Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0824/16
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
LIQUIDAÇÃO
VALIDADE
CONTRATO PROMESSA
Sumário:- A liquidação de IMT, quando da celebração do contrato-promessa respeitante à compra e venda de bem imóvel, fica sem efeito se o contrato prometido não for celebrado no prazo de 2 anos;
- O pedido de anulação de tal liquidação pode ser feito a todo o tempo, até ao limite do prazo máximo de 3 anos a contar da data da mesma liquidação, nos casos em que o negócio prometido não se chegou a realizar, independentemente da validade formal ou substancial do contrato-promessa.
Nº Convencional:JSTA00070077
Nº do Documento:SA2201703150824
Data de Entrada:06/28/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMT.
Legislação Nacional:CPPT ART 125.
CIMT ART22 ART44.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01109/12 DE 2012/11/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), datada de 9 de Março de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., contra a liquidação de IMT de 6 de Junho de 2005, no montante de € 14.300,00.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida de forma imediata contra o despacho de indeferimento do pedido de restituição de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e, de forma mediata, contra a liquidação de IMT paga através do DUC 160.405.010.797.403, de 2005/06/06 (declaração de IMT n.° 2005/120872), no valor de € 14.300,00, respeitante à compra que pretendia fazer pelo preço global de € 220.000,00 dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ……….., concelho de Vila Nova de Gaia, sob os artigos n.° 3269 e 3270.
B. Na decisão que ora se recorre, o Tribunal a quo enunciou como questões a decidir a de saber se haveria facto tributário que servisse de fundamento à liquidação do IMT constante dos autos, decidindo pela procedência da impugnação judicial com o fundamento de que “Apenas depois de transitada em julgado a decisão de anulação do contrato de promessa o Impugnante soube que o contrato definitivo não iria realizar-se, assim, para além de não existir facto, sobre o qual poderia incidir o imposto, a verdade é que o pedido de devolução do mesmo é apresentado tempestivamente”.
C. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido na medida em que a conclusão a que o Tribunal a quo chega, relativamente à tempestividade da apresentação da reclamação, está desacompanhada de qualquer fundamentação.
D. Resulta do despacho impugnado que a administração tributária entendeu que o pedido de restituição apresentado era extemporâneo, (i) primeiro, porque nos termos conjugados do art.° 44.° e 22°, n.° 4, ambos do Código do IMT, o Impugnante dispunha do prazo de um ano, acrescido de mais dois, a contar do ato ou facto translativo ou seja, até 2008/06/05; (ii) em segundo lugar, é dito no despacho impugnado que independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do imposto pago nos últimos quatro anos, de acordo com o previsto no art.° 47.° do CIMT, caso em que a reclamação deveria ter sido apresentada até 2009/06/05.
E. Por outro lado, o Impugnante, na sua Douta p.i., invoca dois prazos como fundamento da tempestividade da apresentação da reclamação: (i) um prazo de três anos a contar da data do trânsito em julgado da decisão de nulidade do contrato promessa, com base na disposição combinada dos artigos 43°, n.°2, 44°, n.° 1 e 22.°, n.° 4 do CIMT (ponto 20.° da p.i.) e, (ii) a todo o tempo por se tratar da apresentação de impugnação com fundamento em nulidade da liquidação, nos termos do art.° 102°, n.° 3 do CPPT (ponto 27.° da p.i.).
F. Ora, na sentença que ora se recorre, apenas se diz que a reclamação é tempestiva, sem que no entanto invoque quais os fundamentos e quais as disposições legais que sustentam essa posição, fundamentação que se impunha dada as posições antagónicas das partes quanto a esse facto.
G. A não especificação dos fundamentos de direito que sustentam a posição do Tribunal torna a decisão nula, nos termos do art.° 125.° do CPPT, sendo a mesma ambígua e obscura, o que a torna ininteligível, cfr. art.,° 615.º, n.° 1, al. c) do CPC, ex vi do art.° 2.°, al. e) do CPPT, nulidade que ora se requer para todos os efeitos legais.
H. Sem conceder, caso assim não se entenda, os fundamentos invocados pelo Impugnante, quanto ao prazo de apresentação da reclamação, também não procedem.
