Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/02
Data do Acordão:05/29/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA.
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
DEVER DE ACATAMENTO DAS DECISÕES DE TRIBUNAL SUPERIOR.
Sumário:A falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, torna-a nula, nos expressos termos dos artºs 144º nº 1 do CPT (actual artº 125º do CPPT) e 668º nº 1 al. b) do C.P.Civil
Nº Convencional:JSTA00058081
Nº do Documento:SA2200205290228
Data de Entrada:02/13/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 B.
CPTRIB91 ART144 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC25670 DE 2001/07/11.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG48.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 3ED PAG628.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por A..., do acórdão do TCA, proferido em 03/07/01, que negou provimento ao recurso que o mesmo interpusera da sentença que, por sua vez, julgou improcedente a oposição que aquela deduzira à execução fiscal n° 15209106033.4 que lhe moveu a Alfândega de Lisboa para cobrança de dívida aduaneira no montante de 160.530.585$00.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
"a) O douto acórdão recorrido, na sequência de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que ordenou a ampliação da matéria de facto, procedeu ele próprio a essa ampliação, suprimindo assim uma instância de recurso.
b) Ofendeu assim as disposições reguladoras do sistema de recursos constantes da redacção inicial do ETAF " aplicável ao presente processo, só não se suscitando ofensa dos direitos do ora recorrente dada a amplitude dos poderes de cognição conferida pelo artº 110°, al. c) da Lei de Processo;
c) Para além disso, porém, foi manifestamente censurável a pronúncia havida;
d) De facto, não considerou de todo em todo dois relevantes conjuntos de documentos constantes dos autos: os recibos de pagamento, emitidos pela Alfândega de Lisboa, e a pronúncia da Administração Fiscal após a realização de um pormenorizado inquérito à actuação dos despachantes em causa;
e) Tal poderia não ser relevante se tivesse ao menos procedido a um correcto exame do terceiro documento que relevava para a ordenada ampliação da matéria de facto - o acórdão, condenatório desses despachantes, proferido pelas Varas Criminais de Lisboa - já que este, por si só, permite resolver a questão em aberto;
f) Mas, apesar da prévia e pormenorizada ponderação dessa decisão judicial efectuada nos autos pela oponente, o douto acórdão recorrido omitiu qualquer exame crítico desse documento, limitando-se a consignar o resultado, errado, da sua leitura, que se não sabe aliás qual foi;
g) Em termos tais que se configura uma sua nulidade, nos termos do artº 668°/1, b) do Cód. de Proc. Civil, dada a inexistência da especificação dos fundamentos de facto que adoptou;
h) Em qualquer caso, é patente o erro do seu julgamento a tal respeito, sendo inequívoco o teor desse acórdão condenatório no sentido de ter sido dado como provada a entrega aos despachantes, pela ora recorrente, das quantias necessárias para o pagamento dos bilhetes aduaneiros em causa;
i) Devendo assim ser corrigida nesse ponto a matéria de facto fixada, nos termos do artº 712°/1 do Cód. de Proc. Civil, com a consequente alteração do julgado em matéria de direito".
A Fazenda Pública não contra-alegou.
A Exmª magistrada do MP emitiu parecer no sentido do não conhecimento do recurso, dado o disposto no artº 12° da Lei 15/1, de 05/06.
E, ouvida a recorrente, veio sustentar a sua admissibilidade, face ao artº 120° do ETAF.
Corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
"a) - A execução fiscal n° 91/060033.4 foi instaurada pela Alfândega de Lisboa contra A... para cobrança da quantia de 160 530 385$00,
b) - Sendo de sobretaxa de importação a quantia de 79 434 592$00 e de juros de mora a quantia de 81 095 793$00, respeitante a "diversos bilhetes (39) de 1979 a 1984" (cfr. Fls. 2 do apenso).
c) - Por certidão de dívida datada de 04/02/92 é a quantia de 79 434 592$00 respeitante a sobretaxa de importação referente "a diversos bilhetes de 1979 a 1984" (cfr. Fls. 158).
d) - A alteração do valor da dívida exequenda foi determinada por despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que determinou não ser devida a quantia de 81 095 793$00 relativa a juros de mora/cfr. Fls. 157).
e) - Dou aqui por reproduzidos o documento de fls. 73 do apenso -"Relação conforme Decreto n° 43497 de 6/2/61.
f) - Em 23/09/91 a oponente interpôs recurso do despacho do Sr. Secretário dos Assuntos Fiscais de 10/8/90 que corre termos com o n° 13682 na Secção do Contencioso Tributário do STA (cfr. Fls. 146/147).
