Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0422/09.1BEALM
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica a admissão da revista, motivada em razão “da melhor aplicação do direito”, se a decisão do TCA no segmento impugnado se afigura como plenamente plausível e consentânea com as regras hermenêuticas da interpretação, designadamente por atender à teleologia subjacente ao mecanismo da limitação dos pagamentos, que é de fazer corresponder (ou aproximar) os pagamentos parciais ao pagamento final que for devido.
Nº Convencional:JSTA000P31907
Nº do Documento:SA2202402070422/09
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A..., S.A., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de outubro de 2022, na parte em que este negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ou seja, na parte referente aos juros compensatórios, mantendo nesse segmento a sentença recorrida.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão proferido pelo TCA Sul, que negou provimento ao recurso interposto pela Impugnante, ora recorrente na parte respeitante aos juros compensatórios mantendo, nessa parte a sentença proferida pelo TAF de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de juros compensatórios, no montante de € 72.216,79.

B. Assim, constitui objeto do presente recurso, a parte cujo acórdão proferido pelo TCA Sul julgou improcedente, que diz respeito à aplicação de juros compensatórios com base no disposto no artigo 99.º, n.º 2 do Código do IRC.

C. O fundamento que justifica a necessidade do acórdão recorrido ser revisto consubstancia-se no erro de julgamento de direito quanto à aplicação de juros compensatórios, com base na limitação aos pagamentos por conta prevista no artigo 99.º do Código do IRC, no caso dos grupos de sociedades, no primeiro ano de aplicação do RETGS.

D. Considera a Recorrente que, a questão em causa sobre a aplicação de juros compensatórios com base na limitação dos pagamentos por conta, prevista no artigo 99.º do Código do IRC, quando estamos perante uma empresa sujeita ao RETGS, previsto nos artigos 63.º e seguintes do Código do IRC, será de enorme relevância para uma melhor aplicação do direito, que terá uma aplicação prática inquestionável em todos os casos de aplicação de juros compensatórios resultantes do pedido de limitação aos pagamentos por conta, quando se trate de grupo de sociedades que optou pela aplicação do RETGS, com um inquestionável impacto sobre as garantias destes contribuintes e os seus direitos constitucionalmente protegidos.

E. Com efeito, o acórdão recorrido, com a interpretação dos artigos 97.º e 99.º do Código do IRC que acolhe e que foi inicialmente defendida pelos Serviços de Inspecção Tributária, validou uma aplicação ilegal de juros compensatórios, que se baseia no facto de a empresa em causa ter optado pela tributação pelo RETGS, e que no limite implica uma diminuição dos direitos desta empresa (nomeadamente o direito à limitação dos pagamentos por conta no primeiro ano em que integra o grupo), por ter optado pela tributação pelo RETGS, o que consubstancia uma flagrante violação do princípio da igualdade tributária.

F. Acresce que, o acórdão do TCA Sul, na parte aqui objeto de recurso, é de tal forma contrário aos princípios e disposições normativas aplicáveis, que se materializou numa decisão profundamente injusta e com um impacto relevante, quer na esfera da Recorrente, quer de outros contribuintes que tributem em grupo.

G. A admissão do presente recurso afigura-se, por isso, claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

H. Ora, uma melhor aplicação do direito impõe considerar que, tratando-se de sociedade de um grupo ao qual seja aplicável, pela primeira vez, o RETGS, e verificando-se no final do exercício que o montante do pagamento por conta já efetuado pela sociedade individualmente considerada, é superior ao montante do imposto que seria devido pela sociedade individualmente considerada, ou seja, que foram cumpridos os requisitos exigidos para o efeito, não são devidos juros compensatórios.

I. Tal significa, que apesar de no primeiro ano de tributação pelo RETGS, a regra de limitação dos pagamentos por conta ter algumas especificidades, tal não pode significar uma impossibilidade de recurso ao regime da limitação dos pagamentos por conta, às sociedades que adotam pelo RETGS, no tal primeiro ano de aplicação desse regime.

J. A questão que deverá ser objeto de revista prende-se com a interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, que impediu a aplicação do regime da limitação dos pagamentos por conta às entidades que tributam em RETGS, no primeiro ano em que adotam esse regime.

