Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01892/14.1BELRS
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
GRUPO DE EMPRESAS
CESSAÇÃO
Sumário:I - Para a existência de um grupo de sociedades para efeitos fiscais é necessário que uma sociedade, dita dominante, detenha, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto, há mais de um ano à data em que se inicia a aplicação do regime.
II - Relativamente às sociedades dominadas, não podem fazer parte do grupo as que, no início ou durante a aplicação do regime, registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, se a participação (de pelo menos 90% exigida à sociedade dominante) já for detida há mais de dois anos.
III - Este regime especial de tributação reveste, assim, um aspecto dinâmico podendo cessar se deixarem de se verificar as respectivas condições, mas podendo também vir a ter lugar quando as condições não reunidas em determinado momento passarem a verificar-se.
IV - De harmonia com o disposto no artigo 65.°, n.° 2, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.° 221/2001, de 7 de Agosto, o regime específico de dedução de prejuízos fiscais dos grupos de sociedades implicava que fosse obtida a autorização prevista no artigo 69.° do CIRC para os prejuízos fiscais verificados em exercícios anteriores ao da constituição do grupo.
V - Essa autorização apenas não era obrigatória para os casos de cisão/fusão intra-grupo, quando os prejuízos tivessem origem após a constituição do grupo e na vigência deste.
VI – Apurando-se que em 01/01/2010, a certa sociedade não era dominante de uma outra para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 69.º do CIRC, tal circunstancialismo determinou a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31/12/2009, nos termos do disposto no artigo 69º nº 8 alínea a) e nº 9 alínea c), do CIRC.
VII – Sucedendo que até à entrada em vigor das alterações legislativas aprovadas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não pode considerar-se ilegal nem inconstitucional a interpretação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC no sentido de, em caso de incumprimento dos critérios legais num determinado exercício fiscal, fazer cessar a aplicação do RETGS para todas as sociedades do grupo e não apenas para aquela que estivesse em incumprimento dos referidos critérios.
Nº Convencional:JSTA000P28987
Nº do Documento:SA22022021601892/14
Data de Entrada:01/26/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………… – SERVIÇOS E REPRESENTAÇÕES, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 10-05-2020, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A………. – Serviços e Representações, S.A., com os sinais dos autos, contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios relativas aos exercícios de 2010 e 2011.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a presente impugnação judicial totalmente procedente, determinando, em consequência, a anulação das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2014 9810032132, e 2014 83100321 e liquidação de juros compensatórios n.º 2014 00000891993, referente aos exercícios de 2010 e 2011, no valor global de €65.546,27, bem como o pagamento de juros indemnizatórios “da quantia de €67.395,19, acrescida de juros indemnizatórios desde 13-11-2014 até à sua restituição”;

II. Salvaguardando melhor e mais avisado entendimento, a matéria deste Recurso, o thema decidendum de que depende o respetivo mérito, é exclusivamente jurídica e reconduz-se à concreta questão da interpretação e aplicação do regime consagrado no art. 69.º do CIRC (na redação ao tempo em vigor que é a que se refere nestas alegações), a saber: Se pelo facto de uma sociedade incluída pela sociedade dominante no perímetro de tributação através do regime especial de tributação dos grupos de sociedades não reunir os requisitos necessários para tal inclusão, tal determinará automaticamente a cessação de aplicação desse regime de tributação relativamente às restantes sociedades incluídas no perímetro de tributação, e ainda que se verifiquem os pressupostos de aplicação desse regime especial de tributação quanto às demais sociedades;

III. Os atos de liquidação adicional de IRC, que constituem o objeto dos autos de impugnação judicial sub judicie, foram emitidos no seguimento da ação de inspeção tributária, interna e parcial, com incidência em IRC, realizada através das Ordens de Serviço n.ºs OI201400883 e OI201400855, com referência aos exercícios de 2010 e 2011;

IV. As Ordens de Serviço supraditas tiveram origem no entendimento vertido nas informações n.º 1172/2012 de 21/06/2012 e n.º 2313/13 de 04/11/2013, proferidas pela Divisão de Conceção da Direção de Serviços de IRC, nas quais foi decidido que a inclusão indevida, nos exercícios de 2010 e 2011, da Sociedade B………., S.A. (de ora em diante designada por B…………..) no perímetro fiscal do Grupo de Sociedades, dominado pela Sociedade Comercial C………….., S.A. (em diante designada por C..................), abrangido pelo RETGS, determinava a cessação da aplicação daquele regime especial a todas as empresas que integravam o grupo, com referência aos períodos de tributação em causa;

V. Da ação inspetiva realizada, atendendo às informações proferidas pela Divisão de Conceção da Direção de Serviços de IRC, bem como “(…) tendo por base as declarações de rendimentos de IRC modelo 22 entregues pelo sujeito passivo (enquanto sociedade dominada do grupo), (…)”, foi efetuado o reenquadramento do sujeito passivo, alterando-se, para tanto, o regime especial de tributação para o regime geral, procedendo-se, em consequência, à alteração das declarações de rendimentos de IRC, passando estas de “declaração não liquidável”, para “declaração liquidável”;

VI. A Sociedade B.................. resulta da alteração, registada na Conservatória do registo Comercial de Lisboa em 18/02/2010, da denominação da Sociedade D…………, SA, constituída em 27/07/2009, tendo a C.................., nessa data, subscrito 59,60% do seu capital social, com idêntica proporção dos direitos de votos;

VII. Em 17/11/2009, a C.................. alienou à Sociedade, D………………., SA (posteriormente denominada de B..................), ações representativas de 60% do capital social da Sociedade E……………., S.A. (abreviado), que desde 2004 que integrava o grupo;

VIII. Em 19/02/2010, procedeu-se ao aumento do capital social da B.................. através da emissão de duzentas mil ações, passando, assim, a C.................., a deter 91,92% do total do capital social, com idêntica proporção dos direitos de votos;

IX. Em 14/10/2010 foi realizada uma operação de fusão entre a E……... e a B.................., com efeitos retroativos a 01/01/2010 e, em virtude desta operação, a C.................. passou a deter 91,77% da B.................., com idêntica proporção dos direitos de voto;

X. Por sua vez, a aqui, Recorrida, Impugnante, surge no âmbito da cisão efetuada entre a Sociedade F……………, Lda., a qual deu origem à constituição de duas empresas, denominadas G……………, Lda. e a A…………., Lda.;

XI. O capital social da Recorrida, Impugnante, é detido, na sua totalidade, pela Sociedade H………….., SA, a qual, por sua vez, é detida pela C..................;

XII. Nos exercícios em causa (2010 e 2011), a Recorrida, Impugnante, integrou o grupo de sociedades, cuja sociedade dominante era a C.................., tendo sido abrangida pelo regime especial de tributação definido no art. 69º do CIRC e sujeita às regras de determinação do lucro tributável e dedução de prejuízos definida nos arts. 70º e 71º do CIRC;

XIII. Sucede, porém, que nesse mesmo grupo integrou, igualmente, para os exercícios de 2010 e 2011, a B.................. tendo esta inclusão comunicada à Recorrente, Fazenda Pública, para os períodos de 2010 e 2011;

XIV. Em requerimento dirigido à Direção de Serviços do IRC (DSIRC), em 06/06/2012, a C.................. solicitou esclarecimentos sobre a aplicação do art. 69º do CIRC, a fim de avaliar da legalidade da inclusão da B.................. no perímetro fiscal do grupo para os exercícios em causa;

XV. Na sequência de tais esclarecimentos, considerou a AT que, a B.................. tinha sido indevidamente incluída no perímetro fiscal do grupo, porquanto à data de 01/20/2010, a participação detida pela C.................. não cumpria o limiar mínimo exigido no n.º 2 do art. 69º do CIRC, razão pela qual, o regime especial de tributação a todas as sociedades integradas no grupo deveria cessar, para os exercícios de 2010 e 2011, com efeito a 31/12/2009, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 8 e al. c) do n.º 9, ambos do art. 69º do CIRC;

XVI. Como reflexão sobre a tributação dos grupos de sociedades ou “empresa plurissocietária” nas palavras do TCA SUL, veja-se o sumário proferido por este Tribunal no âmbito do processo n.º 05376/12, de 30-04-2014: “(…) O RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, sendo a tributação em sede de IRC feita tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, correspondendo à unidade económica do conjunto que se comporta no mercado como se efetivamente fosse uma única empresa.
Contudo, cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades.
A tributação em sede de RETGS baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades, permitindo que os prejuízos fiscalmente reconhecidos sejam relevantes para os lucros fiscais das demais sociedades deste, traduzindo-se, efetivamente, numa redução dos impostos pagos por estas. A soma é efetuada a final do exercício, sendo feito com base na declaração periódica apresentada pela sociedade dominante. No entanto, cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que todavia não é objeto de liquidação (…)”;

XVII. O RETGS constitui assim um regime de tributação de grande significado pelas vantagens fiscais, pois possibilita a tributação de um grupo pelo resultado fiscal deste, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis, bem como a comunicabilidade dos prejuízos entre as sociedades do grupo. Contudo, a sua aplicação depende da observância das condições substanciais e formais para o efeito legalmente estabelecidas;

XVIII. Mais se refere que as condições de acesso ao RETGS são rigorosas e exigentes, pois trata-se de um regime optativo, que tem como finalidade simplificar, e até beneficiar os grupos de sociedade;

XIX. Conforme referido pelo STA, no âmbito do processo n.º 021/12, de 29/12/2012 “(…) A admissibilidade de opção dos sujeitos passivos de IRC pela aplicação do RETGS, com a possibilidade de obtenção de vantagens fiscais por estes e consequente perda de receitas tributárias, justifica-se por fins extrafiscais, designadamente facilitar a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência», não sendo justificável para obtenção de «finalidades exclusivamente fiscais (…)”;

XX. À data dos factos este regime que se encontra consagrado no art. 69.º do CIRC, contemplava a seguinte redação:

“(…) 1 — Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 — Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
3 — A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
4 — Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;
b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;
d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;
e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;
f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90% seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo; g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 10.
5 — O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano, sendo relevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º 4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de activos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respectivamente.
6 — Quando a participação é detida de forma indirecta, a percentagem de participação efectiva é obtida pelo processo da multiplicação sucessiva das percentagens de participação em cada um dos níveis e, havendo participações numa sociedade detidas de forma directa e indirecta, a percentagem de participação efectiva resulta da soma das percentagens das participações.
7 — A opção mencionada no n.º 1 e as alterações a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 8, bem como a renúncia ou a cessação da aplicação deste regime devem ser comunicadas à Direcção-Geral dos Impostos pela sociedade dominante através do envio, por transmissão electrónica de dados, da competente declaração prevista no artigo 118.º, nos seguintes prazos:
a) No caso de opção pela aplicação deste regime, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação;
b) No caso de alterações na composição do grupo:
i) Até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que deva ser efectuada a inclusão de novas sociedades nos termos da alínea d) do n.º 8;
ii) Até ao fim do 3.º mês do período de tributação seguinte àquele em que ocorra a saída de sociedades do grupo ou em que se verifiquem outras alterações nos termos da alínea e) do n.º 8, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, excepto se a alteração ocorrer por cessação da actividade de sociedade do grupo, caso em que a comunicação deve ser feita até ao final do prazo previsto para a entrega da correspondente declaração de cessação;(Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 292/2009, de 13/10)
c) No caso de renúncia, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende renunciar à aplicação do regime;
d) No caso de cessação, até ao fim do 3.º mês do período de tributação seguinte àquele em que deixem de se verificar as condições de aplicação do regime a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 8.
8 — O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos nºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);
b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
c) O lucro tributável de qualquer das sociedades do grupo seja determinado com recurso à aplicação de métodos indirectos;
d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efectuada a respectiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;
e) Ocorra a saída de sociedades do grupo por alienação da participação ou por incumprimento das demais condições, ou outras alterações na composição do grupo motivadas nomeadamente por fusões ou cisões, sempre que a sociedade dominante não opte pela continuidade do regime em relação às demais sociedades do grupo, mediante o envio da respectiva comunicação nos termos e prazo previstos no n.º 7.
10- Os efeitos da renúncia ou da cessação deste regime reportam-se:
a) Ao final do período de tributação anterior àquele em que foi comunicada a renúncia à aplicação deste regime nos termos e prazo previstos no n.º 7;
b) Ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão de novas sociedades nos termos da alínea d) do n.º 8 ou ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a continuidade do regime nos termos da alínea e) daquele número;
c) Ao final do período de tributação anterior ao da verificação dos factos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 8.
10 — As entidades públicas empresariais, que satisfaçam os requisitos relativos à qualidade de sociedade dominante exigidos pelo presente artigo, podem optar pela aplicação deste regime ao respectivo grupo”;

