Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02/15.2BCPRT 01386/16
Data do Acordão:10/10/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
FISCALIZAÇÃO ABSTRACTA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:I - A declaração de ilegalidade prevista no artigo n.º 2 do artigo 72.º do CPTA, redacção originária, prevê a desaplicação de normas regulamentares imediatamente operativas, que produzam os seus efeitos de forma imediata, sem dependência de um acto administrativo ou judicial de aplicação, o que é o caso das normas regulamentares que instituem uma obrigação de comportamento activo destituído de qualquer liberdade de apreciação quanto à sua execução.
II - Nesta hipótese, deve admitir-se a possibilidade de invocação como fundamento do pedido de qualquer ilegalidade em sentido amplo, designadamente, da inconstitucionalidade da norma, sem que isso contenda com a reserva de jurisdição do Tribunal Constitucional (pois que o que está em causa é uma declaração de inconstitucionalidade sem força obrigatória geral, sujeita à fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso).
Nº Convencional:JSTA000P23724
Nº do Documento:SA22018101002/15
Data de Entrada:12/09/2016
Recorrente:MJ
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório-

1 – O Ministério da Justiça recorre para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho saneador do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 10 de Março de 2016, que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência material daquele Tribunal suscitada pelo Ministério da Justiça no âmbito da Acção Administrativa Especial apresentada por A…………. e Outros, Recorridos nos presentes autos, em que é discutida a inconstitucionalidade, com efeitos circunscritos ao caso concreto, das normas constantes dos artigos 5º e 9º da Portaria nº 90/2015, de 25 de Março.

Conclui a sua alegação nos seguintes termos:

1. No despacho saneador impugnado, o TCA Norte julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência material, decisão que prejudicou o conhecimento das restantes exceções suscitadas, designadamente, i) a ilegitimidade ativa dos AA. e ii) o não preenchimento dos requisitos do mecanismo processual invocado.

2. O despacho saneador objeto do presente recurso limita-se a transcrever anterior decisão, em providência cautelar antecedente aos presentes autos, decisão também ela objeto de recurso, interposto pelo Ministério Público.

3. A decisão é ilegal, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA.

4. Tal decisão interpreta e aplica de forma constitucionalmente desconforme a norma em que se baseia a sua competência pois, pela interpretação que faz do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, cria uma competência de avaliação abstrata da constitucionalidade das normas i) sediada nos tribunais administrativos, e não no Tribunal Constitucional, único com competência constitucional para o efeito, e ii) na disponibilidade de qualquer requerente, em clara violação da disposição constitucional que delimita os sujeitos ativos do pedido às entidades enumeradas no n.º 2 do seu artigo 281.º.

5. A doutrina citada pelo despacho anterior (e reproduzida no que ora se impugna) é anterior à actual redação do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, redação em que se louva o despacho impugnado. Em qualquer caso, a doutrina em que se apoia o despacho impugnado não tem aplicação ao caso sub judice.

6. De facto, como bem resulta do excerto citado, a posição de Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira supõe que “(…) não havendo (…) um acto administrativo de aplicação que se possa impugnar, nem tendo os interessados (…) acesso ao Tribunal Constitucional (…)”; ora, no caso dos autos há um ato administrativo de aplicação, que os AA., porém, entendem não ter que impugnar.

7. A posição de Mário Aroso de Almeida e Carlos A. Fernandes Cadilha entronca, por seu lado, num juízo judicial de “desaplicação de uma norma num caso concreto” e, neste caso, não foi identificado qualquer caso concreto a que a norma tivesse sido aplicada e cuja desaplicação passasse agora por um juízo de inconstitucionalidade.

8. Em suma, a questão não se encontra na determinação dos efeitos da decisão judicial – em geral ou restrita ao caso concreto – mas na inexistência do prévio pressuposto para que possa o tribunal desaplicar uma norma com base na sua inconstitucionalidade, ainda que com efeitos limitados – a existência de um caso concreto.

9. O Recorrente não nega a possibilidade de, em juízo de fiscalização concreta da constitucionalidade, com efeito circunscritos ao caso concreto, o tribunal administrativo desaplicar uma norma inconstitucional – fiscalização sucessiva e concreta da constitucionalidade; mas esse não é o caso dos autos.

10. Como refere Jorge Miranda, “A fiscalização concreta pressupõe três poderes: o de determinar a norma aplicável ao caso, o de apreciar a sua conformidade com a constituição e, como consequência, o de não a aplicar quando desconforme”.

11. Tal doutrina, unanimemente aceite, mostra, à saciedade, o que falta ao caso dos autos: um caso concreto, em que o juiz tenha que determinar uma norma ao mesmo aplicável. Só após, há que determinar se tal norma é inconstitucional e, se assim for, não a aplicar ao caso.

12. Neste caso, o que é pedido ao tribunal é um juízo “circunscrito à questão da inconstitucionalidade”

13. Se o tribunal viesse a considerar inconstitucionais as normas em causa (uma competência que só por aplicação analógica do disposto na alínea c) do artigo 38.º do ETAF e do artigo 72.º do CPTA poderia reivindicar), tal juízo seria uma decisão de não aplicação da norma, dissociado de qualquer outra sobre a norma possivelmente aplicada ao caso, simplesmente porque não há um caso a que aplica-la, na tal “dissociação” que só pode ocorrer na intervenção do Tribunal Constitucional.

