Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01047/17
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATO
FINANCIAMENTO
DESPESAS
INELEGIBILIDADE
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
IMPOSIÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista – onde se discute a existência do «fumus boni juris» de que depende a bondade das providências decretadas no meio cautelar – se as críticas unânimes das instâncias ao acto que considerou inelegíveis certos gastos ocorridos no âmbito de um contrato de financiamento denotam razoabilidade e se, por outro lado, os riscos inerentes ao pagamento de um subsídio ligado a despesas do género se encontram acautelados através da imposição judicial de uma garantia.
Nº Convencional:JSTA000P22358
Nº do Documento:SA12017101101047
Data de Entrada:09/28/2017
Recorrente:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Norte confirmativo da sentença em que o TAF do Mirandela suspendeu a eficácia do acto que impusera ao requerente A…………. a devolução de certos subsídios que o IFAP lhe prestara no decurso de um contrato de financiamento celebrado entre as partes e impôs ao requerido e aqui recorrente, a título provisório, o pagamento de outro subsídio do mesmo género, no montante de 149.641,31 €, embora condicionado à prévia constituição de garantia.

O recorrente pugna pela admissão da revista porque a «quaestio juris» em causa, ligada ao «fumus boni juris» do meio cautelar, é importante e foi erradamente decidida pelo aresto «sub specie».
O recorrido, ao invés, considera a revista inadmissível.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
O recorrido foi confrontado com um acto, provindo do IFAP, que – ante a detecção de despesas inelegíveis, ocorridas no âmbito de um contrato de financiamento celebrado entre as partes – lhe impôs a devolução de quantias por ele já correlativamente recebidas e recusou novos pagamentos fundados em despesas do mesmo tipo.
O recorrido reagiu contra essa pronúncia administrativa através do meio cautelar dos autos. E o TAF decidiu o procedimento emitindo duas essenciais pronúncias: por um lado, suspendeu a eficácia do acto que ordenara a devolução de subsídios; por outro lado, e a título provisório, determinou que o IFAP procedesse a um pagamento que o acto recusara, ainda que condicionasse esse dever de prestar à prévia constituição de uma garantia por parte do credor. Depois, o TCA confirmou integralmente essa sentença.
Na presente revista, o IFAP insurge-se contra a solução das instâncias num único ponto, o qual se relaciona com a existência do «fumus boni juris» que, à luz dos arts. 120º, n.º 1, e 133º, n.º 2, al. c), do CPTA, deveria anteceder a adopção das duas providências (a suspensiva e a impositiva).
O acto considerara certas despesas – umas, já pagas e, a outra, por pagar – não elegíveis. Esse juízo de não elegibilidade fundou-se no n.º 27 do Anexo II à Portaria n.º 289-A/2008, de 11/4, onde se diz que há «limites às elegibilidades» no caso de «despesas que resultem de uma transacção entre uma pessoa colectiva e um seu associado, seu cônjuge, parente ou afim em linha recta». Ora, detectara-se no IFAP que as despesas «supra» aludidas – isto é, as que o acto considerou indevidamente pagas e a que se recusou a pagar – estavam tituladas por facturas emitidas por uma sociedade por quotas cujo capital é pertença do requerente do meio cautelar. E isso, segundo o IFAP, obstaria de imediato à elegibilidade de tais despesas – evidenciando a legalidade do acto e a correlativa falta de «fumus boni juris».
Mas a presença deste requisito fora afirmada pelas instâncias a partir de um dado factual – o de que os preços facturados pela sociedade por quotas ao requerente eram os que ela pagara a terceiros. Daí que as instâncias dissessem que a sociedade exercera funções de mera intermediação, sem qualquer acréscimo de custos; de modo que tudo se teria passado como se o ora recorrido – enquanto parte no contrato de financiamento – tivesse directamente assumido perante os terceiros as despesas tidas pelo acto como não elegíveis.
«Prima facie», a solução das instâncias parece equilibrada e justa, visto que – como o próprio acto reconheceu – nenhum agravamento de preços adveio da intervenção da referida sociedade. É certo que o rigor jurídico desse entendimento parece vacilar face a uma objecção do recorrente: o de que ele estaria formalmente impossibilitado de apresentar ao FEADER as facturas emitidas pela sociedade por quotas. Contudo, não é seguro que este aspecto formal do problema seja insuperável; e, não o sendo, subsistem as razões materiais donde as instâncias extraíram a presença do «fumus boni juris».
Portanto, a questão de direito ligada a este requisito, embora inédita no STA, não se mostra, pela sua natureza ou alcance, merecedora de reapreciação – até por estarmos num plano cautelar, em que o recebimento das revistas deve ser especialmente exigente.
Ao que acresce ainda o seguinte: a circunstância do pagamento provisoriamente imposto supor a prévia prestação de uma garantia por parte do requerente enfraquece o risco inerente à providência decretada – e, nessa medida, também o relevo do assunto. E, se é verdade que a garantia não cobrirá a ordem de devolução suspensa, também é certo que, nesse campo – em que o IFAP mudou o «status quo ante» – é razoável aguardar pela definição inerente ao processo principal.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.