Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0203/11
Data do Acordão:09/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:JUROS MORATÓRIOS
TAXA
PENHORA
DIREITO REAL DE GARANTIA
Sumário:“O n º 3 do artigo 3º do DL 73/99, de 16/3, ao afirmar que a taxa de juros de mora é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais deve ser interpretado amplamente de modo a terem-se por abrangidas na sua estatuição não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, mas também as cobertas por penhora registada”.
Nº Convencional:JSTA000P13212
Nº do Documento:SA2201109140203
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- Relatório:
Nos presentes autos de impugnação, a FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença de 1ª Instância, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que anulou parcialmente o acto tributário de liquidação de juros moratórios na parte em que a Administração Fiscal não aplicou a taxa de juro de 0,5% a partir da penhora, tendo antes aplicado a taxa de 1%, interpôs recurso da decisão para este STA.
A decisão recorrida terminou do seguinte modo: “Pelo exposto e atentas as normas legais citadas julgo parcialmente procedente a impugnação e, em consequência anulo a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa e anulação parcial do acto tributário de liquidação dos juros moratórios na parte que não considera a não aplicação da taxa de juro de 05% a partir da data da penhora.
Custas pela Fazenda Pública e pela Impugnante na proporção do respectivo decaimento”.
A recorrente formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1) A sentença sob recurso decidiu que, a partir da data em que foi efectuada a penhora dos imóveis da executada, é aplicável a redução da taxa de 1% para 0,5%, prevista no n.° 3 do art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março, por aquela constituir uma garantia real.
2) A lei consagra expressamente quais as garantias reais, sendo que a penhora não as integra, constituindo uma garantia geral, conforme se retira do disposto no art.° 50.° da LGT.°
3) Só as garantias reais ou bancárias conferem ao Estado, incluindo o credor tributário, em caso de falência, o direito de ser pago preferentemente aos demais credores do Estado, o que implica uma fragilização da " força" da penhora em relação àquelas garantias.
4) Tendo a penhora a natureza de garantia geral não lhe é aplicável a previsão do disposto no n.° 3 do art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março que reduz a taxa de juros de 1% para 0,5% para as dívidas cobertas por garantia real.
5) Ao assim não ter decidido incorreu o Tribunal a quo em manifesto erro de julgamento por violação do disposto no citado normativo impondo-se a revogação da decisão nessa instância recursiva.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
Na 1ª instância foi dada como assente a seguinte matéria de facto, com a fundamentação que dela consta, que não é contestada.
A) A impugnante foi sujeita a uma inspecção tributária na qual resultaram liquidações adicionais de IVA, dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004 e juros compensatórios, no total de €775.401,22 (informação de fls 27, do processo administrativo);
B) Não tendo sido efectuado o pagamento no prazo para pagamento voluntário foram extraídas as certidões de divida e instaurado o processo de execução fiscal n° 1074200601001078 para cobrança coerciva da divida (fls 29 e 30, do processo administrativo);
C) Em 10 de Fevereiro de 2006 foi efectuada a citação do administrador, da ora impugnante, B…, para efectuar o pagamento de €775.401,20 acrescido de €17.498,23, de juros de mora e custas (fls 30, do processo administrativo apenso);
D) Em 7 de Abril de 2006 foi requerida a suspensão do processo executivo, solicitando a fixação do montante da garantia a prestar (informação de fls 27, do processo administrativo);
E) Em 3 de Maio de 2008 foi a impugnante notificada para prestar garantia bancária no montante de €1.018.028,24 (fls 33 e 34, do processo administrativo apenso);
F) Em 16 de Maio de 2006 a impugnante solicitou a diminuição da garantia bancária que foi indeferido (fls 35/36, do processo administrativo);
G) Em 19 de Maio de 2006 a impugnante solicitou a prorrogação do prazo para prestação de garantia o qual foi prorrogado por 15 dias (fls 37/38, do processo administrativo);
H) Não foi apresentada garantia (informação de fls 27, do processo administrativo); Em 12 de Junho de 2006 foi extraído mandado de penhora (fls 40, do processo administrativo);
I) Em 22 de Junho de 2006 foi efectuado registo de senhora de sete prédios para garantia da quantia de €775.401,22 (fls 41 a 66, do processo administrativo);
J) Sobre quatro desses prédios já se encontrava registada hipoteca voluntária registada a favor do Banco Comercial Português, SA (fls 66, do processo administrativo);
K) Em 20 de Abril de 2009 a ora impugnante efectuou pagamento parcial na quantia de €550.000,00, a que corresponde o montante de €351.678,56 de quantia exequenda e o montante de €197.812,44 de juros de mora e custas no valor de €509,00 (fls 68, do processo administrativo);
L) Na mesma data foi efectuado o levantamento dos registos de penhora sobre os cinco prédios penhorados (fls 67, do processo administrativo);
M) Em 6 de Agosto de 2009 apresentou reclamação no sentido de lhe ser aplicada a taxa de juro de 5%, por considerar que a divida estava coberta por garantia real, a penhora que foi indeferida, por despacho de 23 de Novembro de 2009 (fls 70/71, do processo administrativo)
A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.
Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
3- Do Direito:
Vinha impugnada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação de juros de mora, no montante de € 197.812,44. com o fundamento em ter sido excedido o prazo máximo da contagem de juros de 3 anos, previsto no art° 44° n° 2, da LGT e ter sido indevidamente aplicada a taxa de juro de mora de 1% quando a taxa aplicável seria apenas de 0,5% nos termos do Dec-Lei n. ° 73/99, de 16 de Março, atento a que a dívida e respectivos juros compensatórios se mostrava assegurada por garantia real através de penhoras efectuadas no processo de execução fiscal.
No presente recurso, considerando que são as conclusões das alegações que delimitam o seu objecto e que não se suscitam questões que devam ser conhecidas oficiosamente, só está em causa saber qual a correcta taxa a aplicar. Se 1%, como foi feito e cuja correcção é sustentada pela recorrente Fazenda Pública ou, apenas 0,5% como defende a impugnante e entendeu a decisão de 1ª Instância.
Quid Júris?
O quadro legal que nos interessa para resolver o caso dos autos é o seguinte:
Determina o n° l do ar.° 86° do CPPT que "findo o prazo de pagamento voluntário, começarão a vencer-se juros de mora nos termos das leis tributárias".
Por sua vez o artigo 3.º do D. L. 73/99 de 16/03 (antes da alteração introduzida pela Lei nº 3-B/2010 de 28-04-2010), dispunha:
1 - A taxa de juros de mora é de 1 % se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.
2 –(…).
3-A taxa referida no n.º 1 é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais constituídas por iniciativa da entidade credora ou por ela aceites e para as dívidas cobertas por garantia bancária.
Questão a decidir:
Vindo provado que a dívida estava garantida por penhoras ( vide alínea I) do probatório) cumpre a este Tribunal interpretar o citado preceito do nº 3 do artº 3º do D.L. 73/99 de 16/03, com o objectivo de definir se a penhora é equiparável a uma garantia real para os efeitos ali previstos de redução da taxa de juros de mora ao limite de 0,5%.
Sobre esta matéria já se pronunciou este STA através de acórdão de 20/12/2006 tirado no recurso 886/05 disponível no site da DGSI num caso em que estavam em causa dívidas cobertas por arresto, assim sumariado: “O n º3 do artigo 3º do DL 73/99, de 16/3, ao afirmar que a taxa de juros de mora é reduzida a 0,5% para as dívidas cobertas por garantias reais deve ser interpretado amplamente de modo a terem-se por abrangidas na sua estatuição não apenas as dívidas cobertas por garantias reais, stricto sensu, mas também as cobertas por arresto”.
Está em causa, desde logo, saber se a penhora deve ser considerada garantia real. Ora, é certo que para efeitos de citação dos credores preferentes impõe o artº 239º do CPPT a citação após a penhora de bens, dos credores com garantia real. E, em anotação a este preceito escreveu o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado, 4ª Edição, a págs. 982: “As garantias reais, como direitos reais que são, só existem os casos previstos na lei, como se infere do preceituado no art.º 1306.º do Código Civil.
