Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/20.7BCPRT
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
PROCESSO ARBITRAL
VALOR
HONORÁRIOS
DESPESAS
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões relativamente às quais se verifica capacidade de expansão da controvérsia, cuja elucidação assume relevo jurídico e que reclamam a intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28798
Nº do Documento:SA12022011304/20
Data de Entrada:12/14/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE PAÇOS DE FERREIRA
Recorrido 1:ADPF - ÁGUAS DE PAÇOS DE FERREIRA SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Município de Paços de Ferreira, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 08.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 807/840 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, no quadro do pedido de redução dos montantes de honorários e encargos de arbitragem relativa a Tribunal Arbitral constituído para dirimir litígio com ADPF - ÁGUAS DE PAÇOS DE FERREIRA, SA, deduzido ao abrigo do disposto nos arts. 17.º, n.º 3, 59.º, n.º 1, al. d) e 60.º, n.º 1, da Lei n.º 63/2011, de 14.12 [Lei da Arbitragem Voluntária (vulgo LAV/2011)], decidiu, deferindo em parte a pretensão, «fixar o valor do processo de arbitragem em 57.551.146,40 €» e determinou que fossem «recalculados os valores dos honorários e encargos (estes fixados em apenas 80%), de acordo o automatismo resultante da aplicação da Tabela 2 do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa - CACCIP».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 853/884] na relevância jurídica e social das questões objeto de litígio [determinação e fixação pelo tribunal arbitral do que, atentos os pedidos deduzidos, constitui o valor da ação e de suas implicações na fixação dos honorários e encargos] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», dado a decisão haver interpretado e aplicado incorretamente o disposto nos arts. 17.º, n.º 3, 46.º, n.º 3, al. a), v), da LAV/2011, 49.º, n.º 1, do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa [RCACCIP], 306.º e 297.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC/2013] e a cláusula 9.ª, n.º 5, do Regulamento Arbitral, assim como o princípio do dispositivo.

3. A recorrida não produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 890 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TA ad hoc proferiu decisão, datada de 30.06.2020, na qual fixou o valor da causa em 60.901.146,45 € e ante o disposto no n.º 1 do art. 52.º do RCACCIP determinou que a majoração dos encargos «da presente arbitragem se fixam em 80% (…) do valor resultante da aplicação da Tabela n.º 2 do referido Regulamento», pelo que em decorrência fixou que os custos da arbitragem se computam «nos seguintes montantes: (i) Honorários: 297.902,58 €; (ii) Encargos: 29 016,28 €» [cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial - fls. 373/384].

7. O TCA/N, apreciando da impugnação dirigida à decisão sumária da então Relatora que a havia desatendido in toto mantendo a decisão do TA referida no ponto antecedente [cfr. fls. 662/704], veio a julgá-la apenas parcialmente procedente, fixando «o valor do processo de arbitragem em 57.551.146,40 €» e determinando que fossem «recalculados os valores dos honorários e encargos (estes fixados em apenas 80%), de acordo o automatismo resultante da aplicação da Tabela 2 do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa - CACCIP».

8. O aqui recorrente para além da relevância jurídica e social das questões objeto de discussão, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se, neste segmento, contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo e principiológico supra enunciado.

9. Ora as questões ainda objeto de dissídio apresentam-se dotadas de complexidade jurídica visto envolverem a concatenação de instrumentos normativos de fonte diferenciada [aplicação conjugada e articulada entre LAV/2011, CPC/2013 e RCACCIP], e que, nos seus elementos essenciais, tem virtualidade de replicação, mostrando-se, assim, para a comunidade jurídica como útil e necessário o seu aprofundamento e a sua devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal, como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

10. Aliás, no acórdão de 18.02.2021 desta mesma Formação proferido nos presentes autos [cfr. fls. 605/607] foi afirmado que as questões de direito que então se mostravam suscitadas e das quais perduram, após prolação do acórdão deste Supremo [cfr. fls. 630/653] e do acórdão do TCA/N recorrido [a «questão de qual o valor a atribuir à causa para os efeitos da fixação dos honorários devidos aos árbitros e da aplicação do art. 297.º, n.º 3 do CPC»] são «controversas e assumem relevância jurídica, não respeitando apenas ao caso dos autos, tal como o mesmo se apresentou concretamente, sendo suscetíveis de se replicar em outros casos semelhantes», para além de «por estarem em causa dinheiros públicos a suportar (ainda que indiretamente) pelos contribuintes, é igualmente uma questão de grande relevância social (face aos elevados montantes em causa)», razões pelas quais «justifica-se a intervenção deste STA, para uma melhor dilucidação das questões suscitadas na revista», entendimento que aqui ora se secunda e reafirma ante aquilo que constitui o concreto objeto da revista sub specie e o próprio valor elevado do objeto em litígio/dissídio.

11. Sem necessidade de outra motivação flui, pois, do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, justificando-se in casu a quebra da regra da excecionalidade supra enunciada e a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.