XXI. Conforme decorre do n.º 1 do art. 69.º do CIRC, desde que exista um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do RETGS, conforme estabelecido nos arts. 70.º e 71.º do CIRC, em relação a todas as sociedades do grupo;

XXII. O RETGS tem como finalidade a tributação dos grupos como se tratando de uma unidade económica, contudo, nos termos do n.º 2 do art. 69.º do CIRC (na redação aplicável ao caso sub judice), dita como condições de acesso, que para que exista um grupo de sociedades é necessário que a sociedade dominante detenha direta ou indiretamente, pelo menos, 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto;

XXIII. O n.º 3 do mesmo artigo estabelece, para a existência de um grupo de sociedades que pretenda beneficiar deste regime especial de tributação, os seguintes requisitos cumulativos: “(…) A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só poder ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: (…)
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime (…)”. (negrito nosso);

XXIV. Por outro lado, não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, não se encontrem nas situações aí elencadas;

XXV. No entender da Recorrida, Impugnante, a B.................. foi corretamente inserida no Grupo C.................., uma vez que a situação em apreço se subsume no n.º 5 do art. 69.º do CIRC, pelo que a obrigatoriedade da sociedade dominante deter a participação da sociedade dominada à mais de um ano não se aplicaria;

XXVI. Relativamente à questão da detenção da participação por um período superior a 1 ano, o n.º 5 do normativo em análise dita que : “(…) O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano , sendo irrelevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de activos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respetivamente”;

XXVII. Sobre a alínea b) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC, no Parecer proferido pelo CEF que integra os autos é salientado que “(…) o legislador utiliza a expressão “a participação” denotando o artigo definido que não basta que sociedade dominante detenha uma qualquer participação sendo, antes, indispensável que a participação em causa seja detida há pelo menos um ano e cumpra os requisitos previstos no n.º 2 do mesmo artigo”;

XXVIII. Importa referir que a segunda parte do n.º 5 do mencionado artigo consagra ainda outra regra para o caso das sociedades em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de um processo de cisão, fusão ou entrada de ativos, sendo nestes casos relevante para o prazo referido na alínea c) do n.º 3 o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou sociedade contribuidora;

XXIX. Entendeu o Tribunal recorrido, que a exceção prevista nos termos do n.º 5 do artigo em exame, não se aplicada na medida em que “o conceito de “sociedade dominante”, ali referido, tem de ser visto à luz do n.º 2 da mesma norma, ou seja, implica que a sociedade dominante tenha 90% do capital da sociedade dominada e desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.(…)”;

XXX. Pelo que, bem considerou o Tribunal a quo, que “(…) não é controvertido que apenas em 19-02-2010 a C.................. passou a deter mais de 90% do capital social da B.................., em virtude do aumento deste, com idêntica proporção dos direitos de voto, tudo conforme os factos assentes em 2) a 6). (…)” (negrito e sublinhado nosso);

XXXI. Ou seja, apenas a partir de 19/02/2010 passaram a estar preenchidos os requisitos para que a B.................., pudesse integrar o perímetro fiscal do Grupo, pois só a partir dessa data é que a C.................. passou a ter uma participação de pelo menos 90% do capital social daquela, com idêntica proporção dos votos, tudo como estabelece o n.º 2 art. 69º do CIRC;

Quanto às consequências da inclusão, no período de tributação de 2010, da sociedade B.................. no grupo

XXXII. Considerou o Tribunal recorrido que, “Todavia, conforme decorre expressamente do RIT descrito em 10), a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo foi determinada por aplicação do disposto na alínea a) do n.º 8 e na alínea c) do n.º 9 do artigo 69.º do CIRC.
Mas tal consequência não poderá ser retirada destas normas, como fez a AT, desde logo porque estas se reportam à cessação do regime, sendo que apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente, o que, como vimos, não é o caso.
Efetivamente, aquando da constituição de uma determinada situação jurídica, relevam os factos constitutivos, pressupostos da sua constituição, e os factos impeditivos, que, como indicam, impedem o efeito dos factos constitutivos, sendo que os factos susceptíveis de fazer cessar uma situação jurídica são os chamados factos extintivos, por definição supervenientes à constituição da sobredita situação jurídica.
No presente caso, os factos constitutivos serão a existência de um grupo de sociedades e a opção pelo RETGS, feita pela sociedade dominante, não se vislumbrando factos impeditivos do direito à aplicação desse regime quanto às restantes sociedades do grupo, tanto mais que não existe uma obrigação específica de delimitação do perímetro do grupo, mas apenas, como se viu, a necessidade de manifestar, devidamente, a opção pela aplicação daquele Regime e a existência objetiva de um grupo de sociedades, tal como definido na lei, pelo que não se deverá sancionar o contribuinte pela violação de um dever que a lei não impõe.(…)”;

XXXIII. Com o devido respeito, não pode a Recorrente, Fazenda Pública, concordar com o afirmado pelo Tribunal a quo;

XXXIV. O art, 69.º, n.º 8 do CIRC estatui as condições de cessação de aplicação do RETGS ao grupo, realçando-se as alíneas d) e e) quando ocorram alterações na composição do grupo, respetivamente, por entradas e saídas de sociedades, sem que tenha sido efetuada a respetiva comunicação nos termos e prazos previstos no n.º7 do art. 69.º do CIRC;

XXXV. No entender da Recorrente, Fazenda Pública, na senda do Parecer do CEF constante dos autos que, “(…) o legislador faz depender a aplicação do RETGS, não apenas da verificação de um conjunto de requisitos substancias (cf. Números 2 a 4 do art.º 69.º do CIRC), mas, também, do cumprimento, nos prazos definidos, de requisitos formais, nomeadamente no que se refere ao exercício da opção e à comunicação das alterações na composição do grupo sem o que essa opção não será válida ou, nos termos do regime, cessará a respetiva aplicação.

Considera que o legislador impôs, assim, condições quer de natureza substancial quer de natureza formal bastantes exigentes quanto à aplicação do RETGS, enquanto regime propiciador de vantagens fiscais para as entidades abrangidas, na esteira, aliás, do regime de tributação pelo lucro consolidado que o antecedeu. Neste ponto, o CEF vem reforçar que, apesar da eliminação da necessidade de autorização prévia, citando o Dr. Joaquim Pina e o Dr. Ricardo Sá Fernandes no artigo “A Reforma Fiscal Inadiável”, manteve-se uma perspetiva cautelosa e exigente no RETGS.
Quanto à introdução do novo modelo, assente simplesmente na soma algébrica dos resultados, introduziram-se um conjunto de medidas de salvaguarda tendentes a limitar a utilização dos grupos como meios de planeamento fiscal e não como fatores potenciadores do desenvolvimento dos grupos económicos, pelo que, conclui o CEF, terá sido deliberadamente pretendido estabelecer um regime bastante restritivo e exigente.
Não só condicionando expressamente e a aplicação das consequências de cessação do regime, nos termos previstos nos n.ºs 8 e 9 do art.69.º do CIRC, à existência de qualquer situação de abuso ou, sequer, de obtenção de uma vantagem antes estabelecendo aquelas consequências como o resultado inelutável do não cumprimento de algum dos requisitos aí referidos (…)”;

XXXVI. Ora, no caso em concreto, como se concluiu, verificou-se a inclusão de uma sociedade que, à data de 01/01/2010, não cumpria o requisito previsto na alínea b) do n.º 3 do art.69.º do CIRC, pelo que importa aferir-se, se no caso vertente, se verifica, ou não uma das condições previstas no citado n.º 8 como determinado a cessação de aplicação do regime ao grupo;

XXXVII. A este respeito, e conforme decorre dos autos, a Recorrida, Impugnante, alega que na referida alínea a) do n.º 8 do art.69.º do CIRC, o legislador utiliza a expressão “Deixar de se verificar” e no caso concreto, em rigor, o que se constata relativamente à B.................. é que esta não possuía os requisitos para integrar o grupo no período de 2010, pelo que aquela alínea não teria aplicação no caso presente;

XXXVIII. Nesta perspetiva, o legislador teria previsto a consequência de cessação do grupo nos casos em que, por exemplo, não se se verifique a inclusão de uma sociedade que satisfizesse os requisitos para integrar o grupo (cfr. alínea d) do n.º 8), ou a exclusão de uma sociedade que deixasse de verificar algum dos requisitos (cf. alínea e) do n.º 8), mas não no caso em que se verifique a inclusão no grupo de uma sociedade que ab initio não satisfizesse alguns dos requisitos exigidos para pertencer ao grupo;

XXXIX. Por sua vez, o Tribunal a quo, entende, também, não ser de aplicar a referida al. a) do n.º 8 do art. 69º do CIRC, conjugada com a al. c) do n.º 9 do mesmo preceito normativo, porquanto, tal regime “apenas será de aplicar a uma situação jurídica que se constituiu validamente, o que, como vimos, não é o caso”;

XL. Ora, salvo melhor entendimento, quer a Recorrida, Impugnante, quer o Tribunal recorrido, fazem uma leitura errónea do estabelecido naquela disposição;

XLI. De acordo com o Parecer do CEF, afigura-se que a expressão “deixe de se verificar alguns dos requisitos referidos nos números 2 e 3”, utilizada naquela alínea a) do n.º 8 deve ser interpretada como respeitando ao grupo de sociedades no seu conjunto, Ou seja, que o legislador terá pretendido estabelecer a cessação do grupo sempre que este (grupo) deixe de verificar alguma das condições previstas nos n.ºs 2 e 3;

XLII. E foi, precisamente, isto que ocorreu in casu, onde, com a inclusão da B.................. o grupo deixou de verificar, relativamente a uma das entidades nele incluídas, a condição estabelecida na alínea b) do n.º 3 do art. 69.º do CIRC;

XLIII. Mais se dirá que, nos termos das decisões citadas entende-se que as normas previstas no CIRC em apreço têm carácter imperativo;

XLIV. O que significa que não é concedida à AT qualquer margem de discricionariedade conforme Decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa n.º 10/2017-T, que prevê que “(…) na sua aplicação uma vez que o n.º 8 do referido artigo elenca e determina, de forma expressa e inequívoca, os casos em que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação, remetendo, nomeadamente, para as situações referidas nas alíneas a), b), d) ou g) do n.º 4 do artigo 69.º, relativamente à sociedade dominante”;

XLV. A sujeição da AT ao princípio da legalidade, nos termos dos arts. 266.º, n.º 2 da CRP, 8.º da LGT e 3.º, n.º 1 do CPPT, no que tange à aplicação das normas imperativas, em que lhe está vetada qualquer aplicação discricionária, implica que a AT verifique, objetivamente, os requisitos de aplicação da norma, como fez in casu e aplicou cabalmente tendo decidido em conformidade com a lei;

XLVI. No âmbito da decisão arbitral 439/2017-T, de 12/10/2018 foi expressado o seguinte: “(…) a AT não dispõe de margem de discricionariedade na aplicação das normas previstas no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC não podendo, por isso, considerar a aplicação do princípio da proporcionalidade na actividade ordinária de mera aplicação deste preceito porquanto a convocação deste princípio não é permitida pelo legislador ordinário (o que não invalida, naturalmente, que possa ponderar a validade constitucional da norma em apreço à luz do princípio da proporcionalidade que decorre da Constituição, como de seguida se analisará).

