Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/11
Data do Acordão:10/19/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
AVALIAÇÃO FISCAL
SEGUNDA AVALIAÇÃO
ESGOTAMENTO DOS MEIOS GRACIOSOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – O meio processual adequado para sindicar os actos de fixação de valores patrimoniais com fundamento em qualquer ilegalidade é a impugnação judicial (artigos 97.º, n.º 1, alínea f) e 99.º do CPPT);
II – Embora a impugnação de valores patrimoniais esteja, em regra, sujeita ao prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (cfr. o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT), que, no caso de avaliação de prédios urbanos para efeitos de IMI se traduz na segunda avaliação destes (artigos 76.º n.º 1 e 77.º do CIMI), tal exigência não é de fazer nos casos em que a impugnação não se funde na errónea fixação do valor patrimonial;
III – Não haverá, pois, obstáculo à convolação da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária em impugnação judicial de valores patrimoniais se a acção foi apresentada em tempo de ser apreciada como tal, não constituindo obstáculo a tal convolação o facto de não ter sido previamente deduzido pedido de segunda avaliação dos prédios urbanos.
Nº Convencional:JSTA00067194
Nº do Documento:SA2201110190311
Data de Entrada:03/31/2011
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2011/01/18 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART15 N8
L 64-A/2008 DE 2008/12/31
CCIV66 ART12 N3
CPPTRIB99 ART134 N1 N7 ART98 N4
CIMI03 ART76
LGT98 ART98 N4
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC968/02 DE 2002/11/06; AC STA PROC4/08 DE 2008/04/16
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A… e B…, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 18 de Janeiro de 2011, que, na acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária por eles interposta, declarou a nulidade de todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da instância, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos (…) autos em processo de impugnação judicial.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Em 20-10-2008 faleceu o autor da herança acima indicado, sem testamento ou declaração de última vontade.
B) Da herança fazem parte os prédios inscritos na matriz urbana de Infantas, do concelho de Guimarães, sob os artigos 150, 279, 280, 281, 303, 759 e 760, todos na área do serviço de finanças de Guimarães – 2 e o prédio inscrito na matriz urbana de Oliveira sob o art.º 477, este na área do serviço de finanças de Guimarães – 1.
C) Face à redacção do art. 15.º do Dec. Lei 287/2003, de 12/11, à data da transmissão, a cabeça de casal estava obrigada à apresentação da declaração mod. 1 mencionada no art. 37.º do CIMI, referente aos prédios transmitidos, até 31 de Janeiro de 2009.
D) Com a Lei do Orçamento Geral do Estado para 2009 veio a ser aditado o n.º 8 ao citado artº 15º, que veio a estipular que tal obrigatoriedade não se aplica ao cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões por morte de que sejam beneficiários, salvo vontade expressa dos próprios.
E) Os beneficiários da transmissão não manifestaram qualquer vontade em que os prédios fossem avaliados, nos termos do CIMI, por entenderem que tal norma é uma norma de cariz procedimental, logo de aplicação imediata a todos os casos pendentes, conforme determina o n.º 3 do art.º 12.º da Lei Geral Tributária.
F) Os serviços consideraram que se trata de uma norma substantiva , só aplicável às transmissões gratuitas ocorridas após 1 de Janeiro de 2009.
G) Daí que tenham mandado avaliar, com base em declarações oficiosas, os prédios na área do serviço de finanças de Guimarães-2.
H) Avaliações essas de que não foram pedidas segundas avaliações, porque os valores patrimoniais foram correctamente apurados nos termos do Código do CIMI, logo tais reclamações levariam ao pagamento das mesmas em valores que poderiam variar entre 35 e 140 unidades de conta,
I) Não sendo a quantificação dos valores patrimoniais tributários a questão a decidir nos presentes autos, mas antes o despacho que ordenou a avaliação de tais imóveis à revelia dos interessados.
J) Os quais pretendem uma decisão, não só quanto ao despacho que ordenou tais avaliações, mas também para se precaverem de um eventual despacho, de igual sentido, por parte do serviço de finanças de Guimarães – 1 relativamente ao prédio urbano sito na área daquele serviço.
L) Sendo tais reclamações condição prévia para a interposição de impugnação judicial dos valores patrimoniais tributários, conforme determina o art. 77º do CIMI, as mesmas seriam um ónus demasiado oneroso para a herança e sem utilidade prática para a questão a decidir.
M) Tal como estabelece o art. 145º do CPPT, a acção para o reconhecimento de um direito pode ser usada, quando esse meio for o mais adequado para assegurar a tutela plena e eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido, ou seja, o reconhecimento do direito legítimo dos RECORRENTES à não avaliação, nos termos do CIMI, dos prédios que herdaram sitos na área do serviço de finanças de Guimarães-2.