14. Como bem salientam Licínio Lopes Martins e Jorge Alves Correia, a propósito da apreciação do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, “nunca devera negligenciar-se que se trata de uma declaração de ilegalidade com fundamento na inconstitucionalidade da norma regulamentar que tem sempre por mediação judicativa o caso concreto, tal como sucede na desaplicação por via incidental”

15. Como consta das alegações do Ministério Público em recurso na providência cautelar, com igual fundamento, “em momento algum os Requerentes invocam um qualquer caso concreto em que deva ser declarada a ilegalidade dos art’s 5º e 9º da Portaria, ainda que com base na sua alegada inconstitucionalidade. Pelo contrário, os Requerentes reconhecem que a apresentação da presente providência, e correspondente acção administrativa especial, nos termos em que o foi, ou seja, sem a referência a um único caso concreto, se ficou a dever, não a impossibilidade de formular um pedido em devida observância do disposto no artº 73º nº 2 do CPTA, mas por mera conveniência e benefício próprio, em virtude da dificuldade logística que, a seu ver, o respeito por este artigo imporia.

Os Requerentes chegam mesmo a afirmar a possibilidade de por eles ser apresentada uma pretensão por referência a um caso concreto, mas que, deliberadamente, escolheram não fazê-lo, em contradição expressa com os termos do artº 73 nº 2 e em violação do artº 281º da CRP”.

16. Só numa possível aplicação/desaplicação de norma considerada inconstitucional a um litígio/caso concreto pode fazer sentido a limitação dos efeitos de tal aplicação/desaplicação ao caso concreto, apanágio da fiscalização concreta atribuída aos tribunais comuns.

17. Os AA. e a despacho confundem “caso concreto” com “situação pessoal dos AA.” ou com simples “ação judicial”.

18. O Tribunal administrativo, como qualquer tribunal têm competência e o poder-dever, de não aplicar, ou desaplicar, norma inconstitucional a um caso concreto, ou seja, a uma situação da vida concretamente delimitada, subjectiva e objectivamente, de onde deriva um litígio, cuja resolução é pedida a um juiz; a desaplicação de tal norma tem apenas efeitos em tal caso concreto, i.e., para o caso em litígio.

19. Ora, os AA. não pediram desaplicação dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de março a nenhum litígio judicial, para cuja resolução se mostrasse necessário invocar – para aplicar ou desaplicar – as normas em causa.

20. São os AA. que bem demonstram que a presente ação se mostra dissociada de qualquer litígio concreto, não necessitando de o estar.

21. A questão colocada ao tribunal foi no sentido de evitar que uma suposta “alteração danosa da esfera dos Requerentes” se produzisse para futuro, dispensando os requerentes de terem de interpor “as competentes reclamações graciosas e impugnações judiciais contra as liquidações da TAFDAJ, dentro dos respetivos prazos”.

22. Há que não confundir caso concreto – que poderiam ser todos aqueles em que tivesse aplicação a norma impugnada – e, portanto, até agora, cada um dos de aplicação do artigo 5.º da Portaria n.º 90/2015, mas nenhum de aplicação do seu artigo 9.º – com a situação geral (não o caso) de imposição de uma contribuição financeira (que, de facto, decorre da norma que os AA. pretendem não possa vir a ser aplicada de futuro, por via de um juízo abstracto de constitucionalidade).

23. Como não resultam quaisquer dúvidas sobre os vícios imputados às normas em causa – inconstitucionalidade –, aquilo a que se assiste nestes autos é a um pedido de declaração de inconstitucionalidade de duas normas, em abstracto, ou seja sem aplicação a qualquer caso concreto em litígio, ainda que tal declaração só pudesse ver os seus efeitos limitados aos A.A., ou seja, sem ter força obrigatória geral.

24. A decisão ora recorrida, ao arrepio da CRP e da jurisprudência, do próprio TCA Norte, declarou-se competente para conhecer sobre a fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas.

25. Assim se tendo inventado uma terceira modalidade de declaração de inconstitucionalidade por fiscalização sucessiva: nem abstrata, por não ter os efeitos desta, nem concreta, por não ter subjacente um caso concreto.

26. Tal decisão contraria jurisprudência firmada, designadamente deste Supremo Tribunal.

27. A interpretação feita pelo tribunal do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, e da norma da alínea c) do artigo 38.º do ETAF é, em si mesma, inconstitucional.

28. A primeira norma (artigo 73.º, n.º 2, do CPTA) é inconstitucional quando interpretada no sentido de que atribui competência aos Tribunais Administrativos para, a título principal e definitivo, declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade qualificada de normas regulamentares, ainda que com efeitos restritos ao caso concreto.

29. A segunda norma (artigo 38.º, c), do ETAF) é inconstitucional quando interpretada analogicamente no sentido de atribuir competência à Secção de Contencioso Tributário de cada um dos Tribunais Centrais Administrativos para conhecer “Dos pedidos de declaração de [inconstitucionalidade] de normas administrativas de âmbito nacional, emitidas em matéria fiscal;”

30. Conforme referem Licínio Lopes Martins e Jorge Alves Correia, “se a invalidade das normas regulamentares tiver por fundamento (direto) a (sua) desconformidade com a Constituição, é forçoso concluir que esta desconformidade – inconstitucionalidade – vai ser apreciada pelo Tribunal Administrativo a título principal, exclusivo e definitivo. E, se assim é, então será legítimo questionar se este alargamento do âmbito da jurisdição administrativa não entra em conflito com a competência do Tribunal Constitucional, não apenas porque é este “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (art. 221.º da CRP), mas ainda por lhe caber sempre, por força da própria CRP, a última palavra em matéria de vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade qualificada. E não apenas na fiscalização abstrata (arts. 281.º e 282.º), mas também na fiscalização concreta da constitucionalidade (art. 280.º) e no processo misto previsto no n.º 3 do art. 281.º”.