(…)
A Requerida AT apenas podia atuar em conformidade com o princípio da proporcionalidade se pudesse adotar, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados.
Ora, neste caso, não existe um leque de medidas a adoptar.
Apenas uma consequência é (era, na redacção aplicável) associada à verificação do incumprimento dos requisitos previstos no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC: a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
O regime previsto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 69.º do CIRC – em particular resultante da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º, como ocorre no caso sub judice – determina a imposição de uma sanção – a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades – que não permite qualquer margem de apreciação por parte da administração fiscal.(…)”;

XLVII. Em abono da verdade, pese embora a cessação da aplicação do RETGS, poder ter tido um impacto fiscal no seio do grupo, a verdade é que em face de todo o que foi dito, não compete à AT substituir-se ao legislador;

XLVIII. Ainda na senda da decisão n.º 10/2017-T: “(…) esse regime legal que resulta do disposto no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC visa “(…) justamente efectivar e potenciar a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal.

A imposição da sanção foi elaborada pelo legislador, em termos gerais e abstractos, estatuindo que a verificação do incumprimento das condições previstas tem, como consequência, a cessação da aplicação do regime especial e a inerente aplicação das normas gerais de tributação a cada sociedade.
A não ser assim, e se acaso a lei permitisse a aplicação, a casos concretos, de alguma ponderação, teria de se encontrar o critério ou os critérios que autorizariam a administração fiscal a desaplicar a lei ou a aplicá-la de forma ponderada, o que colocaria necessariamente em crise o princípio da legalidade tributária.
Dito de outra forma, a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades pode decorrer do incumprimento, por uma ou várias sociedades menos relevantes, financeiramente, no contexto do grupo ou do incumprimento por uma ou várias sociedades muito relevantes financeiramente
Qualquer outro cenário, mormente de aplicação casuísta, não só é excluído pela natureza imperativa das normas, como se imporia que fosse o legislador a ponderar e prever qualquer outra forma, progressiva ou gradativa que implicasse uma eventual desaplicação parcial por exemplo.
Mas não o fez, nem permitiu que a AT o fizesse.
Não só não está previsto como a AT não tem qualquer margem de discricionariedade para o fazer, nem se pode conceber a desaplicação casuística da sanção legal já que o art. 69.º determina taxativamente que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado, como aconteceu in casu (…)”;

XLIX. Deste modo, se não estão verificados os requisitos legais, não se poderia conceber, contra normas imperativas, a desaplicação da respetiva sanção, o que seria uma solução sem qualquer cabimento na lei, pelo que não poderia a AT atuar em conformidade com a mesma;

L. Assim, no entender da Recorrente, Fazenda Pública, o legislador fiscal determinou regras claras e objetivas para a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, como aquelas que constam do art. 69.º, n.ºs 4, 8 e 9 do CIRC;

LI. De notar que, a B.................. foi efetivamente integrada no perímetro fiscal do grupo pela Sociedade dominante C.................., por opção, desde logo para o exercício de 2010, apesar de não reunir as condições exigidas para tal inclusão;

LII. E, ao ser incluída no perímetro fiscal do grupo, nos exercícios de 2010 e 2011, beneficiou da vantagem da tributação conjunta em detrimento do regime geral;

LIII. Sendo que, apenas e tão só após tal integração é que a Sociedade dominante C.................., solicitou à DSIRC esclarecimentos a fim de aferir se tal integração se afigurava, ou não, correta, o que motivou a cessação do REGTS foi, efetivamente, a inclusão indevida da B.................. no grupo, nos exercícios de 2010 e 2011;

LIV. Pois apesar de não se encontrarem preenchidas as condições de inclusão daquela sociedade no grupo, a verdade é a Recorrida, Impugnante, incluiu a sociedade no REGTS, tendo englobado na declaração o resultado da B..................;

LV. Logo, a C.................., ao incluir no seu perímetro fiscal a B.................., não cumpriu todos os requisitos estabelecidos na lei para que se verificasse a inclusão de uma sociedade no grupo, determinando, por via disso, a cessação do REGTS, nos termos da al. a) do art. 69º do CIRC;

LVI. Neste contexto, entende a Recorrente, Fazenda Pública, que o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação do regime previsto no art. 69.º do CIRC (na redação aplicável à data);

LVII. E, por conseguinte, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, a Recorrente, Fazenda Pública, ao decidir pela cessação da aplicação do REGTS, não incorreu em erro de direito na aplicação ao caso concreto da al. a) do n.º 8 do art. 69º do CIRC e, como tal, deverão ser mantidas as liquidações de IRC controvertidas, não sendo devidos quaisquer juros indemnizatórios nos termos do art. 100º e 43º, ambos da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, e em consequência, da decisão ora recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação judicial improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM, EXMOS. SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

Foram apresentadas contra-alegações pela recorrida A…………. – Serviços e Representações, S.A., das quais se extraíram as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto na sequência da notificação da Douta Sentença Recorrida, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrida, contra as Liquidações Adicionais emitidas pela AT em resultado do procedimento de inspeção tributária no âmbito do qual declarou a cessação de aplicação do RETGS ao Grupo dominado pela C..................;

B. Quanto à fixação do valor da causa, deverá, desde logo, operar em sede de recurso a retificação do erro material contido a p. 3 da Sentença Recorrida, em cumprimento do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e artigo 614.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o valor das Liquidações Adicionais é de € 65.546,27, e não de € 2.000,29;

C. Por outro lado, e quanto ao mérito do recurso, haverá que concluir pela improcedência da posição da AT, tal como se encontra expressa nas Alegações de Recurso;

D. É que tal posição assenta no erróneo pressuposto, de que o RETGS, tal como se encontra previsto no artigo 69.º do Código do IRC, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, é uma espécie de “benesse”, ou de “regime de favor”, quando na verdade o mesmo configura um verdadeiro direito, cujo exercício opera por mero efeito de uma opção, que se impõe inelutavelmente à AT;

E. Assim o acolhe a Lei e o entendeu a Douta Sentença Recorrida, ao reconhecer que “não existe uma obrigação específica de delimitação do perímetro do grupo, mas apenas, como se viu, a necessidade de manifestar, devidamente, a opção pela aplicação daquele Regime e a existência objetiva de um grupo de sociedades, tal como definido na lei (…)”;

F. É nesta perspetiva que se impõe a análise do sentido e alcance do regime contido no artigo 69.º do Código do IRC, e é com base nela que urge concluir no sentido da manutenção da Douta Sentença Recorrida;

G. Desde logo, porque a situação em apreço se subsume no n.º 5 do artigo 69.º do Código do IRC e, nessa medida, não é aplicável ao caso o requisito de detenção da participação da sociedade dominada por mais de um ano;

H. Contudo, ainda que assim não se entenda, sempre se deverá concluir alternativamente pela inaplicabilidade da norma punitiva contida na alínea a), do n.º 8, do artigo 69.º do Código do IRC ao caso concreto, na medida em que a previsão resultante da interpretação correta da mesma pura e simplesmente não abrange os factos em causa;

I. Em primeiro lugar porque, aliás em termos bastante literais, a detenção de uma participação há mais de um ano não é suscetível de “deixar de se verificar”, como se exige no artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC;

J. Pelo que se conclui que a AT invoca no RIT a aludida norma como fundamento para a emissão das Liquidações Adicionais, mas fá-lo em sentido contrário à respetiva finalidade;

K. Em segundo lugar, porque, contrariamente ao alegado pela AT, este requisito se encontra estabelecido no artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC, por referência a uma sociedade em concreto, e não ao grupo como um todo, sob pena de não se encontrar um mínimo de correspondência verbal entre a lei e o entendimento da AT;

L. A bondade da interpretação avançada pela Recorrida é reforçada pela comparação com os demais casos previstos no n.º 8 do artigo 69.º, que determinam a cessação da aplicação do RETGS:
(i) não só porque em todos eles há uma alteração dos factos de fundo que justificadamente inviabiliza a manutenção da aplicação do regime;

(ii) mas também porque é o próprio n.º 8 do artigo 69.º do Código do IRC, mais concretamente as alíneas d) e e), que não deixa qualquer margem para dúvidas de que a situação de facto da B.................. não qualifica como tendo sequer “entrado” para o Grupo C..................;

M. É que, como bem sublinhou a Douta Sentença Recorrida, segundo a AT não houve qualquer alteração na composição do Grupo C.................., pela simples razão de que, em seu entendimento, a B.................. simplesmente não satisfazia os pressupostos legais de inclusão no perímetro do Grupo C..................;

N. O que não pode senão significar que, se verdadeiramente a inclusão não ocorreu, se está perante uma opção meramente ineficaz, que certamente não poderá determinar a cessação da aplicação do RETGS às demais sociedades que integravam o perímetro do Grupo C..................;

O. No caso concreto, conclui-se que qualquer entendimento que concluísse pela aplicação do artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC, redundaria na inconstitucionalidade da identificada norma, por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos no artigo 266.º da CRP;

P. Sendo também patente a inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC, por violação do princípio da proibição do excesso ínsito no artigo 20.º da CRP, na interpretação normativa avançada pela AT, no sentido de que um mero lapso ou divergência na qualificação jurídica deve ser cominado com a cessação do RETGS para todas as sociedades que integram o perímetro de um determinado Grupo;

Q. Em concreto, se o eventual erro declarativo da C.................., ao incluir no RETGS uma sociedade que – segundo a AT – não poderia integrar o grupo, foi claramente compreensível e desculpável e sobretudo nem sequer determinou nenhuma perda de receita fiscal, qualquer outra interpretação da norma contida no artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC, determina a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, e ainda do princípio da proibição do excesso, com cabimento nos artigos 266.º e 20.º da CRP, respetivamente;

R. Por conseguinte, de uma ou de outra forma, as liquidações adicionais de IRC de 2010 e 2011 em crise são manifestamente ilegais, não podendo senão manter-se a respetiva anulação, nos termos exarados na Douta Sentença Recorrida.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela AT, e a Sentença Recorrida ser mantida, nos seus exatos termos,
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de se dever conceder provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

“I – Introdução
O presente recurso vem interposto pela Representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 10/05/2020, nos termos da qual foi julgada totalmente procedente a acção de impugnação proposta por A………….. - SERVIÇOS E REPRESENTAÇÕES, S.A. (A…………..) em consequência do que se determinou a anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios dos exercícios de 2010 e 2011 e se condenou a Fazenda Pública a pagar à Impugnante a quantia de € 67.395,19 acrescida de juros indemnizatórios desde 13-11-2014 até integral pagamento.
Na impugnação judicial deduzida a impugnante alegou, de entre o mais:
1. Nos exercícios de 2010 e 2011 integrou o perímetro de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), dominado pela Sociedade C………….., S.A. (C..................);

2. a Autoridade Tributária (AT) entendeu que a sociedade B.................. - Navegação e Trânsitos, S.A. (B..................), não poderia ter sido incluída no perímetro do Grupo C.................. em 01-01-2010, razão pela qual determinou a cessação da aplicação do RETGS ao Grupo C..................;

3. tendo em conta os efeitos retroactivos da operação de fusão entre a E………… - Navegação e Trânsitos, S.A. (E………………) e a B.................., a 1 de Janeiro de 2010 e a “neutralidade temporal” associada às fusões em sede de IRC, a inclusão da sociedade resultante da fusão impunha-se logo no exercício de 2010;

4. o juízo de inadmissibilidade de inclusão no perímetro de tributação da sociedade B.................. nunca determinaria a cessação total da aplicação do RETGS a todas as sociedades do grupo mas somente quanto à sociedade relativamente à qual não se verificavam os pressupostos necessários para que fosse incluída no perímetro de tributação do grupo;

5. as liquidações impugnadas padecem do vício de violação de lei à luz dos princípios da proporcionalidade e da justiça;

6. mesmo que assim não se entenda, sempre deverá concluir-se pela anulação dos actos tributários impugnados por violação do princípio da proibição do excesso;

7. não se verifica no caso vertente o pressuposto da culpa, o qual é requisito essencial para efeitos da liquidação e cobrança de juros compensatórios.