K. O acórdão recorrido remete para o que foi decidido pelo TAF de Almada, referindo e transcrevendo passagens da sentença do TAF de Almada:

“(…) O grupo da Impugnante efectuou o cálculo dos pagamentos relativamente ao IRC do exercício de 2005 de acordo com o disposto no artigo 97. °, n.° 5 do CIRC, ou seja, conforme a Impugnante alega, cada uma das sociedades dominadas fizeram o cálculo para os pagamentos por conta individualmente e afinal a A... SA, mostrava-se credora do imposto no valor de EUR 1.321.404,46.

Porém, em 21/3/2005, a A..., S.A. optou pela aplicação do regime especial dos grupos de sociedades pelo período de cinco exercícios, previsto os artigos 59.º e 59.º-E e 60.º do CIRC, de determinação da matéria colectável em relação as três sociedades do grupo para o exercício de 2005, a própria, a B..., SA, e a C..., SA (ponto n.º 3 dos factos provados). E em 28/4/2005, a A..., S.A. apresentou a “Declaração de Limitações aos Pagamentos por Conta, nos termos do artigo 95. ° do CIRS e 84. ° do CIRC” para as sociedades por si dominadas, com o seguinte fundamento “Em virtude do imposto pago por conta ser igual ou superior ao que será devido com referência ao período de tributação acima assinalado, cesso os pagamentos por conta” (cf. ponto n.º 5 dos factos provados).

Ou seja, quando apresentou a limitação dos pagamentos conta, as sociedades dominadas pela impugnante deixaram de pagar os pagamentos por conta devidos, a Impugnante invoca o artigo 97. °, n.º 5 do CIRC, mas ignora a sua parte final “...sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para o efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 96.º” (sublinhado da Recorrente).

L. Refere ainda o acórdão cuja Revista se pretende o seguinte: “A Impugnante não deveria ter procedido à limitação do pagamento por conta, estribando-se apenas na sua tributação, que naturalmente diminuiu até com a passagem de actividade para as outras duas empresas, uma vez que no final é a declaração de rendimentos do grupo a referência para aferir da existência de IRC a pagar ou a reembolsar à sociedade dominante, em função dos pagamentos por conta efectuados pelas sociedades do grupo e não uma qualquer declaração de rendimentos individual de uma das sociedades.

Pelo que, face ao apuramento de um valor EUR 3.106.167,00 que o grupo deixou de pagar por força do pedido de limitação, nos termos do artigo n.º 5 do artigo 96.º, este pagamento compete à Sociedade dominante e nos termos do artigo 99., n.º 2 e artigo 35.º da LGT, dá lugar ao pagamento de juros compensatórios.

M. Prossegue, concluindo que: “E na verdade assim é, pese embora a sociedade impugnante possa ter, individualmente apurado um valor inferior ao devido a final e bem assim, os pagamentos das sociedades de um grupo no primeiro período de tributação sejam efetuados por cada uma das sociedades que compõe o grupo nos termos previstos no n.º 1 do artigo 97.º do CIRC, a verdade é que, o que conta para efeitos de limitação dos pagamentos por conta, é o total das importâncias entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar -lhe, nos termos do artigo 96.º, conforme decorre do n.º 5 do artigo 97.º.” (sublinhado da Recorrente).

N. Constata-se que o acórdão recorrido defende que, ainda que as sociedades do grupo no primeiro ano do RETGS, cumpram, individualmente, os requisitos que lhes permitem solicitar a limitação dos pagamentos por conta, e bem assim, apurem, individualmente, no final do exercício, um valor inferior ao dos pagamentos por conta calculados,

O. não têm direito a limitar os seus pagamentos por conta, pois a referência para aferir da existência de IRC a pagar ou a reembolsar, é feita pela declaração de rendimentos do grupo, e não pela declaração de rendimentos individual de cada uma das sociedades, apesar de o artigo 97.º, n.º 5 do Código do IRC referir que no primeiro ano do RETGS a obrigação de efetuar os pagamentos por conta é de cada uma das sociedades individualmente consideradas.

P. Ou seja, segundo o acórdão recorrido, no primeiro ano do RETGS a obrigação de pagar é de cada uma das sociedades individualmente considerada, mas o direito de limitar os pagamentos por conta, já depende do IRC a pagar pelo grupo e não por cada uma das sociedades individualmente considerada.

