Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0742/12
Data do Acordão:02/20/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - Verifica-se a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, se o tribunal exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar e a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, se o tribunal também deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
II - A apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária, na medida em que a eventual intempestividade da impugnação judicial impede o início da lide impugnatória e a discussão, neste sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso.
III - Na qualidade de tribunal de revista, com poder de cognição restringido a matéria de direito, o STA está impedido do conhecimento do mérito da impugnação judicial, em substituição do tribunal recorrido, na sequência da declaração de nulidade da decisão recorrida (nº 1 do art. 715º e art. 726º, ambos do CPC).
Nº Convencional:JSTA00068136
Nº do Documento:SA2201302200742
Data de Entrada:07/02/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART34 ART125 N1
LGT ART49 N2
CPC ART688 N1 D
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0803/08 DE 2008/12/03; AC STA PROC0293/08 DE 2008/05/21; AC STA PROC063/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC0449/11 DE 2011/10/12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na presente impugnação judicial deduzida por A……., por ter declarado prescrita a obrigação tributária em causa nestes autos.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes, ora submetidas a alíneas:
a) - Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287º, alínea e) do CPC, com relação às liquidações impugnadas de IVA dos anos de 1999 e 2000, por se ter verificado a prescrição (e não de IRC de 1999 conforme referido na sentença);
b) - Do nosso ponto de vista e, salvo melhor entendimento, não pode ser analisada a questão da prescrição das dívidas de IVA dos anos de 1999 e 2000 em causa nestes autos;
c) - Decorre dos autos que o Meritíssimo Juiz procedeu à reforma dos autos (fls. 9), mais tendo considerado que se impõe analisar a questão prévia da prescrição das dívidas e que basta a reconstituição das datas dos actos praticados (a secção juntou print informático para o efeito) e a junção do ofício remetido pelo serviço de finanças de Mangualde para proceder a tal apreciação;
d) - Do que discordamos, pelas razões seguidamente elencadas;
e) - A mera reconstituição das datas dos actos praticados e a junção do ofício do serviço de finanças de Mangualde não constituem elementos suficientes para se proceder a uma análise cabal das questões suscitadas, inclusive a prescrição das dívidas;
f) - É que outras ocorrências podem suceder no decurso da tramitação do processo de impugnação judicial, designadamente a existência de excepções, que tornam inviável a declaração da prescrição;
g) - Acresce que, segundo a nossa posição, nem todos os esforços da reconstituição dos autos foram encetadas, pois que, a Fazenda pública desta Direcção de Finanças dispõe de processo devidamente organizado, do qual constam as peças processuais principais, nomeadamente, a petição inicial, contestação e processo administrativo;
h) - Pelo que, analisados os documentos que a Fazenda Pública dispõe no processo organizado nesta Direcção de Finanças, conforme cópias que se juntam como documento 1, constata-se que não podia o Meritíssimo Juiz do processo declarar a prescrição;
i) - É que, no âmbito da contestação apresentada pela fazenda Pública em 09.02.2007, efectuou-se a remissão para a fundamentação constante da informação prestada nos termos do art. 112º do CPPT e que está inserta no processo administrativo;
j) - Verificando-se que, nos termos do art. 125º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável ao procedimento e processo tributário por força do art. 2º, d) do CPPT, a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas;
k) - Também no art. 77º, nº 1 da LGT, se consagra a possibilidade expressa de a fundamentação poder ser efectuada por remissão, consubstanciada em simples declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas;
