Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01096/11.5BELRA 0677/17
Data do Acordão:10/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Só ocorre nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Nº Convencional:JSTA00070968
Nº do Documento:SA22018102401096/11
Data de Entrada:06/05/2017
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE TORRES NOVAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ARGUIÇÃO DE NULIDADE ACÓRDÃO DO STA
Objecto:ACÓRDÃO DO STA
Decisão:IMPROCEDÊNCIA
Área Temática 1:PROCESSO TRIBUTÁRIO
Legislação Nacional:ARTIGOS 125º DO CPPT E 615º, N.º 1, AL. D) DO CPC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………, S.A., com os demais sinais dos autos, notificada do acórdão proferido em 23/05/2018 (a fls. 134/138), vem arguir a nulidade do mesmo, invocando omissão de pronúncia, por o acórdão não se ter pronunciado sobre todas as questões suscitadas, uma vez que nada refere, nem aprecia, relativamente ao alegado na Conclusão E) do recurso.

2. Começando por suscitar questão prévia atinente à tempestividade da arguição de nulidade (atendendo a que a notificação referente ao acórdão só foi recebida no dia 29/05/2018, ou seja, no 4º dia após a sua expedição), a recorrente alega, quanto ao mais, o seguinte:
«4. A ora Requerente interpôs recurso da sentença do TAF de Leiria, na qual aquele tribunal decidiu “julgar improcedente, por não provada, a presente oposição deduzida por A……………….., S.A., e absolver o Município de Torres Novas do pedido”.
5. Isto porque considerou que “não constituindo a ineficácia da actualização anual das taxas um fundamento próprio de oposição, à luz do disposto no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a presente oposição deverá prosseguir para conhecimento do vício de falsidade do título executivo”,
6. Tendo concluído que “a certidão de dívida emitida pelo Município de Torres Novas não contém qualquer desconformidade com a realidade que visa certificar, pelo que não se verifica o alegado vício de falsidade do título executivo”.
7. No seu recurso, a aqui Requerente concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
A. “O tribunal a quo interpretou e aplicou de forma incorreria as normas contidas nos artigos 162.°, 163.° e 204.°, n.º 1, alínea c) do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006) e no art. 372.° n.º 2 do Código Civil (CC).
B. Existe uma divergência entre o título executivo e os instrumentos de cobrança que nele se referem estarem subjacentes, in casu, o aviso de liquidação n.º 1189.
C. Assim, a falsidade assenta na “desconformidade entre o título executivo e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, as divergências entre o teor do título e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371.°, n.º 1 e 372.°, n.ºs 1 e 2, do CC),” (acórdão do STA de 02.05.2012, processo: 01094/11, 2.ª Secção, Relator Francisco Rothes), conforme se exige para a procedência da oposição com fundamento no art. 204.°, n.º 1, alínea c) do CPPT.
D. Segundo o título executivo, a dívida exequenda tem duas proveniências (a taxa de publicidade e a taxa de ocupação da via pública) enquanto segundo o respectivo instrumento de cobrança (aviso n.º 1189) tem só uma proveniência taxa de ocupação da via pública.
E. É o título executivo, a certidão de dívida (art. 162.° do CPPT), que deve conter toda a informação referida no art. 163.° do CPPT, não devendo ser necessário recorrer a outros documentos para a obter ou para a corrigir, como é o caso dos autos.
F. A desconformidade não se refere só ao 2.º aviso-citação, existe também e em primeiro lugar entre a certidão de dívida e o aviso; desconformidade face ao 2.º aviso de citação só vem legitimar e corroborar a conclusão sobre a falsidade do título executivo.
8. Em sede de recurso, no acórdão ora em crise, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu nos seguintes termos “concorda-se, assim, com a fundamentação da sentença recorrida, no sentido de que a certidão de dívida aqui em causa, indicando, para além das menções previstas nas als. A) a d) do n.º 1 do art. 163.° CPPT, o valor e a proveniência da dívida na formulação “taxa de publicidade e Ocupação Via Pública, conforme aviso n.º 1189 de 09/12/2010” e remetendo para o teor do acto de liquidação, não contém, por isso, desconformidade com a realidade que visa certificar e não ocorre, portanto, a alegada falsidade do título executivo”. 
9. Sucede que, na sua apreciação, este Superior Tribunal não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente, aqui Requerente,
10. Ocorrendo, por isso, uma omissão de pronúncia que conduz à nulidade do Acórdão.
11. Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo nada refere, nem aprecia, relativamente ao alegado na Conclusão E) do Recurso.
12. Ou seja, este Tribunal não apreciou, segundo o disposto no art. 162.º do CPPT, o aviso de liquidação para o qual a certidão de dívida remete não constituir título executivo.
13. Não é este [aviso de liquidação] que deve conter o conteúdo descrito no artigo 163.° do CPPT, mas sim a certidão extraída com base no aviso de liquidação.
14. Deste modo, com fundamento na omissão de pronúncia, o Acórdão é nulo.
Termina pedindo que o acórdão seja declarado nulo com as demais consequências legais.

