Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0103/20.5BEPNF
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SEGURANÇA
CANCELAMENTO
CONDENAÇÃO PENAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado a questão apresentar virtualidade de expansão para situações futuras e a solução firmada no acórdão recorrido se apresentar como dubitativa e não dotada de óbvia plausibilidade que afaste a necessidade da intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal enquanto órgão de cúpula da jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P28130
Nº do Documento:SA1202109090103/20
Data de Entrada:08/12/2021
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA/POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Ministério da Administração Interna [MAI/PSP] peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.05.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 735/762 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante TAF/PNF], de 15.01.2021 [cfr. fls. 578/601] que, antecipando a decisão da causa principal, havia julgado improcedente a pretensão contra si deduzida por A…………, para tal anulando os atos impugnados e julgado «a ação procedente e eliminar da ordem jurídica as decisões de cancelamento e/ou não renovação dos cartões profissionais atribuídos ao Autor, com as especialidades de vigilante n.º ……… e de vigilante de transporte de valores ………».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 781/801] na relevância jurídica de questão que reputa como de importância fundamental [relativa à aplicação da lei no tempo e do tempus regit actum quanto à a atual redação da al. d) do n.º 1 do art. 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16.05, e que lhe foi introduzida pela Lei n.º 46/2019, de 08.07, que estabelece os requisitos e incompatibilidades para o exercício da atividade de segurança privada, saber se a mesma viola ou não o direito fundamental à liberdade de escolha de profissão, consagrado no n.º 1 do art. 47.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto nos arts. 22.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 34/2013 [na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 46/2019], 12.º do Código Civil [CC], bem como em alegada interpretação inconstitucional já que violadora dos arts. 18.º e 47.º, n.º 1, da CRP.

3. O requerente cautelar/recorrido devidamente notificado produziu contra-alegações [cfr. fls. 819/871], nelas pugnando, desde logo, pela extemporaneidade da dedução do presente recurso de revista, ou, então, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. No que releva o TAF/PNF, fazendo aplicação do regime inserto no art. 22.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 34/2013, na redação dada pela Lei n.º 46/2019, julgou totalmente improcedente a pretensão formulada pelo A., absolvendo o R. do pedido [cfr. fls. 578/601].

7. O TCA/N, por acórdão de 07.05.2021, considerou que in casu face à declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante da al. d) do n.º 1 do art. 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16.05, «tal opção legislativa e fonte normativa devem ser consideradas inapelavelmente inquinadas por ofensa ao direito à escolha de profissão consagrado no artigo 47.º/1 CRP» então «a anulação dos atos impugnados com fundamento em vício de violação de lei (no caso por aplicação de norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral) é impositiva e veda a sua renovação pela Administração, entende-se que só existe uma solução juridicamente adequada, que é revogar a sentença e julgar a ação totalmente procedente».

8. Presente aquilo que constituem as pronúncias diametralmente divergentes das instâncias que se mostram firmadas nos autos e que a pronúncia do TCA, atentas as críticas que lhe foram dirigidas pelo recorrente, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, carecendo de devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal para aferir do seu acerto, temos como justificada a necessidade de admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

9. E, para além disso, temos que as concretas quaestiones juris suscitadas revelam-se dotadas de relevância jurídica fundamental, apresentando interesse para a comunidade jurídica, porquanto discutem-se problemas facilmente replicáveis, com capacidade de expansão da controvérsia e que assumem carácter paradigmático/exemplar, suscetíveis de se poderem projetar ou de serem transponíveis para outras situações, e que reclamam deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.

10. De referir que a questão suscitada pelo recorrido mostra-se fora daquilo que constituem os poderes desta Formação de Admissão Preliminar prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, já que a mesma «tem poderes de cognição limitados ao que seja imprescindível para apreciação do que respeite à razão pela qual é constituída», ou seja, «[e]m princípio, apenas decide, e nesse âmbito com carácter definitivo, se os pressupostos ou requisitos específicos de admissão do recurso excecional de revista se encontram preenchidos» e que «[p]or extensão, caber-lhe-á necessariamente praticar os atos que sejam instrumentais ou indispensáveis para o exercício dessa competência exclusiva de verificação dos requisitos da revista excecional», podendo «ainda sustentar-se que lhe caiba, a título excecional, por razão de economia processual, mas sem carácter de exercício necessário, constatar a ocorrência de situações geradoras de evidente desnecessidade de entrar na análise dos pressupostos específicos do recurso excecional. Será uma decorrência do princípio da limitação dos atos (art. 130.º do CPC), mas sempre limitada a hipóteses, por certo excecionais, de manifesta evidência de que o recurso não está em condições de prosseguir», não lhe competindo «por regra, apreciar questões - suscitadas ou de conhecimento oficioso - atinentes aos pressupostos gerais do recurso. Essa é uma tarefa a que há-de proceder-se na fase subsequente, se o recurso de revista for admitido por se verificarem os seus pressupostos específicos (Ac. de 17/06/2010, Proc. 457/10)» [cfr., nomeadamente e entre outros, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 08.04.2015 - Proc. n.º 01165/14, e de 24.09.2020 - Proc. n.º 01483/18.8BELSB].

11. Assim, tudo conflui para a conclusão pela necessidade de se receber o recurso de revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho