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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01539/17.4BELRA 0818/18
Data do Acordão:01/17/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
HABILITAÇÃO
DOCUMENTOS
IDONEIDADE
Sumário:I - Os documentos de habilitação estão enumerados no art. 81º, nº 1 do CCP, sendo certo que o nº 6 do preceito prevê que nos procedimentos de formação de um contrato de aquisição de serviços possam ser exigidos quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.
II - A habilitação comporta dois juízos distintos: um relativo à aptidão profissional; outro sobre a idoneidade ou honorabilidade pessoal contemplado no art. 81º, nº 1, al. b), por referência ao art. 55º do CCP, sendo certo que, no caso, o documento em causa tem exclusivamente a ver com a idoneidade ou honorabilidade pessoal e não com a aptidão profissional.
III - Não pode o art. 81º, nº 6 do CCP ser interpretado como permitindo que se exijam como documentos de habilitação quaisquer uns que, respeitando à idoneidade ou honorabilidade pessoal, não estejam contemplados no art. 45º da Directiva 2004/18.
IV - Não podia, pois, o programa do concurso exigir um documento de habilitação respeitante à idoneidade pessoal para além dos que se contemplam no art. 55º do CCP, como é o caso do constante do ponto 25.1.3. do PC, por a tal obstar a regra comunitária do art. 45º da Directiva 2004/18 ao estabelecer taxativamente os critérios respeitantes àquela idoneidade, não podendo, como tal, a adjudicação caducar com fundamento na sua apresentação tardia (nº1 do referido art. 86º do CCP).
V - A Portaria nº 257/2017, de 16/8, que é a aplicável aos contratos celebrados ou renovados no ano de 2017, pelas entidades previstas no nº 7 do artigo 49º da Lei nº 42/2016 (nomeadamente as EPE), apenas refere a necessidade de identificação da contraparte, não encontrando a exigência do documento aqui em causa suporte legal na LOE 2017 ou na Portaria nº 257/2017.
Nº Convencional:JSTA000P24102
Nº do Documento:SA12019011701539/17
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR DE LEIRIA, EPE E A..... SA
Recorrido 1:B.....,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

B………. (B…), interpôs, para o TCA Sul, recurso da sentença do TAF de Leiria, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual, na qual se pedia a declaração de caducidade do acto de adjudicação e, consequentemente, a prática do acto de adjudicação a favor da autora.
Por acórdão datado de 10 de maio de 2018 foi decidido:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida;
- em substituição, julga-se procedente a presente acção e condena-se a Entidade Adjudicante, ora demandada, a cumprir a formalidade da audiência prévia, tal como determinado no art.° 86.°, n.° 2 e 4, do CCP, devendo, após o cumprimento dessa formalidade, decidir pela preterição do prazo para a entrega pelo Adjudicatário dos documentos de habilitação e, nos termos do art.° 86.°, n.°s 1, aI. b) e 4, considerar caducada a (primitiva) adjudicação, passando a adjudicar à proposta ordenada em lugar subsequente, a saber, à proposta da A. e ora Recorrente;
- custas em 1.ª instância pelos Recorridos, na proporção do decaimento, que se fixa de 2/3 para o Centro Hospitalar de Leiria, EPE e 1/3 para a A….. e custas em 2.ª instância, em partes iguais, para os Recorridos (cf. art.°s. 527.° n.°s 1 e 2 do CPC, 7.°, n.°s. 1, 2 e 12.°, n.° 2, tabelas I e II do RCP e 189.°, n.° 2 do CPTA).

Centro Hospitalar de Leiria, EPE vem recorrer deste acórdão para a Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal apresentando, para o efeito, alegações onde formulou as seguintes conclusões:
- Dando por reproduzida a matéria de facto assente, salientam-se como questões que convocam a reapreciação do Direito que lhes é aplicável, em resumo as seguintes:
d) O CHL iniciou em Maio de 2017 um procedimento pré-contratual de concurso público com vista á escolha de co-contratante para celebração de um contrato de prestação de serviços médicos de realização de exames de ressonância magnética;
e) Nesse procedimento, por aplicação do critério de adjudicação adotado, o do melhor preço, foi em 14-Set.-2017 praticado ato de adjudicação à concorrente e aqui contra-interessada A……, tendo a proposta da A. sido ordenada em segundo lugar;
f) Os concorrentes foram notificados desse ato por mensagem enviada em 18-Set.-2017, nos exatos termos da comunicação transcrita no ponto 8 da matéria de facto;
g) A referida comunicação contém uma listagem dos documentos de habilitação a juntar, intitulada de “Documentos Obrigatórios”, a qual inclui todos os previstos no ponto 25.1 do Programa do Concurso, à exceção da declaração prevista no seu ponto 25.1.3;
h) No dia 29-Set.-2017 a adjudicatária apresentou os documentos identificados na referida listagem;
1) Em 04-Out.-2017, o CHL remeteu à adjudicatária uma mensagem com o seguinte teor:
Exmos. Senhores, Após análise aos documentos apresentados e de acordo com o Programa de Concurso, verifica-se que estão em falta os seguintes:
25.2. Informação quanto aos titulares dos órgãos sociais da empresa, designadamente no que respeita à relação ou à participação de ex- colaboradores da entidade contratante, bem como do respetivo cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até 2º grau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
Nesses termos, solicita-se que providenciem a remessa do documento em falta no prazo determinado.
Com os melhores cumprimentos,
O CRL, EPE”
j) Em 25-Out.-2017 a adjudicatária apresentou no procedimento uma declaração subscrita pela respetiva administração, correspondente ao teor do ponto 25.1.3 do Programa do Concurso;
k) O ponto 25.2 do Programa do Concurso, tem a seguinte redação:
“Nos termos do disposto no artigo 35.º do CCP, o adjudicatário dispõe de 3 (três) dias úteis para suprir eventuais irregularidades detetadas nos documentos de habilitação apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação.”.
1) Em 07-Nov.-2017, foi celebrado entre o CHL e a A…… o contrato de prestação de serviços objeto deste procedimento pré-contratual.
QUANTO À ADMISSIBILIDADE DA REVISTA:
- A d. Sentença proferida em 1.ª Instância, em aplicação do Direito aos referidos factos, julgou a ação improcedente, com dois fundamentos autónomos:
a) A desculpabilidade da falta de entrega atempada da declaração prevista no ponto 25.1.3 do PC por não constar do elenco legal, nem tampouco da lista dos documentos obrigatórios que notificada com a adjudicação, neste caso por erro imputável ao CHL;
b) Por não ter essa declaração a natureza de documento de habilitação, não cabendo a mesma no conceito do artigo 81.º/6 do CCP, de “...quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.” e não sendo, por isso, exigível.
3 - O d. Acórdão recorrido aplicou o Direito de modo diametralmente oposto, concluindo:
a) Pela exigibilidade da referida declaração como documento de habilitação e, assim, pela conformação ao Direito aplicável da previsão dessa exigência contida no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso;
b) Que a comunicação do CHL de 04-Out.-2017, supra citada, determinou ao adjudicatário o prazo de três dias úteis para juntar no procedimento a declaração em falta;
c) Que essa comunicação equivale ao cumprimento, embora deficiente, do disposto no artigo 86.º/3 do CCP;
d) Que a referida declaração, sendo exigível e não tendo sido entregue no prazo de 3 dias úteis mas apenas ao fim de 14 dias úteis contados de 04-Out., é extemporânea e determinou a caducidade da adjudicação;
e) Que, pese embora essa caducidade esteja assim verificada inquestionavelmente, o CHL andou mal ao não ter cumprido a notificação da adjudicatária para se pronunciar em sede de Audiência Prévia sobre a falta de entrega do documento no prazo de 10 dias úteis indicado no Programa do Concurso (Ponto 25.1), dando desse modo cumprimento ao estabelecido no artigo 86.º do CCP.
f) Impondo-se, por isso, cumprir essa mera formalidade antes da prática do ato de declaração de caducidade da adjudicação, já decidido.
