Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0827/15.9BALSB
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Incumbe ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
II - A violação dessa obrigação de conhecimento determina a nulidade da sentença/acórdão por omissão de pronúncia - artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir - artigos 679.º e 684.º, n.º 1, do CPC.
III - Padece de omissão de pronúncia o acórdão do Tribunal Central Administrativo que procede à reapreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, e não se pronuncia sobre questão suscitada pela recorrida nas contra-alegações respeitante ao incumprimento pela recorrente dos ónus impostos pelo artigo 690.º-A do CPC, na redação em vigor ao tempo.
Nº Convencional:JSTA000P27114
Nº do Documento:SA2202102030827/15
Data de Entrada:07/08/2015
Recorrente:A........................., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A…………………., LDA., sociedade identificada nos autos, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06/03/2007, que, dando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações registadas sob os n.ºs 97/900029, de 06/03/97 e 97/900030, de 02/04/97, respeitantes a Imposto sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas.

1.2. O recurso foi admitido por despacho do Senhor Desembargador Relator, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3. Notificadas as partes desse despacho, apenas a ora Recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

“l. Na parte do seu Recurso para a 2ª Instância em que invocava que a 1ª havia incorrido em erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, a Fazenda Pública limitava-se a invocar que a Impugnante não tinha conseguido demonstrar, como seria seu ónus, o pagamento das mercadorias, por não ter esclarecido uma falta de coincidência entre os valores das facturas e os seus destinatários e os montantes e os emitentes dos cheques que as teriam pago, sem concretizar essa falta de coincidência nem indicar os concretos elementos do processo com base nos quais poderia ser aferida;
II. Não cumpria, assim, o ónus que o nº 1 do art. 690º-A do CPC colocava a seu cargo no recurso para que o TCAS pudesse alterar a matéria que probatório, ou aditar-lhe qualquer outra, conforme a então Recorrida, ora Recorrente, invocou nas contra-alegações;
III. A 2ª Instância, todavia, sem se pronunciar acerca desta questão da admissibilidade do recurso em matéria de facto, nem enunciar a norma em que fundamentava a sua actuação, eliminou do Probatório factos que tinham sido dados como provados em 1ª, e aditou-lhe outros por transcrição directa do Relatório de Inspecção em que a liquidação se baseava, daí partindo para o julgamento da matéria de direito;
IV. Embora não o referindo, a 2ª Instância só poderia ter actuado, na alteração da matéria de facto, a coberto da al. a) do nº 1 do art. 712º do CPC;
V. A aplicação dessa norma está no entanto condicionada à observância, pelo recorrente, das especificações a que se refere o dito nº 1 do art. 690º-A, já que este determina a rejeição do recurso em matéria de facto em todos os casos em que faltem essas indicações, quer os meios probatórios tenham sido recolhidos por gravação, registo ou qualquer outra forma de documentação da prova;
Vl. Ao não se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso na parte em que pretendia a reapreciação da matéria de facto nem indicar a norma ao abrigo da qual a ela procedia, o douto Acórdão Recorrido incorreu em nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável por força dos arts. 716º, nº 1 e 749º do mesmo diploma e do art. 169º do CPT;
VII. E ao alterar a matéria de facto fora das condições previstas no nº 1 do art. 690º.-A e no nº 1 do art. 712º do CPC, cometeu, por excesso de pronúncia, a nulidade prevista na 2ª parte da referida al. d) do nº 1 do seu art 668º, igualmente aplicável por força dos arts. 716º e 749º do mesmo diploma e 169º do CPT;
VIII. Em contrário desta nulidade não pode aduzir-se que, ao dar como provado um excerto do Relatório de Inspecção, a 2ª Instância teria poderes de conhecimento oficioso dos elementos invocados pela Administração em fundamentação do acto, pois não foi como tais que os tomou, mas como correspondentes à realidade e provados em si mesmos;
IX. Deve portanto o douto Acórdão Recorrido ser anulado, com a consequente subsistência da matéria de facto assente em 1ª Instância;
X. Com essa matéria não fica demonstrada a ocorrência de qualquer facto constitutivo do direito da Administração à liquidação de ISBA, ao tempo Previsto no Dec.-Lei nº 104/93, de 15/04, e subordinado ao regime geral dos IEC'S estabelecido no Dec.-Lei nº 52/93, designadamente uma saída de suspensão susceptível de tornar o imposto exigível nos termos do disposto no art. 5º deste diploma, o que conduz a que a liquidação desse imposto deva ser anulada;
XI. E não se estando perante uma quantificação da matéria tributável por métodos indiciários, sempre as dúvidas acerca desse facto decorrentes da prova produzida determinariam a anulação do acto impugnado, de acordo com o determinado no nº 1 do art. 121º do CPT;
XII. Apoiando-se na matéria de facto que deu como provada, o douto Acórdão Recorrido considera que dela resulta ter a Administração Tributária recolhido indícios fundados de que a contabilidade da Impugnante não reflecte a realidade dos seus negócios, ilidindo assim a presunção de veracidade ao tempo que o art. 78º do CPT, e cumprindo o ónus que o art. 342.º do Código Civil lhe cometia, e passando a partir daí a ser o contribuinte a ter que demonstrar, nos termos desta disposição, a ocorrência dos factos para deles poder extrair vantagens no plano fiscal;
XIII. Aderiu assim a Jurisprudência recente proferida pelo STA em matéria de impostos sobre o rendimento e o volume de negócios, que considera que em tal situação, terá o contribuinte que fazer prova da realidade das aquisições ou despesas para descontar os respectivos custos à matéria do IRC ou IRS, ou para exercer o direito à dedução de IVA suportado a montante;
XIV. Todavia, o ISBA que é objecto da liquidação impugnada constitui um imposto especial sobre o consumo que não incide sobre rendimentos movimentos financeiros ou operações económicas reflectidas pelos lançamentos efectuados pelo contribuinte na sua escrita comercial, mas atende às movimentações de certos bens e ao regime fiscal em que eles se encontram mercê da aplicação de procedimentos específicos, tornando-se exigível nos casos de falta ou da saída do regime suspensivo, produção ou importação fora de suspensão, tal como previa, ao tempo, o art. 5º do Dec.-Lei no 52/93;
XV. E da factualidade provada, mesmo com as alterações que lhe foram introduzidas em 2ª Instância, não consta a ocorrência desses determinativos da exigibilidade do imposto, os quais a Administração Fiscal, vinculada na sua actuação a um princípio de legalidade, sempre tem que demonstrar para justificar o exercício activo de um direito à liquidação do imposto, ainda nos termos do disposto no art. 342º do Código Civil, por corresponderem aos pressupostos previstos nas normas típicas de incidência;
XVI. Mantendo a liquidação apesar disso, o douto Acórdão Recorrido incorreu em violação das disposições conjugadas dos art. 342º do Código Civil e 5º do Dec.-Lei nº 52/93, devendo ser revogado e decidir-se, em sua substituição, pela anulação da liquidação impugnada, na procedência da impugnação.
Termos em que deve o recurso ser provido, por via dele se julgando a impugnação procedente e se anulando a liquidação impugnada, com todas as consequências legais.”

