Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0452/21.5BELRS
Data do Acordão:10/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INCOMPETÊNCIA
Sumário:O Supremo Tribunal Administrativo (STA) é incompetente, no segmento da hierarquia, para conhecer de recurso jurisdicional de decisão (judicial) de aplicação de coima, quando esta não seja uma decisão de mérito.
Nº Convencional:JSTA000P30022
Nº do Documento:SA2202210120452/21
Data de Entrada:06/27/2022
Recorrente:A……………….., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A……………………, S.A., …, neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre do(a) despacho decisório/sentença, proferido(a), no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 28 de janeiro de 2022, que julgou verificada “a caducidade do direito de acção da Recorrente” e, consequentemente, rejeitou liminarmente o recurso.

Formalizou alegação, com as seguintes conclusões: «

i. É entendimento do douto Tribunal que o prazo para interposição do recurso judicial de coima não foi respeitado.

ii. Ora, tal não corresponde à verdade.

iii. Com efeito e se atendermos à contagem feita pelo douto Tribunal verifica-se que o mesmo não teve em consideração a suspensão dos prazos em férias judiciais.

iv. À contagem de prazos na fase judicial, importa atender ao que se dispõe no artigo 60.º do diploma em causa, i e, sempre que não resulte da lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral de contra-ordenações, isto é, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10.

v. É notório que não está em causa um processo em que se devem praticar actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior, caso em que os prazos também correm em férias.

vi. Temos, por isso, que concluir que a contagem do prazo em análise, ao contrário do que se sustenta na decisão recorrida, não corre no período de férias judiciais.

vii. Neste seguimento, outro não pode vir a ser o entendimento deste douto Tribunal superior, senão o de que o acto judicial de interposição de Recurso Judicial, foi praticado de forma oportuna e tempestiva pelo recorrente e que assim mal andou o douto Tribunal a quo.

viii. Na resolução da questão, não poderá também deixar de se assinalar que não se localiza qualquer normativo legal – seja na Lei n.º 107/2009, seja no Código de Processo do Trabalho, seja no Código de Processo Penal, seja ainda em qualquer outro compêndio legal – que estabeleça que os presentes autos de contra-ordenação tenham, na fase judicial, natureza urgente, o que assim e em última regra e ratio poderia vir a justificar que os prazos corressem em férias judicias.

ix. Pelo que, em bom rigor jurídico e perante o supra exposto, outro não poderá ser o entendimento deste douto Tribunal superior, senão o de determinar a procedência do presente recurso, revogando-se a decisão em crise, assim dignificando a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs. Ex.ªs se requer a procedência por provado do presente recurso e assim, que seja a sentença proferida revogada, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a V. Costumada Justiça. »


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Não houve lugar a qualquer tipo de contra-alegação.

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Em despacho do relator, suscitou-se a incompetência, hierárquica, da Secção de Contencioso Tributário, do STA, para conhecer deste apelo.

Notificadas as partes, somente, a recorrente (rte) expendeu: «

1. Vem o douto Tribunal alegar que o recurso interposto visa uma decisão (despacho) do tribunal de primeira instância pelo que não consubstancia uma “decisão de mérito” e, em consequência o presente Tribunal não é competente.

2. Ora, salvo o devido respeito, que aliás é muito, não pode o recorrente concordar com o douto acórdão proferido pelo douto Tribunal uma vez que representa uma clara violação do Princípio da Materialidade Subjacente, bem como o princípio de acesso aos Tribunais, norma de cariz Constitucional, expressa e prevista na Lei Fundamental.

3. Com efeito e apesar do recurso interposto incidir sobre um “despacho”, o mesmo configura uma verdadeira decisão de mérito nos presentes autos.

4. Motivo pelo qual foi interposto o competente recurso.

5. Assim, o douto Tribunal é competente para conhecer do recurso interposto e sobre ele proferir a competente decisão.

6. Devendo assim a excepção invocada ser considerada improcedente.

7. Desta forma, outro não poderá ser o entendimento deste douto Tribunal Superior senão de que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a ulterior tramitação processual dos presentes autos, o que se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA! »

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Cumpridas todas as formalidades, compete-nos apreciar e decidir.

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# II.

Por se mostrar, totalmente, desnecessário considerar, para a decisão a proferir de seguida, dispensa-se a transcrição do cenário factual inscrito na decisão recorrida, considerando, aqui, integralmente reproduzido o teor desta, no que tange ao julgamento factual (factos provados e não provados), incluindo a convicção do julgador.


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Importando, antes de tudo o mais, cuidar de saber da competência do STA, para conhecer e decidir este recurso jurisdicional, temos que, num primeiro momento, pelo disposto no artigo (art.) 83.º n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), da decisão do tribunal tributário (de 1.ª instância), que aplique coima(s) (De valor superior a € 1.250,00 (e sem sanção acessória).), cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, exceto se “o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito”, caso em que tal apelo tem de ser dirigido, diretamente, à Secção de Contencioso Tributário do STA.

Acresce, contudo, que, por força do estatuído no art. 26.º alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na redação da Lei n.º 114/2019 de 12 de setembro (Vigente desde 11 de novembro de 2019.), esta Secção passou a, somente, conhecer dos “recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários (de 1.ª instância)”.

A violação de tal regra, conjugada, de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

In casu, a decisão recorrida, ponderado o seu conteúdo e o alcance do judiciado, no restrito segmento objeto de crítica, por parte da rte, não constitui uma decisão que seja de mérito, em virtude de, objetivamente, o respetivo âmbito não se haver estendido, em sede de fundamentação factual e jurídica, nem ao nível decisório, à relação material controvertida, ou seja, versado sobre o fundo da causa. Quedou-se pela apreciação e decisão, de aspeto (tempestividade) relativo à relação processual, ao prosseguimento/desenvolvimento da lide.

Resta consignar que esta tem sido a orientação do entendido, no STA, como, por exemplo, no acórdão de 7 de setembro de 2022, processo n.º 101/22.4BEAVR.


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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos declarar, este, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional.


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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

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Oportunamente, remeta-se o processo, ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) - art. 18.º n.º 1 do CPPT.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 12 de outubro de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.