- E assim decidiu julgar procedente a Apelação, condenando o G “... a cumprir a formalidade da Audiência Prévia tal como determinado no art 86.º, n.º 2 e 4 do CCP, devendo, após o cumprimento dessa formalidade, decidir pela preterição do prazo para a entrega pelo Adjudicatário dos documentos de habilitação e, nos termos do art 86.º n.º 1, al. 14 e 4, considerar caducada a (primitiva) adjudicação, passando a adjudicar à proposta ordenada em lugar subsequente, a saber, à proposta da A. e ora Recorrente;”.
- A aplicação do Direito feita no d. Acórdão recorrido suscita, no essencial, em matéria substantiva, três questões:
i) A relativa à determinação da concessão do exercício ao interessado do direito de audiência prévia como mera formalidade e da simultânea pré-determinação da decisão final no procedimento, convocando-se assim a apreciação da violação dos direitos fundamentais da participação dos interessados no procedimento e da separação de poderes, com consagração na Constituição;
ii) A relativa à tempestividade da apresentação da declaração no procedimento;
iii) A relativa à exigibilidade da apresentação da própria declaração.
6ª - Quanto à primeira questão:
Ao condenar o CHL a notificar o adjudicatário nos termos artigo 86.º/2 do CCP, outorgando-lhe o direito de se pronunciar em sede de Audiência Prévia, como mera formalidade a cumprir sem qualquer possibilidade de influência na decisão final impondo-lhe simultaneamente o sentido desta, o d. Acórdão recorrido define assim o conteúdo do direito à audiência prévia: um mero formalismo procedimental a cumprir, quando omitido, sem possibilidade de influência na decisão final do procedimento; Esta definição contraria o conteúdo do direito da audiência do interessado previamente à emissão de um ato administrativo lesivo, como um princípio geral da atividade administrativa ditado por imposição constitucional, com o estabelecido no artigo 267.º/5 da CRP; O que suscita a inconstitucionalidade da norma aplicada do artigo 86.º/2 do CCP, se interpretada no sentido da supra descrita definição; inconstitucionalidade que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
- Não se entendendo que a norma possa ser interpretada no referido sentido, então o segmento da Decisão em apreço é ilegal, por violação do preceituado nos artigos 267.º da CRP, 86.º/2 do CCP e 121.º n.º 1, 2 e 3 do CPA.
- O mesmo segmento da Decisão é, ainda ilegal, por violação do princípio constitucional da separação de poderes ínsito no princípio do Estado de Direito, conforme estabelecido nos artigos 22.º, 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5, todos da CRP, uma vez que a prática do ato administrativo de declaração da caducidade da adjudicação se insere num procedimento administrativo e é da competência da Administração e não dos Tribunais; cabendo aos tribunais julgar a atuação da administração, sindicar da validade dos atos por esta praticados e condená-la nos termos da lei, não podem determinar que um procedimento seja invalidado a partir do momento em que deveria ter sido concedido o direito de audiência prévia, e simultaneamente conduzir o procedimento a partir daí, pois que tal traduz a assunção das competências da Administração, por via de um julgamento apriorístico assente exclusivamente num juízo de prognose póstuma, que considera a audiência prévia uma mera formalidade.
- Pelo que a norma do artigo 86.º/2 do CCP será também inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da Separação de poderes, consagrados nos artigos 22.º, 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5, todos da CRP, se interpretada no sentido de que o Tribunal não invade a esfera de competência da Administração, ao pré-determinar o sentido da decisão final a tomar por esta, quando simultaneamente a condena a conceder o direito de pronuncia ao interessado, em audiência prévia - o que aqui e invoca para os devidos e legais efeitos.
10ª - Não se admitindo a interpretação do artigo 86.º/2 do CCP naquele sentido, então o d. Acórdão recorrido, neste segmento da sua decisão, também viola o estabelecido no sobredito artigo 86.º/2 do CCP bem como os princípios constitucionais do Estado de Direito e da Separação de Poderes, consignados nos artigos 22.º, 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5, todos da CRP.
11ª - Quanto à segunda questão:
Ao considerar intempestiva a apresentação, pelo adjudicatário, da declaração prevista no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso, a d. Decisão recorrida violou o disposto no artigo 238.º/1 do Cód. Civil, e nos artigos 1.º/4, 86.º n.º 1, 2 e 3 e 132.º todos do CCP, bem como o ponto 25.2 do Programa do Concurso.
12ª - Esta questão assume relevância jurídica fundamental, e importância para além deste processo no domínio da definição do Direito, tendo em vista o facto de se saber se é admissível interpretar-se um ato formal de notificação, extraindo dele, com base em deduções um sentido que vai muito além do seu elemento literal, como sucede no caso em análise, em que o d. Acórdão extraiu nessa base da notificação enviada ao adjudicatário em 04-Out.-2017, um prazo que dela não consta.
13ª - Quanto à terceira questão:
Ao concluir pela exigibilidade da declaração prevista no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso como documento de habilitação, o d. Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 51.º e 81.º/6 do CCP, bem como o Direito Comunitário enformador destas normas, nomeadamente o estabelecido no art. 45.º da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004.
14ª - A interpretação das normas do CCP, em concreto da constante do seu artigo 81º/6 em desarmonia quer com o estabelecido na Diretiva europeia que a enforma, quer com os princípios gerais de Direito relativos à interpretação das normas, afigura-se também questão a apreciar de relevância jurídica fundamental.
15ª - As três ordens de questões cuja apreciação o recorrente pretende submeter à apreciação desse Venerando Tribunal, contêm importância jurídica fundamental pela natureza e categoria dos direitos e princípios de Direito afetados, revelando-se também necessário o Superior conhecimento destas matérias com vista à densificação dos conceitos de direito envolvidos — audiência prévia em sede do procedimento pré-contratual, habilitação, caducidade da adjudicação, princípios da concorrência e do interesse público e conformação das normas de direito interno em matéria de contratação pública às diretivas europeias que as conformam -, de modo a promover uma melhor e uniforme aplicação do Direito, num quadro tão complexo e fundamental para a boa ordenação da vida social, como o da despesa pública em matéria de aquisições em sede de contratação pública.
16ª - Portanto, a apreciação das questões suscitadas e a consequente definição da correta aplicação das normas que aqui se têm por violadas, reveste importância fundamental a bem da proteção dos direitos constitucionais, da segurança jurídica e da aplicação uniforme dos conceitos de direito nesta matéria, devendo por isso ser admitida a Revista.
QUANTO AO ÂMBITO DO RECURSO, E DANDO TAMBÉM POR REPRODUZIDAS NESTA SEDE AS CONCLUSÕES ANTERIORES:
17ª - É dominante na Jurisprudência e na Doutrina, o entendimento de que o direito de audiência do interessado previamente à emissão de um ato administrativo lesivo, traduz um princípio geral da atividade administrativa ditado por imposição constitucional, em conformidade com o estabelecido no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
18ª - Mas o d. Aresto recorrido, determinou ao recorrente que conceda ao adjudicatário o direito a pronunciar-se em sede de audiência prévia conforme estatuído no artigo 86º/2 do CCP, anulando implicitamente todos os atos praticados no procedimento depois dessa fase, e determinou a decisão a proferir — declaração de caducidade da adjudicação - em apreciação da futura pronúncia do adjudicatário.