1.4. O Tribunal Central Administrativo Sul notificou a Fazenda Pública nos termos e para os efeitos da parte final do n.º 1 do artigo 670.º do Código de Processo Civil (CPC), na redação em vigor ao tempo, que nada disse.

1.5. O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 05/03/2015, apreciou a nulidade por omissão de pronúncia arguida nas alegações de recurso e decidiu manter inalterado o aresto recorrido, nos termos do artigo 744.º, n.º 1 do CPC, e ordenou a remessa dos autos a este Tribunal.

1.6. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
2.1. A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto (numerada pelo acórdão recorrido):
“Factos Provados
1- Enquanto depositária autorizada e titular de entreposto fiscal de armazenagem, em regime de suspensão, de produtos sujeitos ao Imposto Especial sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas (IEC), foi a impugnante sujeita a inspecção.
2- Em resultado dela vieram a ser-lhe efectuadas as seguintes liquidações a posteriori: n.º 97/900029 - no montante total de 75.913.474$00, sendo 69.965.270$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.948.104$00, de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
• n.° 97/900030 - no montante total de 1.677.055$00, sendo 1.551.600$00 de imposto especial sobre o consumo, 125.355$00 de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
3- Após apreciação dos fundamentos apresentados pela impugnante em sede de recurso, a entidade liquidadora procedeu à revogação parcial da liquidação n.° 97/900029, passando a mesma a um montante total de 69.500.864$00, sendo 63.794.585$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.706.179$00, de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
4- Todas as mercadorias descriminadas nas facturas referidas no Quadro IV do relatório de fiscalização [Ponto 4.8. al. d)] foram entregues às destinatárias “B…………” e “C………….” - e por estas assim declarado nos respectivos Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) - na sequência de transportes efectuados a partir da impugnante, em veículos da própria.
5- As empresas destinatárias tomaram as mercadorias a seu cargo, em regime de suspensão, disso informando as respectivas Estâncias Aduaneiras de Controlo (EAC), que recepcionaram os exemplares n.° 4 dos correspondentes DAA’s e visaram os seus n.° 3, os quais foram devolvidos a expedidora devidamente anotados, para apuramento das operações.
6- A impugnante recebeu pagamento de todas as transacções por parte dessas empresas ou de quem se apresentou em nome delas a prestá-lo.
7- A “C…………..” processou pagamentos mediante endossos de cheques. sacados por clientes seus e por entrega de cheques sacados pela filha do sócio gerente, D………….
8- A “B…………” processou pagamentos mediante endossos de cheques de clientes e por entrega de cheques sacados pelo seu sócio gerente, E………….”