Q. Ora, a interpretação que o acórdão do TCA Sul faz dos normativos legais em apreço, torna, desde logo, limitativa e restritiva a aplicação do regime da limitação dos pagamentos por conta a grupos de sociedades.

R. Acresce que o acórdão recorrido não resulta de factos controvertidos que não tenham ficado provados, pois logo na sentença de 1ª instância a factualidade dada como provada quanto à questão dos juros compensatórios ficou assente e, na verdade, em grande parte, já decorria dos factos elencados no relatório de inspeção e que a ora Recorrente não questionou.

S. A questão é efectivamente apenas de direito, i.e., de interpretação da lei, em concreto da interpretação conjugada do disposto nos artigos 96.º, 97.º e 99.º, todos do Código do IRC.

T. Senão vejamos.

U. As sociedades individualmente envolvidas, incluindo a sociedade dominante, bem como o grupo de sociedades, sendo que exercem a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, estão sujeitas às normas de pagamento de imposto previstas nos artigos 96.º e seguintes do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos.

V. Sendo que, de acordo com a redação do artigo 107.º do Código do IRC, à data dos factos, i.e., 2005, a sociedade dominante tem a responsabilidade pelo pagamento do imposto.

W. Os pagamentos por conta das sociedades abrangidas pelo RETGS são efetuados pela sociedade dominante, com base no imposto liquidado pelo grupo, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, em vigor em 2005, relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquido da dedução prevista na alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo.

X. Como regra geral, o cálculo e entrega das importâncias devidas a título de pagamentos por conta cabem à sociedade dominante, tendo por base os elementos da declaração periódica relativa ao lucro tributável do grupo do período anterior, cálculo esse que deverá ser determinado nos termos do artigo 97.º do Código do IRC.

Y. Todavia, como exceção à regra geral, o n.º 5 do artigo 97.º do Código do IRC estabelece uma regra especial, apenas aplicável no primeiro exercício em que o RETGS é aplicado.

Z. Essa norma determina que nesse primeiro exercício os pagamentos por conta devem ser entregues individualmente por cada uma das sociedades que integram o grupo, sendo esses pagamentos calculados nos termos gerais e considerados para efeitos do cálculo do imposto que a sociedade dominante, no apuramento do imposto a pagar pelo grupo, tenha de pagar ou receber, no final do exercício.

AA. Pelo que, a aplicação da referida norma restringe-se apenas ao primeiro ano de aplicação do RETGS, pois não existe o comparativo do ano anterior.

BB. Com efeito, no ano anterior, não há grupo e, não havendo lucro tributável do grupo, não é possível usar esses elementos para cálculo dos pagamentos por conta a efetuar no ano seguinte, termos em que o legislador determinou que nesse primeiro ano o cálculo era feito na esfera individual de cada uma das sociedades, como se não estivessem em grupo,

CC. determinando, em coerência, que cada uma das sociedades, individualmente, é que deve fazer o pagamento por conta e nada dizendo em especial, no que respeita à limitação dos pagamentos por conta nesse primeiro exercício.

DD. Assim, cabe ao intérprete e aplicador do direito, encontrar a melhor interpretação que dentro do espírito do sistema responda à ausência de norma expressa para a limitação de pagamentos por conta nesse primeiro exercício.

EE. Da forma como TCA Sul interpreta o normativo legal em apreço, resulta que, apesar de as sociedades que fazem parte do grupo estarem obrigadas a calcular e pagar os pagamentos por conta, com referência ao imposto apurado por cada uma, no ano anterior, a título individual,

FF. no que respeita à limitação dos pagamentos por conta, ficam sujeitas ao apuramento do pagamento ou reembolso na esfera do grupo, pelo que acabam por ser impedidas de requerer a limitação dos pagamentos por conta.

GG. Daqui se retira que a tese defendida pelo acórdão recorrido faz depender o direito de uma sociedade (que adere ao RETGS) a beneficiar do regime da limitação dos pagamentos por conta no primeiro exercício, do apuramento do imposto a pagar pelo grupo, apesar de haver uma regra especial para o primeiro ano de aplicação do RETGS, que parece ignorar deliberadamente a existência do grupo nesse primeiro exercício.