31. E ainda, “Por outro lado, é consabido que os modos de garantia da Constituição perante o exercício do poder normativo público são fixados na própria CRP, o que permite apontar para um princípio da tipicidade dos mecanismos de controlo da constitucionalidade de normas. Em conformidade, a haver alguma abertura para o regime processual prevista no n.º 2 do art. 73.º, teria de ser a CRP a autorizá-lo”.

32. “A isto acresce”, como salientam os autores citados, “o facto de o CPTA não salvaguardar (pelo menos expressamente) as situações em que deve haver recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais Administrativos que declarem a ilegalidade de normas administrativas com fundamento na sua inconstitucionalidade.”

33. Também sobre esta deriva – quanto ao fundamento da intervenção dos tribunais administrativos e não já só quanto aos seus possíveis efeitos e contexto de intervenção – se pronunciou o STA (cfr. Acórdão do STA, P. 801/04, de 18/08/2004).

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, declarando-se a incompetência material do TCA Norte.

2 – Os Recorridos apresentaram as suas alegações, concluindo nos seguintes termos:

a) Os tribunais administrativos e fiscais podem conhecer da ilegalidade de uma norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade, na medida em que estejam em causa normas imediatamente operativas e a desaplicação das normas em questão se circunscreva a um caso concreto que lhes seja apresentado.

b) A declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto nos termos em que se encontra prevista no artigo 73.º, n.º 2, do CPTA não contende com a competência constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional de conhecer e declarar a inconstitucionalidade de normas com força obrigatória geral, de acordo com o artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, devidamente acautelada pelo artigo 72.º, n.º 2, do CPTA.

c) Conforme abundantemente esclarecido pela doutrina, plenamente aplicável a este caso, apenas uma declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, com fundamento em inconstitucionalidade, atentaria contra a competência reservada ao Tribunal Constitucional, o que não se verifica, na medida em que o pedido formulado pelos Recorridos na sua petição inicial se dirige a uma apreciação e declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso, no âmbito da fiscalização concreta da inconstitucionalidade e não abstrata.

d) As normas dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de março, produzem efeitos imediata e sucessivamente nas esferas jurídicas dos Recorridos, pelo que podem ser objeto de um pedido de declaração de ilegalidade, tal como o formulado, uma vez que não carecem de qualquer ato administrativo ou jurisdicional de aplicação para que possam ser impugnadas.

e) A situação em que cada um dos Recorridos se encontra, enquanto administradores judiciais, por força da entrada em vigor e aplicação das normas citadas representa, para este efeito, os casos concretos submetidos a apreciação do TCAN, não sendo necessário, nos termos do regime jurídico previsto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, que o pedido seja formulado por referência a um ato, ainda que conexo.

f) É por referência ao caso concreto de cada um dos Recorridos que a pronúncia do TCAN é solicitada, aplicando-se integralmente a doutrina citada por este Tribunal no despacho recorrido, que não se encontra em contradição com a demais citada pelo Recorrente, estando devidamente configurada a ação por referência aos casos em que se pretendem ver desaplicadas as normas indicadas.

g) Enquanto normas imediatamente operativas, a declaração de ilegalidade que as tenha por objeto deve ser requerida por quem tenha legitimidade para tal, enquanto lesado, e deve ser configurada por referência a uma situação específica, em relação à qual operem os seus efeitos.

h) A declaração de ilegalidade de normas imediatamente exequíveis não depende da existência um ato administrativo ou jurisdicional que as tenha por base nem o conceito de caso concreto a que alude o artigo 73.º, n.º 2, do CPTA coincide ou implica que apenas os eventuais atos que derivem daquelas normas possam ser objeto de impugnação, na hipótese de estas produzirem os seus efeitos diretamente na esfera dos seus destinatários.

i) A jurisprudência a que alude o Recorrente não abala as considerações do TCAN quanto à sua competência nem tudo quanto se alegou nesse sentido, não sendo transponíveis para o presente recurso por não estar em causa um pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e, assim, não se colocar a questão da constitucionalidade da solução legal de desaplicação de uma norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade, com efeitos circunscritos ao caso.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso interposto pela entidade demandada Ministério da Justiça ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o despacho saneador proferido pelo TCAN, com todas as consequências legais.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 634/635 dos autos, pronunciando-se pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido na ordem jurídica, nos seguintes termos:

Nos termos do disposto no artigo 73.º/2 do CPTA, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

Os recorridos pedem ao Tribunal que seja declarada, com efeitos circunscritos ao caso concreto, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25/03.

Tais normativos estabelecem o procedimento de liquidação e cobrança da taxa de acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais.