Na sentença ficou ainda exarado que Inexiste matéria factual não provada, já que as demais asserções insertas na douta petição integram antes conclusões de facto e de direito”.
Quando à convicção do Tribunal ficou escrito que ela se fundou na prova documental junto aos autos: “documentos de fls. 11, 30 a 91, 165, 172, 204 a 400 destes autos e todos os documentos insertos no dossier apenso por linha sob a referência “ARTIC. 48AL/97”, e no depoimento das testemunhas inquiridas a fls. 201 a 203, 401 a 402 (empregados da impugnante e das empresas destinatárias).”

2.2. O Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão recorrido, reformulou o probatório “por forma a nele incluir como matéria provada a que consta dos pontos 4.5 e 4.6 do Relatório [da inspeção tributária] ”, fixando a seguinte matéria de facto:

“Factos Provados
1- Enquanto depositária autorizada e titular de entreposto fiscal de armazenagem, em regime de suspensão, de produtos sujeitos ao Imposto Especial sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas (IEC), foi a impugnante sujeita a inspecção.
2- Em resultado dela vieram a ser-lhe efectuadas as seguintes liquidações a posteriori:
• n.° 97/900029 - no montante total de 75.913.474$00, sendo 69.965.270$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.948.104$00 de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
• n.° 97/900030 - no montante total de 1.677.055$00, sendo 1.551.600$00 de imposto especial sobre o consumo, 125.355$00 de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
3- Após apreciação dos fundamentos apresentados pela impugnante em sede de recurso, a entidade liquidadora procedeu à revogação parcial da liquidação.
• n.° 97/900029, passando a mesma a um montante total de 69.500.864$00, sendo 63.794.585$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.706.179$00, de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
4. 1-4 5 Do controlo dos fluxos financeiros
Os Diários escriturados são os seguintes:
01-COMPRAS
02-VENDAS
03- OPERAÇÕES DIVERSAS
04- CAIXA
05- LETRAS
06- BANCOS
Os procedimentos realizados para efeito de contabilização do Imposto Especial de Consumo consistiram nas seguintes relevações:
nas vendas:
2111 (Clientes)
a 71111 (Mercadoria) / 71116 (IEC) / 24233 (IVA)
nas devoluções de vendas:
71711 (Mercadoria) /71716 (IEC)/24341 (IVA)
a 2111 (Clientes)
no apuramento do IEC (fotocópia do Mod. 2109):
71116 (IEC liquidado aos clientes)
a 24901 (IEC apurado a pagar na Alfândega) /
71716 (IEC devolvido aos clientes)
no pagamento (guia Mod. 2109):
24901 (IEC apurado a pagar na Alfândega)
a 11 (Caixa) /12 (Depósitos à Ordem)
A consulta para análise das facturas de venda permitiu constatar a inexistência de 9 (nove) verificando-se por conseguinte descontinuidades na numeração sequencial daqueles documentos. As facturas em causa são as seguintes 962368 962471, 962569, 962672, 963045, 963491, 963762, 963821 e 960999.
Constatamos a existência de facturas com valores negativos tendo sido apresentado para o efeito a justificação de que seriam equivalentes a notas de crédito não obstante os signatários constatarem que a empresa processa notas de crédito.
A análise dos documentos justificativos dos fluxos de entrada em Caixa tomou-se mais morosa a partir do mês de Agosto em virtude de ter sido implementado um critério diferente no lançamento/arquivo dos documentos deixando-se de numerar documento a documento e passando a adoptar-se um mesmo numero interno para o conjunto de recibos do mesmo dia.
A analise dos documentos lançados no Diário de Caixa permitiu constatar que, em regra, nos recibos emitidos para clientes na sequência de vendas com o IVA e o IEC liquidado (não suspenso) e indicado o modo de pagamento e no caso da transacção comercial ter sido paga através de cheque o n° respectivo. Pelo contrário nas vendas realizadas no âmbito do regime de suspensão tais indicações constituem a excepção - vide as fotocópias dos triplicados dos recibos emitidos para os clientes C…………, Lda., B……….., F……. G……….. – não obstante as declarações prestadas pelo sócio-gerente da A……. a propósito dos meios de pagamento utilizados pelos seus clientes.
Dada a sua importância relativa no contexto das operações formalizadas adentro do regime de suspensão seleccionamos os clientes C………….., Lda. e B………. no intuito de efectuarmos controlo cruzado. A análise comparativa dos respectivos documentos e/ou registos contabilísticos permitiu detectar que:
l. relativamente a empresa C……………:
a) apesar da conta corrente deste cliente se encontrar saldada , como aliás foi dito pelo Sr. H……………. e registado em Auto, a c/c do fornecedor A……………, Lda. (A………..) na escrita daquela empresa não se encontra saldada, muito pelo contrário, apresentando um saldo credor igual a Esc: 75.869.170;
b) esta discrepância resulta do facto da contabilidade das C……………não reflectir quaisquer pagamentos ao fornecedor A………….. e inclusivamente não conter o registo de todas as remessas facturadas pela A………….. (facturas n° 785, 2246, 2616, 2628, 2630, 2767, 2774 e 2886) totalizando o valor de Esc: 32817740;
c) no arquivo de documentos contabilísticos referentes à actividade desenvolvida pela C……………, Lda. e na posse do responsável pela elaboração da respectiva contabilidade - Sr. I…………, da empresa J……….., Lda., contribuinte n° …………., sita na Rua ………, n° ….., 2080 Almeirim - não se encontra quaisquer originais dos recibos emitidos pela A………., justificando-se portanto a inexistência de quaisquer pagamentos efectuados por aquela empresa a A………., conforme consta do respectivo extracto de conta corrente;
d) a contabilidade desta não reflecte movimentos bancários com excepção dos registados na conta n° ..... da Caixa de Credito Agrícola Mútuo de Alpiarça, C.R.L, em 96/01/05 e 96/04/16, referentes à constituição de garantia pela detenção de bebidas alcoólicas em regime de suspensão de IEC no valor de Esc: 1200000, e a um depósito em numerário no valor de Esc: 4896000, respectivamente;
e) muito embora esta empresa assuma também o estatuto de fornecedor na contabilidade da A………., de produtos presumivelmente fora do regime de suspensão, tal facto não e explicitado na sua escrita não apresentando sequer código de cliente; relativamente aos documentos que serem de suporte aos movimentos lançados no extracto de conta ....... (C…………….) importa evidenciar a existência de um documento (factura) com o número 354 de 96/06/12, no valor total de Esc: 351 372, que foi alterado no intuito de funcionar como recibo (vide Anexo IV).
