a reclamação de créditos de contribuição predial por parte do Estado se deve reportar aos inscritos para cobrança na data da penhora e nos dois anos anteriores mas que na graduação se deverá atender não só a estes mas também aos que vierem a ser liquidados após a penhora e até à venda ou adjudicação pois que as normas dos dois diplomas legais aplicáveis não são contraditórias entre si mas antes se completam uma vez que a reclamação de créditos apenas se pode reportar a créditos já liquidados e inscritos para cobrança mas, continuando a contribuição predial a não ser paga, o legislador veio a permitir, no diploma específico desse imposto, que a contribuição liquidada após a penhora e até à venda ou adjudicação seja considerada na verificação e graduação dos créditos.
Por isso os ditos créditos posteriores à penhora e ocorridos até à venda gozarão igualmente do privilégio imobiliário referido.
Nem se entenderia qual o motivo porque atribuindo a lei tal privilégio à contribuição anterior à penhora o excluiria relativamente à contribuição decorrente entre a dita penhora e a venda.
De qualquer forma a remissão do privilégio da contribuição autárquica para a contribuição predial não poderá deixar de abranger o mencionado artº 230º do C.C.Predial, na parte em que se refere ao indicado privilégio, que nesta parte sempre se deverá entender como em vigor.
No entanto, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, I vol., em anotação ao artigo 744.º, haviam considerado do seguinte modo.
Pelo que respeita à contribuição predial devida ao Estado e às autarquias locais, apenas se admitiu o privilégio em relação aos créditos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente (por ex., apreensão dos bens na falência ou insolvência civil), e nos dois anos anteriores. Esta limitação funda-se no interesse de terceiros que adquiram posteriormente o prédio onerado, ou constituam sobre ele quaisquer direitos reais, com desconhecimento da dívida privilegiada. Os direitos da Fazenda Nacional não foram, porém, descurados. O Código Civil atribuiu ao Estado uma hipoteca legal na alínea a) do artigo 705.º. Portanto, em relação à contribuição predial correspondente aos anos anteriores, pode registar-se uma hipoteca, sem grave lesão para terceiros, que podem, através do registo, conhecer os encargos do prédio. A doutrina tende a considerar a contribuição predial como uma espécie de ónus real (figura em certo aspecto distinta da obrigação ob ou propter rem), no campo do direito fiscal e a ter como justificada a posição privilegiada que as diversas legislações conferem ao Fisco na sua cobrança [fim de citação]. Porém, o que é certo é que o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que aprovou o Código do IMI, pelo n.º 1 do seu artigo 31.º, veio decretar, sem sombra de dúvida, que «A partir da data da entrada em vigor do CIMI [em 1-12-2003 (art.º 32.º do mesmo Decreto-Lei)], são revogados os Códigos da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45104, de 1 de Julho de 1963, na parte ainda vigente, considerando-se a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) para todos os efeitos legais».
Como assim, julgamos que, a partir de 1-12-2003, e por força das disposições combinadas dos artigos 24.º do Código da Contribuição Autárquica, 122.º do Código do IMI, e 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de contribuição autárquica e de imposto municipal sobre imóveis (IMI) gozam de privilégio creditório imobiliário sobre os respectivos bens, desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.
O que quer dizer que não gozam de privilégio creditório imobiliário os créditos de contribuição autárquica e de IMI, inscritos para cobrança em momento posterior ao «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente».
Quanto ao pagamento do IMI (imposto municipal sobre imóveis), diz o artigo 119.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Documento de cobrança”, no seu n.º 1, que «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios». A respeito do “Prazo de pagamento”, o artigo 120.º do Código do IMI estabelece que «O imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de Abril e Setembro, desde que o seu montante seja superior a (euro) 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efectuado de uma só vez, durante o mês de Abril» [n.º 1]; «Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação» [n.º 2]. E, nos termos do 121.º do mesmo Código do IMI, «São devidos juros de mora nos termos do artigo 44.º da Lei Geral Tributária, quando o sujeito passivo não pague o imposto dentro do prazo legalmente estabelecido no documento de cobrança, quer a liquidação tenha ocorrido no prazo normal, quer fora do prazo normal, ou ainda na sequência de liquidação adicional». E o IMI (imposto municipal sobre imóveis) estará inscrito para cobrança, quando, nos termos da lei, «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo (…) o competente documento de cobrança (…)». Do mesmo modo que estarão inscritos para cobrança os créditos de imposto postos à cobrança – voluntária – quer os que constam das notas de cobrança enviadas ao contribuinte quer os incluídos nos conhecimentos debitados ao tesoureiro no momento da abertura do cofre (para nos exprimirmos conforme aos termos do acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 19-05-1993, proferido no recurso n.º 16053).