HH. A liquidação de juros compensatórios, que o acórdão recorrido validou e que foi emitida com base na interpretação acima referida, teria sido certamente anulada pelo Tribunal a quo, se acaso o mesmo tivesse acolhido uma interpretação das normas em crise, que cumprisse os princípios gerais de hermenêutica jurídica, como impõem os artigos 11.º da Lei Geral Tributária e 9.º do Código Civil, respectivamente.

II. Vejamos.

JJ. A letra da lei deve ser o ponto de partida e da mesma resulta, como vimos, que o legislador pretendeu estabelecer um regime especial para o cálculo dos pagamentos por conta no primeiro exercício em que se aplique o RETGS.

KK. Não tendo o legislador criado também uma regra especial para o direito à limitação dos pagamentos por conta devemos fazer uma interpretação da norma que prevê a limitação dos pagamentos por conta de forma a que a mesma não colida com a regra especial prevista para o primeiro ano em que se aplique o RETGS.

LL. Ora, se para calcular o pagamento por conta no primeiro ano do RETGS, tudo se passa como se não houvesse REGTS, i.e., é com base no imposto apurado na esfera individual de cada uma das sociedades que se calcula o pagamento por conta,

MM. Então, por coerência e maioria de razão, para decidir se são feitos os três pagamentos por conta ou se é pedida a limitação dos pagamentos por conta, deve também olhar-se para o imposto que será apurado a final, na esfera individual de cada uma das sociedades.

NN. Ora, se os pagamentos por conta relativos ao primeiro exercício são calculados e efetuados a título individual, por cada sociedade de um grupo, tendo por base o imposto liquidado, nos termos do n.º 1 do artigo 83.º do Código do IRC, relativamente ao exercício anterior, a título individual,

OO. não é defensável que para o apuramento do pagamento por conta apenas releve o imposto liquidado pela sociedade, mas, depois, que essa mesma sociedade, com base no apuramento do seu imposto, na sua esfera individual, não possa requerer a limitação dos pagamentos por conta.

PP. Com efeito, se nesse primeiro exercício, cada uma das sociedades estiver dependente do imposto que vier a ser apurado na esfera do grupo, na prática isso equivalerá a restringir o direito à limitação dos pagamentos por conta, na medida em que cada uma das sociedades só controla ou consegue controlar a informação sobre a sua situação fiscal.

QQ. Ora, optar pela tributação pelo RETGS não pode diminuir os direitos e garantias dos contribuintes e, em especial, o direito a requerer a limitação dos pagamentos por conta, caso sejam cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 99.º, n.º 1 do Código do IRC.

RR. Este direito assenta no princípio da capacidade contributiva, que se afigura, desde logo, violado, por se tratar de maneira diferente as empresas que aderem ao RETGS, em comparação com outras empresas, que mesmo fazendo parte de grupos, não aderem ao RETGS.

SS. A capacidade contributiva é uma decorrência do princípio da igualdade, que exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na vertente de “uniformidade” e “generalidade”, no sentido de que todos os contribuintes estão sujeitos aos mesmos critérios, sendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.

TT. Daí que seja entendimento generalizado, também da doutrina, que a capacidade contributiva continua a ser um critério de aferição da igualdade fiscal, acolhida pela Constituição da República Portuguesa, decorrendo, precisamente, dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103.º e 104.º da CRP.

UU. É assim evidente que, à luz do critério da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade tributária, o entendimento defendido pelo acórdão recorrido funda-se num tratamento desigual de situações iguais, uma vez que, a Recorrente ao cumprir os requisitos que lhe são exigidos para requerer a limitação dos pagamentos por conta, deve poder beneficiar dessa limitação, apesar de fazer parte de um grupo de sociedades que optou pelo RETGS.

VV. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no âmbito do processo n.º 409/99, de 29/06/1999: “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (…)”.

WW. Em sentido idêntico, e porque tal decisão arbitral, acolhe também o entendimento do acórdão acima mencionado, veja-se a decisão do Tribunal Arbitral, no processo n.º 14/2016-T, de 22/08/2019 que refere, a este propósito: “O Tribunal considera portanto, em primeiro lugar, que o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é essencialmente igual. Essencialmente igual significa, em nosso entender, igual no que é relevante, nas situações em causa, em face dos fins ou objetivos das leis em causa. Por outras palavras, o Tribunal considera não serem de admitir as diferenças de tratamento arbitrárias, irrazoáveis ou infundadas, sendo tidas como tais todas as que não encontrem um apoio suficiente na distinta materialidade das diferentes situações que se contemplam.”.