I. O Impugnante alega que a reclamação foi apresentada tempestivamente, na medida em que dispunha do prazo de três anos contados do trânsito em julgado da sentença que declarou nulo o contrato promessa, tudo em conformidade com as disposições combinadas dos artigos 43°, n.°2, 44º, n.° 1 e 22°, n.° 4 do Código do IMT, concretizando que tendo a sentença transitado em julgado em 27/07/2009, então o prazo para apresentar a reclamação terminava em 27/07/2012. Como apresentou a reclamação em 27/11/2009, a mesma é tempestiva.
J. Contudo, tal raciocínio não tem acolhimento na lei. Com efeito, dispõe o art.° 44º, n.° 1 do CIMT que a anulação da liquidação de imposto pago por ato ou facto translativo que não chegou a concretizar-se, pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no n.° 4 do art.° 22.°, ou seja, no prazo de três anos.
K. Por outro lado, invoca o disposto no art.° 43º, n.º 2 do Código do IMT para localizar o início do prazo de 3 anos na data do trânsito em julgado da decisão judicial que declarou a nulidade do negócio jurídico aqui em apreciação.
L. Sucede, porém, que a interpretação que o Impugnante faz das normas em causa, não se afigura a mais correta. Na verdade, de acordo com o n.° 2 do art.° 43.° do Código do IMT, o prazo ali previsto é de 120 dias, por remissão para o prazo previsto no art.° 70.° do CPPT, tendo como data relevante para o início da contagem do prazo, a data do trânsito em julgado da decisão judicial que declarou nulo o negócio jurídico que originou a liquidação controvertida.
M. Assim, tendo a sentença que julgou nulo o contrato promessa, transitada em julgado em 27/07/2009, o prazo terminava 120 dias depois, ou seja, em 24/11/2009. Como a reclamação foi apresentada em 27/11/2009, ou seja, 3 dias depois do prazo limite, a mesma é intempestiva.
N. Sendo intempestiva, o ato de liquidação consolida-se na ordem jurídica como caso resolvido ou caso decidido, ficando precludido o direito de arguição da respetiva ilegalidade pelo decurso do tempo — vide Acórdão do TCA do Norte de 20/10/2005, Recurso n.° 00075/02 — Braga.
O. Acrescenta ainda o Impugnante que, tratando-se de ato nulo, a impugnação judicial pode ser apresentada a todo o tempo. Porém, mais uma vez, não lhe assiste razão.
P. Na verdade, no caso dos autos, não vem invocada qualquer nulidade do ato tributário de liquidação, nulidade que a ocorrer se enquadraria no n.° 3 do art.° 102.° do CPPT; O que vem invocado nos autos é a inexistência de facto tributário, decorrente da decisão judicial que considerou a verificação de simulação absoluta do negócio jurídico que originou a liquidação de IMT controvertida.
Q. A inexistência de facto tributário tem como pressuposto a anulabilidade do ato tributário e, como tal, a sua arguição tem que ser feita nos prazos previstos no n.° 1 do art.° 102.° do CPPT e não, como alega o Impugnante, no prazo previsto no n.° 3 do mesmo normativo - vide Acórdão do TCA do Norte de 20/10/2005, Recurso n.° 00075/02 - Braga e Acórdão do STA de 22/03/2011, Recurso n.° 0749/10.
R. Deste modo, não tendo o Impugnante reclamado da anulabilidade do ato de liquidação nos prazos previstos no Código do IMT (art.° 43°, n.° 2) e no CPPT, art.° 70°, nem se tratando de nulidade do ato de liquidação, a presente impugnação judicial terá que forçosamente ser decidida pela sua improcedência pois já se formou caso resolvido ou decidido, tendo o ato de liquidação controvertido consolidado na ordem jurídica, ficando precludido o direito de arguição da respetiva ilegalidade pelo decurso do tempo.
S. Assim, por tudo quanto se expôs, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser a douta sentença declarada nula por falta de fundamentação e ininteligibilidade ou, caso assim não se entenda, revogar-se a sentença e declarar a improcedência da mesma, nos termos e de acordo com os fundamentos expostos.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser a douta sentença declarada nula por falta de fundamentação e ininteligibilidade ou, caso assim não se entenda, revogar-se a sentença e declarar a improcedência da mesma, nos termos e de acordo com os fundamentos expostos.

