Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02576/17.4BEBRG 0268/18 |
Data do Acordão: | 01/08/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | APENSAÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO |
Sumário: | I - Quando é interposto um único recurso para impugnar diversas decisões administrativas que aplicaram sanções relativas a diversas infracções, as quais não foram apensadas na fase administrativa, mas todas deram entrada em Tribunal na mesma data, o juiz deve verificar se estão reunidos os requisitos legais da conexão e, em caso afirmativo, ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25.º do Código de Processo Penal; II - Quando se verifique o preenchimento dos requisitos para a apensação, a mesma deve ser ordenada pelo juiz no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes de ser proferida decisão por mero despacho nos termos do artigo 64.º do RGCO. |
Nº Convencional: | JSTA000P25396 |
Nº do Documento: | SA22020010802576/17 |
Data de Entrada: | 03/14/2018 |
Recorrente: | A......., S.A. |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A…………,S.A., interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 6 de Dezembro de 2017, que indeferiu liminarmente a petição inicial, na qual o recorrente se insurgiu contra as decisões de aplicação das coimas, proferidos pelo Chefe de Serviço de Finanças de Braga, nos processos contra-ordenacionais com os seguintes números: 03612017060000076742; 03612017060000076750; 03612017060000076769; 03612017060000076777; 03612017060000076734; 03612017060000076637; 03612017060000076645; 03612017060000076653; 03612017060000076661; 03612017060000076670; 03612017060000076688; 03612017060000076696, peticionou, ainda, a apensação destes processos, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: 1.º Entendeu o Tribunal recorrido que a própria Arguida apresentou um único recurso contraordenacional e que nesse recurso requereu e deferiu por sua iniciativa a apensação de processos contraordenacionais. 2.º A Recorrente não efetuou qualquer cumulação ilegal. 3.º A recorrente no seu recurso contraordenacional referiu: "Vem nos termos do art.º 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, em relação aos processos supra identificados, individualmente, apresentar o respetivo RECURSO CONTRAORDENACIONAL." 4.º Não se pode entender, como o Tribunal recorrido entendeu, que a Recorrente apresentou um único recurso contraordenacional. 5.º A recorrente apresentou tantos recursos quantos o número de processos, requerendo à Autoridade Sancionatória a impressão em relação a cada um dos processos, 6.º Para que cada um dos processos fosse remetido ao Tribunal competente. 7.º Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de relevar que a apensação deveria ter sido efetuada pelo Tribunal recorrido, tendo em conta a douta jurisprudência superior firmada por este Supremo Tribunal Administrativo, em diversos Acórdãos, entre os quais o citado no despacho recorrido Acórdão de 04/03/2015. 8.º O tribunal recorrido, em vez de ter procedimento ao indeferimento liminar, deveria ter oficiosamente efetuado a apensação (aliás requerida no referido recurso contraordenacional) 9.º E não impor à Recorrente a apresentação de doze novos recursos, para que então, em cada processo se procedesse à apensação e, eventualmente, ao respetivo pagamento de taxa de justiça. 10.º Tal atuação, além de colidir com a jurisprudência perfeitamente assente deste Supremo Tribunal Administrativo, 11.º Não tem em conta o princípio da celeridade processual que cabe, especialmente, aos processos contraordenacionais, como se sabe. 12.º Entende ainda a Recorrente, salvo posição mais esclarecida, que a própria Autoridade Sancionatória apreciou o recurso contraordenacional enquanto pertença de cada processo contraordenacional respetivo. 13.º De facto, apesar de não ter havido uma decisão sancionatória única, como é exposto na decisão recorrida, a Administração Sancionatória, através de um despacho único, remeteu os autos, os doze processos, para este Tribunal recorrido 14.º Por outro lado, entende a Recorrente que os seus interesses legítimos mediatos estão manifestamente em causa. 