2. relativamente a empresa B……………., Lda.:
a) apesar da conta corrente deste cliente se encontrar saldada, como alias foi dito pelo Sr. H………….. e registado em Auto, o mesmo não se verifica na c/c do fornecedor A……………….., Lda. (A…..) na escrita da B…………., muito pelo contrário, apresentando esta última conta um saldo credor igual a Esc: 84 856 020;
b) esta discrepância resulta do facto da contabilidade da B………… não reflectir quaisquer pagamentos ao fornecedor A…………. e inclusivamente não conter o registo de todas as remessas facturadas pela A………… (facturas n° 2884, 2964, 5048, 5049, 5050, 5548, 5566, 5617, 5794 e 6296) totalizando o valor de Esc: 30 518462;
c) a análise do extracto de conta corrente de Caixa da contabilidade da B…………. e o facto desta não revelar quaisquer movimentos bancários constituem elementos que contribuem para sustentar a inexistência de registos efectuados na coluna do débito do extracto da conta n° .......... (fornecedor …....), isto e, a inexistência de pagamentos.
Dos documentos contabilísticos oportunamente requisitados foi recolhida toda a informação atinente aos cheques depositados pela empresa A……….., Lda. encontrando-se a mesma reunida no Anexo XV.
A análise comparativa da facturação com os dados deste último quadro permitiu afectar de imediato determinados recebimentos a determinadas facturas conforme consta do quadro seguinte:
Contextualizando todos as informações disponíveis verificamos que a empresa movimentou cheques:
1- da conta n° ………… do Banco Comercial Português, cujo titular e o Sr. H……….. a título de pessoa singular, no montante de Esc: 101 373 984 (cento e um milhões trezentos e setenta e três mil novecentos e oitenta e quatro escudos) - vide a este propósito o documento de Caixa n°6825 de 96/12/31;
2. de contas particulares no BCP e BCI em nome da Sra. D………….., sócia da empresa K…………….., Lda. nos montantes, de Esc: 2 454 750 (dois milhões quatrocentos e cinquenta e quatro mil setecentos e cinquenta escudos) e 3 000 000 (três milhões de escudos) - vide Declaração subscrita pelo Sr. H…………….;
3. da conta n° .......... do Montepio Geral em nome do Sr. E………….., pessoa interveniente em transacções realizadas a partir da empresa B…………….., Lda., que totalizam o valor de Esc: 6 343 60U (seis milhões trezentos e quarenta e três mil e seiscentos escudos) - vide o Auto de Declarações subscrito pelo Sr. H……………;
4. e ainda o cheque n° 7041247576 da conta n° ........ da Caixa Agrícola Mútuo, cujo titular se desconhece - os dados contabilísticos não explicitam quaisquer movimentos bancários o que leva a admitir tratar-se de uma conta não titulada pela B………… - no montante de Esc: 7 407 650 (sete milhões quatrocentos e sete mil seiscentos e cinquenta escudos), para efeito de sustentar as relevações contabilísticas referentes a recebimentos de clientes.
Estes factos conduziram os signatários a solicitar informação, junto dos demais funcionários nomeados para as acções de fiscalização desenvolvidas no âmbito do programa de controlo de IECs referenciado no ponto n° 1 do presente relatório, tendente a possibilitar a detecção de situações similares. A partir da informação disponibilizada pelo funcionário interveniente no processo inspectivo referenciado com o n° 146/96 da Direcção de Serviços de Prevenção e Repressão da Fraude da D.G.A.I.E.C. foi possível determinar a proveniência dos cheques, no valor total de Esc: 17.674 335 e 59A003 497, depositados pela empresa A………….. como sendo das contas n° ........ do BCI e ........ do BES, respectivamente, cujo titular é H………………..
A análise dos últimos Balancetes analíticos do Razão Geral das empresas A……………….., Lda., B………….., Lda. e C……………, Lda. permite afirmar que não foram contraídos empréstimos a terceiros particulares, com excepção da primeira daquelas empresas em que na subconta ...... (Empréstimos de sócios-H………………) foram registados os montantes de Esc: 4 000 000 (N° Interno 895 do Diário 06-Bancos) e 10 000 000 (N° Interno 6825 do Diário 04-Caixa).
4.6. Dos elementos recolhidos nas diligências efectuadas
Nos duplicados dos recibos emitidos pela A…………, que funcionam para esta última como confirmação da entrega dos produtos nas instalações dos destinatários declarados nos Documentos Administrativos de Acompanhamento, C………….., Lda., B……………, Lda. e L…………, S.A., figuram de acordo com a indicação do Sr. H…………… as rubricas/assinaturas dos funcionários que acusaram a recepção tendo este reconhecido, nos termos exarados no Auto de 97/02/05 as referentes ao Sr. M………. e ao Sr. N………… O exame visual destes documentos permite concluir pela falta de verosimilhança entre as assinaturas, pela existência de assinaturas do Sr. N…..…. nos duplicados dos recibos para as C………….. e B………….. e pela inexistência de rúbricas/assinaturas em original nos recibos para L……………
Nos recibos emitidos e contabilizados pela C………….., Lda. não figura nenhum que seja suporte documental de fornecimentos de produtos vendidos pela empresa A…………..
O último recibo, e único, de aluguer das instalações declaradas pela empresa C……………., Lda., em Alpiarça, refere-se ao mês de Fevereiro de 1996.
Por informação prestada, pelo funcionário da Direcção Distrital de Finanças de Santarém atrás identificado, tivemos conhecimento da existência de facturas de vendas de produtos em suspensão de IEC processadas por esta última empresa no ano de 1995 e cuja recepção não foi acusada pelos destinatários declarados desconhecendo estes a existência daquele como seu fornecedor.
Nas instalações da empresa J…………, gabinete responsável pela contabilidade da C……………., tivemos acesso a leitura de uma telecópia enviada as 13 H 48M do dia 13 de Fevereiro do escritório da empresa sendo utilizado papel timbrado da C…………… e subscrita pelo Sr. M…………, seu sócio-gerente. Do teor desta telecópia, cuja cópia não nos foi disponibilizada, destaca-se o contacto para um n° de telefone da rede fixa que viemos a apurar tratar-se do telefone da empresa K……………., Lda. já referenciada no ponto 3. e cuja titularidade do capital social pertence as filhas do Sr. M……………, conforme Pacto Social em anexo.
A Sra. D…………….., uma das sócias da empresa K……………, Lda. embora nos tivesse confirmado a movimentação das suas contas bancárias particulares pelo seu pai (Sr. M………) no contexto de transacções comerciais recusou-se a formalizar em Auto esta informação.
As notificações efectuadas ao Sr. M…………………, para a sede social da empresa C………….., Lda. e para o seu domicílio fiscal, foram devolvidas sem recepção.”

