Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01599/16.5BELRA
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
INSOLVÊNCIA
RESPONSABILIDADE
PAGAMENTO DE IMPOSTO
Sumário:I - Os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda.
II - Não enferma de ilegalidade a liquidação de IMT resultante da caducidade da isenção de imposto na aquisição de prédio para revenda, efectuada por sociedade comercial posteriormente declarada insolvente (arts. 2º nº1, 4º nº1 corpo 7º nº1 e 11º nº5 CIMT).
III - Na impugnação judicial da liquidação de IMT cujo sujeito passivo foi declarado insolvente apenas pode ser apreciada a questão da legalidade do acto tributário.
IV - A questão da determinação do responsável pelo pagamento da correspondente dívida (sujeito passivo ou administrador da insolvência) deve ser apreciada na oposição à execução fiscal (arts.204º nº1al.b) CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P26020
Nº do Documento:SA22020060301599/16
Data de Entrada:02/13/2019
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A…………., S.A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 19 novembro 2018 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) do ano de 2015, no montante total de € 54.535,53

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
i. A massa insolvente pode ser um sujeito passivo de imposto, autónomo da pessoa do insolvente;
ii. O sujeito passivo do imposto aqui em apreço é a massa insolvente, de acordo com as regras da incidência subjetiva do imposto liquidado nos termos do artigo 7° e do n.º 5 do artigo 11°, ambos do Código do IMT;
iii. A Recorrente ficou desapossada dos bens imóveis em apreço e perdeu, assim, a capacidade de disposição e alienação dos mesmos, nos termos dos artigos 36°, n.º 1, alínea g) e artigos 149° e 150°, todos do CIRE;
iv. E foi a massa insolvente que ficou, por força da Lei, na disposição e com a administração desses bens, isto é, com o direito e o ónus de proceder à venda dos bens em causa;
v. A liquidação do imposto em causa cabia à massa insolvente, pois segundo as regras da incidência subjetiva era a entidade responsável por revender os bens e, assim, «afastar» a norma de incidência objetiva;
vi. No caso concreto, o facto gerador verificou-se quando a Recorrente já não disponha nem administrava os bens em causa, independentemente de ser proprietária dos mesmos;
vii. Pois, para este efeito (artigo 7° do Código do IMT), bem como para outros
efeitos, o relevante é a capacidade de dispor e administrar os bens, isto é, de vender;
viii. A liquidação do IMT em apreço padece do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de Direito, por errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto (artigo 18°, n.º 3, da LGT, artigos 7°, 11°, n.º 5, ambos do Código do IMT e artigos 36°, n.º 1, alínea g) e artigos 149° e 150°, do CIRE);
ix, Tal alegação é determinante da anulabilidade do ato tributário e fundamento da impugnação judicial.
x, Deste modo, podemos concluir que a liquidação de IMT aqui em apreço deve ser anulada, com todas as consequências legais, porquanto padece do vício de violação de lei, por erros nos seus pressupostos de Direito (por errada interpretação e aplicação as normas de incidência subjetiva do impostos), nos termos dos artigos 7º e 11, n.º 5, ambos do Código do IMT, do artigo 18º, n.º 3, da LGT e dos artigos 36º, n.º 1, alínea g) e artigos 149º e 150º, todos do CIRE.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4.O Ministério Público emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo físico fls.83/84)

1.5.Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 03-02-2012 a Impugnante adquiriu, para revenda, três prédios urbanos, correspondentes aos artigos urbanos 5171, 5172 e 5173, da União das freguesias de …….. e ……, que actualmente correspondem aos artigos 7528, 7530 e 7532 (por acordo; facto que se extrai do relatório de inspecção a fls. 15 a 19 do processo administrativo - PA - apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Por sentença proferida em 25-01-2013, no âmbito do processo n.º 800/12.9TBCLD, foi declarada a insolvência da Impugnante (cfr. fls. 36 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 25-06-2015 foi homologado o plano de insolvência da Impugnante (cfr. fls. 37 a 42 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 01-02-2016 foi elaborado relatório de inspecção a propor a liquidação de IMT por não ter a Impugnante procedido à revenda, no prazo de três anos, dos prédios identificados no número antecedente (cfr. fls. 15 a 19 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 28-06-2016 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IMT n.º 160616223469039, no valor de € 54.353,53, por não ter efectuado a revenda dos prédios identificados em 1) no prazo de três anos (cfr. fls. 20 e 22 a 26 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. A liquidação identificada no número antecedente foi remetida à Impugnante por carta registada com aviso de recepção em 07-07-2016, através do ofício n.º 1350, o qual foi entregue em 11-07-2016 (cfr. fls. 21 e 35 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 30-09-2016 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IMT identificada no número antecedente (cfr. fls. 2 a 4 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Em 18-11-2016 foi elaborado projecto de decisão pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria a propor o indeferimento da reclamação graciosa identificada no número antecedente, a qual foi confirmada por despacho concordante do Chefe de Divisão proferido em 21-11-2016, tendo sido determinado a notificação da impugnante para se pronunciar sobre o projecto de decisão (cfr. fls. 49 a 51 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. O projecto de decisão identificado no número antecedente foi remetido à Impugnante em 22-11-2016, através do ofício n.º 1280 (cfr. fls. 52 e 53 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 15-12-2016 foi elaborada informação final pelo Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria a indeferir a reclamação graciosa, sobre a qual recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão proferido na mesma data (cfr. fls. 55, 56 e 58 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. A decisão de indeferimento identificada no número antecedente foi remetida à impugnante em 16-12-2016, por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 1384, o qual foi entregue em 19-12-2016 (cfr. fls. 59 a 61 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. A presente impugnação foi remetida por correio registado a este Tribunal em 28-12-2016 (cfr. fls. 1 dos autos);

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: determinação do sujeito passivo da relação jurídico-tributária após a declaração de insolvência: devedor insolvente ou massa insolvente

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1.Apreciando a questão decidenda, jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pronuncia-se sobre a natureza jurídica da massa insolvente, enquanto património autónomo constituído para fins específicos e no sentido de que a massa insolvente não configura um novo ente jurídico distinto do devedor insolvente, continuando este a manter a qualidade de sujeito passivo de qualquer relação jurídico-tributária constituída ou a constituir no decurso do processo de insolvência (acórdãos STA-SCT 10.05.2017 processo nº 669/15; 31.05.2017 processo nº 1410/16; 18.04.2018 processo nº 1171/17; 6.06.2018 processo nº 1136/17 com a especificidade fáctica de apreciarem a legalidade de tributação de mais-valias em sede de IRS)

Com interesse para a compreensão dos tópicos supra indicados, transcrevem-se excertos relevantes da fundamentação do citado acórdão 10 maio 2017 processo 669/15:
Atento o disposto nos arts. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas,(…)
Quando uma pessoa singular [ou colectiva] é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez que se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominado massa insolvente. A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo»
Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (…) que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE).
Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de
um conjunto próprio de dívidas» (…) mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomocontinua a pertencer (…)
Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.)
A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles.
(…)
Note-se que a sentença deixou expressamente referido que não estava em causa «a qualidade de sujeito passivo do imposto», mas a «responsabilidade da massa pela dívida em causa». O que significa, sem margem para dúvida, que não foi uma eventual ilegalidade reportada à incidência pessoal do imposto que determinou a sua anulação, mas antes a responsabilidade pela dívida que teve origem na liquidação impugnada.
Mas, salvo o devido respeito, trata-se de questão que não cumpria dirimir no processo, porque neste está exclusivamente em causa a legalidade da liquidação impugnada e não a responsabilidade pela dívida originada por esse acto tributário. Esta última, aliás e como judiciosamente observou a Recorrente, em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal.
(…) a questão de saber a quem incumbe o pagamento da dívida está fora do âmbito da impugnação judicial
2.2.2.2 Estando no presente recurso sob apreciação a legalidade da liquidação de IMT resultante da caducidade de isenção de prédio adquirido para revenda justificam-se as seguintes considerações complementares:

A dívida emergente da caducidade de isenção de IMT nos prédios adquiridos para revenda constituiu-se antes da declaração de insolvência, ficando a isenção sujeita à condição resolutiva da não revenda no prazo de três anos (arts.7º nº1 e 11º nº5 CIMT)
Na condição resolutiva os efeitos da isenção são eliminados retroactivamente, tudo se passando como se o benefício fiscal não tivesse sido concedido; em conformidade, a dívida constituiu-se em data anterior à declaração de insolvência, apesar de a verificação da condição resolutiva ser posterior.
É irrelevante para a determinação do sujeito passivo que a sociedade insolvente não tenha alienado o imóvel por ter perdido o direito de disposição sobre o mesmo, na medida em que não está em causa a inobservância de uma obrigação imposta ao beneficiário, mas a verificação dos pressupostos da condição resolutiva da isenção (art.14º nº2 EBF).
Neste contexto nenhuma censura merece a sentença recorrida, ao confirmar a legalidade da liquidação do imposto (IMT) tendo como sujeito passivo a adquirente recorrente, resultante da caducidade da isenção na aquisição de prédio para revenda, por incumprimento da condição resolutiva associada: revenda no prazo de 3 anos

3- DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo-Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1/2 CPC /art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 3 de junho de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.