15.º De facto, a Arguida bem podia apresentar doze novos recursos nos termos do artigo 560.º do Código de Processo Civil, desde que dentro dos prazos. 16.º Porém, bastaria a tramitação de cada um dos recursos junto da Autoridade Sancionatória ser distinta, a velocidades diferentes, para "obrigar" a Recorrente a ter de liquidar e pagar doze taxas de justiça. 17.º E tal situação possibilitaria, potencialmente, que a jusante, a Arguida se opusesse à decisão por simples despacho nos doze processos, levando a que, também de acordo com jurisprudência perfeitamente sedimentada, houvesse necessidade de, pelo menos, doze sessões de julgamento. 18.º Nestes termos, devia ser admitido o recurso contraordenacional em relação a cada processo contraordenacional individualmente, apensando o Tribunal recorrido os referidos processos contraordenacionais. Sem prescindir, 19.º O Tribunal recorrido não podia ter rejeitado liminarmente o recurso contraordenacional, já que a rejeição pode apenas ocorrer em duas situações - recurso feito fora do prazo (que não foi o caso) e recurso interposto sem respeito pelas exigências de forma (que também não foi o caso), conforme impõe o artigo 63.º, número 1 do Regime Geral das Contra-Ordenacões. 20.º Todas as situações que não estejam neste âmbito, têm de ser decididas por despacho judicial, ao abrigo do artigo 64.º do mesmo diploma. 21.º O Tribunal recorrido aplicou subsidiariamente o artigo 311.º, número 1 do Código de Processo Penal sem suporte legal, já que tal despacho não existe no Regime Geral das Contra-Ordenações. TERMOS EM QUE, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que decida pela revogação do despacho de rejeição liminar do recurso contraordenacional dos presentes autos. NESTES TERMOS, Farão V.as Ex.as, Colendos Conselheiros, a habitual e sempre esperada JUSTIÇA.» 2 – A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, “e, revogando-se a decisão recorrida, se determine a baixa dos autos para a prolação de novo despacho com vista a admissão do recurso e deferimento da apensação dos processos …”, considerando que no caso concreto se mostram reunidos os pressupostos da conexão subjectiva previstos no artigo 25° do CPP e só no caso negativo é que há fundamento para rejeitar o julgamento assim requerido. 4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir. II – Fundamentação 1. O despacho recorrido tem o seguinte teor «… Compulsados os autos, verifica-se a existência de uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa. Essa excepção corresponde à apresentação de uma única petição de Recurso (um único Recurso) para "atacar" várias decisões de aplicação de coimas, proferidas em processos de contra-ordenação que não se encontram apensados entre si - excepção que apelidamos de "Cumulação ilegal de Recursos" - e que determina o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da Fazenda Pública da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na fase da sentença. Ora, no caso em apreço, estando os presentes autos ainda na fase liminar, a referida excepção determina o indeferimento liminar da petição inicial. Mas vejamos em que consiste a mesma. Conforme já referido, o Recorrente veio apresentar um único recurso para doze decisões de aplicações de coima, proferidas em doze processos de contra-ordenação que correram de forma independente na fase administrativa, não tendo sido efectuada qualquer "apensação" ou constituição de um processo de contra-ordenação único, nem tão pouco foram considerados em conjunto pela entidade administrativa para efeitos de aplicação de uma coima única; tendo, pelo contrário, sido aplicadas coimas distintas, através de decisões administrativas proferidas individualmente em cada um dos processos de contra-ordenação. Ora, no que concerne à apensação, prevê a lei (artigos 24.º e ss do C.P.P.) e também a jurisprudência que, em determinadas circunstâncias, a entidade administrativa pode efectuar a "apensação" dos processos de contra-ordenação ("apensação" na fase administrativa, constituindo um único processo) ou então, já na fase judicial, pode e deve o Juiz efectuar a apensação dos Recursos de contra-ordenação (apensação na fase judicial, cfr n. 2 do artigo 29.