Contra-alegou o recorrido, tendo concluído:
1.ª - Vem o presente recurso, interposto pela Fazenda Pública, da douta sentença de fls. 62/71 que julgou procedente a impugnação deduzida a fls. 15/22.
2.ª — Na predita impugnação judicial pediu o ora Recorrido (i) que fosse revogado o despacho administrativo que considerou intempestiva a reclamação apresentada em 27-11-2009; (ii) que fosse declarada nula a liquidação impugnada; e (iii) que fosse o ora Recorrido reembolsado do imposto pago, com todas as consequências legais, aliás consignadas no art. 100.º da LGT.
3.ª — Por contrato-promessa o ora Recorrido pretendeu adquirir dois terrenos para construção.
4.ª — Liquidado o IMT correspondente, procedeu o ora Recorrido ao respectivo pagamento, de 14 300,00 e (cfr. fls. 26/29).
5.ª — Não foi jamais outorgada a escritura notarial de compra e venda.
6.ª — O ora Recorrido propôs acção com o fim de obter a resolução do contrato-promessa (proc. n.° 2425/06. 9TBVNG), 2.ª Vara de Competência Mista),
7.ª — acção que foi julgada integralmente improcedente (cfr. fls. 31/35).
8.ª — Pediu, então, o ora Recorrido que a AT lhe restituísse o imposto (IMT) que havia, oportunamente, pago,
9.ª — pedido que lhe foi indeferido, por ter sido considerado extemporâneo (fls. 24/25).
10.ª — Inconformado com aquela decidida extemporaneidade e a consequente não restituição do imposto, o ora Recorrido deduziu a impugnação judicial de fls. 15/22.
11.ª — A única questão que verdadeiramente importa apurar para se poder decidir se a restituição do imposto é, ou não é, devida, resume-se ao facto de saber se a reclamação apresentada, a pedir a restituição do imposto (IMI) ao ora Recorrido é, ou não é, tempestiva.
12.ª — Entende a Recorrente — e assim tinha entendido já a AT — que a reclamação é intempestiva.
13.ª — Entendeu (e continua a entender) o ora Recorrido que a reclamação era tempestiva — e assim o julgou a douta sentença sob recurso.
14.ª — Pelas seguintes várias razões, a reclamação é (e seria a todo o tempo) tempestiva contrariamente ao que alega a FP.
15.ª — Em primeiro lugar porque se trata de uma liquidação e cobrança feitas no pressuposto duma transferência de bens imóveis que não existiu (cfr. sentença do tribunal cível, a fls. 31/35).
16.ª — Está-se, assim, perante um acto que, mais do que nulo é juridicamente inexistente pelo que a respectiva reclamação/impugnação pode ser deduzida a todo o tempo [art. 102.º, n.° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], conforme se alegou já na p.i. e se pronuncia, a este respeito, o Conselheiro JORGE DE SOUSA (cfr. nota 1 de rodapé, destas alegações).
17.ª — Em segundo lugar porque se trata, neste caso, de violação de um direito fundamental, inscrito no princípio da legalidade tributária (art. 102.º n.ºs 2 e 3 da CRP).
18.ª — Efectivamente, não tendo havido transmissão de bens imóveis, não se verificou o facto de que a lei faz depender a tributação — o que, repetidamente, é considerado e reflectido ao longo da douta sentença recorrida — pelo que, a manter-se a tributação, resulta violado o referido princípio da legalidade tributária tal como o configura o art. 103.º n.° 2 da CRP e o afirma, como direito de agir o n.° 3 do mesmo artigo.
19.ª — Por sua vez, o CPA vigente à época estabelecia no n.° 1 do seu art. 133.º que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
20.ª — E o n.° 2 do mesmo art. 133.º enumerava os actos nulos e, entre estes, referia na alínea d) os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
21.ª — É por força do disposto no art. 17.° da CRP, correctamente interpretado (p. e., em JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS — cfr. nota 6 de rodapé destas alegações) que o princípio da legalidade tributária se deve ter por incluído no âmbito da proteccão dos direitos fundamentais de natureza análoga.