19ª - Temos, portanto, o direito de audiência prévia definido no d. Aresto como uma mera formalidade irrelevante à decisão do procedimento, em violação do direito constitucional de participação do interessado na formação das decisões administrativas que o lesem, consagrado no artigo 267.º/5 da CRP, e bem assim uma substituição do Tribunal à Entidade Adjudicante, na prática de um ato que é da competência desta — cuja apreciação judicial, quando praticado, pode ser suscitada — em violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da Separação de Poderes, naquele ínsito, consagrados nas disposições dos artigos 2.º 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5, todos da CRP.
20ª - Assim, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 86.º n.º 2 do CCP, por violação do direito constitucional de participação do interessado na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito consagrado no artigo 267º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, se interpretada no sentido de que a pronúncia em sede da audiência prévia nele prevista constitui mera formalidade processual não impeditiva da pré-determinação dos atos a praticar pela Administração, que se vierem a suceder ao exercício daquele direito — o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
21ª - A não ser admitida a interpretação do artigo 86.º/2 do CCP naquele sentido, o d. Acórdão recorrido, neste segmento, está ferido de ilegalidade por violação do estabelecido nos artigos 267.º/5 da CRP, 86.º/2 do CCP e 121.º n.º 1, 2 e 3 do CPA.
22ª - O mesmo segmento da d. Decisão recorrida é ainda ilegal por violação do princípio constitucional da Separação de Poderes, ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado nos artigos 2.º, 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5, todos da CRP, ao decidir o sentido da decisão a proferir pela Entidade Adjudicante depois de pronúncia em audiência prévia que há-se ocorrer, consubstanciando o sentido da Decisão um julgamento prévio inadmissível, e que por isso extravasa o âmbito dos poderes de Soberania conferidos aos tribunais pela Constituição.
23ª - A previsão do ponto 25.2 do Programa do Concurso não consta da previsão do artigo 86.º do CCP e limita-se antes a regular o prazo a conceder pela entidade adjudicante para a supressão de irregularidades detetadas nos documentos apresentados, e não a tratar da omissão de entrega de documentos de habilitação.
24ª - Fá-lo em cumprimento do estabelecido no artigo 132.º/1/g) do CCP, que impõe essa previsão à peça do procedimento em causa.
25ª - Impõe-se concluir nesta sede, que:
a) A comunicação dirigida pelo CHL à adjudicatária em 04-Out.-2017, não foi feita ao abrigo do ponto 25.2 do Programa do Concurso, porque se estava perante a falta de um documento e não perante a irregularidade de um entregue;
b) Não identifica qualquer prazo para a respetiva junção, tratando-se de uma omissão que num documento formal como uma notificação no quadro de um procedimento administrativo, não pode ser integrada por via de deduções, como se faz na Decisão recorrida;
c) A admitir-se a exigibilidade do documento, o CHL teria que cumprir o disposto no artigo 86.º/2 do CCP, coisa que nunca fez;
d) Não o tendo feito, e junta entretanto ao procedimento a declaração tida como em falta, e concluindo-se, como a própria Decisão recorrida conclui, que a responsabilidade pela omissão na entrega não é imputável ao adjudicatário porque o CHL com a comunicação da lista dos documentos obrigatórios a juntar o induziu em erro, verificam-se os pressupostos para se considerar sanada a irregularidade praticada, consistente no atraso na entrega da referida declaração.
26ª - Sanação, que é conforme à aplicação dos princípios da concorrência, da transparência e do interesse público, que assim se sobrepõe ao interesse do concorrente ordenado em segundo lugar, no afastamento do adjudicatário por via de um lapso procedimental irrelevante na ponderação dos princípios aplicáveis. Porque o princípio da concorrência “É, por isso, um bem público essencial que não se compadece com práticas que lesem o consumidor ou o Estado, ou com formalismos exagerados que conduzam a um deficiente funcionamento do mercado, entorpecendo a concorrência entre os agentes económicos. Este princípio torna-se ainda mais premente no setor das compras públicas, que para além da sua própria especificidade, visa objetivos de interesse geral que não meramente economicistas ou financeiros. Daí que a atuação das entidades adjudicantes deve procurar assegurar, sempre, a prevalência do princípio da concorrência e pautar-se pela proporcionalidade, o que implica que antes de ser decretada a caducidade por irregularidade nos documentos de habilitação se imponha dar ao respetivo concorrente oportunidade para ser ouvido e, se for caso disso, para suprir aquelas em prazo razoável, quando se trata de irregularidades veniais ou pouco graves e ou suscetíveis de resolução nesse prazo.”.
27ª - Assim, ao considerar intempestiva a apresentação, pelo adjudicatário, da declaração prevista no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso, a d. Decisão recorrida violou o disposto no artigo 238.º/1 do Cód. Civil, e nos artigos 1º/4, 86.º n.º 1, 2 e 3 e 132.º/1/g), todos do CCP, bem como o ponto 25.2 do Programa do Concurso. Quanto à exigibilidade da declaração enquanto documento de habilitação:
28ª - A fim de concluir que a declaração exigida no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso tem a natureza de um documento de habilitação, o d. Acórdão parte de critérios estabelecidos pela Doutrina aplicados na distinção entre documento de habilitação ou de qualificação, integrando-a na primeira destas espécies. Parte para o efeito, do pressuposto silogístico de que a declaração em apreço ou é um ou outro, sem previamente sopesar o sentido da norma do artigo 81.º n.º 6 do CCP.
29ª - Ao concluir pela exigibilidade da declaração prevista no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso como documento de habilitação, o d. Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 51.º e 81.º/6 do CCP, bem como o art. 45.º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004.
30ª - Em primeiro lugar, porque a declaração em apreço não é condição de validade do contrato celebrado, visto que o artigo 22.ºda Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e a Portaria 4-A/2011, de 3-Jan., perderam a sua vigência em 2012, sendo certo que desde 2013 — vide, Portaria 16/2013, de 17-Jan., Portaria 53/2014, de 3-Mar., Portaria 20/2015, de 04-Fev. e Portaria 196/2016, de 19 de Julho — que os diplomas que regulamentam a tramitação do parecer prévio vinculativo dos membros do Governo a determinados contratos de prestação de serviços, particularmente de tarefa, avença e consultoria técnica, não incluem o elenco das informações que devem instruir o pedido de parecer, informação ou declaração com o teor do indicado no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso, ou equivalente.
31ª - Aliás, ao procedimento em apreço não são aplicáveis as disposições da mesma natureza em vigor ao tempo da sua instauração, isto é, o artigo 51.º/1 da Lei n.º 42/2016, de 28-Dez. (OE/2017), e a Portaria 257/2017, de 16 de Agosto.
32ª - Antes, a contratação em apreço foi autorizada pela tutela através da Portaria nº 421/2017, de 8 de Novembro, publicada no Diário da República, 2ª Série, n.º 222 de 17 de Novembro.
33ª - Por outro lado, o artigo 81.º/6 do CCP não permite que o Programa do Concurso contenha a exigência da referida declaração — atento o respetivo teor — como documento de habilitação, uma vez que apenas permite a que nas peças do procedimento, e relativamente a contratos de prestação de serviços, para além dos documentos nele elencados, se exijam outros “...comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.”.
34ª - Para a interpretação da norma neste sentido, há que ter em conta o elemento literal do texto, que não contendo qualquer referenciação de uma categoria geral antes do surgimento na frase do advérbio nomeadamente, este tem-se por empregue no sentido de enumerar, ou de nomear, a natureza dos documentos de habilitação que o programa do procedimento pode exigir.
35ª - Esta interpretação consubstancia também, e no essencial, a aplicação do artigo 45º da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, que impõe ao legislador nacional o âmbito dos documentos de habilitação que pode exigir, quer na lei interna quer nas peças procedimentais elaboradas à luz desta, isto por óbvias razões de aplicação do princípio da concorrência no plano da União Europeia.
36ª - Pelo exposto, afigura-se ao recorrente que por justa e correta aplicação das normas supra referidas, o ato de adjudicação não enferma de caducidade, sendo por isso válido, bem como o contrato celebrado nessa sequência.