A impugnante pede a procedência da impugnação, determinando-se a anulação das liquidações impugnadas ou, a título subsidiário, a anulação da liquidação de juros compensatórios, bem como a restituição dos valores pagos acrescidos de juros indemnizatórios.
II - Posição das partes e da Instância recorrida:
A impugnante, pugnou pela procedência da impugnação e pela anulação das liquidações impugnadas, ou, a título subsidiário, pela anulação da liquidação de juros compensatórios, bem como a restituição dos valores pagos acrescidos de juros indemnizatórios.
Na verdade, a impugnante integrou nos exercícios de 2010 e 2011, o perímetro do grupo de sociedades sujeito a RETGS, dominado pela Sociedade C………………SA (C..................), sendo que em 01.01.2010, foi incluída nesse grupo a Sociedade B..................- SA, que tinha sido constituída em 27.07.2009 e da qual a C.................. detinha 59,60€ do seu capital social, com idêntica proporção do direito de voto.
Defende a Impugnante que a sociedade em causa reunia todos os requisitos para estar incluída no perímetro de tributação do grupo, mas, ainda que assim não fosse, tal conclusão não determinaria automaticamente a cessação da sujeição de todas as restantes sociedades ao RETGS.
Por sua vez a AT alegou que:
1) a B.................. não poderia ter integrado o grupo com efeitos a 01-01-2010, uma vez que nessa data a C.................. não detinha uma participação de pelo menos 90%;

2) a C.................. não cumpriu todos os requisitos estabelecidos na lei para que se verificasse a inclusão de uma sociedade no Grupo, pelo que ocorreu a caducidade da aplicação do RETGS;

3) a situação em análise resultou da correta aplicação da lei, indo esta ao encontro e com respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça;

4) a AT não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade;

5) os juros compensatórios são devidos uma vez que as liquidações adicionais ora contestadas foram retardadas por factos imputáveis ao contribuinte.

A AT defende a improcedência da impugnação.
O tribunal a quo identificou a questão a decidir como sendo a de apreciar e decidir se as liquidações impugnadas padecem de erro sobre os pressupostos de direito uma vez que a Impugnante está isenta de IRC.
A matéria de facto é a que consta enumerada no ponto “IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”.
O litígio tem por objecto as liquidações de IRC e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2010 e 2011, as quais foram efectuadas porque a AT entendeu que a inclusão da sociedade B.................. no perímetro do grupo C.................. foi indevidamente efectuada, facto que determinaria a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas naquele grupo.
Ora, tal como resulta dos factos provados em 10) a 14), as liquidações que constituem o objecto do presente processo foram emitidas na sequência de um procedimento inspectivo que teve como objecto os exercícios de 2010 e 2011 de IRC da Impugnante, determinado pela prévia decisão dos serviços da AT em fazer cessar a aplicação do RETGS ao grupo societário em que esta se encontrava com fundamento no artigo 69.º do Código do IRC (CIRC).
À data dos factos, estabelecia o art.º 69.º do CIRC sob a epígrafe “Regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, o seguinte:
1 — Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 — Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
3 — A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
[...]
5 — O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano, sendo relevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º 4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de activos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respectivamente.
[...]
Para que um grupo de sociedades possa optar pelo regime especial de tributação, é necessário que exista uma sociedade dominante que detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto e que tal situação exista há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime, excepto quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano.
De resto, o próprio art.º 69.º define e explicita os conceitos de sociedade dominante e de sociedade dominada para efeitos de aplicação do RETGS revelando, desse modo, que por “sociedade dominante” se deve considerar apenas aquela que detém outra a 90% e por “sociedades dominadas” se devem considerar apenas aquelas que são detidas pelo menos em 90% do capital – cf. n.º art.º 69.º n.º2.
Aplicado ao caso presente o regime vigente, temos de concluir que apenas em 19-02-2010 a C.................. passou a deter mais de 90% do capital social da B.................., em virtude do aumento deste, com idêntica proporção dos direitos de voto, como resulta, aliás dos factos assentes em 2) a 6) do probatório.
Como considerou o tribunal a quo “não é de aplicar a exclusão da obrigação da detenção da participação na sociedade dominada há mais de um ano, prevista no n.º 5 do artigo 69.º do CIRC, pois, ao contrário do que defende a Impugnante, o conceito de “sociedade dominante”, ali referido, tem de ser visto à luz do n.º 2 da mesma norma, ou seja, implica que a sociedade dominante tenha 90% do capital da sociedade dominada e desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
Do exposto resulta então que em 01-01-2010, a C.................. não era a sociedade dominante da B.................. para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 69.º do CIRC.”
Aqui chegados e como defende a AT e resulta dos autos, a B.................., SA, não reunia, à data, todos os requisitos para integrar o grupo C.................. e beneficiar da aplicação do RETGS; concretamente a C.................. não detinha pelo menos 90% do capital da sociedade dominada, a B.................. e, além disso a participação era detida há menos de um ano, requisitos exigidos pelo artº. 69º, nº 2 e nº 3, al. b), do CIRC, mas que não se verificavam.
O circunstancialismo descrito determinou a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31.12.2009, art.º 69º nº 8 al. a) e nº 9 al. c), do CIRC, do que tem de concluir-se pela legalidade das liquidações adicionais efectuadas, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, decorrentes da alteração do regime de tributação aplicável, de regime especial para o regime geral.
Sendo assim, entendemos, como resulta de tudo o que deixámos exposto, que deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se as liquidações impugnadas na ordem jurídica.”

Na sequência do parecer supra, a recorrida veio expor e requerer o seguinte:

1. No Douto Parecer proferido em 3 de fevereiro de 2021, a Digna Magistrada do Ministério Público vem pronunciar-se no sentido da procedência do recurso e revogação da sentença recorrida, pugnando, desta forma, pela manutenção das liquidações impugnadas na ordem jurídica.

2. Para tanto, cita a Digna Magistrada do Ministério Público – apenas – parte da fundamentação da sentença recorrida, que considerou que “não é de aplicar a exclusão da obrigação de detenção da participação na sociedade dominada há mais de um ano, prevista no n.º 5 do artigo 69.º do CIRC, pois, ao contrário do que defende a Impugnante, o conceito de «sociedade dominante», ali referido, tem de ser visto à luz do n.º 2 da mesma norma, ou seja, implica que a sociedade dominante tenha 90% do capital da sociedade dominada e desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.”

3. Desta forma, e tal como decidiu, também, a sentença recorrida, entendeu a Digna Magistrada do Ministério Público que “a B.................., SA, não reunia, à data, todos os requisitos para integrar o grupo C.................. e beneficiar da aplicação do RETGS; concretamente, a C.................. não detinha pelo menos 90% do capital da sociedade dominada, a B.................. e, além disso, a participação era detida há menos de um ano, requisitos exigidos pelo artgº. 69º, nº2 e nº3, al. b), do CIRC, mas que não se verificavam.”

4. Pelo que, e em suma, conclui que “O circunstancialismo descrito determinou a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31.12.2009, art.º 69º nº8 al. a) e nº 9 al. c), do CIRC, do que tem de concluir-se pela legalidade das liquidações adicionais efetuadas, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, decorrentes da alteração do regime de tributação aplicável, de regime especial para o regime geral.”

5. Quer isto dizer que a Digna Magistrada do Ministério Público parte da mesma premissa considerada pelo tribunal a quo – no sentido de que, em 1 de janeiro de 2010, a C.................. não detinha 90% ou mais do capital da B.................. – mas alcança uma conclusão diametralmente oposta à que chegou aquele tribunal, i. e., conclui que esse facto é quanto basta para determinar a cessação de aplicação do regime a todas as sociedades, incluindo as que já integravam o perímetro do grupo, como é o caso da Impugnante e Recorrida.

6. Ora, é com esta conclusão que a Impugnante, ora Recorrida, não se pode conformar.

7. Com efeito, tal como foi acolhido pela sentença recorrida, a Impugnante e Recorrida entendia e entende que, ainda que se conclua que a B.................. não poderia ter sido incluída no perímetro do grupo C.................., para efeitos de aplicação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), como efetivamente concluiu o tribunal a quo, ainda assim não se encontravam verificados os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 69.º, n.º 8, do Código do IRC, que é, ao fim e ao cabo, a única norma em que a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) assentou a sua decisão de cessação de aplicação do RETGS.

8. E isto porque, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, a norma em apreço estabelecia que “O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando: a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos nºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);” (sublinhado da Impugnante e Recorrida)

9. Retira-se desta norma que a consequência aplicada pela AT, no sentido da cessação da aplicação do RETGS, só pode ocorrer se, num determinado momento, tiverem sido produzidos determinados efeitos jurídicos que, mais tarde, já num outro momento, deixam de se verificar.

10. Contudo, não foi isso que sucedeu no caso vertente.

11. E sublinhe-se que, apesar de ser este o fundamento em que assentou a sentença recorrida, a Digna Magistrada do Ministério Público não tece qualquer comentário sobre o mesmo nem procura sequer infirmar todo o douto raciocínio ali expendido, limitando-se, na senda do avançado pela AT, a concluir pela aplicabilidade do disposto no artigo 69.º, n.º 8, do Código do IRC, apesar de entender que, afinal, “nunca se verificou” a condição que, na posição que adota no Parecer, “deixou de se verificar”.

12. Diferentemente, a Impugnante e Recorrida entende que, tal como foi acolhido na sentença recorrida, “apenas poderá cessar uma situação jurídica que se constituiu validamente” (cf. p. 11),

13. De onde resulta que, se do ponto de vista factual, a posição da Digna Magistrada do Ministério Público é a de que a B.................. foi incorretamente declarada como estando inserida no perímetro Grupo C.................., quando o não podia integrar,

14. A questão que se coloca – e que, ao fim e ao cabo, é precisamente aquela que não foi analisada no Parecer – é a de saber qual é o impacte, para o Grupo C.................., da apresentação de uma comunicação de inclusão de uma sociedade que não chegou a cumprir os pressupostos para poder ser incluída no perímetro do Grupo.

15. Nessa perspetiva, será este, e apenas este, o âmago da questão.

16. A este respeito, tal como se avançou na contra-alegação de recurso e ora se reitera, importa atentar no facto de estar em causa uma invalidade originária, i. e., a invalidade, que gera “simplesmente” a impossibilidade de a B.................. ser incluída no perímetro do Grupo C...................