22.ª — Repetindo: não tendo havido, neste caso, transmissão de imóveis, faltou um dos elementos essenciais (pressupostos) da tributação — incidência real ou objectiva (art. 103.º n.° 2 da CRP), pelo que não pode validamente haver liquidação e cobrança do imposto (art. 103. n.° 3, da CRP).
23.ª — Quando a consequência é, como no caso, a NULIDADE do acto, a reclamação/impugnação pode ser deduzida a todo o tempo (art. 102.º n.° 3, do CPPT).
24.ª — A fixação de um prazo para a liquidação do imposto (art. 35.° do CIMT) que é, no mínimo, o dobro do prazo fixado para a restituição do imposto pago (arts. 22.º n.° 4, 44.º n.° 1 e 42.º do CIMT, e 78.º da LGT), é moral e legalmente inadmissível
25.ª — e constitui violação dos princípios da justiça (art. 2.º da CRP) e da igualdade (art. 13° da CRP).
26.ª — Ainda quando a reclamação não pudesse ser apresentada a todo o tempo — o que só em tese se considera —, a contagem do prazo que foi feita pela AT e pela FP está errada porquanto, ao contrário do que uma e outra afirmam, a reclamação não foi apresentada três dias depois do prazo limite.
27.ª — É que, diferentemente do que consta dos autos, a sentença proferida no processo n.° 2425.06/9TBVNG não transitou em julgado a 27-07-2009.
28.ª — À data em que foi dada aquela sentença estava em vigor o CPC, ainda sem incorporar as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto.
29.ª — De acordo com a redacção que então tinha o art. 685.° do CPC, o prazo para interposição do recurso era de 10 dias.
30.ª — A certidão de fls. 30 refere que a sentença foi notificada às partes (sem indicar a data) e que transitou em julgado a 27-07-2009.
31.ª — Para reportar o trânsito em julgado da sentença a 27-07-2009, a AT considerou o dia 13-07-2009 como sendo o da expedição da notificação;
32.ª — contados os três dias seguintes à expedição da notificação, esta ocorreria a 16-07-2009, começando a correr o prazo para o recurso em 17-07-2009.
33.ª — e terminando em 27-07-2009 por ser este o primeiro dia útil seguinte ao décimo do prazo (26-07-2009, domingo).
34.ª — Sucede, no entanto, que o acto pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo (art. 145.º n.° 5, do CPC).
35.ª — E o trânsito em julgado só ocorre quando já não for possível a interposição do recurso,
36.ª — no caso, em 30-07-2009 correspondente ao terceiro dia útil a seguir a 27-07-2009.
37.ª — Contando o prazo de 120 dias para apresentação da reclamação graciosa (n.º 1 do art. 70.º do CPPT), o seu termo verificou-se em 27-11-2009, precisamente o dia em que foi apresentada a reclamação.
38.ª — É, também, deste modo, tempestiva a reclamação graciosa aqui em causa.
39.ª — Nenhuma razão assiste à Recorrente, pois, como se demonstrou, nenhum dos argumentos desenvolvidos na sua alegação é procedente.
40.ª — Quanto à douta sentença de fls. 62/71, fez, no julgamento da presente impugnação judicial, correcta interpretação e aplicação da lei e do Direito, não merecendo qualquer censura.
Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta sentença de fls. 62/71, assim se cumprindo a LEI e se fazendo JUSTIÇA.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso. Entende que se verifica a nulidade da sentença por falta de fundamentação, invocada pela recorrente.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Por decisão do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, 2ª Vara de Competência Mista, proferida no Processo Ordinário 2425.06.9TBVNG, transitada em julgado em 27.02.2009, foi decidido declarar nulo o contrato de promessa celebrado entre o Impugnante, A………., e um Terceiro (a sociedade B………….., Lda.) – cf. certidão da decisão em causa constante de fls. 18 e seguintes do Processo administrativo apenso aos autos;
2. O contrato promessa declarado nulo pela decisão identificada em 1., incidira sobre dois imóveis: descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, da freguesia de ………., descritos sob os números 01391 e 01392, terrenos destinados a construção, designados pelos lotes n.º 1 e n.º 2, com a área de 455m2, inscritos na respectiva matriz sob os artigos 3 269 e 3 270 – cf. certidão da decisão junta a fls. 18 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. Em 06.06.2005 o Impugnante procedeu ao pagamento de € 14 300 a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas, pela aquisição dos imóveis 3269 e 3270, da freguesia de …………., concelho de Vila Nova de Gaia – cf. nota de liquidação constante de fls. 29 dos autos, onde consta a informação de pagamento, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. Em 27.11.2009 o Impugnante deu entrada no Serviço de finanças de Vila Nova de Gaia – 4 de uma Reclamação Graciosa onde, informando que a escritura pública de compra e venda nunca chegou a celebrar-se, por força da anulação do contrato de promessa por decisão judicial, requer a anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas com a consequente restituição da importância de € 14 300 por si paga – cf. requerimento de Reclamação Graciosa constante de fls. 15 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. No âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa foi lavrada informação, da qual se destaca: “o presente pedido é feito extemporaneamente nos termos do artigo 44º do CIMT. De acordo com aquele artigo 44º do CIMT, o pedido deveria ter sido apresentado a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no nº 4 do artigo 22º em processo de reclamação ou de impugnação judicial.
O n.º 4 do citado artigo 22º do CIMT refere que, “não se realizando dentro de dois anos o acto ou facto translativo por que se pagou o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas, fica sem efeito a liquidação”.
Assim, a reclamação deveria ter sido apresentada até 2008.06.05.
Ainda, independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do imposto pago nos últimos quatro anos, de acordo com o disposto no artigo 47º do CIMT. Neste caso a reclamação deveria ter sido apresentada até 2009.06.05” – cf. informação de fls. 9 (frente e verso) do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6. Com base na informação mencionada em 5., em 18.12.2012, foi lavrado despacho de indeferimento – cf. despacho de fls. 9 verso, do Processo Administrativo apenso aos autos, decisão para cujo teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
7. O despacho de indeferimento da reclamação Graciosa foi notificado ao Impugnante em 28.12.2012 – cf. notificação de fls. 27 e 28 do Processo Administrativo apenso aos autos;
8. Em 14.01.2013 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Petição Inicial de Impugnação que deu origem aos presentes autos – cf. carimbo aposto no rosto da Petição Inicial a fls. 4 dos autos.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A primeira questão que é colocada no presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida enferma de deficiência/insuficiência fundamentadora que determine a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 125º, n.º 1 do CPPT.

Como é sabido, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito só ocorre quando essa falta seja absoluta ou a fundamentação existente seja de tal modo incompreensível que impeça o destinatário de conhecer as razões pelas quais se decidiu em determinado sentido, equivalendo, por isso, à ausência de fundamentação.
Já quando a fundamentação de direito existe, mas é deficiente, insuficiente, medíocre, errada ou contraditória nos seus próprios termos, está-se perante um erro de julgamento e não uma nulidade da sentença, cfr. ac. deste Supremo tribunal, recurso n.º 01109/12, de 07.11.2012.
No caso dos autos estamos precisamente perante este erro de julgamento, isto é, a fundamentação de direito existe mas é insipiente, deficitária, confusa e, como mais à frente veremos, errada.
Poder-se-ia mesmo dizer que a fundamentação de direito da sentença recorrida está no limiar da compreensibilidade pelos destinatários, técnicos de direito, porque sabemos em concreto o assunto sobre que versa, face à exposição que do mesmo as partes fizeram nos seus articulados.
Portanto, concluímos que não se verifica a nulidade da sentença recorrida que vinha arguida no recurso.

Quanto à questão de fundo.
Pedem as partes que este Supremo Tribunal diga, qual o prazo, e a partir de que momento deve ser contado, para que o recorrido possa pedir o reembolso de IMT pago referente a uma compra e venda de imóvel prometida que não se veio a realizar.
Resulta da matéria de facto assente na instância, que não vem aqui posta em causa, que no ano de 2005 o recorrido celebrou com uma sociedade comercial um contrato-promessa de compra e venda de dois imóveis, pelo qual liquidou IMT, no dia 06.06.2005, no valor de 14.300€; porque as partes em tal contrato não cumpriram o acordado, o recorrido intentou uma acção judicial contra a sociedade promitente vendedora com vista à resolução do dito contrato-promessa, que veio a ser julgada improcedente, por via de sentença transitada em julgado no dia 27.02.2009.