37ª - Desse modo se cumprindo as referidas normas e os princípios nele consignados, designadamente da concorrência e do interesse público, salvaguardando-se que um lapso procedimental menor e inconsequente conduza a sérios prejuízos, quer no âmbito da concorrência, quer para o erário, desde logo nessa hipótese prejudicado com o diferencial de 225.939,00 € no preço a pagar pela mesma prestação de serviços, se adjudicada ao concorrente ordenado em segundo lugar.
38ª - Acresce sindicar no d. Aresto recorrido uma questão diversa, atinente à omissão de pronúncia perante o facto de a adjudicação ter dado lugar à celebração do contrato de prestação de serviços a ela consequente.
39ª - O d. Acórdão recorrido fez, assim, no entender do recorrente errada interpretação e aplicação do Direito, com violação, conforme exposto, das normas dos artigos 29.º, 111.º/1, 202.º/2 e 267.º/5 da Constituição da República Portuguesa, 1º/4 — incluindo os princípios da concorrência e do interesse público -, 51.º, 81.º/6, 86º/1, 2, 3 e 4, e 132.º/1g) do CCP, 238º/1 do Cód. Civil, 121.º n.º 1, 2 e 3 do CPA, 45.º da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, Portarias 257/2017, de 16 de Agosto e 421/2017, de 8 de Novembro, e 615.º/1d), ex vi do artigo 666.ºambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 12.º do CPTA.
Termos em que, e com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser admitido, revogando-se o d. Acórdão recorrido e julgando-se a ação improcedente, mantendo-se a adjudicação cuja caducidade o A. pretende ver declarada., com o que se fará JUSTIÇA!

A…… S.A. não se conformando igualmente com o acórdão do TCAS, vem interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido a fls. dos autos, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por via do qual esse Tribunal a quo concedeu provimento ao recurso interposto pela B……, S.A. (doravante, B…), revogando a sentença que tão bem havia sido proferida pelo TAF de Leiria em primeira instância e, conhecendo em substituição, julgou procedente a ação interposta e condenou a Entidade Adjudicante, ora demandada, a cumprir a formalidade da audiência prévia, tal como determinado no art.º 86.º, n.º 2 e 4 do CCP, devendo, após o cumprimento dessa formalidade, decidir pela preterição do prazo para a entrega pelo Adjudicatário dos documentos de habilitação e, nos termos do art.º 86.º, n.ºs 1, al. b) e 4, considerar caducada a (primitiva) adjudicação, passando a adjudicar à proposta ordenada em lugar subsequente, a saber, à proposta da A. e ora Recorrente.
II. A Recorrente entende que o Acórdão do TCA Sul, de fls. dos autos, padece de falhas graves no que à aplicação do direito concerne, de tal ordem que a admissão do presente recurso de Revista, e consequente revogação da decisão recorrida, se revelam manifestamente necessárias para a apreciação de uma questão de importância fundamental, pela sua relevância social e jurídica e para uma melhor aplicação do direito, em cumprimento do disposto no n.º 1, in fine, do artigo 150.º do C.P.T.A.
III. O presente recurso de revista tem como fundamento a violação de lei processual, na parte em que a mesma reconhece à Recorrente e a qualquer parte processual o direito ao contraditório na sua aceção plena, plasmados no artigo 3.º do C.P.C., aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, os quais foram violados in casu; e determina, nos artigos 3.º n.º 1 e 71.º n.º 2 do CPTA, os limites dos poderes decisórios do Tribunal; e a violação de lei substantiva, na parte em que a mesma reconhece à Recorrente o direito a um processo justo e equitativo e a uma tutela jurisdicional efetiva – direitos estes que não só possuem assento constitucional, designadamente, no n.º 4 do artigo 20.º e no artigo 268.º da CRP, como assumem um cariz supra-individual – e, ainda, na parte em que a lei substantiva determina que a Administração, no contexto de um concurso público, obedeça aos princípios da boa-fé, publicidade, justiça, razoabilidade e proporcionalidade, assim como respeite o cariz fundamental do direito à audiência prévia dos concorrentes, nomeadamente do Adjudicatário, e ainda que as decisões judiciais respeitem o princípio da separação de poderes.
IV. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância social e jurídica, saber se a total falta de ponderação dos argumentos arrazoados em sede de Contra-Alegações, pela ora Recorrente, como se a mesma não as tivesse apresentado, consubstancia uma violação do direito ao contraditório e, assim, a uma tutela jurisdicional efetiva, conforme plasmado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 2.º do CPTA;
V. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância social e jurídica, saber se a falta de junção atempada de um documento com a natureza do que está em causa nestes autos pode/deve determinar que seja declarada a caducidade da adjudicação, nos termos do disposto nos ns.º 1, 2 e 3 do artigo 86.º do CCP, ainda que a conduta da entidade adjudicante tenha sido dúbia e imprecisa;
VI. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância social e jurídica, saber se a audiência prévia, tal como prevista e configurada no artigo 86.º, n.ºs 2 e 3, do CCP, na redação aplicável ao concurso em apreço (resultante do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10), pode ser considerada como uma mera formalidade e rito, devendo a caducidade da adjudicação ser sempre declarada, independentemente das razões que venham a ser esgrimidas nessa audiência prévia;
VII. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância social e jurídica, saber se a imposição, por decisão judicial, da decisão de declaração de caducidade da adjudicação, independentemente dos argumentos que venham a ser esgrimidos pelo adjudicatário na audiência prévia a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 86.º do CCP, viola o princípio da separação de poderes, tal qual vem consagrado no artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e também nos artigos 3.º n.1 e 71.º n.º 2 do CPTA;
VIII. Por estarem em causa princípios basilares da atividade administrativa, a admissão do presente recurso revela-se, igual e claramente, necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que assume uma relevância jurídica de cariz objetivo, dada a elevada probabilidade de o erro grosseiro em que caiu o julgador a quo se repetir em casos futuros e, com isso, causar uma perturbação e subsequente diminuição das garantias processuais das partes em litígio a um processo justo e equitativo.
IX. Mas também porquanto a decisão de declaração da caducidade da adjudicação, tomada nos moldes e com os fundamentos sustentados, neste Acórdão recorrido, pelo TCA SUL, traduz, como se demonstrará, uma incorreta aplicação do direito.
X. O mesmo se dirá quanto à total desvalorização da garantia constitucional da audiência prévia, reduzida, no Acórdão recorrido, a um “picar de ponto” e à ordem de realização de uma fase procedimental reconhecidamente inútil, atenta a imposição judicial do sentido decisório final, e, bem assim, à violação grosseira do princípio constitucional da separação de poder, por intromissão do poderes de decisão substitutivo do TCA SUL na esfera de discricionariedade da Administração.
XI. Tendo sido notificada para o efeito, por Ofício datado de 12 de março de 2018, a aqui Recorrente apresentou as respetivas contra-alegações de apelação, através de envio das mesmas, via SITAF, em 29 de março de 2018, para o TAF de Leiria,
XII. Nas contra-alegações de apelação por si apresentadas, a ora Recorrente esgrimiu todos os argumentos que considerou demonstrarem, à saciedade, perante o TCA SUL, que inexistia qualquer razão, de facto ou de direito, para alterar a decisão tão bem proferida em primeira instância.
XIII. Atendendo a que as suas Contra-alegações se cingiam a 35 artigos, a ora Recorrente não formulou Conclusões, o que não tem de fazer, de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 144.º do CPTA, que apenas impõem a formulação de conclusões ao Recorrente, com vista à delimitação do objeto do recurso.
XIV. O Tribunal a quo – na apreciação por si efetuada ao caso sub judice – não teve em menor consideração em atenção as contra-alegações apresentadas pela ora Recorrente em sede de apelação, limitando-se a referir que a mesma não formulou Conclusões.
