Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0545/19.9BEPNF
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ILEGALIDADE
ILICITUDE
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P32034
Nº do Documento:SA1202403210545/19
Recorrente:CENTRO DISTRITAL DO PORTO DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - demandado nesta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 30.11.2023 - que negou provimento à sua apelação e confirmou a sentença do TAF de Penafiel - de 28.12.2022 - que julgou procedente a acção contra si intentada por AA, e, em conformidade, o condenou a recalcular o valor da prestação de subsídio de desemprego devido a esta - tendo em consideração os montantes inscritos pela entidade empregadora entre ../../2015 e ../../2016 -, bem como as diferenças entre o valor pago e o que resulte da diferença apurada até ao limite de 7.904,40€ acrescido de juros de mora desde a data de cada prestação, e, ainda, a pagar-lhe indemnização no valor de 1.000,00€ acrescido de juros de mora desde a citação.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

A autora - AA - não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Da economia dos autos ressuma que a autora - AA - demandou o ISS pedindo a tribunal que o condenasse a proceder ao recálculo do valor da prestação do subsídio de desemprego, a restituir-lhe tudo com que injustamente se locupletou, e que à data da propositura da acção avaliou na quantia global de 7.904,40€, a pagar-lhe 484,18€ a título de juros de mora, a pagar-lhe 2.500,00€ como indemnização por danos morais, e juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

O «objecto do litígio» é constituído, pois, pela impugnação do valor da prestação do subsídio de desemprego atribuído à autora, e pelo apuramento da responsabilidade civil extracontratual do ISS pelos danos daí decorrentes.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Penafiel - dedicou-se, assim, e perante a factualidade provada e as normas legais aplicáveis, a apurar se o valor das prestações de subsídio de desemprego atribuídas à autora a partir de 01.10.2016 teve em consideração os montantes legalmente devidos, e a apurar se à autora assistia o direito a receber uma indemnização por danos morais. Terminou julgando a acção procedente, e condenou o ISS a recalcular o valor da prestação de subsídio de desemprego devido à autora - tendo em consideração os montantes inscritos pela entidade empregadora entre ../../2015 e ../../2016 -, bem como as diferenças entre o valor pago e o que resulte da diferença apurada até ao limite de 7.904,40€ acrescido de juros de mora desde a data de cada prestação, e, ainda, a pagar-lhe indemnização por danos morais no valor de 1.000,00€ acrescido de juros de mora desde a citação. No que respeita ao pagamento desta indemnização por danos morais diz-se na sentença, além do mais, o seguinte: […] A autora peticiona que o réu seja condenado a pagar o valor global de 2500,00€ a título de danos não patrimoniais. O artigo 496º, nº1, do CC, refere que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. E o nº4 do mesmo normativo menciona que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º. […] Tendo em conta as circunstâncias do caso, em que há uma situação de desemprego [embora não imputável à entidade demandada] e de especial fragilidade em termos de saúde [devido especialmente à falta de visão acentuada de que a autora padece], mas também a própria preocupação da autora que se deslocou inúmeras vezes aos serviços da Segurança Social, e à situação de dificuldade financeira por que a autora passou [embora seja especialmente motivada pela situação de desemprego que não é imputável à entidade demandada], o que leva a um acentuar da concreta situação, e a inércia dos serviços do demandado em corrigirem um tratamento jurídico incorrecto e informarem a autora dos procedimentos que deve adoptar [repare-se que a entidade demandada na contestação vem aludir a correcções que foram consideradas e que foram efetuadas na sequência da citação no âmbito desta acção, bem como ao facto de a autora não ter apresentado novo requerimento, mas não existe qualquer elemento de prova que demonstre que entre 2016 e 2019 tenha concretamente adoptado algum comportamento ou informação verdadeiramente esclarecedor para a autora], afigura-se ajustado fixar-se o montante de 1000,00€ a título de indemnização por danos morais. […]

O tribunal de 2ª instância - TCAN - negou provimento à apelação interposta pelo ISS, e confirmou a sentença aí recorrida. A propósito da indemnização atribuída com base em conduta ilícita e culposa causadora de danos morais, entendeu o tribunal de apelação - após análise das razões apresentadas pelo apelante em prol da respectiva revogação - que perante a matéria de facto provada a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e avaliação da questão.

Novamente a entidade demandada discorda, e pede revista do acórdão do tribunal de apelação apontando-lhe erro de julgamento de direito apenas da parte em que nele se conclui pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que justifica a sua condenação a pagar indemnização por danos morais à autora. A seu ver o aresto recorrido erra ao equiparar a prática de um acto ilegal pela administração à prática de um acto ilícito. Alega que o acórdão confundiu os conceitos de ilegalidade e ilicitude, e com base nesta presumiu a culpa, sendo certo que o conceito de ilicitude sempre exigiu violação de direito subjectivo, o que no caso concreto não se verificou. Conclui que foram violados os artigos 7º, nº1, da Lei nº 67/2007, de 31.12, 483º do CC, e 111º da CRP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita uma tal apreciação, desde logo se conclui que não se justifica a admissão desta pretensão de revista. Na verdade, não obstante o acórdão se mostrar algo lacónico no que se refere à análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o certo é que analisa a diferença entre ilegalidade e ilicitude, concluindo pela ocorrência desta, e, com base nela, presumindo a culpa ao abrigo do disposto no artigo 10º, nº2, da Lei nº67/2007, de 31.12. Este julgamento está aparentemente certo, tem lógica e coerência, assiste-lhe a consistência de duas pronúncias conformes, e não padece de qualquer erro manifesto, ostensivo, que justifique a revista com base no pressuposto da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito. Ademais, o litígio está eivado de características singulares, que fazem dele caso particular e, como tal, desprovido de importância fundamental quer ao nível jurídico quer ao nível social.

Não configura, pois, a presente pretensão de revista, um caso que justifique arredar a regra da excepcionalidade na admissão deste tipo de recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.