N) Com efeito, nem a reclamação graciosa, nem a revisão oficiosa das liquidações, nem a impugnação judicial se revelariam meios idóneos a assegurar os direitos e legítimos interesses dos RECORRENTES, uma vez que, para interposição dos mesmos, sempre seria necessário a prévia dedução de pedidos de segundas avaliações dos imóveis transmitidos,
O) Pedidos esses que seriam inúteis e dispendiosos para os RECORRENTES e sem qualquer efeito prático para a questão a decidir.
P) Até porque, os RECORRENTES pretendem que seja apreciado, não só o despacho que ordenou a avaliação dos – 7 – sete prédios na área do serviço de finanças de Guimarães – 2, como que o serviço de finanças de Guimarães – 1 se abstenha de tomar igual comportamento relativamente ao prédio transmitido inscrito na matriz urbana da freguesia de Oliveira, daquele concelho, sob o art.º 477.
Q) Nesta conformidade, não obstante constituir um meio complementar aos supra referidos meios administrativos e contenciosos, a presente acção revela-se, assim, o primeiro e verdadeiro meio processual ao dispor dos RECORRENTES para salvaguarda da tutela jurisdicional efectiva dos seus referidos direitos e interesses legítimos.
TERMOS EM QUE, deverá ser dado provimento ao presente recurso, julgando improcedente a excepção de erro na escolha do meio processual ou, se assim não se entender, a convolação do pedido em impugnação judicial dos valores patrimoniais tributários, uma vez que a norma do artº 77º do CIMI não pode ter aplicação na questão em apreço, por não estar em questão a quantificação dos valores patrimoniais tributários, mas antes o despacho que ordenou a avaliação dos sete imóveis, assim se fazendo JUSTIÇA!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 64 a 69 dos autos, no qual se pronunciou no sentido do provimento parcial do recurso, por entender que o erro na forma de processo não obsta à convolação da acção em “pedido de 2.ª avaliação dos ditos imóveis, conforme previsto no art. 76.º do dito C. do IMI”.
4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 70 a 72 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se, no caso dos autos, ao terem intentado acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributário incorreram os ora recorrentes em erro na forma de processo, justificativa da absolvição da instância da Fazenda Pública, como decidido.
6 – Apreciando.
6.1. Do julgado erro na forma de processo
A sentença recorrida, a fls. 31 e 32 dos autos, julgou verificado erro na forma de processo, insusceptível de convolação em impugnação judicial – considerada a forma de processo adequada à pretensão dos AA –, não só porquanto não está nos autos demonstrada a tempestividade da utilização de tal meio processual, como igualmente, não se mostra cumprido o condicionalismo consagrado no artigo 134.º/7 do Código de Procedimento e Processo Tributário (cfr. sentença recorrida, a fls. 32 dos autos).
Justificou-se o decidido quanto ao erro na forma de processo na consideração de que o pedido formulado nos autos é o de declaração de nulidade das avaliações dos prédios urbanos sitos na freguesia de Infantas, Guimarães, discriminados na petição inicial e que tal pedido tem como forma processual própria o processo de impugnação judicial, previsto nos artigos 99.º e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que resulta, designadamente, do disposto no artigo 134.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, daí que não caiba utilizar o meio processual eleito pelos AA, o que, de resto é reforçado pelo teor do artigo 145.º/3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (cfr. sentença recorrida, a fls. 32 dos autos).
Discordam do decidido os recorrentes, alegando que a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária constitui o meio mais adequado para assegurar a tutela plena e eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido, ou seja, o reconhecimento do direito legítimo dos RECORRENTES à não avaliação, nos termos do CIMI, dos prédios que herdaram sitos na área do serviço de finanças de Guimarães-2, pois que, por um lado, nem a reclamação graciosa, nem a revisão oficiosa das liquidações, nem a impugnação judicial se revelariam meios idóneos a assegurar os direitos e legítimos interesses dos RECORRENTES, uma vez que, para interposição dos mesmos, sempre seria necessário a prévia dedução de pedidos de segundas avaliações dos imóveis transmitidos, pedidos esses que seriam inúteis e dispendiosos para os RECORRENTES e sem qualquer efeito prático para a questão a decidir, por outro, porque pretendem que seja apreciado, não só o despacho que ordenou a avaliação dos – 7 – sete prédios na área do serviço de finanças de Guimarães – 2, como que o serviço de finanças de Guimarães – 1 se abstenha de tomar igual comportamento relativamente ao prédio transmitido inscrito na matriz urbana da freguesia de Oliveira, daquele concelho, sob o art.º 477, para o qual qualquer dos outros meios processuais é inadequado (cfr. as conclusões das suas alegações de recurso, supra transcritas).