l) - Clarificada a admissibilidade legal da fundamentação por remissão e tendo a contestação da Fazenda Pública remetido para a informação prestada ao abrigo do art. 112º do CPPT, conclui-se que não podia o Meritíssimo Juiz declarar a prescrição das dívidas;
m) - Porquanto, na informação elaborada nos termos e para os efeitos contemplados no art. 112º do CPPT e integrada no processo administrativo, para a qual se remeteu na contestação, foi suscitada a questão da intempestividade da impugnação apresentada;
n) - E, de facto, a impugnação judicial do acto de liquidação de IVA dos anos de 1999 e 2000 foi deduzida fora do prazo legal, como se passa a demonstrar: Do carimbo aposto na primeira página da petição inicial, esta deu entrada no serviço de finanças de Mangualde em 10.04.2003; Da informação prestada nos termos do art. 112º do CPPT consta que o prazo para deduzir impugnação judicial terminou em 29.11.2002 (prazo esse que teve o seu início em 01.09.2002, conforme decorre dos documentos extraídos do sistema informático do IVA que se encontram juntos ao processo administrativo); Do que se conclui que a petição de impugnação judicial foi intentada para além do prazo de 90 dias estipulado no art. 102º, nº 1, a) do CPPT;
o) - O prazo de impugnação judicial tem natureza substantiva e conta-se nos termos do disposto no art. 279º do Código Civil, por força do preceituado no art. 20º, nº 1 do CPPT;
p) - Para o efeito, vide Acórdão do STA de 14.04.2010, proferido no processo nº 0977/09, no qual se dispõe: “I – O prazo de dedução de impugnação judicial é um prazo de caducidade, peremptório, e de conhecimento oficioso. II – Deduzida fora de prazo, a impugnação judicial deverá ser alvo de indeferimento liminar. III – Verificada a extemporaneidade da petição, em fase não inicial do processo, impõe-se ao juiz a absolvição do réu da instância”;
q) - Sendo a petição intempestiva, tal consubstancia uma excepção peremptória de caducidade que se invoca, pois, o prazo referido no art. 102º, nº 1, a) do CPPT sendo peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, por versar direitos indisponíveis quanto à Fazenda Pública (art. 333º do Código Civil), o seu decurso extingue o direito de impugnação;
r) - Pelo que, deve ser considerada procedente a excepção peremptória de caducidade e, consequentemente, absolvida do pedido a Fazenda Pública, nos termos do disposto nos arts. 493º e 496º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do art. 2º, alínea e) do CPPT, por referência ao art. 102º, nº 1, a) do CPPT;
s) - Acresce que, sendo a petição extemporânea não podia o Meritíssimo Juiz declarar a prescrição das dívidas objecto dos autos;
t) - É certo que a prescrição declarada é questão de conhecimento oficioso, nos termos do determinado no art. 175º do CPPT;
u) - Contudo, seguindo a posição do Acórdão do STA de 07.12.2011 (Recurso nº 0241/11), com a qual concordamos: “I – A intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início, razão pela qual não é nula por omissão de pronúncia a sentença que tendo julgado intempestiva a impugnação deduzida, não se pronunciou sobre a questão da caducidade do direito à liquidação” – No mesmo sentido vide Acórdão do STA de 12.10.2011 (Recurso nº 0449/11);
v) - Assim sendo, reiterando a posição da jurisprudência dominante, não podia ser declarada a prescrição das dívidas aludidas, uma vez que, existe uma questão prévia – a intempestividade da impugnação –, que tinha que ser objecto de conhecimento antes de qualquer outra;
x) - E da qual decorre a necessária absolvição da Fazenda Pública da instância, ao abrigo dos arts. 493º e 496º, ambos do CPC, pois que, não chegou sequer a ter início a lide impugnatória;
y) - Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos arts. 48º e 49º da LGT, 102º, nº 1, a) do CPPT e 493º e 496º do CPC.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença a substituir por outra em que se julgue inverificada a prescrição relativa a IVA dos exercícios de 1999 e 2000 e se reconheça a absolvição da Fazenda Pública da instância por intempestividade da dedução de impugnação judicial.