XX. No entendimento da Recorrente, entre a possibilidade de requerer o regime da limitação dos pagamentos por conta por uma sociedade que não faça parte de um grupo de sociedades, e entre uma outra que requeira a sujeição ao regime especial de tributação de grupos de sociedades, em que os requisitos exigíveis pelo artigo 99.º, n.º 1 do Código do IRC se demonstrem cumpridos, não existe distinta materialidade.

YY. Pelo contrário, existe igualdade essencial, uma vez que, tais entidades que fazem parte de grupo de sociedades têm o mesmo direito de poder requerer a limitação dos pagamentos por conta, desde que preenchidos os requisitos do artigo supra mencionado.

ZZ. E não foi essa a intenção do legislador, pois se o legislador não pretendesse que as empresas que tributam pelo RETGS não pudessem limitar os pagamentos por conta, especialmente no primeiro ano da aplicação do regime, tinha expressamente proibido essa limitação, mas não o fez.

AAA. O acórdão recorrido não utiliza qualquer fundamentação legal que justifique a restrição deste direito às sociedades que tributam em grupo, nem poderia fazê-lo, na medida em que, se trata de uma situação essencialmente idêntica, que deverá ter um tratamento igual, como se de uma sociedade que não faça parte de um grupo, se tratasse.

BBB. Ora, salvo o devido respeito, o entendimento do TCA Sul, em defender a diferença de tratamento entre estas situações, que são essencialmente idênticas, não é justificada.

CCC. Conforme logrou demonstrar, através de requerimento entregue no dia 21/03/2005, a Recorrente requereu a sujeição ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 63.º e seguintes do Código do IRC (cf. facto provado no ponto 4 da matéria de facto da sentença do TAF de Almada e no ponto 4 da matéria de facto do acórdão do TCA Sul).

DDD. Todavia, logo após apresentação do referido requerimento, constatou que, de acordo com os elementos de que dispunha, o montante do pagamento por conta já efetuado era muito superior ao imposto que seria devido no final do exercício.

EEE. Por essa razão, em 28/04/2005, a ora Recorrente apresentou requerimento a solicitar a limitação dos pagamentos por conta, com base no preceituado no artigo 99.º, n.º 1 do Código do IRC (cf. facto provado no ponto 5 da matéria de facto da sentença do TAF de Almada e no ponto 5 da matéria de facto do acórdão do TCA Sul).

FFF. Com efeito, o primeiro pagamento por conta que a Recorrente efetuou, ascendeu a € 2.102.773,00, sendo que no final do exercício de 2005, a matéria coletável apurada totalizou o montante de € 3.235.477,39, o que resultou no valor de imposto a reembolsar no montante de € 1.321.404,46.

GGG. À data de 2005, o artigo 99.º, n.º 1 do Código do IRC estabelecia o seguinte: “Se o contribuinte verificar, pelos elementos que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efetuar o pagamento por conta, mas deve remeter à direção de finanças da área da sede, direcção efetiva ou estabelecimento estável onde estiver centralizada a contabilidade uma declaração de limitação de pagamento por conta, de modelo oficial, devidamente assinada e datada, até ao termo do prazo para o respectivo pagamento.”

HHH. Por sua vez, o n.º 2 do referido artigo, dispunha o seguinte: “Verificando-se, face à declaração periódica de rendimentos do exercício a que respeita o imposto, que, em consequência da suspensão da entrega por conta prevista no número anterior, deixou de pagar-se uma importância superior a 20% da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios desde o termo do prazo em que cada entrega deveria ter sido efectuada até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior.”

III. Da análise conjugada das normas supra referidas constata-se que, não só o contribuinte pode deixar de efetuar os pagamentos por conta a que se encontra adstrito, ao abrigo do disposto no artigo 99.º do Código do IRC, caso disponha de elementos que atestem que o(s) pagamento(s) por conta já efetuado(s), é igual ou superior ao imposto que virá a ser devido no final do exercício,

JJJ. mas, que serão devidos juros compensatórios, no caso de, no final do exercício, a diferença do imposto devido a final e os pagamentos por conta já efetuados for superior a 20%.