3. Fundamentação de direito
Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
Dada a precedência lógica sobre as demais questões, importa começar por averiguar da existência de omissão de pronúncia.
Alega a Recorrente que a Fazenda Pública, na parte do seu recurso para a 2.ª instância em que invocava que a 1.ª instância havia incorrido em erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, se limitou a invocar que a Impugnante não tinha conseguido demonstrar, como seria seu ónus, o pagamento das mercadorias, por não ter esclarecido uma falta de coincidência entre os valores das faturas e os seus destinatários e os montantes e os emitentes dos cheques que as teriam pago, sem concretizar essa falta de coincidência nem indicar os concretos elementos do processo com base nos quais poderia ser aferida, não cumprindo, assim, o ónus que o n.º 1 do artigo 690.º-A do CPC colocava a seu cargo no recurso, para que o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) pudesse alterar a matéria do probatório, ou aditar-lhe qualquer outra, conforme a então Recorrida, ora Recorrente, invocou nas contra-alegações. E que a 2.ª instância, sem se pronunciar acerca desta questão, da admissibilidade do recurso em matéria de facto, nem enunciar a norma em que fundamentava a sua atuação, eliminou do probatório factos que tinham sido dados como provados na 1.ª instância, e aditou-lhe outros por transcrição direta do Relatório de Inspeção em que a liquidação se baseava, daí partindo para o julgamento da matéria de direito. Diz, ainda, que embora não o referindo, a 2.ª instância só poderia ter atuado, na alteração da matéria de facto, a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC; e que a aplicação dessa norma está condicionada à observância, pelo recorrente, das especificações a que se refere o dito n.º 1 do artigo 690.º-A, já que este determina a rejeição do recurso em matéria de facto em todos os casos em que faltem essas indicações, quer os meios probatórios tenham sido recolhidos por gravação, registo ou qualquer outra forma de documentação da prova. Conclui que ao não se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso na parte em que pretendia a reapreciação da matéria de facto nem indicar a norma ao abrigo da qual a ela procedia, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, aplicável por força dos artigos 716.º, n.º 1 e 749.º do mesmo diploma e do artigo 169.º do Código de Processo Tributário (CPT).

O Tribunal Central Administrativo do Sul, por acórdão, pronunciou-se sobre as nulidades imputadas ao aresto recorrido nos seguintes termos:

“O artigo 668°, n.° 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado» 1
No acórdão cuja nulidade ora se requer, quanto ao segmento — Do erro de julgamento sobre a matéria de facto- consignou-se o seguinte: ((É nas conclusões VII a Xl que a recorrente assaca esse vício à sentença sustentando que as provas apresentadas pela impugnante — nomeadamente a prova testemunhal - não são de modo a por em causa as Conclusões do Relatório de Inspecção feita à firma impugnante em que se fundamentou a liquidação impugnada e agora anulada porquanto:
a)- A impugnante não conseguiu demonstrar, quer junto das autoridades aduaneiras, quer junto do tribuna «a quo», que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias.
b)-Não é dada, igualmente, resposta pela impugnante à comprovada (e não explicitada) falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques que alegadamente serviram de suporte ao pagamento das remessas das bebidas alcoólicas e os valores das mercadorias constantes das facturas comerciais emitidas pela firma impugnante. Desconhecendo-se igualmente a correspondência trocada entre as firmas envolvidas no negócio, recibos de quitação das mercadorias, etc.».
Explicitando escreveu-se no acórdão sindicado que: «(...) estas questões (ou a falta de resposta por parte da impugnante às mesmas) são questões essenciais para se concluir, como defende o RFP, que as remessas de bebidas alcoólicas facturadas às firmas C……………., Lda e à B……………, Lda configuram situações de negócios simulados. A impugnante não logrou na prova apresentada, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, demonstrar que os pagamentos tinham sido feitos através de cheques (não dos destinatários mas de terceiros cuja ligação aos destinatários das mercadorias na maior parte dos casos é desconhecida e sem que fosse feita qualquer demonstração entre o montante dos cheques recebidos e os pagamentos devidos pelas alegadas operações comerciais).
Concorda-se com o ponto de vista da recorrente de resto na senda do douto parecer do EPGA já que, sendo a questão controvertida, a de determinar se os produtos constantes do relatório de inspecção (quadro IV) saíram ou não do regime de suspensão do imposto, o que o mesmo é dizer, se as transacções tituladas nas facturas em causa correspondem a operações reais ou a meras operações simuladas, foi decidida no sentido de que “todas as mercadorias descriminadas no quadro IV do relatório de fiscalização (Ponto 4.8 aLd) foram entregues aos destinatários “B………..” e “C………….”.
Ora, os elementos objectivos recolhidos no relatório de inspecção (4.5 e 4.6) também a nosso ver devem ser acolhidos e dados como provados, dado que a prova testemunhal produzida pelos funcionários da impugnante não permite que se conclua, como o mínimo de certeza e segurança exigíveis, que as facturas em causa consubstanciam transacções reais e que a impugnante tendo recebido “de todas as transacções por parte destas empresas ou de quem se apresentou em nome delas a prestá-lo”.
E prossegue: Assim sendo, pela procedência das conclusões sob apreço, impõem-se reformular o probatório por forma a nele incluir como matéria provada a que consta dos pontos 4.5 e 4.6 do Relatório, o que se faz nos seguintes termos. ( .
Da leitura do trecho transcrito, em especial do que por nós agora foi reforçado a negrito, vê-se que o Tribunal de recurso enfrentou e resolveu a sobredita questão (suscita nas Conclusões de Recurso VIl a XI- erro de julgamento da matéria de facto). Aliás, assim o refere a Recorrente, quando alega que «Significa isto que a 2ª Instância, conhecendo nessa parte o recurso (..).» [fls. 505 dos autos].
Quer isto dizer, que tendo o Acórdão recorrido apreciado a questão, sem contudo apreciar o cumprimento dos ónus a que alude o artigo 690°-A do CPC, a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim, eventual erro de julgamento.
Sendo, ainda absolutamente pacífico o entendimento de que este Tribunal Central em competência oficiosa para alterar a matéria de facto, nos termos do artigo 712° do CPC, se podia dela conhecer, não há excesso de pronúncia.
É, assim, manifesto que o Acórdão em questão não padece das nulidades previstas no artigo 668.°, n.° 1, al. d), ia e 2ª parte, do CPC (indevida omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal devesse apreciar e excesso de pronúncia), que a Recorrente lhe imputa nas alegações respeitantes ao recurso que daquele aresto interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo.”