Factos Não Provados:
Não se provou que a oponente A... tenha entregue aos réus no processo de querela n° 2624 da 3ª Vara Criminal de Lisboa, ..., as quantias devidas relativamente aos bilhetes de importação englobados no processo de cobrança (cfr. fls. 275 e segs)."
Vejamos, pois:
Deve adiantar-se, desde já, que, mesmo na perspectiva do MP, a decisão é recorrível.
Na verdade, esta foi proferida em 03/07/01, antes, pois, da entrada em vigor daquela lei, em 05/07/01 pelo que esta se não aplica ao caso vertente.
Como ensina Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 48, a nova lei que negue o recurso onde o havia, é inaplicável.
Quanto à invocada nulidade:
A decisão recorrida seria nula – artº 668° n° 1 al. b) do C.P. Civil - , “dada a inexistência da especificação de facto que adoptou”.
Nos termos daquela disposição legal - como nos do artº 144° n° 1 do CPT, então aplicável - é nula a sentença que, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto da decisão.
Como refere Alberto dos Reis, Anotado, pág. 139 e segts.:
"uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base"; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é "emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, "tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior"; carecendo este "também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso".
Ora, nos autos, este STA havia ordenado a ampliação da matéria de facto, no sentido de ser averiguado se a oponente havia pago, como alegara, a dívida aduaneira ao seu despachante.
O aresto sob censura julgou não provado tal facto mas sem qualquer fundamentação.
Na verdade e para o efeito, limita-se a remeter para os documentos de fls. 275 e segts. (até fls. 304?), sem qualquer concretização e análise, pormenorizada como o caso amplamente justifica, seja, sem qualquer "discussão crítica" das provas.
A fundamentação de tal factualidade envolve, no mínimo, a apreciação pormenorizada do acórdão ali fotocopiado - cfr. fls. 454/5- bem como de outros elementos levados aos autos - cfr. n° 10 a fls. 449.
Como se refere no recente Ac. deste STA, de 11/07/01, Rec. 25.670, tal exame crítico das provas há-de consubstanciar-se no esclarecimento pormenorizado dos elementos probatórios que levaram o tribunal a decidir a matéria de facto como decidiu e não de outra forma e no caso de elementos que apontem em sentido divergentes, as razões porque foi dada prevalência a uns sobre outros.
E como acentua Jorge de Sousa, CPPT Anotado, 3a edição, pág. 628, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação."
Ao que acresce que, em rigor, não foi dado cumprimento ao acórdão do STA, em termos do acatamento da definição do direito aplicável.
Na verdade, este considerou que, dado o "regime estatutário de direito público" do despachante, o pagamento da dívida aduaneira feito a este é liberatório, face à Administração Aduaneira.
Pelo que não parecem justificadas considerações como a de que "o recorrente é responsável perante a Alfândega pelas quantias liquidadas, que constituem a dívida aduaneira" e "que a responsabilidade pelo pagamento das importâncias liquidadas incumbe à recorrente como importadora das questionadas mercadorias".
Tais considerandos têm que ser entendidos à luz do direito definido pelo STA, ou seja, tendo em conta o carácter liberatório do eventual pagamento ao despachante, nos termos referidos.
Termos em que se acorda anular o aresto recorrido, baixando os autos nos termos e para os fins previstos no artº 731 nº 2 do C.P.Civil
Sem custas.
Lisboa, 29 de Maio de 2002
Brandão de Pinho – Relator – António Pimpão – Almeida Lopes