17. Dito de outro modo, a errónea comunicação de inclusão de uma sociedade que (alegadamente) não chegou a preencher os pressupostos de integração no Grupo não pode acarretar uma dupla punição traduzida (i) na rejeição da sua inclusão no Grupo e, simultaneamente, (ii) na “expulsão” de todas as outras sociedades que já integravam o Grupo, determinando a extinção do mesmo.

18. E assim sendo, como não pode deixar de ser, a consequência jurídica do erro cometido na declaração apresentada pela C.................., aquando da comunicação à AT de uma alteração ao perímetro do Grupo, em 2010, é a falta de produção dos respetivos efeitos, i. e., a recusa da inclusão pretendida.

19. Essa, e apenas essa, deveria ser a “sanção” para o invocado incumprimento do requisito de detenção da participação na “sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime”.

20. Ou seja, se, na perspetiva da AT, com a qual a Digna Magistrada do Ministério Público parece concordar, a B.................. não podia entrar no perímetro do Grupo C.................., a sanção deveria ser precisamente… a rejeição da entrada no perímetro do Grupo C...................

21. Com efeito, como se viu, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 3, al. b), do Código do IRC, na redação e numeração em vigor à data dos factos, “A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando… A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime”.

22. Ou seja, não se verificando tais pressupostos, não se podia sequer formular a opção de integrar a B.................. no perímetro do Grupo.

23. E, tal como se demonstrou, este requisito, ao contrário do que sucede com o previsto no n.º 2 ou com outras alíneas do n.º 3, não é suscetível de “deixar de se verificar”.

24. Dito de outro modo: em todas as demais situações previstas no n.º 8 do artigo 69.º do Código do IRC, há uma alteração posterior dos factos e circunstâncias subjacentes, que inviabilizam a manutenção da aplicação do RETGS, devido a um facto superveniente.

25. Nenhuma delas impõe – ao contrário do que entende a AT, e com que a Digna Magistrada do Ministério Público parece concordar – a cessação de aplicação do regime a uma realidade que, simplisticamente, não cumpriu os pressupostos de aplicação do RETGS, ab initio.

26. No caso vertente, como bem sublinhou a sentença recorrida, a partir do momento em que se adota o entendimento de que a C.................. não detinha pelo menos 90% do capital da B.................. há pelo menos um ano, então não poderia ocorrer nenhuma alteração na composição do Grupo C.................. consubstanciada na inclusão no mesmo da referida B.................., por não encontrarem verificados os pressupostos da respetiva inclusão,

27. Mas, afinal, considera-se que não existe nenhuma alternativa à cessação da aplicação do RETGS, incluindo às demais sociedades que já integravam o perímetro do Grupo, como se, ao fim e ao cabo, afinal tivesse ocorrido uma alteração indevida na sua composição,

28. Isto é, visa aplicar-se uma sanção que apenas incide sobre um facto que expressamente se determina… não ter – nem poder ter! – ocorrido.

29. Neste passo, não será por demais recordar que a cessação da aplicação do RETGS não decorre, textualmente, do disposto no artigo 69.º, n.º 8, al. a), do Código do IRC, pela simples circunstância de não ser possível afirmar que “deixou de se verificar” algo que, no entender da AT, nunca poderia ter ocorrido.

30. E isto desconsiderando todos os demais argumentos relacionados com a manifesta injustiça e desproporcionalidade do resultado propugnado pela AT, e sobre os quais a Digna Magistrada do Ministério Público não se pronuncia,

31. Mas que foram devidamente analisadas e ponderadas na Sentença Recorrida, na parte em que se afirmou que “a norma do n.º 8 do artigo 69.º, na parte em causa, deverá ser interpretada restritivamente, não se devendo subscrever uma posição que, não tendo uma base literal concludente, acolha situações dificilmente justificáveis, como seja, por exemplo, a situação de um grupo de sociedades que, na sua constituição, por lapso ou divergência de qualificação jurídica não inclua no perímetro do grupo indicado uma sociedade cuja inclusão, em concreto, lhe seja fiscalmente favorável, e que, por via disso, veja afastada a pretendida aplicação do RETGS.” (cf. pp. 11 e 12 da Sentença Recorrida, realce da Impugnante e Recorrida).

32. Pelo que, se o argumento aventado, no sentido do “mero” cumprimento do princípio da legalidade, é o que está na base da posição adotada pela AT – e, de certo modo, acolhida no Parecer, pela conclusão que defende –,

33. O que não pode, de forma alguma, ser desconsiderado é que o fim da norma contida no artigo 69.º, n.º 8, do Código do IRC, é o de evitar a utilização abusiva do RETGS, i. e., o aproveitamento de vantagens fiscais indevidas,

34. E não, certamente, o fim – esse sim, ilegal, como reconheceu a sentença recorrida – de sancionar erros (ainda para mais, perfeitamente compreensíveis, atenta a legítima dúvida interpretativa que se evidenciou ao longo do processo e que a própria AT partilhou, originando discussões no seu seio, e sem qualquer propósito de aproveitamento de vantagens fiscais por parte do contribuinte) no preenchimento das comunicações de entradas ou saídas de sociedades no perímetro de um grupo de tributação,

35. Nem tão pouco o de “castigar” interpretações perfeitamente possíveis e razoáveis, como sucedeu – e a AT expressamente reconheceu na fase graciosa que precedeu este contencioso –.

36. Uma nota para sublinhar, ainda e por fim, que a situação de facto sobre a qual versam os presentes autos remonta já a mais de 10 (dez) anos,

37. E que o processo de impugnação judicial sob recurso tem já uma pendência acumulada de mais de 6 (seis) anos, ainda que tal não seja, de forma alguma, imputável a este Sumo Tribunal.

38. Ora, a Impugnante e Recorrida – tal como, aliás, uma boa parte das entidades que integraram o perímetro do Grupo C.................. nos exercícios de 2010 e 2011 – desenvolve a sua atividade no sector exportador, que foi particularmente afetado pela situação pandémica que o país atravessa, como é facto público e notório.

39. Situação que tem, também, vindo a ser agravada pela pendência do contencioso em apreço, face à indefinição da sua situação tributária, com impacte não só nos anos de 2010 e 2011, aqui em causa, mas também nos anos subsequentes.

40. É neste contexto que a Impugnante, ora Recorrida, solicita a este Sumo Tribunal que, com vista à tutela plena, efetiva e na medida do que ainda é possível em tempo útil dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, seja proferida decisão final nos presentes autos com a máxima brevidade possível, permitindo-lhe, dessa forma, reafetar ao normal desenvolvimento da sua atividade económica os seus recursos atualmente condicionados por responsabilidades contingentes.

A recorrida juntou ainda novo requerimento, no qual expôs o seguinte:

1. Em anteriores intervenções processuais veio a aqui Impugnante requerer a junção aos autos de sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em processos de outras sociedades que integravam o mesmo grupo económico que a Impugnante, para efeitos de aplicação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”),

2. Versando todas elas sobre a mesma e exata questão de Direito subjacente aos presentes autos, e que foram totalmente favoráveis à pretensão das aí Impugnantes, concluindo pela procedência da impugnação judicial e, consequentemente, pela anulação das liquidações adicionais impugnadas.

3. Ora, em 15 de janeiro de 2021 foi proferida nova decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no âmbito do processo n.º 1025/14.4BEAVR (Decisão ainda não transitada em julgado.), relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2010 e 2011 de outra sociedade que integrou o perímetro do Grupo C..................: I………………, S.A. (cf. cópia da sentença que se junta sob a designação de Doc. n.º 1).

4. Nessa decisão, na linha do já avançado em anterior jurisprudência, o Tribunal a quo aderiu totalmente à decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo n.º 2297/14.0BELRS (já junta aos presentes autos), concluindo pela “inaplicabilidade ao caso em apreço do n.º 8 do art.º 69.º do CIRC com a consequente invalidade do ato que determinou a exclusão do RETGS e, consequentemente, da liquidação impugnada” (cf. p. 24/26 da Sentença).

5. Pelo exposto, tendo sido decidido, já pela quarta vez, em casos que envolveram outras sociedades do Grupo C.................. quanto aos mesmos períodos de tributação e precisamente pelo mesmo facto – i.e., a inclusão alegadamente indevida da B.................. no perímetro do Grupo –, pela anulação da liquidação adicional impugnada, crê a Impugnante que se impõe decisão idêntica nos processos que respeitam às demais sociedades que integraram tal Grupo e que dele foram excluídas com os mesmos e exatos fundamentos, reputados pela jurisprudência como ilegais.

6. Mais se requer, ainda e por fim, a não condenação em multa face à junção de documento ora peticionada, em conformidade com o disposto no artigo 423.º do CPC, aplicável ex vi artigo 3.º, al. e), do CPPT, por se tratar de documento superveniente que não foi possível juntar em qualquer das anteriores intervenções processuais.