XV. O julgador a quo tinha o dever legal de considerar as contra-alegações apresentadas pela Recorrente, atentando nas mesmas, e ponderando os argumentos aduzidos (independentemente de os atender ou não).
XVI. É forçoso concluir que, apesar de a Recorrente ter sido convidada a tomar posição sobre o recurso de apelação apresentado pela B…, a não ponderação dos argumentos por si apresentados, em sede de contra-alegações, consubstancia uma violação do direito ao contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
XVII. É forçoso concluir, ainda, que, a não ponderação dos argumentos apresentados em sede de contra - alegações consubstancia, ainda, no caso em apreço bem como consubstanciará em todos os casos, uma NULIDADE nos termos previstos no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, por violação do seu direito ao contraditório - plasmado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, o que expressamente se argui.
XVIII. A Recorrente faz desde já consignar que é inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA quando interpretada como prevendo um recurso de revista não ordinário o qual, por essa razão, não é o meio próprio para arguição de nulidades.
XIX. Foram assim também violados os direitos da Recorrente a um processo justo e equitativo e a uma tutela jurisdicional efetiva que tenha atenção a ambos os lados do litígio e decida após ponderar toda a prova produzida (cf. n.º 4 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º, ambos da CRP, e, ainda, no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA).
XX. Deve este Tribunal Superior revogar o Acórdão Recorrido, ordenando a descida dos presentes autos ao TCA SUL para que o Julgador a quo aprecie as contra-alegações apresentadas pela Recorrente, em sede de recurso de apelação, e pondere os argumentos e as razões aí expostas, emitindo nova decisão em conformidade, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 684.º (anterior, n.º 2 do artigo 731.º), aplicável ao caso em apreço por força do disposto no artigo 140.º do CPTA.
XXI. No caso dos autos, está em escrutínio a apresentação tardia, pelo adjudicatário, de um documento, a saber, a informação quanto aos titulares dos órgãos sociais da empresa, designadamente no que respeita à relação ou à participação de ex-colaboradores da entidade contratante, bem como do respetivo cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até 2.ºgrau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum.
XXII. A decisão proferida em primeira instância considerou desde logo, e bem, que a declaração assim exigida não visa a comprovação da titularidade de quaisquer habilitações, motivo pelo qual é insuscetível de se enquadrar na previsão contida no n.º 6 do artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos.
XXIII. Assim, a falta de apresentação, num primeiro momento – dado que o mesmo veio a ser junto ao procedimento - de tal documento, nunca teria a virtualidade de conduzir à caducidade da adjudicação.
XXIV. Diferentemente, o TCA SUL entende que o aludido documento cumpre todos os requisitos necessários para dever ser entendido como um documento de habilitação, aderindo, integralmente, à argumentação expendida pela Recorrente B…. a esse respeito (cf. p. 15 do Acórdão).
XXV. Atento o cariz do documento que esteve, transitoriamente, em falta, não pode este STA deixar de concluir, como bem fez a decisão proferida em primeira instância, que o mesmo não pode ser considerado verdadeiramente habilitante.
XXVI. Importando, a este respeito, ter presente que não consta, da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2017 (LOE 2017) – Lei n.º 42/2016, de 28.12 - ano de lançamento do procedimento em causa – a exigência a que aludia a Recorrente B… nas suas Alegações, pelo que a mesma nunca seria aplicável
XXVII. Nem, tão pouco, consta desta LOE 2017 qualquer menção à suposta sanção de nulidade do contrato, não se compreendendo a referência, no Acórdão proferido pelo TCA SUL, à Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, que corresponde à Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2011.
XXVIII. O Acórdão recorrido alude, a uma Portaria revogada, a saber, a Portaria n.º 4-A/2011, de 03.01, também inaplicável ao caso dos autos.
XXIX. A Portaria aplicável aos contratos celebrados ou renovados no ano de 2017 – Portaria n.º 257/2017, de 16.08 – é muito clara, quando refere que, quanto aos contratos celebrados no ano de 2017, pelas entidades previstas no n.º 7 do artigo 49.º da LOE 2017 – nomeadamente as E.P.E. - o que há é uma obrigação de comunicação (prevista no artigo 6.º) e não um dever de obtenção de parecer prévio vinculativo.
XXX. Mesmo quando exista o dever de obtenção do parecer prévio vinculativo, regulado no artigo 3.º desta Portaria, e prevendo-se o dever de identificação da contraparte, este dever de identificação da contraparte já não contém o trecho citado pela Recorrente B…., a partir do “designadamente”, desde 2013.
XXXI. A Portaria n.º 16/2013, de 17 de janeiro, e as que se lhe seguiram, já não contêm o segmento citado pela Recorrente B…, apenas referindo a necessidade de identificação da contraparte.
XXXII. Razão pela qual deve entender-se que, ao decidir como decidiu, o Acórdão recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 81.º e, por consequência, nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 86.º do CCP.
XXXIII. O TCA SUL remeteu integralmente, no que diz concerne à matéria de facto dada como provada, para a sentença proferida em primeira instância, dado que a mesma não foi impugnada por qualquer das partes em litígio.
XXXIV. O facto provado n.º 8, que demonstra, com toda a clareza, que foi indutora em erro a mensagem, publicada na plataforma pela entidade adjudicante, notificando a ora Recorrente da decisão de adjudicação e para vir juntar os documentos de habilitação, seguindo-se um elenco de documentos, com a epígrafe “Documentos obrigatórios”, dos quais não constava a declaração em causa nestes autos.
XXXV. Mais resultou provado que, no prazo de 10 dias úteis (a 29.09.2017), que se seguiu a essa notificação, a ora Recorrente juntou, via plataforma, todos os documentos de habilitação que da mesma constavam (facto provado n.º 9), mas que, efetivamente, apenas veio a juntar mais tarde (a 25.10.2017) a declaração em causa nestes autos (facto provado n.º 11).
XXXVI. No Acórdão recorrido, o TCA SUL admite, a p. 18, que o não envio, num primeiro momento (ou seja, a 29.09.2017) daquele documento, não pode ser imputado, a título de culpa, à Adjudicatária, pois a conduta da Entidade Adjudicante foi, realmente, dúbia ou imprecisa.
XXXVII. No entanto, o TCA SUL apenas demonstra a sua “tolerância à falta” neste primeiro momento, a que se refere o n.º 3 do artigo 86.º do CCP, ou seja, antes de ser concedida, à Adjudicatária, pela Entidade Adjudicante, o prazo suplementar referido na mensagem por esta remetida, via plataforma, no dia 04.10.2017 (facto provado n.º10).
XXXVIII. Apesar de também esta mensagem ser dúbia e pouco clara, por referir que a supra referida informação deveria ser entregue, pela Adjudicatária, “no prazo determinado”, sem cuidar de esclarecer que prazo era esse, entendeu TCA SUL que esta indicação correspondia ao prazo estipulado no Programa de Concurso.
XXXIX. O TCA SUL socorre-se do artigo 25.2 do Programa do Concurso para sustentar que o prazo “determinado”, a que se aludia, desta forma vaga e genérica, na notificação de 04.10.2017, seria de 3 dias úteis.
XL. Apesar de admitir, aqui, uma quase “concorrência de culpas”, o TCA SUL não se inibe em sancionar, com mão pesada, o atraso da Adjudicatária, ora Recorrente, com a imposição da decisão de caducidade da adjudicação.
XLI. O ponto 25.2. do Programa do Procedimento aplica-se às irregularidades detetadas nos documentos de habilitação que tenham sido apresentados, o que não é o caso dos autos.
XLII. Pelo que mal andou o TCA Sul ao entender ser de aplicar, in casu, o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 86.º do CCP, determinando, independentemente de mais considerações, a caducidade da adjudicação à ora Recorrente.