2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida reconheceu e graduou os créditos reclamados e os exequendos pelo seguinte modo.
1. Os créditos reclamados pela Fazenda Pública e exequendo relativamente às dívidas da CA e IMI dos anos de 2005, 2004 e 2003 relativamente aos prédios que foram objecto de penhora (6467 F e P e 6268 I, ponto E do probatório).
2. Os créditos reclamados pelo Centro Regional de Segurança Social e respectivos exequendos e respectivos juros de mora.
3. Os créditos reclamados pela B… em Portugal por força das penhoras anteriormente registadas.
4. E os restantes créditos exequendos por força da penhora registada depois.
O Ministério Público recorrente, porém, conclui no presente recurso [conclusão 14.] que «A douta sentença ao admitir e graduar os créditos reclamados atrás referidos, de IMI (de 2005 e inscrito para cobrança em 2006) e exequendos de CA (de 2002) e IMI (de 2003 e 2004), estes, para além da data da penhora, violou os artigos 122.º-1 do CIMI e 744.° n.° 1 do Código Civil (…)».
Quer dizer: o Ministério Público recorrente põe em causa no presente recurso o imposto municipal de imóveis (IMI) de 2005, reclamado pela Fazenda Pública, por motivo de o mesmo ter sido «inscrito para cobrança em 2006»; e também põe em causa, «para além da data da penhora», os créditos exequendos de contribuição autárquica (CA) de 2002, e de imposto municipal de imóveis (IMI) de 2003 e de 2004.
Quanto a este último ponto – graduação pela sentença recorrida dos créditos exequendos de contribuição autárquica (CA) de 2002, e de imposto municipal de imóveis (IMI) de 2003 e de 2004, «para além da data da penhora» –, o Ministério Público recorrente não aponta os fundamentos de direito, que não lobrigamos, para que a sentença recorrida, tal como vem pedido, seja «anulada e substituída por outra que não admita tais créditos».
A penhora foi efectuada no ano de 2005 – conforme o que se assenta na alínea E) do probatório.
Assim, tais créditos exequendos (de 2002, 2003 e 2004), na verdade, não podem ser tidos e ditos de créditos «para além da penhora», pois que, na realidade, do ponto de vista temporâneo, são verdadeiramente créditos “para aquém da penhora”.
E, por isso, como créditos exequendos (e não reclamados) que são, devem ser graduados e pagos pelo produto da venda executiva, no lugar que lhes competir em confronto com os créditos reclamados no presente processo apenso de verificação e graduação de créditos.
Quanto ao crédito reclamado pela Fazenda Pública e relativo a imposto municipal de imóveis (IMI) do ano de 2005, «inscrito para cobrança em 2006», já o Ministério Público recorrente tem razão.
A sentença recorrida parte do entendimento expresso de que «o crédito reclamado relativamente à Contribuição autárquica e IMI se encontra, todo ele, em situação de gozar do privilégio creditório imobiliário, logo, especial relativamente ao bem penhorado».
Mas, em relação ao crédito reclamado de IMI de 2005, agora em questão, esse crédito, como se viu, não goza de privilégio creditório imobiliário, pois que não se trata de crédito de IMI inscrito para cobrança no «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente», nem «nos dois anos anteriores», como exige a lei.
Pelo que não pode tal crédito de IMI ser atendido e graduado nos presentes autos de verificação e de graduação de créditos.
Estamos, deste modo, a dizer – e em resposta ao thema decidendum – que, nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, não é de reconhecer e graduar o crédito reclamado de IMI do ano de 2005; mas, como foi feito na sentença recorrida, já são de reconhecer e de graduar os créditos exequendos de contribuição autárquica (CA) de 2002 e de IMI dos anos de 2003 e de 2004.
E, então, havemos de convir, a finalizar e em súmula, que o imposto municipal sobre imóveis, IMI, inscrito para cobrança em momento posterior ao «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente», não goza do privilégio creditório imobiliário, previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º, n.º 1, do Código Civil – por força do que se determina o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro [também aplicável à contribuição autárquica e à contribuição predial].
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso relativamente ao crédito reclamado de IMI do ano de 2005, o qual, assim, se exclui da graduação, nesta parte se revogando a sentença recorrida que no demais se mantém.
Custas pela Fazenda Pública, na 1.ª instância, e na proporção do seu decaimento.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2009. - Jorge Lino (relator) – Lúcio Barbosa – António Calhau.