São direitos reais de garantia propriamente ditos a consignação de rendimentos (arts. 656.º a 665.º do Código Civil), o penhor (arts. 666.º a 685.º do Código Civil), a hipoteca (arts. 686.º a 732.º do Código Civil), os privilégios creditórios especiais (arts. 733.º a 735.º, 738.º, 748.º, e 750.º a 752.º do Código Civil) e o direito de retenção (arts. 754.º a 761.º do Código Civil).
Como tal deverão considerar-se ainda, para este efeito, o arresto não convertido em penhora e a penhora noutra execução, por lhes ser atribuído o efeito de preferência sobre qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (arts. 622.º, n.º 2 e 822.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil)”.
Com efeito, a nosso ver, a característica da oponibilidade a terceiros da penhora devidamente registada faz dela um “autêntico” direito real que tem como consequência satisfazer o que se pretendeu acautelar na citada disposição legal. É que a penhora registada envolve a constituição de um direito real de garantia, conferindo ao credor/ exequente o direito de ser pago com preferência sobre outros credores, que não beneficiem de garantia real anterior (art. 822º nº1 do C.C. e Lebre de Freitas em A Acção Executiva, pág. 218/219) e gerando ineficácia, em relação ao exequente, dos actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras do registo (art. 819º do C.C.). O registo é essencial para poder produzir efeitos em relação a terceiros nos termos do artº 838º do CPC- Vide Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 418) e consubstancia a publicidade da providência ( característica também essencial dos direitos reais que têm como princípio basilar da sua eficácia perante terceiros o da publicidade. É pois absolutamente correcta a afirmação da decisão recorrida de que a penhora consubstancia um direito real de garantia, a que é inerente a preferência de pagamento sobre outros credores que não disponham de melhor garantia anterior, bem como a sequela, em termos de o exequente poder executar os bens penhorados integrados no património de terceiro, cuja aquisição não haja sido registada antes da penhora e só não funciona em caso de falência do executado (daí os autores falarem que se trata de um direito real de garantia imperfeito) - art° 822° do Código Civil.
A preferência de pagamento em relação à penhora, da hipoteca, da consignação de rendimentos depende da data do respectivo registo.
Assim, a penhora na medida em que lhe é conferida preferência sobre qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, deve ter-se como abrangida na estatuição do nº 3 do artº 3º daquele Decreto-Lei.
Acresce referir, para finalizar, que no dizer do arresto, supra citado, deste Tribunal, no DL 73/99, de 16 de Março, como se assinala no seu preâmbulo, pretendeu-se criar um incentivo à constituição de garantias reais por iniciativa ou com a colaboração dos devedores, ou de garantias bancárias, traduzido numa redução da taxa de juros de mora a metade.
Ou seja, oferecendo-se uma taxa de juros mais baixa, pretende-se garantir duma forma mais eficaz e efectiva o pagamento das dívidas ao Estado.
Ora, tudo ponderando e tendo presentes as regras ditadas pelo artº 9º do C. Civil, entendemos que a penhora, consistindo numa apreensão judicial de bens destinada a garantir a cobrança dos créditos tributários e do acrescido (juros e custas) conferindo ao seu titular preferência sobre qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, deve ter-se por contemplada no referido nº 3 do artº 3º daquele diploma legal.
É que, pela penhora, independentemente da sua qualificação jurídica, e a par dos direitos reais de garantia propriamente ditos e previstos na lei, o Estado obtém garantia plena e segura de que será pago.
E, assim sendo, não se vê motivo, para que as dívidas cobertas por penhora registada não beneficiem também elas de uma taxa de juros de mora reduzida a 0,5%, nos termos do citado DL 73/99.
A decisão recorrida que assim decidiu é de confirmar.
4-DECISÃO:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no segmento em que vinha questionada.
Custas neste STA pela Fazenda Pública.
Lisboa, 14 de Setembro de 2011. - Ascensão Lopes (relator) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.