São normas imediatamente operativas, pois que os respetivos efeitos lesivos se produzem imediatamente na esfera jurídica dos recorrentes, sem necessidade de qualquer ato administrativo/tributário de aplicação, pelo que se verificam os pressupostos constantes do artigo 73.º/2 do CPTA.

Como decorre do estatuído no n.º 2 do artigo 72.º do CPTA, a incompetência dos tribunais tributários para conhecer da impugnação de normas com fundamento em inconstitucionalidade circunscreve-se aos pedidos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos do n.º 1 e não aos pedidos de desaplicação de normas a um caso concreto mencionados no n.º 2 do citado artigo.

De facto, só a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, equivalente à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral com fundamento em inconstitucionalidade, contende com a competência do Tribunal Constitucional estatuída no artigo 281.º da CRP.

A desaplicação da norma num caso concreto (artigo 73.º/2 do CPTA) não produz efeitos de força obrigatória geral, apenas envolvendo um juízo de inconstitucionalidade pelo tribunal tributário, como acontece no âmbito da fiscalização incidental em sede de impugnação de ato administrativo/tributário de aplicação, que apenas ficará sujeito à fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso, nos termos do disposto no artigo 280.º/1 da CRP.

Salvo melhor juízo, o conceito de caso concreto, a que se refere o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, não é o sustentado pelo recorrente, ou seja o pedido de desaplicação da norma não tem de estar cumulado ou conexionado com um qualquer pedido de anulação de um ato tributário, pois que a ilegalidade/inconstitucionalidade da norma é o próprio objeto do processo.

Na verdade, os efeitos do pedido de desaplicação da norma são circunscritos ao caso concreto dos recorrentes, ou seja, tem apenas o alcance de impedir que a norma ilegal possa ser aplicada aos interessados.

A nosso ver, o despacho recorrido não merece censura.

4 – A Recorrente exerceu o seu direito de resposta, nos seguintes termos:

(…) 2. Salvo o devido respeito, a posição perfilhada pelo digno magistrado do Ministério Público enferma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, como se passará a demonstrar.

3. Ao invés do que é defendido pelo Ministério Público, e pelos Autores, as normas impugnadas não são normas imediatamente operativas, antes existe a necessidade da prática de um ato administrativo que as aplique.

4. No caso dos autos existe um ato administrativo de aplicação da norma, ato que os Autores entendem/pretendem não ter que impugnar, como, aliás, os próprios Autores, em sede cautelar, denunciaram, “os Requerentes, no exercício dos seus direitos, ver-se-ão obrigados a apresentar as competentes reclamações graciosas e impugnações judiciais contra as liquidações da TAFDAJ, dentro dos respetivos prazos, sem que fiquem desobrigados do seu pagamento.

E ainda que no plano jurídico seja possível pagar cada uma das taxas e a posteriori impugnar judicialmente cada uma delas, ou todas as que forem pagas no prazo de impugnação judicial da primeira taxa e assim cumular na mesma Impugnação o pedido de anulação de vários atos, para pessoas singulares, como é o caso dos Requerentes, no plano dos factos será extremamente difícil (para aqueles não tenham sido já afastados da actividade), ou mesmo que exercem a actividade da qual retiram os seus rendimentos, impugnarem judicialmente cada taxa que pagaram ou a correspondente tranche delas.

Serão forçados, não apenas a incorrer em honorários de mandatários e a pagar taxas de justiça, mas também a despender muito tempo com a organização da documentação (e envio da mesma aos respetivos mandatários judiciais), tantas vezes quantas as vezes em que forem nomeados num processo de insolvência ou de revitalização, o que se traduz numa carga logística e “burocrática” muito elevada e geradora de custos administrativos e de gestão”.

5. Ou seja, resulta claro que a questão que foi colocada ao tribunal foi no sentido de evitar que uma suposta “alteração danosa da esfera dos Requerentes” se produzisse para futuro, dispensando os requerentes de terem de interpor “as competentes reclamações graciosas e impugnações judiciais contra as liquidações da TAFDAJ, dentro dos respetivos prazos”, dissociada, portanto, de um litígio concreto.

6. O Recorrente não afirmou, como lhe é imputado, que o pedido de desaplicação da norma tinha que estar “(…) cumulado ou conexionado com um qualquer pedido de anulação de um ato tributário”, tão-só defendeu, acolhendo a doutrina, de que a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA se cinge à desaplicação da norma a propósito de um caso concreto, o que no caso dos autos não se verifica.

7. E efetivamente importa não confundir caso concreto – que poderiam ser todos aqueles em que tivesse aplicação a norma impugnada – e, portanto, até agora, cada um dos de aplicação do artigo 5.º da Portaria n.º 90/2015, mas nenhum de aplicação do seu artigo 9.º - com a situação geral (e não o caso) de imposição de uma contribuição financeira (que, de facto, decorre da norma que os Autores pretendem não possa vir a ser aplicada de futuro, por via de um juízo abstracto de constitucionalidade).

8. Tal como se sustenta no Parecer a que se responde, nos presentes autos “(…) a ilegalidade/inconstitucionalidade da norma é o próprio objeto do processo”.

9. E é precisamente essa circunstância que colide, tal como o Recorrente tem vindo a defender e ao contrário da opinião que se veicula no Parecer do MP, com a competência do Tribunal a quo, no disposto no n.º 2 do artigo 73.º, para a apreciação do pedido.