KKK. Ora, este normativo legal traduz-se também num dos princípios estruturantes do sistema fiscal português que é o princípio da tributação do rendimento real das empresas, uma vez que limita a entrega dos pagamentos quando o sujeito passivo disponha de elementos que comprovem que o pagamento efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável apurada do exercício.

LLL. Não obstante, simultaneamente, em virtude do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, o legislador consagrou um regime específico para o cálculo dos pagamentos por conta para estas sociedades, onde se insere a ora Recorrente.

MMM. É o que está previsto no nº 5 do artigo 97.º do Código do IRC, que estabelece o seguinte: “Tratando-se de sociedades de um grupo a que seja aplicável pela primeira vez o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os pagamentos por conta relativos ao primeiro exercício são efectuados por cada uma dessas sociedades e calculados nos termos do n.º 1, sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 96.º”.

NNN. Assim, no primeiro exercício em que as sociedades passam a estar sujeitas ao regime especial de tributação de grupos de sociedades, previsto no artigo 63.º e seguintes do Código do IRC, devem calcular e liquidar os pagamentos por conta, a título individual.

OOO. Ou seja, durante esse primeiro exercício, tudo se passa como se as sociedades não estivessem sujeitas à tributação em termos de grupo.

PPP. É o que, salvo melhor opinião, decorre desta opção legislativa.

QQQ. À qual, a ora Recorrente obedeceu de forma rigorosa, no ano de 2005.

RRR. Desta forma, no primeiro exercício em que uma sociedade fica sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, e considerando que o imposto liquidado no exercício anterior se refere apenas a uma sociedade, dada a inexistência fiscal de qualquer grupo, por maioria de razão, o apuramento do montante do pagamento por conta, deverá ser feito na esfera de cada uma das sociedades, de forma individual.

SSS. Tendo sido exatamente o que se verificou no caso em apreço.

TTT. Assim, a aplicação de juros compensatórios neste caso, não tem, qualquer fundamentação legal, e para além disso, entende a Recorrente, que a tese defendida pelo TCA Sul é discriminatória das empresas que tributam pelo regime especial de tributação por grupos de sociedades.

UUU. Mais uma vez, o acórdão recorrido limita-se a invocar a aplicação da norma na qual a Autoridade Tributária se baseou para promover a aplicação dos juros, e referindo que, pese embora a Recorrente possa ter apurado, individualmente, um valor inferior ao devido a final, e bem assim, os pagamentos das sociedades de um grupo no primeiro período de tributação sejam efetuados por cada uma das sociedades que compõe o grupo, o que releva para efeitos de limitação dos pagamentos por conta, é o total das importâncias entregues tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe.

VVV. No entanto, não pode a Recorrente conformar-se com esta posição, uma vez que não se coaduna com o normativo legal aplicável.

WWW. Normativo que, entende a Recorrente existe precisamente para que as sociedades que passam a fazer parte do regime especial de tributação de grupos de sociedades possam, nesse primeiro ano, beneficiar também do regime da limitação dos pagamentos por conta estatuído no artigo 99.º do Código do IRC, como as que não estão em grupo, tendo por base o princípio da igualdade tributária.

XXX. Deste modo, ao confirmar-se o entendimento defendido pelo acórdão do TCA Sul, resultaria uma clara violação do princípio da tributação do rendimento real das empresas, em especial para aquelas que optam pela tributação pelo RETGS.

YYY. Por opção do legislador, no caso de ser aplicável o RETGS previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, os pagamentos por conta referentes ao primeiro exercício são efetuados por cada uma dessas sociedades, e calculados nos termos do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe.

ZZZ. Deste normativo, decorre a possibilidade de limitar o pagamento por conta nos termos peticionados pela Recorrente.

AAAA. O acórdão recorrido acaba por assentar a sua decisão referindo que no final do exercício não se verificaram cumpridos os pressupostos de que dependia a suspensão previstos no artigo 99.º do Código do IRC, por considerar o imposto do grupo e não o imposto da Recorrente, na sua esfera individual.

BBBB. Perante o exposto, não pode a interpretação do Tribunal recorrido proceder, uma vez que se revela uma decisão profundamente injusta e com um impacto relevante na esfera da Recorrente, que conforme demonstrado, logrou cumprir os requisitos exigíveis para requerer o regime da limitação dos pagamentos por conta.