1.3. Notificado das alegações e para dizer o que tiver por conveniente quanto à excepção da caducidade invocada e nelas referida, veio o recorrido alegar o seguinte:
- Não tem, a este tempo de distância, comprovativo da concreta data de prática do acto processual – dedução da Impugnação.
Contudo,
Percebe e argumenta da documentação existente o seguinte:
a) A AT não suscitou a pretendida caducidade com a contestação, apresentada em Fevereiro de 2007, numa altura em que facilmente poderia o Impugnante contrariar qualquer elemento ou argumento aduzido.
b) É seguro que Impugnação foi deduzida já depois de instaurada a execução – sendo que à data não era normal isso ocorrer – o que indicia a existência de qualquer irregularidade. Na verdade o prazo de impugnação conta-se da NOTIFICAÇÃO da liquidação e não da liquidação, e aparentemente o impugnante só tomou conhecimento da liquidação com a citação para os termos da execução.
c) Invoca ainda que não está demonstrado nos autos a data concreta da notificação da liquidação. Contrariamente ao alegado, o prazo não pode contar-se desde o termo do prazo de pagamento voluntário, já que esse depende do prazo de notificação da liquidação do imposto.
d) Finalmente, pugna que a tese vertida relativamente à apreciação da prescrição opera por dever de ofício, não podendo a eventual caducidade do direito de Impugnar prejudicar o prazo de prescrição. Os prazos de prescrição são autónomos, e apenas são estorvados pelos institutos da suspensão e /ou interrupção.
Dado que a exequente /impugnada não destrói na sua argumentação os fundamentos da decisão prescritiva, não relevam os argumento da invocada caducidade.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«FUNDAMENTAÇÃO
1. Não foi observada a tramitação própria do processo especial de reforma de autos antes da prolação da respectiva sentença em 31 dezembro 2011 (fls. 9. arts. 1074º e sgs. CPC).
Não obstante, a sentença transitou em julgado por ausência de impugnação pelas partes e pelo Ministério Público.
2. Embora sem expressa enunciação formal a recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, invocando excesso de pronúncia (1ª conclusão) e omissão de pronúncia (8ª/12ª conclusões).
A. Excesso de pronúncia
A sentença apreciou questão distinta da equacionada na petição de impugnação judicial, cujo objecto eram as liquidações de IVA (anos 1999 e 2000), ao pronunciar-se sobre a prescrição de obrigação tributária emergente de liquidação adicional de IRC (ano 1999).
Neste contexto a decisão enferma de nulidade por excesso de pronúncia (art. 125º nº 1 CPPT; art. 668º nº 1 al. d) CPC).
B. Omissão de pronúncia
A Fazenda Pública apresentou contestação cujo teor expressamente remete para a apreciação dos serviços sobre o mérito do pedido formulado pelo autor, aí se equacionando a questão da intempestividade da impugnação judicial (cf. PA apenso; apreciação da Divisão de Justiça Tributária e contestação apresentada em 9 fevereiro 2007).
Acresce a circunstância de o juiz no tribunal de 1ª instância ter ordenado expressamente a audição das partes sobre a questão da caducidade (despacho fls. 50).
A argumentação expendida, supervenientemente, no despacho de sustentação proferido em 28 junho 2006 não é procedente: a apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária, na medida em que a eventual intempestividade da impugnação judicial impede o início da lide impugnatória e a discussão de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso (cf. acórdãos STA-SCT 21.05.2008 processo nº 293/08; 3.12.2008 processo nº 803/08; 11.02.2009 processo nº 802/08; 25.03.2009 processo nº 196/09; 12.10.2011 processo nº 449/l1).
Neste contexto a decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia (art. 125º nº 1 CPPT; art. 668º nº 1 al. d) CPC).
Na qualidade de tribunal de revista, com poder de cognição restringido a matéria de direito, o STA está impedido do conhecimento do mérito da impugnação judicial, em substituição do tribunal recorrido, na sequência da declaração de nulidade da decisão recorrida (arts. 715º nº 1 e 726º CPC).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de nulidade da decisão impugnada por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia.
- devolução do processo ao TAF Viseu para apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação».