Vejamos.
Na petição inicial oportunamente apresentada (a fls. 3 a 8 dos autos), os ora recorrentes justificam a razão pela qual entendem ser a acção interposta o meio adequado à tutela do direito que invocam, consignando que bem sabem que, nos temos do artº 77º do CIMI, cabe impugnação judicial do resultado das segundas avaliações, ou seja, os Autores poderiam apresentar pedido de segunda avaliação dos imóveis transmitidos, segundas avaliações essas que são posteriormente impugnáveis, só que tal pedido de segunda avaliação, não produziria quaisquer efeitos uma vez que, face às normas do CIMI, não há qualquer erro nas primeiras avaliações, o que implicaria que os autores fossem condenados a pagar os custos das segundas avaliações, conforme determina o n.º 3 do art. 76.º do IMI (cfr. os artigos 20.º a 24.º da petição inicial, a fls. 6 e 7 dos autos). E embora o pedido deduzido a final tenha sido o de serem declaradas nulas as avaliações, nos termos do CIMI, dos prédios urbanos sitos na freguesia de Infantas, do concelho de Guimarães, a causa de pedir radicaria na pretensa ilegalidade do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães-2 que ordenou a avaliação oficiosa, nos termos do CIMI, de sete prédios que fazem parte da herança, por alegada violação do disposto no n.º 8 do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), norma a que atribuem natureza procedimental e que, como tal, pretendem que seja de aplicação imediata (ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 12.º do Código Civil).
Os ora recorrentes não imputam à avaliação dos prédios efectuada na sequência do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães-2 qualquer violação das normas contidas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), afirmam até que os valores patrimoniais foram correctamente apurados nos termos do Código do CIMI, não sendo a questão controvertida a da quantificação dos valores patrimoniais tributários a questão a decidir nos presentes autos, antes o despacho que ordenou a avaliação de tais imóveis à revelia dos interessados.
Dispõe o n.º 1 do artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que a impugnação judicial de actos de fixação de valores patrimoniais pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, afigurando-se ser este, e não a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, o meio processual adequado para os sindicar, como, aliás, decidido.
É certo que, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, tal impugnação está legalmente condicionada ao prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, ou seja, no caso dos autos, à realização de segunda avaliação do prédio urbano, nos termos do artigo 76.º do CIMI. Não obstante, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que casos há – designadamente aqueles em que o sujeito passivo não discorda da quantificação do valor patrimonial, antes limita a sua discordância à verificação dos pressupostos legais que autorizam a avaliação ou em que invoca a falta de fundamentação da avaliação efectuada (cfr. os Acórdãos de 6 de Novembro de 2002, rec. n.º 968/02 e de 16 de Abril de 2008, rec. n.º 4/08) -, em que a exigência de prévio requerimento de segunda avaliação se mostra dispensável como prévio requisito para deduzir impugnação judicial, o que manifestamente sucede no caso dos autos em que a suposta ilegalidade dos actos de avaliação se situa a montante destes, em razão da invocada ilegalidade do despacho que ordenou a avaliação dos prédios segundo as regras do CIMI.
Exigir-lhes, neste caso, a prévia dedução de requerimento de segunda avaliação dos imóveis seria impor-lhes a prática de actos inúteis (e além do mais dispendiosos), obrigando-os a um compasso de espera apenas necessário para se ter como aberta a via de impugnação judicial do seu resultado, na qual a alegada ilegalidade do despacho que determinou a avaliação poderia ser a final conhecida pelo tribunal.
Daí que este condicionalismo legal da impugnação judicial da impugnação de valores patrimoniais não lhes seja exigível.
Não haverá, pois, por esta via, obstáculo à convolação da acção deduzida em impugnação judicial dos actos de avaliação, convolação esta que é de determinar, ex vi do disposto no nº 3 do artigo 97º da LGT e do n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, pois que a acção apresentada foi-o em tempo de ser apreciada como impugnação judicial (atento a que as notificações das avaliações datam de 3 de Novembro de 2010 - cfr. docs. 2 a 8, a fls. 14 a 20 dos autos -, e a acção foi autuada em 1ª instância em 3/12/2010 – cfr. a respectiva folha de rosto -, logo, manifestamente dentro do prazo de 90 dias contado da notificação).
Nestes termos, haverá que conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que não convolou a acção deduzida em impugnação judicial dos actos de avaliação, baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento do pedido, se a tal nada mais obstar.
- Decisão-
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que não convolou a acção deduzida em impugnação judicial dos actos de avaliação, convolação que aqui se determina, baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento do mérito desta, se a tal nada mais obstar.
Sem custas, pois a recorrida Fazenda pública não contra-alegou.
Lisboa, 19 de Outubro de 2011. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Dulce Neto.