Vejamos.
As nulidades da sentença, na lei adjetiva aplicável ao caso [as normas a que nos iremos reportar sem qualquer outra menção, são aquelas que ao tempo da prática dos atos processuais estavam em vigor], estavam previstas no artigo 668.º do CPC, que dispunha no seu n.º 1, alínea d), que a sentença é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, que corresponde ao atual artigo 615.º, n.º 1. alínea d) do CPC. E aplicava-se a norma aos acórdãos da 2.ª instância por força do artigo 716.º do CPC. O CPT previa norma semelhante ao do CPC, no artigo 144.º, que dispunha no n.º 1 que “Constituem causa de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre as questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” Ao CPT (revogado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro) sucedeu o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo mesmo diploma legal que revogou o CPT, que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2000, mas com aplicação apenas aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), que consagrou idêntica disposição no artigo 125.º, n.º 1: “ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”.
Assim, não obstante as alterações legislativas em matéria de direito adjetivo verificadas ao longo da pendência do processo, manteve-se estável a matéria das nulidades das sentenças, designadamente, e para o que nos interessa, a resultante da omissão e de excesso de pronúncia do juiz. O que significa que a jurisprudência que se firmou sobre o tema e a doutrina produzida ao longo dos tempos, é aqui aplicável por a letra da lei se ter mantido sem qualquer alteração significativa.

A omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do CPC (atual 608.º, n.º 2), segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». É o vício de que enfermam as decisões judiciais que tenham deixado por apreciar alguma questão cujo conhecimento se lhe impunha por ter sido invocada pelas partes. Assim, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o tribunal não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão judicial também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a questões que resultem prejudicadas pela resposta dada pelo tribunal a outras.
Como é jurisprudência corrente e pacífica, a obrigação do juiz de se pronunciar sobre todas as questões que as partes lhe tenha colocado não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que a parte tenha produzido em defesa da sua tese, uma vez que questões não se confunde com argumentos.
Por outro lado, haverá omissão de pronúncia se o tribunal deixa por conhecer questões que foram suscitadas pelas partes sem indicar razões para justificar essa abstenção de conhecimento e se da decisão jurisdicional também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado.

As «questões», neste contexto, abrangem os pedidos, as causas de pedir e as exceções invocadas pelas partes. No caso dos recursos para os tribunais superiores, as «questões» sobre as quais o tribunal de recurso tem de se pronunciar são as suscitadas pelo recorrente ao alegar e pelo recorrido ao contra-alegar.

No caso sub judice, o acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente.
Nas conclusões que apresentou, a Fazenda Pública pôs em causa o julgamento da matéria de facto nos termos que se transcrevem:
“Vl. A douta sentença recorrida ao concluir que a prova produzida pela impugnante era no sentido de invalidar as bases indiciárias em que a Administração Fiscal tinha actuado para considerar as operações como simuladas incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Já que,
VII. As provas apresentadas pela impugnante - nomeadamente a prova testemunhal – não são de modo a pôr em causa as Conclusões do Relatório de Inspecção feita à firma impugnante em que se fundamentou a liquidação impugnada e agora anulada.
VIII. De facto, não conseguiu a impugnante demonstrar, e a ela cabia o ónus da prova como se referiu, quer junto das autoridades aduaneiras, quer junto do tribunal «a quo», que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias.
IX. Não é dada, igualmente, resposta pela impugnante à comprovada (e não explicitada) falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques que alegadamente serviram suporte ao pagamento das remessas das bebidas alcoólicas e os valores das mercadorias constantes das facturas comercias emitidas pela firma impugnante. Desconhecendo-se igualmente a correspondência trocada entre as firmas envolvidas no negócio, recibos de quitação das mercadorias, etc.
X. Ora, estas questões (ou a falta de resposta por parte da impugnante às mesmas) são questões essenciais para se concluir, como defende o RFP, que as remessas de bebidas alcoólicas facturadas às firmas C………………………, L.da e à B………………, L.da, contabilisticamente registadas na firma A…………………, L.da, configuram situações de negócios simulados.
XI. A impugnante não logrou na prova apresentada, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, demonstrar que os pagamentos tinham sido feitos através de cheques (não dos destinatários mas de terceiros cuja ligação aos destinatários das mercadorias na maior parte dos casos é desconhecida e sem que fosse feita qualquer demonstração entre o montante dos cheques recebidos e os pagamentos devidos pelas alegadas operações comerciais.”

Nas contra-alegações a Recorrida, ora Recorrente, invocou a inadmissibilidade de reapreciação da matéria de facto por a Recorrente não ter cumprido o ónus previsto no artigo 690.º-A do CPC [“VII. E, não concretizando a Recorrente os pontos da decisão de facto de que discorda, com especificação da concreta prova produzida que imporia decisão diversa, nem pode a matéria factual assente ser reapreciada, atento o disposto no n.º 1 do art. 690.º-A do CPC.”].

Portanto, a Recorrente, então Recorrida, nas suas contra-alegações, de forma expressa e fundamentada no direito, colocou uma questão ao Tribunal Central Administrativo Sul, que a merecer uma resposta em concordância impediria, como era a sua pretensão enquanto Recorrida, que aquele Tribunal reapreciasse a matéria de facto fixada em 1.ª instância.

Acontece que o Tribunal recorrido não respondeu à questão e, ignorando-a, reapreciou a prova, acrescentando factos e eliminando outros do probatório, e decidiu o pleito em conformidade com a alteração que introduziu na matéria de facto. Há claramente uma omissão de pronúncia sobre uma questão colocada por uma das partes.

No acórdão que se pronunciou sobre as nulidades imputadas ao aresto recorrido, o Tribunal Central Administrativo Sul, com todo o respeito se afirma, confundiu a pronúncia sobre a impugnação do julgamento da matéria de facto pela 1.ª instância perpetrada pela então Recorrente, ora Recorrida, nas conclusões de Recurso VII a XI, com a pronúncia sobre o preenchimento dos pressupostos para que a revisão da matéria de facto pudesse ter lugar, suscitada pela então Recorrida, ora Recorrente, nas contra-alegações. Na verdade, uma questão é o erro de julgamento da matéria de facto, que o Tribunal recorrido apreciou, outra, distinta daquela e que tem precedência lógica é a do não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto.

Ora, não obstante ser o recorrente que define o objeto do recurso nas conclusões das alegações, o certo é que o recorrido nas contra-alegações pode ir para além da resposta às alegações do recorrente, à substância do recurso, e pode impugnar, no dizer da lei, a admissibilidade ou a tempestividade do recurso, bem como a legitimidade do recorrente (artigo 685.º, n.ºs 5 e 6 do CPC a que corresponde hoje o artigo 638.º, n.ºs 5 e 6).
Na verdade, o conteúdo das alegações do recorrido pode variar de acordo com as vicissitudes do processo e de acordo com os objetivos que pretender alcançar, nelas podendo ser contestada a espécie do recurso, o regime de subida e os seus efeito. E podem elas servir também para suscitar “qualquer outra objecção atinente a aspetos de natureza formal ligados ao requerimento de interposição do recurso ou às alegações, máxime às respetivas conclusões (art. 685.º-C, n.º 2, al. b)).” – cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª Edição revista e atualizada, Almedina, p. 130.

Cada uma destas impugnações do recorrido, que não se limita a responder às alegações do recorrente, são «questões» sobre as quais o Tribunal de recurso tem o dever de se pronunciar, pela ordem que se revelar logicamente mais apropriada, excetuando aquelas cujo conhecimento ficar prejudicado (artigo 660.º, n.º 2) – cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Ob. Cit., pp. 342-345.

Deste modo, impunha-se ao Tribunal recorrido que ponderasse e decidisse a questão colocada pela Recorrida no que tange à verificação dos pressupostos do julgamento da matéria de facto. E só se concluísse que a tese da Recorrida era desprovida de razão, poderia avançar para a alteração da matéria de facto.

A verificação deste vício de omissão de pronúncia é prévia e prejudica o conhecimento do vício também assacado ao acórdão, de excesso de pronúncia, o qual vem alegado por referência também à alteração da matéria de facto efetuada pelo Tribunal recorrido.

Impõe-se, pois, a anulação do acórdão por omissão de pronúncia e o regresso dos autos à 2.ª instância para que seja reformado o acórdão, conhecendo-se da questão, uma vez que o Supremo Tribunal não a pode suprir face ao disposto nos artigos 679.º e 684.º, n.º 2, do CPC.

Concluindo:
I - Incumbe ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608.º, n.º 2. do CPC.
II - A violação dessa obrigação de conhecimento determina a nulidade da sentença/acórdão por omissão de pronúncia - artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir - artigos 679.º e 684.º, n.º 1, do CPC.
III – Padece de omissão de pronúncia o acórdão do Tribunal Central Administrativo que procede à reapreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, e não se pronuncia sobre questão suscitada pela recorrida nas contra-alegações respeitante ao incumprimento pela recorrente dos ónus impostos pelo artigo 690.º-A do CPC, na redação em vigor ao tempo.

4. Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em conceder provimento ao recurso, anular o acórdão recorrido e determinar a consequente baixa dos autos à 2.ª instância para que proceda à sua reforma.

Sem custas.

Lisboa, 03 de fevereiro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.