1.5. Do teor do Parecer do MP foram notificadas as partes que nada vieram dizer.

1.6. Corridos os vistos legais, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Nestes autos impugnam-se a liquidação adicional de IRC do ano de 1999.
B) Os presentes autos foram instaurados em 14.05.2003 e pararam por razões estranhas ao Impugnante, entre a instauração e 22.11.2006.
C) No SF foi instaurado em 02.12.2002 processo de execução fiscal destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos.
D) A citação do aqui impugnante, no âmbito da execução mencionada em C., ocorreu e 06.12.2002.
E) A execução fiscal mencionada em C. foi enviada ao Tribunal Judicial de Mangualde 1º Juízo avocada no âmbito do Processo de Insolvência nº 456/07.0TBMGL, que declarou o impugnante insolvente em 30.07.2007.
F) A execução fiscal mencionada em C. esteve parada desde 16.01.2003 e 22.01.2004 por razões estranhas ao executado.
G) A dívida aqui impugnada não foi paga.

3.1. Em sede de fundamentação, a sentença recorrida procedeu, desde logo, à apreciação da prescrição das obrigações tributárias, apelando ao disposto nos arts. 34º do CPT e 49º da LGT e concluindo, face às causas de interrupção e à factualidade provada, o seguinte:
«… quer a impugnação quer a execução estiveram paradas por mais de um ano por facto não imputável ao impugnante, pelo que considerando as datas supra, não há necessidade de proceder a mais averiguações, principalmente a data da citação, pois essa é que a tem a virtualidade de interromper a prescrição, após 26 de Julho de 1999, visto que desde 1.1.99 até essa data a instauração da execução deixou de ser causa de interrupção.
No entanto, pese embora a existência de duas causas de interrupção, dada a paragem de ambas por período superior a um ano por causas não imputáveis ao executado, tais interrupções deixaram de produzir efeitos nos termos supra expostos.
Assim, nos termos do nº 2 do art. 49º da LGT, os efeitos da interrupção cessaram.
Não foram apuradas outras causas de interrupção ou suspensão da prescrição.
Impõe-se, assim, concluir que as obrigações tributárias em causa nestes autos encontram-se prescritas, o que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que e como escreve o Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT, anotado, 4ª ed., pág. 494, tendo a impugnação subjacente o interesse do impugnante em não ser obrigado a pagar a quantia a que o acto tributário se refere, acto este que tem força executiva, se transcorreu o prazo de prescrição da obrigação tributária cuja liquidação se impugnou, “o contribuinte não poderá ser obrigado a pagar coercivamente aquela obrigação”, pelo que “decorrido o prazo de prescrição, em casos deste tipo, o impugnante deixa de ter qualquer interesse na anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado, pois, mesmo sem esta anulação ou declaração, não poderá ser obrigado a pagar coercivamente a quantia que é objecto do acto impugnado”. Vide, neste sentido o Ac. do STA de 01-11-2003, Proc. 01848-02.»
E em consequência, a sentença, julgando procedente a excepção de prescrição, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do art. 287º, al. e) do CPC, aplicável ex vi al. e) do art. 2º do CPPT.

3.2. É do assim decidido que a recorrente Fazenda Pública discorda, alegando, desde logo, que, apesar de a sentença ter considerado que para apreciar a prescrição das dívidas basta a reconstituição das datas dos actos praticados, bem como a junção do ofício remetido pelo serviço de finanças de Mangualde, tal apreciação não é possível, uma vez que, tendo-se procedido à reforma dos autos (fls. 9), então a mera reconstituição das datas dos actos praticados e a junção do dito ofício do SF de Mangualde não constituem elementos suficientes para se proceder a uma análise cabal nem da prescrição das dívidas nem das demais questões suscitadas, até porque outras ocorrências podem suceder no decurso da tramitação do processo de impugnação judicial, designadamente a existência de excepções, que tornam inviável a declaração da prescrição, sendo que nem todos os esforços da reconstituição dos autos foram encetadas, pois que, a Fazenda Pública e a Direcção de Finanças dispõem de processo devidamente organizado, do qual constam as peças processuais principais, nomeadamente, a petição inicial, contestação e processo administrativo.
Vejamos.

4.1. Diz a recorrente que, tendo os presentes autos de impugnação sido objecto de reforma mas tendo-se esta limitado à mera reconstituição das datas dos actos praticados e à junção de ofício do SF de Mangualde, não existem elementos suficientes para se proceder a uma análise cabal nem da prescrição das dívidas nem das demais questões suscitadas na impugnação.
E, na verdade, de a fls. 9 dos autos, imediatamente antes da prolação da sentença recorrida, foi proferido, na mesma data de 31/12/2011, o despacho com o seguinte teor:
«O autor destes autos, além deste processo, tem também neste Tribunal o processo n° 2069/2004, da mesma espécie (Impugnação) e com origem na mesma inspecção tributária, atribuído à mesma Juíza, o qual ainda se encontra activo.
A secção procedeu à junção de "print" informático contendo as várias fases processuais, bem como as datas dos actos praticados no processo.
Pelo SF foi remetida cópia de ofício remetido aos autos, que agora se reformam.
Considerando que a questão prévia que se impõe analisar é da prescrição e porque os autos contêm os elementos suficientes a tal apreciação, o Tribunal nos termos do art. 1077° do CPC, ex vi, al. e) do art. 2° do CPPT, bem como por razões de economia e celeridade processual, não vislumbra a necessidade da realização de ulteriores diligências.
Os autos encontravam-se prontos para prolação de sentença, bastando a reconstituição das datas dos actos praticados e a junção do último ofício remetido pelo SF ao processo 2068/2004, a dar conta do estado da liquidação, como o foi feito.
Pelo exposto, julgo os autos reformados, devendo ser mantida a atribuição à Juíza signatária, dada a deliberação existente dos Juízes do Tributário

4.2. Ora, como deste despacho decorre e o MP bem salienta, não foi observada a tramitação própria do processo especial de reforma de autos, antes da prolação da respectiva sentença, em 31/12/2011 (arts. 1074º e ss. do CPC).
Não obstante, a sentença transitou em julgado por ausência de impugnação pelas partes e pelo Ministério Público, relativamente a tal matéria.