3. Notificado, o recorrido Município de Torres Novas nada veio alegar.

4. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.

5. Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
E como se escreveu no acórdão desta Secção, de 28/5/2014, proc. nº 0514/14, entre muitos outros, a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado. ((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (fim de citação).

5.1. Neste contexto, e volvendo aos autos, constata-se o seguinte:
Desde logo, atendendo ao conceito de “questões a decidir” que se deixou explanado, bem como ao teor da ora questionada Conclusão E) das alegações de recurso (Cujo teor é o que acima já se transcreveu e aqui se repete: «É o título executivo, a certidão de dívida (art. 162.° do CPPT), que deve conter toda a informação referida no art. 163.° do CPPT, não devendo ser necessário recorrer a outros documentos para a obter ou para a corrigir, como é o caso dos autos), não será apodíctico que esta se reconduza ao apontado conceito de questão a decidir, antes se apresentando como entendimento argumentativo no sentido da interpretação que a recorrente defendeu.
De todo o modo, sempre se dirá o seguinte:
No Ponto 2.2. do acórdão aqui reclamado exarou-se:
«Enunciando como questão a decidir a de aferir se ocorre a alegada falsidade do título, invocada como fundamento de oposição à execução, a sentença recorrida veio a julgar improcedente a oposição com fundamentação que, no essencial, é a seguinte:
— A oponente defendeu que se está perante a falsidade do título executivo, por falta de correspondência entre o seu teor e a realidade que visa retratar, pois que nele há uma indicação excessiva de factos tributários e no aviso de citação consta que a dívida é “proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010”, quando é certo que desconhece qualquer liquidação de taxas provenientes de publicidade, no valor total de 67.332,60 €, por não ter sido notificada de qualquer liquidação e que apenas tem conhecimento do aviso de pagamento n° 1189, de 06/12/2010, no qual constam quantias provenientes de ocupação da via pública
E mais adiante (no Ponto 2.3.), considerou-se que a questão a decidir no recurso se reconduzia à de saber «se ocorre a alegada falsidade do título executivo que determinou a execução» uma vez que a recorrente sustentara que a sentença interpretara e aplicara incorrectamente «... o disposto nos arts. 162°, 163° e 204º, nº 1, al. c) do CPPT, bem como no nº 2 do art. 372º do CCivil, dado que há uma divergência entre o título executivo e os instrumentos de cobrança que nele se referem estarem subjacentes [o aviso de liquidação nº 1189: e segundo o título executivo, a dívida exequenda tem duas proveniências (a taxa de publicidade e a taxa de ocupação da via pública) enquanto que, segundo o respectivo instrumento de cobrança (aviso n° 1189) tem só uma proveniência, a taxa de ocupação da via pública], quando é certo que é o título executivo/certidão de dívida (art. 162° do CPPT) que deve conter a toda a informação referida no art. 163º do CPPT, não devendo ser necessário recorrer a outros documentos para a obter ou a corrigir.
Além de que, no caso, a desconformidade não se refere só ao 2º aviso, mas existe também e em primeiro lugar entre a certidão de dívida e o aviso: a desconformidade face ao 2º aviso de citação só vem legitimar e corroborar a conclusão sobre a falsidade do título executivo.»