Na sequência de tal decisão judicial o recorrido reclamou graciosamente, junto da repartição de finanças respectiva, em 27.11.2009, a devolução do valor pago a título de IMT.

Como se percebe, das alegações e contra-alegações apresentadas pelas partes, o legislador fiscal previu expressamente as situações de facto como a dos autos, precisamente por se verificar a sua ocorrência com frequência.
Dispunha à data o artigo 22º, n.º 4 do CIMT que, não se realizando dentro de dois anos o acto ou facto translativo por que se pagou o IMT, fica sem efeito a liquidação, que tenha sido efectuada, como a dos autos, nos termos do disposto no número 2 do mesmo artigo 22º.
Com esta previsão legal o legislador fiscal estabeleceu um prazo para a validade da liquidação de IMT efectuada aquando da celebração do contrato-promessa, desinteressando-se da validade formal ou substancial do negócio celebrado entre as partes. Ou seja, o legislador estabeleceu um prazo suficientemente longo durante o qual as partes do contrato-promessa deveriam celebrar o negócio prometido, e por conta do qual foi liquidado o IMT, findo o qual e independentemente da validade e conformidade legal do contrato-promessa e/ou do contrato prometido, o legislador considerou que aquela liquidação deveria ficar sem efeito, independentemente, portanto, de o contrato prometido ainda poder vir a ser celebrado posteriormente.
Portanto, logo que esteja decorrido aquele prazo de 2 anos, a liquidação de IMT fica sem efeito de forma automática, por força da lei, e independentemente da vontade das partes no contrato.
E ficando sem efeito tal liquidação, estabeleceu o legislador no artigo 44º, n.º 1 do CIMT o modo pelo qual o contribuinte pode recuperar o valor pago a esse título.
Sob a epígrafe “Anulação por acto ou facto que não se realizou”, dispõe aquele n.º 1 que a anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no n.º 4 do artigo 22.º, em processo de reclamação ou de impugnação judicial.
Portanto, celebrado um contrato-promessa que tenha como objecto um contrato de compra e venda de um imóvel e pago o IMT por conta do contrato prometido, no momento da celebração do contrato-promessa, essa liquidação fica sem efeito se o contrato prometido não for celebrado no prazo de 2 anos a contar da data do pagamento do IMT, podendo a devolução do imposto pago ser requerida, nos termos do artigo 44º, n.º 1, até se completarem 3 anos sobre a data da liquidação do imposto.
Como a data do pagamento do imposto (e da liquidação) ocorreu no dia 06.06.2005, o recorrido teria até ao dia 05.06.2008 para requerer a devolução do imposto pago, sendo irrelevante a decisão judicial proferida pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia, tanto mais que foi de improcedência da acção por si intentada.
Ou seja, o que foi, ou não foi, decidido nesta acção do Tribunal de VNG irreleva em absoluto para a determinação e contagem do prazo legalmente estabelecido para o pedido de restituição do imposto, sendo que o mesmo sempre seria devido na data da celebração do contrato-promessa, quer as partes estivessem ou não de conluio no sentido de prejudicar terceiros uma vez que essa realidade é absolutamente irrelevante para efeitos de liquidação deste concreto imposto por a entidade credora do imposto ser terceiro relativamente a tal simulação.
De todos os modos, ao contrário do que defende o recorrente, para a solução a dar aos presentes autos é muito relevante que não tenha sido celebrado o contrato prometido, uma vez que essa realidade é que lhe permitiria pedir a restituição integral do imposto pago, desde que tivesse sido requerida nos prazos legalmente estabelecidos, o que não aconteceu, pelo que, é, agora sim, irrelevante toda a sua argumentação a propósito das questões de constitucionalidade que coloca por se encontrar legalmente prevista a possibilidade de restituição do imposto referente a facto tributário que não ocorreu.
Procede, assim, o recurso que nos vinha dirigido e, em consequência, será improcedente a impugnação.

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
-julgar improcedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrido e, em consequência, dela absolver a Administração Tributária.
Custas em ambas as instâncias pelo recorrido.
D.n.

Lisboa, 15 de Março de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.