*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) A sociedade “E…………….- Navegação e Trânsitos, S.A.” (E………………..), integrava o Grupo C.................. desde o exercício de 2004, inclusive (facto não controvertido, assente por acordo cf. artigo 24º da PI e artigo 33º da Contestação);
2) Em 27-07-2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade anónima sob a firma “D…………………. NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A.”, com 50.000 ações de valor nominal de € 1,00 (cf. Doc. 3 a págs. 86 e 87 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
3) A C.................. subscreveu 59,60% do montante descrito em 2) com idêntica proporção dos direitos de voto (facto não controvertido, assente por acordo cf. artigo 25º da PI e artigo 32º da Contestação);
4) Em 17-11-2009, foi outorgado um documento designado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇOES” do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«Entre:
SOCIEDADE COMERCIAL C……………., S.A. [...]
E
D…………………NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A. [...]
PRIMEIRA (Objecto)
Pelo presente contrato, a C.................. vende à D………………, que lhe compra, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade, seja de que natureza for, designadamente, opção, penhoras, penhores e direitos de usufruto 720.000 (setecentas e vinte mil) acções, com um valor nominal unitário de € 1,00 (um euros), representativas de 60 % do capital social da "E……………… - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A." [...]»
(cf. Doc. 4 a págs. 88 a 91 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
5) Em 18-02-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a alteração ao contrato da sociedade descrita em 2), passando a constar como firma B.................. - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A.“ (cf. publicação on-line de ato societário in Portal da Justiça);
6) Em 19-02-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa o aumento do capital da sociedade descrita em 2) pela emissão de duzentas mil ações (cf. Doc. 5 a págs. 92 e 93 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
7) Em 14-10-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fusão da sociedade descrita em 2) constando como sociedade fundida “E……………… - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A. (cf. Doc. 6 a págs. 94 e 95 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
8) Em 06-06-2012, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da C.................., nele constando, designadamente, o seguinte:
«SOCIEDADE COMERCIAL C……………, S.A. [...] vem por este meio [...] solicitar de V. Ex.a esclarecimentos sobre a interpretação e aplicação do artigo 69º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC"), nos termos que passa a expor. [...]
6. Em face do exposto, a Requerente entende que a inclusão da B.................. no perímetro do grupo de tributação por si dominado se impunha, nos termos legais, já no exercício de 2010 e não apenas com referência ao exercício de 2011.
7. Em todo o caso, e perante a inexistência de uma regra explícita sobre a matéria no artigo 69° do Código do IRC, impõe-se a presente solicitação da confirmação do entendimento da Requerente sobre o tema em apreço, bem como de quaisquer outros esclarecimentos que essa Direção de Serviços considere pertinentes para efeitos da correta interpretação e aplicação do normativo relevante.»
(cf. Doc. 7 a págs. 96 a 98 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
9) Em 25-11-2012, os serviços da AT dirigiram um ofício à C.................. do qual se retira, nomeadamente, o seguinte:
«[...] 6. A C……………..passou a deter pelo menos 90% do capital da B.................. em 2010-02-19, pelo que a detenção dessa participação por mais de um ano tem que se verificar a partir dessa data para poder integrar o Grupo.
7. Assim, para efeitos de aplicação do RETGS, só no período de tributação que se inicia em 2012-01-01 é que a B.................. pode integrar o Grupo e iniciar a aplicação do referido regime, desde que verificados os restantes requisitos do n.º 3 e o n.º 4 do art.º 69.º do CIRC.
8. Mais se informa que, tendo-se mantido uma participação de pelo menos 90% na B.................., a fusão por incorporação da E………………(NIF……………) naquela empresa, em 2010-10-14, cujos efeitos retroagem a 1 de janeiro de 2010, não altera a data a partir da qual a B.................. pode passar a integrar o perímetro do grupo.
9. Atente-se, contudo, que de acordo com a informação constante do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), a sociedade B.................. foi indevidamente incluída no grupo em 2010-01-01, ou seja, quando ainda não se encontrava cumprido o requisito temporal previsto na alínea b) do no n.º 3 do art.º 69.º do CIRC.
10. Ora, nos termos da alínea a) do n.º 8 do art.º 69.º do CIRC, e sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e), o RETGS cessa a sua aplicação ao grupo quando deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos n.ºs 2 e 3 desse artigo.
11. Assim, no caso concreto, a aplicação do RETGS ao grupo deverá cessar, abrangendo os períodos de tributação de 2010 e 2011.
12. Mais se informa que, caso seja do interesse do grupo, poderá aceitar-se a opção pela aplicação do RETGS já em 2012, uma vez que o prazo para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 22) desse ano ainda não decorreu (terminando em 31 de Maio de 2013), devendo essa opção ser comunicada, por escrito, à Direcção de Serviços do IRC, no prazo de quinze dias a contar da respetiva notificação.»
(cf. Doc. 8 a págs. 99 a 100 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
10) Em 24-04-2014, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante um relatório de inspeção tributária (RIT) sob as ordens de serviço n.ºs OI201400883 e OI201400885, de âmbito parcial ao IRC dos exercícios de 2010 e 2011, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:
«[...] III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto:
III.1 - Factos e Fundamentos para a cessação da aplicação do RETGS:
Como acima foi referido, nos períodos de tributação em análise, o sujeito passivo integrou o perímetro fiscal de um grupo de sociedades, cuja sociedade dominante foi a C……………….. S.A. [...]
Conforme retrata o quadro anterior, entre as sociedades que constituíram o grupo nos anos de 2010 e 2011, consta a sociedade B.................. - NAVEGAÇÃO e TRÂNSITO, S.A. (doravante designada abreviadamente por B..................), contribuinte n.º…………………., cuja inclusão no perímetro ocorreu a 1 de janeiro de 2010. Nesse sentido, constata-se assim que os resultados fiscais, apurados por essa entidade nos referidos períodos de tributação, influenciaram o apuramento do lucro tributável do Grupo.
Em 06/06/2012, por requerimento dirigido à Direção de Serviços do IRC (DSIRC), veio a sociedade dominante, C…………….., S.A, solicitar esclarecimentos sobre a interpretação e aplicação do artigo 69° do CIRC, com vista a avaliar da legalidade da inclusão da B.................. no perímetro do grupo, com efeitos ao período de tributação de 2010.
Perante a situação exposta e os factos apresentados pela sociedade dominante, o entendimento vertido na Informação n.º 1172/20121 [...] foi que a inclusão da B.................. no perímetro do grupo foi indevidamente efetuada, porquanto, à data de 01-01-2010, a participação detida pela C………….., S.A no capital daquela sociedade não cumpria o limiar mínimo exigido no n.º 2 do artigo 69° do CIRC.
Por conseguinte, tal facto determinaria a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas no grupo, designadamente nos períodos de tributação de 2010 e 2011, com efeito a 31/12/2009, conforme previsto na alínea a) do n.º 8 e na alínea c) do n.º 9 do artigo 69° do CIRC.
A C…………, S.A, em 17/12/2012, requereu a ponderação do entendimento manifestado pela DSIRC, bem como a faculdade de optar pela aplicação do RETGS, excluindo a sociedade B.................. do perímetro do grupo nos períodos de tributação de 2010 e 2011, preservando assim a aplicação do regime às demais sociedades dominadas.
Em 04/11/2013, e em conformidade com o parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) sobre o caso em apreço, a Divisão de Conceção da DSIRC, elaborou a Informação n.º 2313/133, que mereceu despacho concordante da Subdiretora Geral, datado de 11/11/2013, na qual se opôs à pretensão da sociedade dominante, mantendo integralmente o entendimento que foi anteriormente proferido por aquela Direção de Serviços no processo n.º 2189/12.
Pelo exposto anteriormente, a aplicação do regime especial ao Grupo nos períodos de tributação de 2010 e 2011 cessa, o que origina que cada uma das sociedades que integra o perímetro fiscal nesses anos seja tributada autonomamente. [...]»
(cf. Doc. 10 a págs. 104 a 165 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
11) Em 30-04-2014, a Chefe de Divisão dos Serviços de inspeção Tributária da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com o RIT descrito em 10) (cf. Doc. 10 a págs. 104 e 105 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
12) Em 27-05-2014, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2010 n.º 2014 8910032132, constando como valor a apurado € 22,51 (cf. Doc. 1 a págs. 83 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
13) Na mesma data, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 n.º 2014 8310032154, constando como valor a pagar € 65.568,78 (cf. Doc. 2 a págs. 84 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
14) Em 29-05-2014, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a demonstração de compensação de juros relativa ao exercício de 2011 n.º 2014 00011820002, constando como total € 4.441,36 (cf. Doc. 2 a págs. 85 do ficheiro a fls. 1 a 165 do SITAF);
15) Em 27-08-2014, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3247201401311514 para cobrança da dívida relativa à falta de pagamento da liquidação descrita em 13) (cf. citação a págs. 41 do ficheiro a fls. 212 a 270 do SITAF);
16) Em 01-09-2014, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF);
17) Em 13-11-2014, foi paga a quantia de € 67.395,19 no PEF descrito em 15) (cf. extrato a págs. 48 do ficheiro a fls. 212 a 270 do SITAF).
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2.2.- Motivação de Direito

2.2.1.- Da junção de documentos

Antes de tudo, cumpre tomar posição sobre a admissibilidade, ou não, do documento cuja junção a Recorrente requereu após as suas alegações (mais concretamente, após se ter pronunciado sobre o Parecer do Ministério Público, como resulta do relatório supra), dizendo que o faz depois de em anteriores intervenções processuais já ter requerido a junção aos autos de sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em processos de outras sociedades que integravam o mesmo grupo económico que a Impugnante, para efeitos de aplicação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), versando todas elas sobre a mesma e exacta questão de Direito subjacente aos presentes autos, e que foram totalmente favoráveis à pretensão das aí Impugnantes, concluindo pela procedência da impugnação judicial e, consequentemente, pela anulação das liquidações adicionais impugnadas.
Assim, diz, em 15 de Janeiro de 2021 foi proferida nova decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no âmbito do processo n.º 1025/14.4BEAVR, já transitada em julgado, relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2010 e 2011 de outra sociedade que integrou o perímetro do Grupo C..................: I…………….., S.A. (cf. cópia da sentença que se junta sob a designação de Doc. n.º 1), tendo sido decidido, já pela quarta vez sempre nesse sentido.
Termina a pedir a não condenação em multa face à junção de documento ora peticionada, em conformidade com o disposto no artigo 423.º do CPC, aplicável ex vi artigo 3.º, al. e), do CPPT, por se tratar de documento superveniente que não foi possível juntar em qualquer das anteriores intervenções processuais.
Cumpre, pois, determinar da pertinência e admissibilidade do aludido documento neste momento atento o princípio da oportunidade da prova e da manutenção do referido documento nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão-somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal ad quem tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C. P. Civil (princípio da oportunidade da prova) que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias elencadas tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende terem de ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Descendo ao caso dos autos, é manifesto que, atenta a data da sua emissão e dos factos a que o documento junto em fase de recurso pela recorrente se reporta, esta não podia ter procedido à junção do referido documento com a petição que iniciou o presente processo e, portanto, também antes da prolação da sentença de 1ª. Instância. Quer isto dizer que o documento junto pela recorrente com as alegações do recurso não visam provar factos com natureza superveniente. Mas poder-se-ia entender, em vista da descoberta da verdade material que está legitimada tal junção com a própria fundamentação da sentença exarada na 1ª. Instância.
Mas não logra procedência aquela que parece ser a alegação da recorrente, de que o documento ora em apreço visavam esclarecer a dúvida com que a Tribunal a quo ficou e o ad quem possa ter na apreciação do recurso.
É que, analisando o documento, cremos que do seu teor não se pode extrair qualquer factualidade relevante, não se vê até que ponto o documento junto agora pelo Recorrente, possa provar, ou pretender provar o que quer que seja.
Concluindo, dada a sua inoportunidade (após a resposta ao Parecer do Ministério Público junto deste STA) impertinência e desnecessidade, não se admite o documento junto que deverá ser desentranhado e remetido à procedência com tributação, fixando-se o mínimo de taxa de justiça pelo incidente a que a Recorrente deu causa (cfr.artº.543, nº.1, do C.P.Civil; artº.10, do R.C.Processuais).

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2.2.2.- Do valor da causa:

Na conclusão B) do alegatório, a recorrida A………………– Serviços e Representações, S.A., no tangente à fixação do valor da causa, vem requerer, a título prévio, que deverá operar-se nesta sede recursiva a rectificação do erro material contido na Sentença Recorrida, em cumprimento do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e artigo 614.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o valor das Liquidações Adicionais é de € 65.546,27, e não de € 2.000,29.
Ora, ao proceder ao saneamento da acção o Mº Juiz a quo consignou que: “Nos termos da lei, compete ao juiz fixar o valor da causa na sentença, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
Prescreve o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, que quando seja impugnada a liquidação, o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, é o valor da importância cuja anulação se pretende, pelo que se fixa o valor da causa igual ao valor da liquidação impugnada, ou seja, em € 2.000,29 (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 296.º, 297.º, n.º 1 e 2, e 306.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e), e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT).”
Da leitura da p.i. resulta claramente que são identificadas as liquidações adicionais impugnadas, sendo patenteado os respectivos valores: € 22,51 e € 65.568,78, os quais voltam a ser indicados no probatório (cfr. pontos 12) e 33)), acrescendo ainda que no dispositivo da sentença se determina a anulação das Liquidações Adicionais e se condena a AT ao pagamento da quantia de €67.395,19, acrescida de juros indemnizatórios.
Ora, como – bem! – nota o Meritíssimo Juiz a quo, as normas relativas ao valor da causa são fixadas no artigo 97.º-A do CPPT.
E aí se prevê (cf. art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT), como acolheu a Sentença Recorrida, que quando seja impugnada a liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se requer.
Donde, crê a Impugnante, ora Recorrida, nunca poderia o valor da ação ser fixado em € 2.000,29.
Impondo-se, outrossim, a fixação do valor da causa em € 65.546,27 [€ 65.568,78 - € 22.51].
Pelo exposto, requer a rectificação do erro material evidenciado na fixação do valor da causa, nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por remissão do artigo 2.º, al. e), do CPPT.
Sobre o requerido foi pelo relator proferido o seguinte despacho.
“2. Como decorre do artº 614º, nºs 1 e 2 do CPC, conquanto com a prolação do Acórdão ficasse esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
No caso vertente, evidenciam os autos que, acolhendo as razões apresentadas pelo reclamante é configurável o cometimento de genuínos erro material (manifesto) cometido na sentença em apreço.
Com efeito, como explica J. A: Reis, CPC Anotado, 5º-130, dá-se o erro material quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
E o erro material ou lapso cometido é manifesto porquanto, a inexactidão ou omissão foi verificada em circunstâncias tais que é patente através de outros elementos do processo (o termo de julgamento) a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir, por isso, uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito – cfr. Castro Mendes, Lições de Processo Civil, 1967/68, 2º-307).
Não obstante ter sido requerida a rectificação do erro ou inexactidão manifestos que podia ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, tendo sido interposto recurso, a rectificação só podia ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação (nº 2 do artº 614º do CPC).
E o certo é que o Mº juiz ordenou a subida dos autos ao tribunal ad quem sem se ter pronunciado sobre o pedido de rectificação.
3 – Por todo o exposto, ordena-se a baixa dos autos para que seja apreciado o aludido pedido de rectificação da sentença no tocante à fixação no valor nos termos do artº 614º, nºs 1 e 2 do CPC.”
Na sequência e em cumprimento de tal despacho foi pelo Mº Juiz a quo fixado o valor da causa nos seguintes termos (vide fls. 510 SITAF):
“Por manifesto lapso foi fixado o valor da causa em €2.000,29, quando, nos termos do artigo 97.º - A, n.º 1, alínea a), do CPPT, esse valor deve ser de €65.546,27, correção que se determina ao abrigo do n.º 2 do artigo 614.º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.”
É esse, pois, o valor da causa.