4.3. No mais que ora releva, a Fazenda Pública imputa à sentença as nulidades decorrentes de excesso de pronúncia (Conclusão A) e de omissão de pronúncia (Conclusões H a L), embora, como refere o MP, tal imputação seja feita sem expressa enunciação formal.
Vejamos.
A nulidade da sentença, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC) relaciona-se com o disposto no nº 2 do art. 660º e com o nº 1 do art. 661º, ambos do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir; a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, existe quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (cfr. citado nº 2 do art. 660º do CPC).
No caso, a sentença apreciou questão distinta da suscitada na petição de impugnação judicial, cujo objecto eram as liquidações de IVA (dos anos de 1999 e 2000), já que acabou por se pronunciar sobre a prescrição de obrigação tributária emergente de liquidação adicional de IRC (do ano de 1999).
Neste contexto a decisão enferma da invocada nulidade por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC).

4.4. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, também concordamos com a alegação da recorrente:
Na verdade, a Fazenda Pública apresentou contestação cujo teor expressamente remete para a apreciação dos serviços sobre o mérito do pedido formulado pelo autor, aí se equacionando a questão da intempestividade da impugnação judicial (cf. o PA apenso, a apreciação da Divisão de Justiça Tributária e a contestação apresentada em 9/2/2007).
Acresce que a Mma. Juíza no tribunal de 1ª instância ordenou expressamente a audição das partes sobre essa questão da caducidade invocada (cfr. o despacho de fls. 50), não obstante no supra referenciado despacho que considerou reformados os autos tivesse considerado que estes se encontravam «prontos para prolação de sentença, bastando a reconstituição das datas dos actos praticados e a junção do último ofício remetido pelo SF ao processo 2068/2004, a dar conta do estado da liquidação, como o foi feito».
Ora, conforme alega a recorrente, na contestação que fora oportunamente apresentada foi suscitada a questão da intempestividade da presente impugnação (do acto de liquidação de IVA dos anos de 1999 e 2000) na consideração de que, conforme o carimbo aposto na petição inicial, esta deu entrada no serviço de finanças de Mangualde em 10/4/2003, sendo que também da informação prestada nos termos do art. 112º do CPPT consta que o prazo para deduzir impugnação judicial terminou em 29/11/2002 (prazo esse que teve o seu início em 1/9/2002, conforme decorre dos documentos extraídos do sistema informático do IVA que se encontram juntos ao processo administrativo).
Por outro lado, não pode proceder a argumentação (expendida supervenientemente no despacho de sustentação proferido em 28/6/2012 - fls. 58): na verdade, a apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária, na medida em que a eventual intempestividade da impugnação judicial impede o início da lide impugnatória e a discussão, neste sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso (cf. acórdãos desta Secção, de 3/12/2008, rec. nº 803/08, de 21/5/2008, rec. nº 293/08, de 21/9/2011, rec. nº 63/11, e de 12/10/2011, rec. nº 449/11).
Neste contexto a decisão recorrida enferma da invocada nulidade, por omissão de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT e al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC).

4.5. Na qualidade de tribunal de revista, com poder de cognição restringido a matéria de direito, o STA está impedido do conhecimento do mérito da impugnação judicial, em substituição do tribunal recorrido, na sequência da declaração de nulidade da decisão recorrida (nº 1 do art. 715º e art. 726º, ambos do CPC).
Impõe-se, portanto, a anulação da decisão recorrida, por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia, nos preditos termos, e a consequente devolução dos autos ao Tribunal «a quo» para apreciação da questão da caducidade do direito de acção, previamente à eventual apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária.



DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal «a quo» para apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação.

Custas pelo recorrido, neste STA, por ter contra-alegado.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.