º do C.P.P., no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho"). O que a lei não prevê e nem a jurisprudência refere é a possibilidade de ser o próprio arguido (já nas vestes de Autor/Recorrente) a decidir apresentar um único Recurso para decisões proferidas em processos de contra-ordenação não apensados, como que ficcionando que os processos estão apensados entre si ou que se trata de um único processo, como que chamando a si uma competência que a lei pretende que seja exclusiva da entidade administrativa (na fase administrativa) e posteriormente, na fase judicial, do Tribunal. Salienta-se ainda que a Jurisprudência actualmente existente refere que ao Juiz incumbe, mediante o preenchimento de certas circunstâncias, efectuar a apensação de processos - leia-se, de processos judiciais, ou seja de Recursos de contra-ordenação - nada referindo quanto à obrigação do Juiz efectuar a apensação de processos de contra-ordenação, o que bem se compreende, uma vez que a apensação de processos de contra-ordenação incumbe exclusivamente ao órgão da administração, na fase administrativa. De facto, Recursos de contra-ordenação não podem nem devem ser confundidos com processos de contra-ordenação. No caso em apreço, verifica-se que não ocorreu a apensação dos processos de contra-ordenação na fase administrativa e nem pode o Tribunal, na presente fase judicial, determinar qualquer apensação, uma vez que, relativamente aos doze processos de contraordenação, foi apresentado ao Tribunal um único Recurso e não doze Recursos. Nestes termos, entende este Tribunal que, a partir do momento em que a autoridade administrativa não procedeu à apensação dos processos de contra-ordenação (antes tendo proferido decisões de aplicação de coima autónomas em cada um deles), a impugnação de tais decisões de aplicação de coimas não pode ser concretizada através de um único Recurso, não podendo o arguido ficcionar uma "cumulação" ou "apensação" dos processos de contra-ordenação e apresentar uma única petição (na qual identifica os vários processos de contra-ordenação). Assim, a promoção apresentada pelo Ministério Público - de aceitação de um único recurso para os doze processos de contra-ordenação - não pode ser acolhida pelo Tribunal. De facto, não estando os processos de contra-ordenação apensados, a cada decisão de fixação de coima deverá corresponder uma petição de Recurso, apresentada nos termos dos artigos 80.º do R.G.I.T. e 59° do R.G.C.O.. Decorre, pois, do exposto que, tendo sido proferidas doze decisões em diferentes processos de contra-ordenação que não estavam apensados entre si, o arguido tinha de apresentar uma petição de Recurso para cada decisão, sendo instaurados, autuados e distribuídos doze Recursos de contra-ordenação e só depois é que o Juiz, perante uma multiplicidade de processos judiciais (em que a infractora era a mesma), que lhe foram distribuídos a si, ou aos outros juízes do mesmo Tribunal, é que iria averiguar e decidir da possibilidade de ordenar a apensação de todos os Recursos àquele que fosse o determinante da competência por conexão. Nesta conformidade, tendo sido deduzido um único Recurso para vários processos de contra-ordenação que não se encontram apensados, verifica-se a existência de uma "Cumulação ilegal de Recursos", o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, que determina o indeferimento liminar da petição inicial. No entanto, adverte-se a Recorrente de que, existindo indeferimento liminar, pode prevalecer-se do disposto no artigo 560.º do C.P.C. (ex vi n.º 1 do artigo 590.º do C.P.C.), pelo que os seus interesses legítimos não ficam desprotegidos. …» 2. Questão a decidir Saber se nos casos em que é apresentado um mesmo recurso para vários actos de aplicação de contra-ordenações sem que as mesmas tenham sido apensadas na fase administrativa se deve considerar verificada a excepção de "Cumulação ilegal de Recursos".
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para os efeitos antes mencionados. Sem custas. * Lisboa, 8 de Janeiro de 2020.- Suzana Tavares da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Aragão Seia. |