10. Pois, não nos podemos esquecer de que a norma suprarreferida expressamente consagra que só é possível pedir a desaplicação de uma norma quando os seus efeitos se produzam sem dependência de um ato administrativo.

11. Repete-se, se o tribunal viesse a considerar inconstitucionais as normas em causa (uma competência que só por aplicação analógica do disposto na alínea c) do artigo 38.º do ETAF e do artigo 72.º do CPTA poderia reivindicar) – o que não se concebe – tal juízo seria uma decisão de não aplicação da norma, dissociado de qualquer outra sobre a norma possivelmente aplicada ao caso, simplesmente porque não há um caso a que aplicar qualquer norma, na tal “dissociação” que só pode ocorrer na intervenção do Tribunal Constitucional.

12. Para que se pudesse concluir pela competência do Tribunal a quo para apreciar o pedido, necessário seria que o objeto da ação fosse uma situação em que as normas impugnadas tivessem sido efetivamente aplicadas, como, por exemplo, a cobrança da taxa nos 23 processos do Autor, que figura em primeiro lugar, A………….., onde se solicitaria a desaplicação da norma do artigo 5.º da Portaria (e não a do seu artigo 9.º, porque esta ainda não foi aplicada em nenhum caso concreto).

13. Concluindo, os Autores não pediram a desaplicação dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de março, a nenhum litígio judicial, para cuja resolução se mostrasse necessário invocar – para aplicar ou desaplicar – as normas em causa, não obstante o poderem ter feito em relação ao artigo 5.º.

14. O que foi formulado nos autos foi um pedido de declaração de inconstitucionalidade de duas normas, em abstrato, ou seja sem aplicação a qualquer caso concreto em litígio, ainda que tal declaração só pudesse ver os seus efeitos limitados aos Autores ou seja, sem ter força obrigatória geral.

15. A decisão recorrida, que, ao arrepio da CRP e da jurisprudência, do próprio TCA Norte, declarou competente o TCA Norte para conhecer sobre a fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas, é ilegal, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA.

Termos em que deve o recurso interposto pelo Ministério da Justiça merecer provimento, declarando-se a incompetência material do TCA Norte”.

5 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

6 – Questão a decidir

É a de saber se o despacho saneador recorrido incorreu em erro de julgamento ao julgar que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, o Tribunal Central Administrativo Norte é competente para declarar, com efeitos circunscritos ao caso concreto, a inconstitucionalidade orgânica e material das normas contidas nos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de Março.

7 – Apreciando

7.1. Do alegado erro de julgamento da decisão recorrida

O despacho saneador recorrido concluiu pela competência do TCA Norte para o julgamento da acção administrativa especial sub judice, através da qual os Autores, aqui Recorridos, suscitaram a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de Março, pedindo a desaplicação de tais normas ao seu caso concreto. Para assim concluir, e em suma, considerou o TCA Norte que a desaplicação daquelas normas regulamentares “a requerimento dos interessados, não produz efeitos de força obrigatória geral, mas sim efeitos circunscritos aos casos concretos. Assim, decorre da conjugação do 72.º n.º 2 e do art.º 73.º n.º 2 do CPTA que a impugnação de normas, pode sustentar-se em declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral na inconstitucionalidade da norma impugnada a ser apreciadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal”.

Discorda do decidido o Recorrente, por entender que “a questão não se encontra na determinação dos efeitos da decisão judicial – em geral ou restrita ao caso concreto – mas na inexistência do prévio pressuposto para que possa o tribunal desaplicar uma norma com base na sua inconstitucionalidade, ainda que com efeitos limitados – a existência de um caso concreto”. Para o Recorrente “há que não confundir caso concreto – que poderiam ser todos aqueles em que tivesse aplicação a norma impugnada – e, portanto, até agora, cada um dos de aplicação do artigo 5.º da Portaria n.º 90/2015, mas nenhum de aplicação do seu artigo 9.º – com a situação geral (não o caso) de imposição de uma contribuição financeira (que, de facto, decorre da norma que os AA. pretendem não possa vir a ser aplicada de futuro, por via de um juízo abstracto de constitucionalidade)”. Neste contexto, o Recorrente defende que “aquilo a que se assiste nestes autos é a um pedido de declaração de inconstitucionalidade de duas normas, em abstracto, ou seja sem aplicação a qualquer caso concreto em litígio, ainda que tal declaração só pudesse ver os seus efeitos limitados aos A.A., ou seja, sem ter força obrigatória geral”, “assim se tendo inventado uma terceira modalidade de declaração de inconstitucionalidade por fiscalização sucessiva: nem abstrata, por não ter os efeitos desta, nem concreta, por não ter subjacente um caso concreto”.