5.2. Ora, apreciando estas alegações da recorrente, no acórdão reclamado refere-se:
— A falsidade que consubstancia o fundamento de oposição previsto na al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT consiste na «desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico» (ou seja, que a falsidade do título executivo, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, se reconduz tão só à falsidade material do próprio título, à sua eventual desconformidade com o original, «e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo», nela não cabendo, portanto, a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação).
— Mesmo face à alegação da recorrente [segundo a qual a falsidade do título decorrerá da falta de correspondência entre o seu teor e a realidade que visa retratar, pois que no título há uma indicação excessiva de factos tributários (indica-se que a dívida é respeitante «à taxa de Publicidade e Ocupação Via Pública, conforme aviso nº 1189 de 09/12/2010», sendo que também no 2º aviso-citação se refere que a dívida é «proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010 ...», quando é certo que ela (oponente) desconhece qualquer liquidação de taxas provenientes de publicidade, no dito valor total de 67.332,60 €, por não ter sido notificada de qualquer liquidação, apenas tendo conhecimento do aviso de pagamento n° 1189, de 06/12/2010, no qual constam quantias provenientes de ocupação da via pública], a eventual desconformidade «apenas poderia ocorrer com referência ao 2° aviso-citação [no qual se menciona dívida a pagar na quantia de € 67.332,60 “(...) proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010 (...)]”».
— E ainda assim, mesmo neste caso, «uma vez que são distintos o acto de citação/notificação e o acto que substancia a emissão do título executivo, projectando-se eventuais vícios dos mesmos de forma diversa (as irregularidades do acto de notificação apenas relevam para efeitos de eficácia do acto notificado), a errada referência (no aviso-citação) à “taxa de publicidade” e ao mês de Janeiro não teria a virtualidade de afectar o próprio título executivo, nomeadamente repercutindo nele a invocada falsidade.»
— E quanto à própria certidão de dívida/título executivo, «atentando no mencionado aviso nº 1189, de 0[6]/12/2010 (e sendo certo que da certidão consta que é emitida em conformidade com aquele aviso) constata-se que também neste, referenciando a cobrança, se utiliza a expressão «RECEITA: PUBLICIDADE E OCUPAÇÃO VIA PÚBLICA Validade da licença: 31-12-2010» e se exara que «Este é o aviso para pagamento do serviço abaixo discriminado», mas especificando em seguida apenas valores por serviços atinentes à ocupação da via pública.
— Daí que, no caso, e considerando, até, a jurisprudência dos apontados acórdãos do STA, de 26/04/2012 e 01/05/2012, respectivamente, nos procs. nº 01058/11 e nº 01094/11), igualmente não se verifique um quadro fáctico-legal susceptível de enquadrar desconformidade entre o título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime.»
E perante esta fundamentação, não sofre dúvida que o acórdão apreciou a questão que fora suscitada a respeito do fundamento da oposição invocado (falsidade do título executivo — no caso, a certidão de dívida nº 361/11 e não o aviso nº 1189, de 6/12/2010, para pagamento), bem como a respeito do confronto entre aquela certidão e os requisitos essenciais do título executivo — arts. 162º e 163º do CPPT.
Assim, sem necessidade de outras considerações, conclui-se que o acórdão se pronuncia sobre a questão que eventualmente emerge do teor da apontada Conclusão E) das alegações do recurso, não se nos afigurando que ocorra, portanto, a invocada nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

6. Termos em que se acorda em julgar improcedente a respectiva arguição.
Custas pela reclamante.

Lisboa, 24 de Outubro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.