Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0817/16
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:CONTRATO DE FORNECIMENTO
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
DESCONTO
CONCORRÊNCIA
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:É de admitir revista estando em discussão se perante critério de adjudicação do mais baixo preço, em concurso público para o fornecimento de refeições escolares, estando fixado um limite mínimo quanto ao valor monetário de uma componente associada a matéria-prima alimentar é possível um desconto financeiro incidente sobre o preço unitário.
Nº Convencional:JSTA000P20796
Nº do Documento:SA1201607070817
Data de Entrada:06/28/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE GONDOMAR E A..., LDA
Recorrido 1:C..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.

1.1. B……………., S.A., intentou acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Município de Gondomar e contra a A……………, C………………, S.A., D…………. S.A. e E…………, S.A., na qualidade de contra interessadas, pedindo, tendo por referência concurso público lançado por aquele município para o fornecimento de refeições escolares:
«a) Ser declarada a ilegalidade e a consequente desaplicação da Cláusula 4.ª do Caderno de Encargos (interpretada em conjunto com o disposto no artigo 16.º e Anexo A do Programa, na Cláusula 31.ª e no anexo G do Caderno de Encargos);
b) Ser declarada a ilegalidade do Concurso 04/14 e de todos os actos nele praticados e consequentemente ser o mesmo anulado;
Caso assim se não entenda
c) Ser o Município de Gondomar condenado a excluir as propostas da A………., D………….e da C……….e a proferir decisão da não adjudicação no Concurso 04/14;
d) Ser o acto (ou operação) de aquisição das refeições à A………. pelo Município de Gondomar desde o dia 15 de Setembro de 2014 declarado nulo nos termos do artigo 94.º n.º 1 do CCP ou, caso este tenha sido celebrado, a respetiva anulação por violação do artigo 104.º n.º 1 al. a) do CCP;
e) Ser o acto (ou operação) de aquisição das refeições à A………… pelo Município de Gondomar desde o dia 15 de Setembro de 2014 anulado por falta de precedência de contrato eficaz nos termos do artigo 45.º n.º4 da Lei n.º 98/97».

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sentença de 07/12/2015 (fls. 905/943), decidiu:
«(i) Julgo procedente, por provado, o pedido de anulação do ato de adjudicação e do contrato celebrado na sequência do mesmo, com fundamento nos vícios de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão das propostas apresentadas pela A……….e pela D…………….;
(ii) Julgo improcedente, por não provado, o pedido de anulação do ato de adjudicação com fundamento no vício de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão da proposta apresentada pela C…………..;
(iii) Em consequência, condeno o R. Município de Gondomar à adjudicação do fornecimento à proposta apresentada pela C………….. e com esta celebrar o respetivo contrato».

1.3. Apelaram o Município de Gondomar e A………… para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 08/04/2016 (fls. 1080/1126), negou provimento aos recursos.

1.4. É desse acórdão que os mesmos vêm, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer admissão de revista, por a problemática suscitada assumir relevância jurídica e social de importância fundamental, e ser necessária intervenção deste Supremo Tribunal para melhor aplicação do direito.

1.5. A contra interessada C………. defende a não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado, como as partes reconhecem, a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A contratação em debate nos autos respeita ao Concurso Público n.º 04/14 – Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e aos Jardins de Infância da Rede Pública do Município de Gondomar.
Nos termos do artigo 21.º, do citado Programa de Concurso, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
A formação do preço unitário é constituída por diversas rubricas, as quais procedem à decomposição do preço de cada refeição, determinando quer a cláusula 4.ª, 1, do Caderno de Encargos, quer o artigo 16.º, b), do Programa de Concurso que, de entre essas rubricas, a componente associada à matéria-prima alimentar não pode ser inferior a 0,80€, mais IVA à taxa legal em vigor.
Dispõe aquela cláusula: «O preço base, para o ano lectivo 2014/2015, é de […] ao qual corresponde um preço base unitário de […] para as refeições escolares, não podendo a componente associada a matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário das refeições, ser inferior a € 0,80, mais IVA à taxa legal em vigor»
Nos termos do artigo 74.º, n.º 2 do CCP, «só pode ser adoptado o critério de adjudicação do mais baixo preço quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspectos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto daquele».
Ora, entre outras, encontra-se suscitada nos autos a questão de saber se a introdução pela adjudicatária, ora recorrente, A…………… de uma rubrica, Desconto Financeiro, na «Nota Justificativa do Preço Unitário», inserta no Modelo A – Modelo de Proposta a Apresentar com nota justificativa do preço, prevista no artigo 16.º do Programa do Concurso, afecta o determinado limite mínimo da componente associada a Matéria-prima alimentar.
As instâncias convergiram na decisão, tendo o acórdão recorrido ponderado que, «por via da alteração, para menos, de um imperativo limite mínimo subtraído à concorrência, com o consequente abaixamento do valor da proposta e objectivo ganho concorrencial na avaliação da mesma, alcançou a A………….. pela janela de um auto proposto desconto financeiro, aquilo a que o limite mínimo definido pelo caderno de encargos havia fechado a porta em sede de preço unitário e consequente valor da proposta acompanhada de ganho concorrencial na sua avaliação. (…). / Em face de todo o exposto, é, pois, de concluir dever aquela proposta ser excluída, em face do disposto nos supra apontados normativos e nos termos do disposto na alínea b) do n° 2 do artigo 70.º e na alínea o) do n° 2 do artigo 146°, ambos do CCP.» (fls. 1115).
Os recorrentes discordam dessa apreciação, essencialmente, porque «não se pode confundir custo com preço, sendo que a entidade pública apenas pode exigir, e consequentemente controlar, que um concorrente proponha matéria-prima com um determinado custo e não já com um determinado preço».
Defendem, ainda, que «não existe qualquer incumprimento de um aspecto de execução do contrato não submetido à concorrência uma vez que a A……………… não afectou tal desconto a nenhuma rúbrica concreta do preço, pelo que se inexistir o referido desconto a A…………… suportará o prejuízo respectivo».

O problema é relevante.
Na verdade, está-se em sede de critério de adjudicação do mais baixo preço. Ao mesmo tempo, está previsto um determinado limite mínimo no valor monetário de uma certa componente.
A sua qualificação tem estado em debate, e ela é tanto mais importante quanto pode ter consequências em muitos outros casos em que em sede de fornecimento de refeições escolares ele esteja também previsto. Há assim, toda a conveniência em que os operadores nesta área, seja os concorrentes seja as entidades públicas que lançam os concursos tenham uma posição do Supremo Tribunal Administrativo sobre o assunto.
Esse problema, assim, independentemente do relevo dos demais que também integram o âmbito dos recursos, é, por si, razão suficiente de admissão das revistas.

3. Pelo exposto, admitem-se as revistas.
Lisboa, 7 de Julho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.