Nas suas contra-alegações, defenderam os Recorridos que “os tribunais administrativos e fiscais podem conhecer da ilegalidade de uma norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade, na medida em que estejam em causa normas imediatamente operativas e a desaplicação das normas em questão se circunscreva a um caso concreto que lhes seja apresentado” o que “não contende com a competência constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional de conhecer e declarar a inconstitucionalidade de normas com força obrigatória geral, de acordo com o artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, devidamente acautelada pelo artigo 72.º, n.º 2, do CPTA”. Para os Recorridos, “as normas dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de março, produzem efeitos imediata e sucessivamente nas esferas jurídicas dos Recorridos, pelo que podem ser objeto de um pedido de declaração de ilegalidade, tal como o formulado, uma vez que não carecem de qualquer ato administrativo ou jurisdicional de aplicação para que possam ser impugnadas”, não sendo assim “necessário, nos termos do regime jurídico previsto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, que o pedido seja formulado por referência a um ato, ainda que conexo”.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho saneador recorrido na ordem jurídica, por considerar que os artigos 5.º e 9.º da Portaria sub judice são “normas imediatamente operativas, pois que os respetivos efeitos lesivos se produzem imediatamente na esfera jurídica dos recorrentes, sem necessidade de qualquer ato administrativo/tributário de aplicação, pelo que se verificam os pressupostos constantes do artigo 73.º/2 do CPTA”. Para o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, “o conceito de caso concreto, a que se refere o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, não é o sustentado pelo recorrente, ou seja o pedido de desaplicação da norma não tem de estar cumulado ou conexionado com um qualquer pedido de anulação de um ato tributário, pois que a ilegalidade/inconstitucionalidade da norma é o próprio objeto do processo”, acrescentando que “a desaplicação da norma num caso concreto (artigo 73.º/2 do CPTA) não produz efeitos de força obrigatória geral, apenas envolvendo um juízo de inconstitucionalidade pelo tribunal tributário, como acontece no âmbito da fiscalização incidental em sede de impugnação de ato administrativo/tributário de aplicação, que apenas ficará sujeito à fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso, nos termos do disposto no artigo 280.º/1 da CRP”.

A Recorrente exerceu o seu direito de resposta reiterando, em suma, que “se o tribunal viesse a considerar inconstitucionais as normas em causa (uma competência que só por aplicação analógica do disposto na alínea c) do artigo 38.º do ETAF e do artigo 72.º do CPTA poderia reivindicar) – o que não se concebe – tal juízo seria uma decisão de não aplicação da norma, dissociado de qualquer outra sobre a norma possivelmente aplicada ao caso, simplesmente porque não há um caso a que aplicar qualquer norma, na tal “dissociação” que só pode ocorrer na intervenção do Tribunal Constitucional” sendo que “o que foi formulado nos autos foi um pedido de declaração de inconstitucionalidade de duas normas, em abstrato, ou seja sem aplicação a qualquer caso concreto em litígio, ainda que tal declaração só pudesse ver os seus efeitos limitados aos Autores ou seja, sem ter força obrigatória geral”.

Vejamos.

Na acção administrativa especial sub judice está em causa a interpretação do n.º 2 do artigo 73.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, recentemente revogada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro. Com efeito, uma vez que a petição inicial foi apresentada no dia 31 de Julho de 2015 e autuada no dia 1 de Setembro desse mesmo ano, é aquela redacção do preceito legal que está em causa nos presentes autos pois que, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, as alterações efectuadas “ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…) só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”.

Ora, à data da apresentação da acção administrativa especial dos presentes autos, o artigo 73.º do CPTA estipulava que:

“1. A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

(…)”.

Conforme se elucida no Acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 10 de Março de 2016 no âmbito do Processo n.º 0897/14, “o artigo 73º do CPTA consagra uma dualidade de regimes quanto ao âmbito de eficácia das pronúncias judiciais no domínio do contencioso de impugnação de normas regulamentares resultantes do exercício da função administrativa: - a «declaração de ilegalidade com força obrigatória geral»; - e a «declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto»”. O que está em causa nos presentes autos é precisamente aferir a possibilidade de aplicação deste segundo regime, previsto no n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, cumprindo para tanto a este Supremo Tribunal aferir se os efeitos das normas regulamentares impugnadas “se produzem imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação” e, bem assim, se o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA apenas se pode circunscrever à apreciação da legalidade das normas em sentido estrito ou se poderá dirigir-se, de igual forma, à apreciação da respetiva constitucionalidade.

Ora, na acção administrativa especial sub judice, é exclusivamente suscitada a inconstitucionalidade dos artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de Março, que estabelece o procedimento de liquidação e cobrança da taxa de acompanhamento, fiscalização e disciplina dos Auxiliares da Justiça, e de outras importâncias devidas à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (“CAAJ”) por serviços àqueles prestados. A redacção das normas cuja inconstitucionalidade é suscitada é a seguinte:


Artigo 5.º

Taxa de acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais


1 — Por cada processo distribuído a um administrador judicial é por este devida à CAAJ, nos termos do n.º 9 do artigo 12,º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, uma taxa de €100 (cem euros), a pagar no prazo contínuo de 30 dias subsequente à notificação da nomeação, a qualquer título, no processo.

2 — O pagamento da taxa referida no número anterior é feito através de referência multibanco própria, disponibilizada pela CAAJ.

3 — Após pagamento, deve ser remetida à CAAJ duplicado do comprovativo do pagamento com a identificação do número do processo correspondente.

4 — Se, durante o período fixado no n.º 1, a nomeação ficar sem efeito, a taxa não é devida.


Artigo 9.º

Regime transitório para o pagamento da taxa pelos administradores judiciais e para os administradores de insolvência em exercício ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 22/2013


1 — Para efeitos de pagamento da taxa de acompanhamento, fiscalização e disciplina prevista no artigo 5.º, os administradores judiciais e os administradores de insolvência em exercício ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, devem liquidar o montante devido por cada processo da sua responsabilidade desde que ainda não tenham sido apresentadas as contas.