CCCC. Assim, e para concluir, a interpretação do artigo 99.º, n.º 2 do Código do IRC, na interpretação que dele faz o Tribunal recorrido, ao considerar que no final do exercício não se verificaram os pressupostos de que dependia a suspensão, previstos no mencionado normativo, é ilegal e inconstitucional por violar o princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária, e da tributação sobre o rendimento real das empresas, previstos nos artigos 7.º da LGT e 103.º e 104.º da CRP, pelo que o acórdão recorrido deverá ser revisto, o que desde já se requer.

DDDD. Por todos os fundamentos expostos no presente recurso, a Recorrente entende ter demonstrado que se encontram preenchidos os pressupostos da revista pelo que requer a mesma, com vista a uma melhor aplicação do direito.

Termos em que deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado, com todas as consequências legais.

2 – A recorrida não contra-alegou.

3 – O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso com a seguinte fundamentação específica:

. «4. DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO.

4.1 A questão que vem colocada pela Recorrente prende-se com a aplicação do disposto nos artigos 96º, 97º e 99º do CIRC, na redação então em vigor (2005), e que para o que aqui releva é a seguinte:


Artigo 96.º

Regras de pagamento


1 - As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º, 9.º e 12.º meses do respectivo período de tributação;

b) Até ao último dia útil do prazo fixado para o envio ou apresentação da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta;

c) Até ao dia da apresentação da declaração de substituição a que se refere o artigo 114.º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.

2 - Há lugar a reembolso ao contribuinte quando:

a) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 83.º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;

b) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.ºs 2 e 4 do artigo 83.º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença.

3 - O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio.

4 - Os contribuintes são dispensados de efectuar pagamentos por conta quando o imposto do exercício de referência para o respectivo cálculo for inferior a 40 000$00 ((euro) 199,52).

5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.º 1 não for efectuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.

6 - Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no n.º 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

7 - Não há lugar ao pagamento a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 nem ao reembolso a que se refere o n.º 2 quando o seu montante for inferior a 5000$00 ((euro) 24,94).


Artigo 97.º

Cálculo dos pagamentos por conta


1 - Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo.

(…)

5 - Tratando-se de sociedades de um grupo a que seja aplicável pela primeira vez o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os pagamentos por conta relativos ao primeiro exercício são efectuados por cada uma dessas sociedades e calculados nos termos do n.º 1, sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 96.º


Artigo 99.º

Limitações aos pagamentos por conta


1 - Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo pagamento por conta, mas deve enviar, por transmissão electrónica de dados, uma declaração de limitação de pagamento por conta, de modelo oficial, até ao termo do prazo para o respectivo pagamento. (1)

2 - Verificando-se, face à declaração periódica de rendimentos do exercício a que respeita o imposto, que, em consequência da suspensão da entrega por conta prevista no número anterior, deixou de pagar-se uma importância superior a 20% da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios desde o termo do prazo em que cada entrega deveria ter sido efectuada até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior.

3 - Se a entrega por conta a efectuar for superior à diferença entre o imposto total que o contribuinte julgar devido e as entregas já efectuadas, pode aquele limitar o pagamento a essa diferença, sendo de aplicar o disposto nos números anteriores, com as necessárias adaptações.

4.2 A Recorrente assenta o seu recurso e o pedido de intervenção deste tribunal na necessidade de “uma melhor aplicação do direito” na medida em que a decisão recorrida se revela “profundamente injusta”.

Para o efeito contesta a interpretação e aplicação das normas supra transcritas efetuadas pelas instâncias, pugnando por uma interpretação que acolha o entendimento de que para efeitos de aplicar o mecanismo previsto no artigo 99º do CIRC se deve atender apenas à matéria coletável de cada uma das sociedades, face à regra definida no nº5 do artigo 97º, ou seja, dado que os pagamentos por conta no primeiro exercício de aplicação do REGTS são efetuados por cada uma das sociedades integrantes do grupo e tendo como referência o exercício anterior, então a faculdade de limitação desses pagamentos prevista no nº1 do artigo 99º deve igualmente ter como reporte a previsível matéria coletável de cada uma das sociedades.

Como se alcança do acórdão recorrido as instâncias entenderam que a faculdade de limitação dos pagamentos por conta deve ter por base a previsível matéria coletável do grupo, por esse mecanismo de limitação só fazer sentido em resultado de um juízo de prognose de que o valor dos pagamentos por conta do imposto devido a final já efetuados se mostrar suficiente para garantir a coleta que vier a ser apurada no final do exercício (e que compreende os resultados das diversas sociedades que integram o grupo).