XLIII. A ora Recorrente, Adjudicatária, nunca foi ouvida acerca da eventual declaração de caducidade da decisão de adjudicação.
XLIV. O TCA SUL entende que, sob pena de termos uma decisão inquinada por um vício de procedimento, há que cumprir a “formalidade “da audiência prévia, mas afirma que se trata, pura e simplesmente, do cumprimento de um rito, de uma formalidade que vale por si mesma, que os argumentos do adjudicatário jamais poderão ser atendidos.
XLV. Ao decidir como decidiu, o TCA SUL viola o direito de audiência prévia, na sua essência e tal como se encontra plasmado na lei; sanciona, de modo drástico e desproporcionado, como o próprio afirma, uma falha da Adjudicatária, ora Recorrente; retira, à ora Recorrente, o direito de participação efetiva no sentido da decisão final; e ainda ofende o interesse público, porque impõe a adjudicação a uma proposta comprovadamente mais onerosa para o erário público.
XLVI. A declaração de caducidade da adjudicação, nos termos em que se encontra prevista no artigo 86.º do CCP, não é um ato vinculado.
XLVII. A Entidade Adjudicante dispõe de total discricionariedade para avaliar, no caso concreto, da imputabilidade de qualquer facto ao adjudicatário
XLVIII. Não é legítimo que o Tribunal a quo venha, simultaneamente, reconhecer que a audiência prévia TEM de ter lugar, e impor que a mesma seja IGNORADA no seu conteúdo, por estarmos perante uma decisão final de conteúdo pré-determinado.
XLIX. A jurisprudência apenas tem admitido a degradação da audiência prévia em formalidade não essencial quando estamos perante um cenário em que se sobreponha o princípio do aproveitamento do ato praticado, que, por ter conteúdo vinculado, não seria, em nada, beliscado pela pronúncia do interessado em sentido diverso.
L. No caso vertente, o TCA subverteu, totalmente, este entendimento, degradando a audiência prévia ao ponto de afirmar a sua total irrelevância na substância, embora se refira a necessidade da sua realização formal/procedimental, mas sem que exista, subjacente, qualquer intuito de aproveitamento do ato praticado pela Administração, Centro Hospitalar de Leiria.
LI. Pelo que não pode deixar de se entender que o Tribunal Recorrido procedeu, no Acórdão recorrido, a uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 86.º do CCP; em clara violação do direito de audiência prévia, consagrado no artigo 121.º do CPA e nos artigos 266.º n.º 2 e 267.º n.º 5 da nossa Constituição.
LII. Mais violou, ainda, os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da boa-fé e da tutela da confiança, plasmados no artigo 1.º-A do CCP, enquanto princípios especificamente norteadores da contratação pública, e violou, ainda, o princípio da legalidade (artigo 3.º), o princípio da prossecução do interesse público (artigo 4.º), o princípio da proporcionalidade (artigo 7.º), os princípios da justiça e da razoabilidade (artigo 8.º), o princípio da boa-fé (artigo 10.º), e o princípio da participação (artigo 12.º), todos consagrados no CPA.
LIII. No caso vertente, a Entidade Adjudicante, e, bem assim, a sentença proferida em primeira instância, consideraram, e bem, que a não apresentação atempada do documento em causa, nestes autos, se revestiu, avaliadas as circunstâncias do caso concreto, da necessária desculpabilidade.
LIV. Antes e independentemente da intervenção de qualquer Tribunal, esteve na livre apreciação da Entidade Adjudicante – na sua esfera de discricionariedade – avaliar da gravidade da falta e da admissibilidade de a mesma ser posteriormente suprida.
LV. Quem tinha de entender a notificação de 04.10.2017 como imperativa, e quem tinha de avaliar o timing de entrega do documento em falta, era a Entidade Adjudicante: fê-lo, e bem, não prejudicando a ora Recorrente nem o interesse público.
LVI. O TCA SUL, intrometeu-se nesta autonomia e margem de decisão, referindo que não fica na disponibilidade da Entidade Adjudicante “perdoar” ao Adjudicatário a (nova) preterição do prazo que lhe foi fixado, permitindo a correção da irregularidade para além daquela segunda oportunidade.
LVII. É legítimo e razoável que a Entidade Adjudicante, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, mormente o tipo de documento em causa e a sua (da Adjudicante) própria contribuição para o comportamento da Adjudicatária, sopesado também o interesse público, tenha “relevado” o atraso.
LVIII. Ao decidir como decidiu, o TCA SUL intrometeu-se na esfera das funções materiais específica e principalmente atribuídas à Administração, em clara violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 111.º da nossa Constituição, e também nos artigos 3.º n.º 1 e 71.º n.º 2 do CPTA.
TERMOS em que, deve o presente Recurso de Revista ser julgado totalmente procedente, e, sempre, ser REVOGADO o Acórdão Recorrido, substituindo-o por decisão em conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, assim se FAZENDO JUSTIÇA.

B……., S.A., Recorrido, notificado dos recursos interpostos pelas Recorrentes CENTRO HOSPITALAR DE LEIRIA, E.P.E. E A……., S.A. e das respetivas alegações, formulou contra-alegações que apresentam as seguintes conclusões:
A - Das decisões proferidas em segunda instância pode haver, apenas excecionalmente recurso de revista para este Douto Tribunal, pelo que não estando nos presentes recursos em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, nem se está perante uma necessidade para uma melhor aplicação do direito, não devem os recursos ser admitidos.
B - De acordo com a jurisprudência assente, deste STA: “O recurso de revista excepcional previsto no art. 150° do CPTA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular Não pode ser admitido o recurso de revista se a questão colocada tem uma natureza casuística, com contornos particulares no contexto factual e jurídico do caso concreto, reconduzindo-se a matérias que não revelam especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, sem impacto ou interesse comunitário significativo, e também não se antevê a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito porque não se visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.” — cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 01355/13, de 27.11.2013— in www.dgsi.pt
C - Entende a Recorrida que as questões teóricas apresentadas pelas ora Recorrentes não podem ser consideradas para efeitos de preenchimento dos pressupostos do artigo 150.°, n.° 1 do CPTA, isto porque não têm o alcance que as Recorrentes pretendem atribuir-lhes nas suas Doutas alegações, sendo claro e notório que as Recorrentes apenas pretendem a apreciação do caso por uma terceira instância.
D - Invocam como questões fundamentais: 1 — A Recorrente CHL, EPE: A determinação da concessão do exercício ao interessado do direito de audiência prévia como mera formalidade e da simultânea pré-determinação da decisão final no procedimento — ilegalidade e inconstitucionalidade por violação do conteúdo do direito; A intempestividade da apresentação da declaração no procedimento; A exigibilidade do documento; e II — A Recorrente A……: Se existiu uma violação ao direito ao contraditório e a uma tutela jurisdicional efetiva; Se a falta de junção atempada de um documento com a natureza do que está em causa nos presentes autos pode/deve determinar que seja declarada a caducidade da adjudicação, ainda que a conduta da entidade adjudicante tenha sido dúbia ou imprecisa; Se a audiência prévia pode ser considerada como mera formalidade e rito; Se a imposição, por decisão judicial, da decisão de declaração de caducidade da adjudicação viola o princípio da separação de poderes.
E - Os requisitos do artigo 150.°, n.° 1 do CPTA não se compadecem com matérias de facto assentes ou com questões jurídicas de manifesta simplicidade, em que apenas as alegadas nulidades, ilegalidades e até inconstitucionalidades destoam, pois como se refere no Acórdão do STA n.° 0903/04: “Um dos requisitos, condição necessária e suficiente da importância fundamental de uma questão, será, por um lado, a complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso e, por outro, a capacidade de expansão da controvérsia, ou seja, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos, num número indeterminado de casos futuros.” (negrito nosso).