*

2.2.3. -Do mérito do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente procedente a impugnação, padece de erro de julgamento, no que respeita à interpretação e aplicação do artigo 69.º do CIRC, na redacção aplicável à data e reconduz-se a saber se o facto de uma sociedade incluída pela sociedade dominante no perímetro de tributação em IRC, através do regime especial de tributação dos grupos de sociedades não reunir os requisitos necessários para tal inclusão, tal poderá determinar automaticamente a cessação de aplicação desse regime de tributação relativamente às restantes sociedades incluídas no perímetro de tributação, e ainda que se verifiquem os pressupostos de aplicação desse regime especial de tributação quanto às demais sociedades.
Aquilatemos.
A litis centra-se nas liquidações de IRC e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2010 e 2011, as quais foram efectuadas porque a AT entendeu que a inclusão da sociedade B.................. no perímetro do grupo C.................. foi indevidamente efectuada, facto que determinaria a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas naquele grupo.
Evidencia o probatório nos pontos 10) a 14), que as questionadas liquidações foram emitidas na sequência de um procedimento inspectivo que teve como objecto os exercícios de 2010 e 2011 de IRC da Impugnante, determinado pela prévia decisão dos serviços da AT em fazer cessar a aplicação do RETGS ao grupo societário em que esta se encontrava com fundamento no artigo 69.º do Código do IRC (CIRC).
Ao tempo, regia o art.º 69.º do CIRC que, epigrafado “Regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, determinava que:
“1 — Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 — Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
3 — A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
[...]
5 — O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano, sendo relevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º 4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de activos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respectivamente.
[...]
8 — O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos nºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);
b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
c) O lucro tributável de qualquer das sociedades do grupo seja determinado com recurso à aplicação de métodos indirectos;
d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efectuada a respectiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;
e) Ocorra a saída de sociedades do grupo por alienação da participação ou por incumprimento das demais condições, ou outras alterações na composição do grupo motivadas nomeadamente por fusões ou cisões, sempre que a sociedade dominante não opte pela continuidade do regime em relação às demais sociedades do grupo, mediante o envio da respectiva comunicação nos termos e prazo previstos no n.º 7.
[...]
Resulta do inciso legal acabado de transcrever que a opção por um grupo de sociedades pelo regime especial de tributação, depende da existência de uma sociedade dominante que detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto e que tal situação exista há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime, excepto quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano.
E o mesmo normativo circunscreve e esclarece os conceitos de sociedade dominante e de sociedade dominada para efeitos de aplicação do RETGS considerando “sociedade dominante” aquela que detém outra a 90% e por “sociedades dominadas” se devem considerar apenas aquelas que são detidas pelo menos em 90% do capital - cf. n.º art.º 69.º n.º2.
Com essa parametrização e por apelo aos pontos 2 a 6 do probatório fixado na sentença, impõe-se concluir que:
-Em 27-07-2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade anónima sob a firma “D……………- NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A.”, com 50.000 ações de valor nominal de € 1,00;
-A C.................. subscreveu 59,60% do montante atrás descrito com idêntica proporção dos direitos de voto;
-Em 17-11-2009, foi outorgado um documento designado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇOES” do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«Entre:
SOCIEDADE COMERCIAL C……………., S.A. [...]
E
D……………… - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A. [...]
PRIMEIRA (Objecto)
Pelo presente contrato, a C.................. vende à D……………….., que lhe compra, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade, seja de que natureza for, designadamente, opção, penhoras, penhores e direitos de usufruto 720.000 (setecentas e vinte mil) acções, com um valor nominal unitário de € 1,00 (um euros), representativas de 60 % do capital social da "E…………… - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A." [...]»
-Em 18-02-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a alteração ao contrato da sociedade descrita em 2), passando a constar como firma B.................. - NAVEGAÇÃO E TRÂNSITOS, S.A.“ e
-Em 19-02-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa o aumento do capital da sociedade descrita em 2) pela emissão de duzentas mil acções.
Como se disse, o dissídio tem por objecto a liquidação oficiosa de IRC referente aos exercícios de 2010 e 2011, a qual foi efectuada porque a Autoridade Tributária (doravante, AT), entendeu que a inclusão da sociedade B.................. no perímetro do grupo C.................. foi indevidamente efectuada, facto que determinaria a cessação da aplicação do RETGS a todas as sociedades integradas naquele grupo.
Sucede que a liquidação em causa foi emitida na sequência de um procedimento inspectivo que teve como objecto os exercícios de 2010 e 2011 de IRC da Impugnante, ora Recorrida, determinado pela prévia decisão dos serviços da AT em fazer cessar a aplicação do RETGS ao grupo societário em que esta se encontrava com fundamento no artigo 69.º do CIRC.
Enfatizando que o indicado artigo 69.º define e explicita os conceitos de sociedade dominante e de sociedade dominada para efeitos de aplicação do RETGS assentando que por “sociedade dominante” se deve considerar apenas aquela que detém outra a 90% e, por “sociedades dominadas”, se devem considerar apenas aquelas que são detidas pelo menos em 90% do capital – cf. n.º 2 do citado preceito legal- aplicado ao caso presente o regime ao tempo vigente, é forçoso concluir que apenas em 19/02/2010 a C.................. passou a deter mais de 90% do capital social da B.................., em virtude do aumento deste, com idêntica proporção dos direitos de voto.
Nessa óptica, como assertivamente julgou o tribunal a quo não é de aplicar a exclusão da obrigação da detenção da participação na sociedade dominada há mais de um ano, prevista no n.º 5 do artigo 69.º do CIRC,
Pois, ao contrário do que defende a Impugnante, ora Recorrida, o conceito de “sociedade dominante”, ali referido, tem de ser visto à luz do n.º 2 da mesma norma, ou seja, implica que a sociedade dominante tenha 90% do capital da sociedade dominada
E desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
Do exposto resulta então que em 01/01/2010, a C.................. não era a sociedade dominante da B.................. para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 69.º do CIRC.
Tal circunstancialismo determinou a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31/12/2009, nos termos do disposto no artigo 69º nº 8 alínea a) e nº 9 alínea c), do CIRC.
Em suma: a B.................., SA, não reunia, à data, todos os requisitos para integrar o grupo C.................. e beneficiar da aplicação do RETGS; concretamente a C.................. não detinha pelo menos 90% do capital da sociedade dominada, a B.................. e, além disso a participação era detida há menos de um ano, requisitos exigidos pelo artº. 69º, nº 2 e nº 3, al. b), do CIRC, mas que não se verificavam.
O circunstancialismo descrito determinou a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31.12.2009, art.º 69º nº 8 al. a) e nº 9 al. c), do CIRC, do que tem de concluir-se pela legalidade das liquidações adicionais efectuadas, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, decorrentes da alteração do regime de tributação aplicável, de regime especial para o regime geral.
Tanto basta para de dever concluir que deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se as liquidações impugnadas na ordem jurídica.
Isso na senda da jurisprudência plasmada no recentíssimo acórdão deste STA prolatado em 12-01-2022 no Processo nº 02297/14.0BELRS, consultável em www.dgsi.pt sobre situação similar à dos presentes autos e de que se extracta o seguinte bloco fundamentador com relevância para a decisão do pleito:

“2. De direito
2.1. A questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso prende-se, unicamente, com a questão de saber se existiu erro de julgamento do Tribunal Tributário de Lisboa na sentença que proferiu ao concluir que “o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC não se aplica às situações em que, como é o caso, esteja em causa a constituição de um grupo de sociedades, devendo, nessas situações as correcções a operar pela AT assentar na exclusão ou inclusão no grupo para efeitos de RETGS, das sociedades que, nos termos legais, o devam integrar, tributando, segundo as regras daquele Regime, o grupo assim formado, e, autonomamente, as sociedades que em cada caso, face à correcta aplicação do Direito, não o possam integrar”.
No essencial, a tese propugnada na sentença sob recurso assentou no pressuposto de que o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, na redacção em vigor nos exercícios de 2010 e 2011, deveria ser interpretada em conformidade com a alteração introduzida pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, considerando que a base literal da norma em crise na redacção em vigor à data dos factos tributários “não era concludente” e que acolhia uma situação (no sentido de solução) “dificilmente justificável”. E, com esta fundamentação, anulou as liquidações adicionais que vinham impugnadas e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios, segundo as regras dos artigos 100.º e 43.º da LGT.

2.2. É contra esta decisão e a sua fundamentação que a AT se insurge no presente recurso. Alega, essencialmente, que a interpretação que fez da norma do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, na redacção que a mesma tinha à data dos factos, bem como a sua aplicação aos factos por meio dos actos de liquidação aqui sob impugnação não merece qualquer censura, por ser conforme ao direito e corresponder à solução que, àquela data, era a opção do legislador.
O n.º 8 do artigo 69.º do CIRC dispunha, à data dos factos, o seguinte: “O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:
(…)
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos nºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);
b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
(…)
Os actos de liquidação adicional impugnados nos autos foram praticados na sequência do procedimento de inspecção tributária no qual se tinha concluído que, face à factualidade apurada (a qual não diverge da que veio a ser dada como assente na sentença), havia incumprimento do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º, o que determinava, segundo o disposto na alínea a) do n.º 8 do mesmo artigo 69.º a cessação da aplicação do RETGS à totalidade do grupo.
A sentença concluiu, no essencial, que a existir fundamento para a correcção por exclusão ou inclusão de sociedades no grupo para efeitos de RETGS, tendo em conta os requisitos legais impostos para a aplicação daquele regime especial de tributação, a solução legal seria a de manter a tributação do grupo pelo RETGS, incluindo ou excluindo a sociedade que não preenchesse os critérios, e não podia ser a de fazer cessar o REGTS para as restantes sociedades do grupo.