Ora, admitimos que a interpretação das normas supra transcritas possa suscitar alguma controvérsia, mas certamente não será pela bondade da interpretação que é sustentada pela Recorrente, ou pelo ostensivo erro em que caíram as instâncias. Bem pelo contrário, a interpretação que as instâncias fizeram das referidas normas afigura-se-nos como a mais consentânea com as regras hermenêuticas da interpretação, designadamente por atender à teleologia subjacente ao mecanismo da limitação dos pagamentos, que é de fazer corresponder (ou aproximar) os pagamentos parciais ao pagamento final que for devido.

Afigura-se-nos, assim, que não se verifica fundamento, à luz dos requisitos supra enunciados, que demande a intervenção deste tribunal com vista à melhoria na aplicação do direito, motivo pelo qual entendemos que não se deve tomar conhecimento do recurso.».

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido e respectiva motivação (fls. 10 e 27 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto próprio deste recurso, dada a possibilidade de recurso directo para o Tribunal Constitucional.

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio negou provimento ao recurso da sentença na parte relativa aos juros compensatórios liquidados adicionalmente à sociedade dominante do grupo de sociedades no primeiro ano de aplicação do RETGS.

Entendeu o TCA Sul que, nesta parte, a sentença não enferma do erro de julgamento de direito que a recorrente lhe imputa, porquanto pese embora a sociedade impugnante possa ter, individualmente apurado um valor inferior ao devido a final e bem assim, os pagamentos das sociedades de um grupo no primeiro período de tributação sejam efetuados por cada uma das sociedades que compõe o grupo nos termos previstos no n.º1 do artigo 97.º do CIRC, a verdade é que, o que conta para efeitos de limitação dos pagamentos conta, é o total das importâncias entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar -lhe, nos termos do artigo 96.º, conforme decorre do n.º 5 do artigo 97.º2 supra citado, pelo que existe retardamento no não pagamento de imposto que deveria ter sido efetuado antecipadamente, apesar da prévia notificação do sujeito passivo à AT, quando no final do exercício se verifica não cumpridos os pressupostos de que dependia a suspensão previstos no artigo 99.

Do assim decidido requer a recorrente revista, alegando que esta claramente se justifica “para melhor aplicação do direito” (cf. conclusões D) e G) das suas alegações de recurso), e que uma melhor aplicação do direito impõe considerar que, tratando-se de sociedade de um grupo ao qual seja aplicável, pela primeira vez, o RETGS, e verificando-se no final do exercício que o montante do pagamento por conta já efetuado pela sociedade individualmente considerada, é superior ao montante do imposto que seria devido pela sociedade individualmente considerada, ou seja, que foram cumpridos os requisitos exigidos para o efeito, não são devidos juros compensatórios (conclusão H) das alegações de recurso).

Salvo o devido respeito, não nos parece que a admissão da revista se justifique.

A tese da recorrente deixa por explicar, como bem diz a sentença recorrida, como deve interpretar-se a parte final do n.º 5 do artigo 97.º do Código do IRC, na redação aplicável, pois que a lei expressamente prescreve que “(…) sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 96.º”.

Assim, com o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA, entendemos que a interpretação do TCA assumida no acórdão recorrido quanto aos juros compensatórios devidos em razão da não realização dos pagamentos por conta da sociedade dominante é plenamente plausível, não enfermando de erro ostensivo ou manifesto, antes se afigura como a mais consentânea com as regras hermenêuticas da interpretação, designadamente por atender à teleologia subjacente ao mecanismo da limitação dos pagamentos, que é de fazer corresponder (ou aproximar) os pagamentos parciais ao pagamento final que for devido.

Pelo que não se vê como justificada a admissão da revista, que não será admitida.

Em conclusão:

Não se justifica a admissão da revista, motivada em razão “da melhor aplicação do direito”, se a decisão do TCA no segmento impugnado se afigura como plenamente plausível e consentânea com as regras hermenêuticas da interpretação, designadamente por atender à teleologia subjacente ao mecanismo da limitação dos pagamentos, que é de fazer corresponder (ou aproximar) os pagamentos parciais ao pagamento final que for devido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.