2 — Para efeitos do número anterior, cada um desses profissionais remete à CAAJ, no prazo contínuo de 30 dias a contar da data da publicação da presente portaria, uma lista com a identificação discriminada de todos os processos que se lhe encontrem atribuídos.

3 — Sempre que o valor total a pagar nos termos do n.º 1 não exceda €5.000 (cinco mil euros), serão emitidas as respetivas referências multibanco, para pagamento no prazo contínuo de 10 dias.

4 — Sempre que o valor a pagar exceda €5.000 (cinco mil euros), e sem prejuízo das importâncias a pagar pelos novos processos distribuídos, será o montante devido repartido por vários pagamentos, de modo a que, a cada seis meses, não seja pago mais do que esse montante.

5 — Sem prejuízo do recurso aos meios coercivos de cobrança, a omissão, por qualquer forma, do pagamento da taxa devida em qualquer processo da responsabilidade do administrador judicial ou do administrador de insolvência em exercício ao abrigo do regime anterior à Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, implica a abertura de um processo contraordenacional, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º da referida lei.

Compulsado o teor das normas em análise, parece poder afirmar-se com segurança que estamos perante normas imediatamente operativas, uma vez que os seus efeitos se produzem na esfera dos Autores (ora recorrentes) independentemente de qualquer acto concreto que, sendo praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelos Tribunais, proceda à respetiva aplicação.

Com efeito, e como explica Pedro Delgado Alves, “Acção Administrativa Especial”, in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo – Estudo sobre a Reforma do Processo Administrativo, AAFDL, 2005, p. 115, a qualificação de um regulamento como imediatamente produtor de efeitos passa, precisamente, pela não dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação”. Como tal, “sempre que a norma regulamentar em causa conferir a um órgão administrativo uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados ou da concessão de poderes discricionários, não estaremos em presença de uma norma imediatamente produtora de efeitos. Nestes casos é indispensável um acto administrativo de aplicação, concretizador do juízo da Administração”.

Esta “margem de livre decisão” não se verifica no presente caso, pois que as normas regulamentares aqui analisadas delimitam o universo de sujeitos passivos a quem a taxa de acompanhamento, fiscalização e disciplina dos Auxiliares da Justiça (mais concretamente, dos Administradores Judiciais) se aplica, identificam concretamente e de forma definitiva o valor de taxa devido por cada processo que lhes seja atribuído (EUR 100) e quais os modos do respetivo pagamento, dispensando a Autoridade Tributária e Aduaneira de qualquer acto de liquidação posterior. Como tal, as normas regulamentares em análise procedem à imposição, aos Administradores Judiciais, de uma obrigação de comportamento activo destituído de qualquer liberdade de apreciação quanto à sua execução, enquadrando-se assim numa das três categorias de actos imediatamente operativos que Pedro Delgado Alves, ob. cit., p. 115 identifica, a saber: “imposição de uma obrigação incondicional de abstenção, imposição de uma obrigação incondicional de renúncia à prática de determinados comportamentos” e a já referida “imposição de uma obrigação de comportamento activo destituído de qualquer liberdade de apreciação quanto à sua execução”.

Com efeito, os artigos 5.º e 9.º da Portaria n.º 90/2015, de 25 de Março projetam directa e imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica dos destinatários, sem necessidade da prática de qualquer acto concreto de aplicação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira ou dos Tribunais, integrando assim o conceito de normas regulamentares imediatamente operativas, caracterizadas nas palavras do Professor Vieira de Andrade pelo “momento imediato e o modo directo como os efeitos se produzem na esfera jurídica dos destinatários das vantagens ou desvantagens previstas” (“A Justiça Administrativa”, 13.ª edição, Almedina, 2014, p. 218, nota de rodapé 567).

Nesta medida, e como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo, a necessária exequibilidade da norma regulamentar e o conceito de caso concreto a que se refere o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA “não é o sustentado pelo recorrente, ou seja o pedido de desaplicação da norma não tem de estar cumulado ou conexionado com um qualquer pedido de anulação de um ato tributário” concreto, “pois que a ilegalidade / inconstitucionalidade da norma é o próprio objeto do processo”. Em rigor, o objeto do processo – e o próprio fundamento da existência do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA – é, precisamente, o de permitir o funcionamento do princípio da tutela jurisdicional efectiva nas situações em que a própria norma regulamentar estabelece uma obrigação de comportamento activo por parte dos particulares, sem que esse comportamento dependa da prática de qualquer acto administrativo (ou tributário) posterior por parte da Autoridade Tributária. Impedir que uma norma regulamentar imediatamente operativa possa ser impugnada por não existir qualquer acto tributário concreto subsequente praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira equivale a esgotar o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, pois que esta norma foi construída precisamente para permitir a impugnação de normas regulamentares cuja execução não depende da prática de quaisquer actos adicionais por parte da AT.

Concluindo-se que os efeitos dos artigos 5.º e 9.º da Portaria 90/2015, de 25 de Março se produzem imediatamente na esfera dos Administradores Judiciais sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, importa decidir se o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA apenas se pode circunscrever à apreciação da legalidade daquelas normas em sentido estrito ou se poderá dirigir-se, de igual forma, à apreciação da respectiva constitucionalidade.