F - O documento de habilitação em falta, que não foi entregue em tempo pela adjudicatária e aqui Contrainteressada, trata-se de uma declaração, a emitir pela própria empresa, sem necessidade de qualquer intervenção de terceiro, o que significa dizer que as questões agora trazidas pelas recorrentes não cumprem com o requisito da “expansão da controvérsia”, já que o preenchimento da disciplina do artigo 86.° do Código dos Contratos Públicos (CCP), na estreita margem de discricionariedade, tem de ser aferida caso a caso, sem padrões ou deveres para os Meritíssimos Juízes, fora do que resulta da letra da lei.
G - É facto assente, e incontestável nesta sede, que a Contrainteressada entregou um documento de habilitação fora do prazo estabelecido no Programa do Procedimento (matéria de facto assente na 1. ª Instância e não impugnada) e fora do prazo procedimental e até do legal, depois de ter sido instada a juntar aquele documento.
H — Não existe, igualmente, relevância social nesta questão, já que, se o recurso viesse a ser admitido, a decisão do mesmo não encontraria qualquer impacto na comunidade, cingindo-se à mera questão em análise neste processo, atentas as suas especificidades.
- Relativamente à necessidade de uma melhor aplicação do direito, não fundamentam cabalmente as recorrentes a verificação deste requisito, até porque não existe na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
J - O mesmo se diga, perentoriamente, relativamente à alegada nulidade do Acórdão, que se afasta da questão material em discussão nos Autos, que constitui o primeiro dos fundamentos de recurso da Contrainteressada A……, de acordo com a qual, a não apreciação das (contra) alegações desta interveniente, viola o princípio do Contraditório, esquecendo-se esta Recorrente de mencionar que, conforme se pode verificar do seu Douto requerimento de Contra-Alegação, a mesma não apresentou conclusões!
K - A apreciação do objeto dos Recursos cinge-se às conclusões apresentadas pelo Recorrente, assim como o contraditório se tem de cingir às conclusões apresentadas pelos Recorridos, isto nos termos do previsto no artigo 641.°, n.° 2, alínea b) do CPC, e artigo 145°, n.° 2 alínea b) do CPTA.
L - E se para o Recorrente, a falta de conclusões (que não a sua incompletude ou ambiguidade) gera o indeferimento do recurso, para o Recorrido, a falta de apresentação de conclusões tem de ser cominada — por razões de igualdade, coerência e analogia — com a não apreciação da Contra-Alegação.
M - O direito ao contraditório existiu, uma vez que a Recorrente A……. foi notificada do requerimento de Recurso da aqui Recorrida. Porém, falhou no exercício de tal direito, porquanto não cumpriu com o ónus de formular conclusões, o que determina, por força da lei, a impossibilidade de serem apreciadas as suas alegações.
N - Relativamente ao segundo subfundamento: violação da tutela jurisdicional efetiva, não vislumbramos em que medida pode o Acórdão recorrido ter violado quaisquer das disposições do artigo 2.º do CPTA - nem as Recorrentes o alegam.
O - Sobre os fundamentos da revista, e começando pela alegada violação do direito ao contraditório — recorrente A……, a Contrainteressada foi notificada do Recurso da aqui Recorrida, conforme reconhece nas suas alegações, Contra-alegou no prazo legal, mas não apresentou Conclusões, pelo que outro efeito não poderia ser retirado do que a desconsideração daquele articulado pelo Tribunal, não podendo, como pretende a agora Recorrente, sem conclusões, vir o Tribunal a atender e apreciar os argumentos por ela expendidos no texto das suas contra-alegações.
P - Qualquer alegação de recurso (definição onde se incluem as alegações dos recorridos) deve conter conclusões, pelo que um recorrido que nas suas alegações não insere conclusões, não tem de ser convidado a suprir tal falta, mas tão-só e apenas as suas alegações não podem ser consideradas pelo Tribunal, nos termos do previsto nos artigos 145°, n.° 2 alínea b) do CPTA e 641°, n.° 2 alínea b) do CPC, pelo que nenhuma violação dos direitos ao contraditório ou tutela jurisdicional efetiva existiu, uma vez que o Recorrente A…… incumpriu com um ónus que sobre si impendia — o de formular conclusões.
O - Não existe qualquer dever de um juiz de apreciar minuciosamente e ponto por ponto cada uma das conclusões de um recorrido, fazendo constar do Acórdão essa apreciação, muito menos podendo causar a nulidade do Acórdão, como pretende a Recorrente, uma vez que não existe declaração da lei nessa tipificação nem existiu uma irregularidade que pudesse influir no exame ou na decisão da causa.
R - Sobre a da alegada violação pelo acórdão do artigo 81.º, n.° 6 e 86°, n.° 1 a 3 do CCP, ao considerar que a falta de junção de um documento desta natureza deve determinar a caducidade da adjudicação, entendemos que o Douto Acórdão fez uma apreciação exaustiva, clara e correta das disposições legais aqui em causa.
S - Não pode a Recorrida acrescentar mais argumentos aos ali expendidos, porquanto o Acórdão extrai, com recurso a Doutrina e Jurisprudência, a aplicação correta destes artigos aos factos dados como provados (e incontraditáveis nesta sede).
T - Atente-se que: O documento em causa é um verdadeiro documento de habilitação; O documento foi exigido pelo PC e posteriormente, pela Entidade Adjudicante; O adjudicatário entregou, ainda que extemporaneamente, o documento, pelo que, quer ele, quer a Entidade Adjudicante que o exigiu, ao alegarem a sua descaracterização e inutilidade estão claramente a incorrer em abuso de direito, através de venire contra factum proprium; Os princípios da imparcialidade e transparência exigem que as Entidades Adjudicantes afiram da possível existência de impedimentos de um adjudicatário; Apesar de em anos anteriores ter constado na lei a obrigatoriedade de tal declaração, os próprios princípios acima invocados habilitam a Entidade Adjudicante a solicitar documentos de habilitação adicionais (artigo 81°, n.° 6 do CCP); Os prazos para entrega dos documentos de habilitação estavam claramente definidos nos pontos 25.1 e 25.2 do PC, pelo que qualquer concorrente não pode alegar o desconhecimento ou não informação sobre os prazos, em seu beneficio;
U - Sobre a incorreta interpretação e aplicação pelo acórdão recorrido do n.° 2 e 3 do artigo 86.° do CCP ao considerar que a caducidade da adjudicação deve ser declarada independentemente das razões que venham a ser esgrimidas pela adjudicatária, entende a Recorrida que nenhuma razão assiste aos Recorrentes, pois bem andou o Douto Acórdão ao, de forma bem fundamentada, entender que deve a Ré CHL, EPE declarar a caducidade da adjudicação, ainda que precedida de audiência prévia.
V - Refere, e com muita razão, o Acórdão que a audiência prévia tem, no caso, uma função de participação do interessado na decisão, que se traduz, ela própria numa finalidade.
W - Atente-se que, na redação inicial do artigo 86.° do CCP muitas dúvidas se levantaram acerca da necessidade de audição prévia do adjudicatário, em caso de ocorrerem factos que a lei tipificava como conducentes à caducidade da adjudicação, existindo autores que fazem a separação entre os fundamentos expressos no artigo 86°.
X - Porém, certo é que, apesar de o adjudicatário não ter entregue o documento no prazo inicial de 10 dias, ainda assim, e sem qualquer audição prévia, veio a conferir nova possibilidade para tal entrega, nos termos previsto no PC, ou seja, no prazo de 3 dias (ponto 25.2 do PC), e apesar de tal notificação, o adjudicatário demorou mais 14 dias úteis a entrega-lo, ao arrepio de todos os prazos definidos no PC, com o qual se conformou ao apresentar a sua proposta.