2.3. Ora, a questão que vem suscitada nos autos a respeito da interpretação e aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 69.º do CIRC tem sido objecto de análise e discussão no âmbito da arbitragem tributária. Com efeito, em diversas decisões arbitrais discutiu-se a interpretação normativa defendida pela AT nos autos, que consiste em considerar que nos casos de erro substancial (por violação dos requisitos legais) ou formal (por incumprimento dos deveres de comunicação previstos no n.º 9 do artigo 69.º do CIRC) na aplicação do regime do REGTS, o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC impunha, à data dos factos (nos exercícios de 2010 e 2011), a cessação do RETGS para todo o grupo. A AT, apoiada em Pareceres do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (como o n.º 48/2013, que consta dos autos), defende que essa era opção do legislador naquela data, sem prejuízo de a solução ter sido posteriormente modificada com a aprovação da Lei n.º 82-C/2014. E que a modificação legislativa aprovada em 2014, segundo a qual a cessação do RETGS só teria lugar se a falta dos requisitos previstos no n.º 3 dissesse respeito à sociedade dominante, só podia abranger os factos posteriores à sua entrada em vigor. Foi no contexto destes casos decididos no âmbito da arbitragem tributária que a questão chegou ao Tribunal Constitucional por via de recurso, suscitando-se a questão da conformidade constitucional do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC na interpretação sufragada pela AT, quer com o princípio da proporcionalidade, quer com a regra-princípio da tributação pelo lucro real.

2.4. E o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 767/2019, confrontado com a questão da conformidade constitucional da referida norma, veio deixar consignado, com relevância para a decisão que aqui nos cumpre tomar, o seguinte:
«[…]
9. A previsão pelo legislador deste regime especial de tributação [o RETGS] obedece, assim, a objetivos fiscais e extrafiscais, competindo ao legislador fixar os requisitos positivos e negativos em que é permitido às empresas optarem por tal regime.
Por outro lado, tratando-se de um regime fiscal mais favorável e de adesão facultativa, natural é também que o legislador se empenhe em salvaguardar a igualdade entre as diferentes empresas (ou grupos empresariais) no tocante à possibilidade de beneficiarem do mesmo. Essa é especificamente a função das estatuições contempladas no n.º 8 do artigo 69.º em que a norma ora sindicada se insere. Com efeito, não pode beneficiar da solução legal mais favorável quem não reúna, a todo o tempo, as condições de a ela aceder. Ou seja, se não pode optar pela aplicação do RETGS o grupo de sociedades de que façam parte sociedades dominadas que «registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos»; sob pena de criação de uma desigualdade injustificada, o mesmo regime também não pode ser aplicado a um grupo do qual, a partir de determinado momento, passe a fazer parte uma sociedade nessas condições. Compreende-se, por isso, o entendimento firmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2014 (P. 256/12), citado na decisão recorrida:
«Este regime especial de tributação reveste, assim, um aspeto dinâmico, podendo cessar se deixarem de se verificar as respetivas condições, mas podendo também vir a ter lugar quando as condições não reunidas em determinado momento passarem a verificar-se» (itálico acrescentado)
As disposições do referido artigo 69.º, n.º 8, entre as quais se inclui a norma ora sindicada, constituem, deste modo, uma garantia de que o REGS se aplique apenas às empresas (grupos empresariais) que reúnam as condições legalmente exigidas para o efeito (nesse sentido, v. também a decisão recorrida, citando a decisão arbitral, de 3 de Setembro de 2017, proferida no Processo 10/2017-T: o regime legal contido no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9, do CIRC, «visa “justamente efetivar e potenciar a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal”»).
A definição mediante regras claras e objetivas das condições de aplicação do RETGS – opção pela aplicação, renúncia ou cessação da aplicação –, além de representar uma garantia de igualdade de tratamento dos grupos empresariais, tornam este regime especial e favorável de tributação transparente, facilmente compreensível e antecipável no contexto do planeamento fiscal (o que, de resto, e bem, também é reconhecido na decisão recorrida).
10. Em si mesmo considerado, o RETGS não é constitucionalmente imposto. Aliás, as partes nada alegam nesse sentido nem contra o simples carácter facultativo da aplicabilidade do mesmo. Trata-se, diferentemente, de uma decisão legislativa em vista de fins de política fiscal e de política económica, no sentido de proporcionar um regime especial de tributação de empresas que reúnam determinadas condições e que desejem ser tributadas em sede de IRC de acordo com o mesmo. Daí que também na fixação dos mencionados requisitos de aplicabilidade do RETGS – designadamente dos que constam dos n.ºs 3, 4 e 8 do artigo 69.º acima transcrito – o legislador goze de um amplo espaço de liberdade.
Por isso mesmo, e tal como referido na decisão recorrida, a «alteração superveniente ao regime jurídico aplicável […] com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, […] ainda que inclua normas revogatórias, não importa – nem desta resulta da sua exposição de motivos qualquer questão sobre a inconstitucionalidade do regime anterior, e aplicável ao caso – qualquer aceitação que o regime até então vigente padece de qualquer vício, mormente de violação de qualquer princípio enformador da lei fundamental.»
O caráter opcional da consagração legal de um regime deste tipo afasta também, e desde logo, a censura da norma em apreciação à luz do princípio da tributação pelo lucro real (sobre este, cfr. o Acórdão n.º 753/2014, n.º 3). Com efeito, a não aplicabilidade do RETGS tem como consequência a sujeição das sociedades ao regime comum do IRC e, em relação a este, nada vem alegado no sentido de o mesmo violar o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição. Ou seja, a norma sindicada, per se, não constitui um obstáculo à observância de tal princípio.
Por outro lado, o caráter geral e abstrato, das regras do RETGS – a respetiva universalidade, uma vez observados os pressupostos da sua aplicabilidade – assegura que este regime, ao permitir um tratamento fiscal diferenciado de certas realidades empresariais que por sua vez também se destacam materialmente da generalidade das empresas, evidencia que não está em causa uma violação do princípio da igualdade.
Resta apreciar a norma objeto do presente recurso à luz do princípio da proporcionalidade.
11. Está em causa um princípio geral de limitação dos poderes públicos: na realidade, impõem-se limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado legislador e o Estado administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessárias ou excessivamente restritivas» (assim, v. o Acórdão n.º 187/2001).
Como este Tribunal referiu no seu Acórdão n.º 362/2016, «o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelas suas conotações históricas e devido à sua natureza de “princípio fundamental”, é expressão da ideia de que a garantia da liberdade, igualdade e segurança dos cidadãos se funda na sujeição do poder público a normas jurídicas: um Estado informado pela ideia de Direito não pode, sem negar a sua essência, ser um Estado prepotente, arbitrário ou injusto (cfr. os Acórdãos n.ºs 205/2000 e 491/2002)». Nessa perspetiva, o Acórdão n.º 73/2009 entendeu «o princípio da proporcionalidade [como um] princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado (também o Estado legislador) adequar a sua ação aos fins pretendidos, e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou restritivas». Deste modo, e como afirmado no Acórdão n.º 387/2012, «as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias, e [tal] finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um “Estado proporcional”» (itálico aditado).
In casu, verifica-se que a norma sindicada se integra num todo definidor das condições de aplicabilidade de um regime tributário especial e mais favorável. A sua função específica é a de assegurar a igualdade de tratamento entre os grupos empresariais: o grupo de sociedades de que façam parte sociedades dominadas que «registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos» não pode optar pela aplicação do RETGS; ora, sob pena de criação de uma desigualdade injustificada, o mesmo regime também não pode ser aplicado a um grupo do qual, a partir de determinado momento, passe a fazer parte uma sociedade nessas condições (cfr. supra o n.º 9).
Para o efeito, a norma em causa, ao determinar a cessação da aplicação do RETGS em caso de alteração superveniente do grupo em consequência da qual o mesmo deixe de respeitar um dos requisitos negativos essenciais à possibilidade de a respetiva sociedade dominante exercer o seu direito de opção quanto à aplicação de tal regime, mostra-se adequada, e, à luz de um critério de evidência – aqui aplicável dado o grau de liberdade de conformação legislativa de que goza o legislador democrático neste domínio da política económica –, não desnecessária nem desproporcionada em sentido estrito. Se nas condições resultantes da alteração superveniente, a sociedade em causa já não poderia optar pelo RETGS, justifica-se que este último deixe de lhe ser aplicável a partir de tal momento, sob pena de se criar uma desigualdade nas condições de acesso a um tratamento fiscal favorável.
Ademais, e conforme mencionado, esta clareza e objetividade na definição das condições de aplicabilidade de um regime facultativo não só reforçam a segurança e transparência jurídicas na sua aplicação – essenciais a uma concorrência leal entre as empresas –, como permitem antecipar as consequências fiscais das opções de estratégia empresarial que a sociedade dominante vai fazendo ao longo do tempo.
Decerto que é possível discutir se a inobservância superveniente do requisito negativo em causa, não poderia ter consequências diferentes ou ser compensada de outro modo (a solução consagrada na Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, apontou decisivamente nesse sentido). Contudo, tais considerações relevam já do exercício do poder de conformação legislativa a cargo do legislador democrático, e não do controlo negativo a exercer por este Tribunal quanto às opções legislativas em matéria de política económica.
[…]».
Com esta decisão, o Tribunal Constitucional afastou as dúvidas interpretativas do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC quanto à conformidade constitucional da opção por fazer cessar a aplicação do RETGS a todas as sociedades quando um dos pressupostos legais do regime se deixasse de verificar. Para o que importa para a presente decisão, retira-se deste acórdão que o Tribunal considera que a consequência jurídica decorrente da aplicação do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC – a desconsideração do RETGS e a tributação de todas as empresas do grupo pelas regras gerais do CIRC – não merece censura jurídica, por já ser esse o “regime normal de tributação” a que aquelas sociedades estariam subordinadas (não há, por isso, violação do princípio da proporcionalidade, ou da tributação pelo lucro real). E acrescenta ainda que, sendo o RETGS um regime opcional mais favorável pelo qual as empresas podem optar, ele só tem sentido, à luz do princípio da igualdade, se todas as empresas do grupo cumprirem os requisitos ou pressupostos legais exigidos para o efeito no período a que se reporta a aplicação daquele regime jurídico.
Muito relevante é ainda a interpretação sufragada pelo Tribunal Constitucional de que a solução legalmente prevista em 2010 e 2011 no n.º 8 do artigo 69.º do CIRC – de fazer cessar a aplicação do regime para todas as sociedades do grupo e não apenas para aquela que estivesse em incumprimento dos critérios legais – consubstanciava uma opção legítima, pelo que juridicamente não censurável, do legislador, devendo interpretar-se a alteração legislativa introduzida em 2014 como expressão dessa mesma liberdade de conformação jurídica (como uma mudança de regime jurídico) e não como medida de correcção jurídica necessária da solução normativa anterior.

2.5. Tendo presente a argumentação antes expendida concluímos que a decisão recorrida, de considerar ilegais as liquidações no pressuposto de que o n.º 8 do artigo 69.º do CIRC não podia determinar no caso a desaplicação do RETGS a todas as sociedades do grupo, não pode manter-se.”
Em vista da uniformidade na aplicação do direito imposta pelo artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil (que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), julgam-se totalmente procedentes as conclusões recursórias e, em conformidade, a final, será concedido provimento ao presente recurso e, uma vez que a sentença, por julgar procedente o vício em análise, considerou prejudicado o conhecimento das restantes questões inicialmente invocadas, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, por remissão da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, haverá que determinar a baixa dos autos para as mesmas serem conhecidas pelo tribunal a quo.
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3. - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e mandar baixar os autos para que o Tribunal a quo conheça das restantes questões que considerou prejudicadas.
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Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.