Vejamos.

Ensina Vieira de Andrade, ob. cit., p. 218, que “a declaração de ilegalidade da norma com efeitos restritos ao caso concreto (que significa a sua desaplicação por via principal) pode ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo ou judicial de aplicação (artigo 73.º, n.º 2). Nesta hipótese, deve admitir-se a possibilidade de invocação, como fundamento do pedido, da inconstitucionalidade da norma, por exemplo, por lesão directa de direitos fundamentais ou por ofensa ao princípio da igualdade – visto que resulta directamente da Constituição e não há aí concorrência com o Tribunal Constitucional”. Para o Insigne Professor, ob. cit., p. 97, nota 175, a reserva da jurisdição constitucional atribuída ao Tribunal Constitucional em matéria de Direito Administrativo “não pode excluir a impugnação de regulamentos quando se invoque a violação directa de direitos fundamentais. De facto, nesses casos, a Constituição passou a assegurar, desde 1997, no artigo 268º, nº 5, um direito dos cidadãos de impugnação directa de regulamentos lesivos dos seus direitos, para a qual não existe meio próprio na jurisdição constitucional e que terá, por isso, de ser garantido através dos tribunais administrativos. Assim, o nº 2 do artigo 72º do CPTA deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, de modo a não excluir a desaplicação do regulamento lesivo, através da declaração de inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso, nos termos do nº 2 do artigo 73º do mesmo diploma”.

No mesmo sentido defendido pelo Professor Vieira de Andrade vai Pedro Delgado Alves, ob. cit., pp. 128 e 129, para quem não é “de excluir uma declaração sem força obrigatória geral com fundamento em inconstitucionalidade (ou ilegalidade qualificada da competência do Tribunal Constitucional)”. “Primeiramente porque, apesar dos seus efeitos serem semelhantes, não estamos de tal modo próximos de uma declaração com força obrigatória geral que possamos pensar que está em risco a competência exclusiva do TC neste domínio. O Tribunal Constitucional continua, pois, a ser o único órgão jurisdicional com competência para expurgar uma norma inconstitucional do ordenamento jurídico com efeitos erga omnes. De seguida, há que não olvidar que a admissibilidade deste tipo de controlo por via da declaração sem efeitos gerais não implica que o Tribunal Constitucional deixe de ter a sua última palavra no tocante à constitucionalidade das normas jurídicas: terá, necessariamente, de ser desencadeado um processo de fiscalização concreta da constitucionalidade sempre que o tribunal administrativo desaplique uma norma regulamentar”.

É também este o entendimento de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo”, 2.ª edição revista, 2007, p. 439, que concluem, a partir “do contexto verbal do n.º 2” do artigo 73.º do CPTA, que “a incompetência dos tribunais administrativos para conhecer da impugnação de normas com fundamento em inconstitucionalidade circunscreve-se aos pedidos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, a que se reporta o n.º 1 do artigo 73.º, e não já aos pedidos de desaplicação de norma a um caso concreto” pois que nestas situações a desaplicação da norma “não produz efeitos de força obrigatória geral e, por isso, quando for o caso, apenas envolve a formulação de um juízo de inconstitucionalidade pelo tribunal administrativo (tal como sucede no âmbito da fiscalização incidental em sede de impugnação de um ato administrativo de aplicação), que unicamente ficará sujeito, nos termos gerais, à fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso (cfr. artigo 280.º, n.º 1, da CRP)”.

É também esta a nossa posição.

Em rigor, a circunstância de o teor literal do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA se referir, sem mais, à possibilidade de declaração da ilegalidade da norma regulamentar com efeitos circunscritos ao caso concreto não afasta, desde logo e per se, a apreciação de declaração da respetiva inconstitucionalidade. Em rigor, e como bem sintetiza Mário Jorge Lemos Pinto, “Impugnação de normas e ilegalidade por omissão no contencioso administrativo português”, Coimbra Editora, 2008, p. 232, “a violação da Constituição não deixa de ser uma “ilegalidade”: “o acto injusto será atacado em tribunal porque viola a Constituição, ou seja, será atacado com fundamento em ilegalidade” [Freitas do Amaral, O Princípio da Justiça, p. 703]”, razão pela qual “a ilegalidade tanto pode consistir na violação de uma lei em sentido próprio, como na de qualquer outra norma a que a administração deva obediência, desde o regulamento à própria Constituição” [Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, P. 938]”.

Ademais, importa salientar que a acção administrativa especial não foi apresentada por um grupo inominado de administradores judiciais que, a todo o momento, pudesse traduzir a globalidade dos profissionais em exercício de funções. Pelo contrário, os Autores da presente acção encontram-se concretamente identificados e delimitados, razão pela qual a futura decisão judicial nunca poderá produzir os efeitos de força obrigatória geral mas apenas efeitos circunscritos ao caso concreto dos Administradores Judiciais que se constituíram como Autores da presente acção.

Como tal, e porque o n.º 2 do artigo 73.º do CPTA não o veda, é o Tribunal Central Administrativo Norte competente para apreciar a inconstitucionalidade dos artigos 5.º e 9.º da Portaria 90/2015, de 25 de Março, pois que essa apreciação foi suscitada pelos Autores com efeitos circunscritos ao caso concreto.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em confirmar o despacho saneador recorrido e em determinar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Dulce Neto.