Y - Ora, mesmo que existissem razões para a não entrega num primeiro momento, certo é que a audição prévia seria aplicável a tal momento, mas apesar de não concordarmos com a necessidade de audição prévia do interessado, conforme resulta do nosso Requerimento de Recurso, mas antes com a declaração imediata da caducidade da adjudicação, concedemos na solução constante da Decisão ora em crise.
Z - A audição prévia prevista no artigo 86°, tem lugar logo após a não apresentação, em tempo pelo adjudicatário, dos documentos de habilitação. E no caso dos Autos, mesmo sem tal audição foi-lhe concedido prazo adicional (que a lei não permite que seja superior a 5 dias e que o PC fixou 3 dias), que, mesmo assim, foi incumprido.
AA - Por seu turno, o Acórdão recorrido entendeu que dada a ambiguidade da primeira notificação, que não fazia referência expressa a este documento, se deve entender que a segunda notificação constitui uma concordância de que a falta de entrega no primeiro momento não se ficou a dever a falta do adjudicatário, pelo que tendo incumprido tal prazo, parece-nos óbvio que deve ser declarada a caducidade da adjudicação.
BB - Porém, e para salvaguarda do princípio da participação na decisão, como finalidade última da audiência prévia, deve ser facultada tal possibilidade ao adjudicatário, decidindo-se, posteriormente, pela caducidade da adjudicação, porque perante os factos dados como provados, neste caso, estamos perante uma decisão vinculada, já que o adjudicatário, mesmo que possa trazer quaisquer fundamentos, não entregou o documento em prazo, na segunda oportunidade.
CC - A salvaguarda dos princípios da concorrência, obrigam que, em proteção dos demais concorrentes, se decida declarar a caducidade da adjudicação, sendo, contudo, estranho é que os recorrentes venham reclamar sobre tal direito de audição. Normal seria se tal direito fosse preterido, e ai sim, a decisão incorreria em violação de lei — do artigo 86.° do CCP.
DD - A Audição prévia não será vazia ou ritualística porquanto, permitindo a participação do adjudicatário na decisão, ainda pode atingir outros efeitos que podem resultar da conduta omissiva do adjudicatário, nomeadamente de indemnização à Entidade Adjudicante, nos termos gerais de direito, que poderão ser aferidas em função da resposta que vier a ser dada.
EE - Quanto á declaração de caducidade, nenhuma razão pode ser apontada pelo adjudicatário que legitime a sua falta de resposta ao segundo convite para entrega de um documento que ele, pela mera leitura do PC, sabia que deveria ter entregue nos primeiros 10 dias após notificação da adjudicação.
FF - A decisão é justa e legal, na medida em que respeita o direito de audição prévia, mas, por outro, obriga a entidade a decidir pela declaração de caducidade da adjudicação, pois, neste caso, atentos os factos provados, a entrega foi manifestamente extemporânea, já em segunda oportunidade, pois foi a Entidade Adjudicante (a mesma que aqui é recorrente) quem concedeu que a primeira omissão de entrega se possa ter ficado a dever a facto não imputável ao adjudicatário.
GG - Pelo que, nunca poderia abrir-se a porta a que, mediante justificações de factos injustificáveis, viesse a Entidade Adjudicante a decidir que a entrega, 14 dias úteis depois, quando o prazo foi de 3 dias, era tempestiva de que deveria prosseguir com a adjudicação, o que contenderia, frontalmente, com os direitos dos demais concorrentes, designadamente a aqui Recorrida que tem o direito à adjudicação.
HH - E mesmo que assim não se entenda, no que não concedemos, sempre a decisão alternativa será a de declarar, diretamente, a caducidade da adjudicação e dever de adjudicar ao concorrente classificado em segundo lugar.
II- Sobre a alegada violação do princípio da separação de poderes, reiteramos aqui tudo o que alegámos sobre a matéria anterior, para conclusão fácil de que o ato a praticar pela Entidade Adjudicante é um ato vinculado e não discricionário.
JJ - A caducidade da adjudicação resulta clara e diretamente da lei, como consequência para a falta de entrega de documentos de habilitação pelo adjudicatário, o que até poderia levar a que o Tribunal concedesse na não realização da audição prévia.
KK - Como muito bem decidiu o Acórdão recorrido, perante os factos provados, que atestam sem margem para dúvidas, que o documento de habilitação foi entregue, em segunda oportunidade, de forma extemporânea, a Administração não pode decidir de forma diversa da declaração de caducidade da adjudicação.
LL - E o cumprimento do direito à audição prévia estatui-se como forma de o adjudicatário participar na decisão, invalidando outros efeitos, para além da caducidade da adjudicação.
MM - Bem andou, em todos os pontos, o Acórdão recorrido, que deverá ser mantido, fazendo-se assim a COSTUMADA JUSTIÇA.

A Revista foi admitida, por este Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido em, 8 de Outubro de 2018.

A Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que se deve julgar procedente a revista e revogar-se o acórdão recorrido.

Cumpre apreciar e decidir.


2. Os Factos
1. No dia 19.05.2017 foi publicado no Diário da República (II série, n.º 97) o “Anúncio de procedimento n.º 4097/2017”, tendente à celebração de concurso público para “Prestação de serviços médicos de realização de exames de ressonância magnética” – cf. anúncio junto com a PI como doc. 1 e doc. “Anúncio do Concurso_11-12-2017_11_37.Pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Estabelece o art. 19.º do Programa do procedimento publicitado pelo anúncio n.º 4097/2017, referido em “1.”, o seguinte:
A adjudicação é feita segundo o critério do mais baixo preço.” – cf. programa junto com a PI como doc. 3 e doc. “Programa Concurso - Ressonância Magnética.pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Estabelece por sua vez o art. 25.º do Programa do Procedimento publicitado pelo anúncio n.º 4097/2017, referido em “1.”, o seguinte:
25. DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO
25.1. O adjudicatário deve apresentar na plataforma eletrónica de contratação pública em http://www.vortalgov.pt, no prazo de 10 (dez) dias úteis contados da notificação da decisão de adjudicação, os seguintes documentos que comprovam a sua habilitação, obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa:
25.1.1. Declaração emitida conforme modelo constante do Anexo III do presente Programa, do qual faz parte integrante, nos termos dispostos na alínea a) do n.º 1 do artigo 81.º do CCP;
25.1.2. Documentos comprovativos que não se encontram nas situações previstas nas alíneas b), d) e) e i) do artigo 55.º do CCP, nomeadamente:
25.1.2.1. Certidão do registo comercial, com todas as inscrições em vigor, para identificação dos titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência que se encontrem em efetividade de funções;
25.1.2.2. Situação regularizada relativamente a contribuições para a segurança social em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
25.1.2.3. Situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
25.1.2.4. Certificado do registo criminal, para efeitos de celebração de contratos públicos de todos os titulares de órgãos sociais da administração, direção ou gerência que se encontrem em efetividade de funções;
25.1.3. Informação quanto aos titulares dos órgãos sociais da empresa, designadamente no que respeita à relação ou à participação de ex-colaboradores da entidade contratante, bem como do respetivo cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até 2.º grau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum.
25.2. Nos termos do disposto no artigo 86.º do CCP, o adjudicatário dispõe de 3 (três) dias úteis para suprir eventuais irregularidades detetadas nos documentos de habilitação apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação.” - cf. programa junto com a PI como doc. 3 e doc. “Programa Concurso - Ressonância Magnética.pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Além de outros concorrentes, a autora e a contra-interessada A…… apresentaram propostas no âmbito do procedimento identificado em “1.” - cf. doc. 2 junto com a PI e docs. constantes da subpasta “Propostas”, por sua vez localizada na pasta “PT1.BDOS.12012975” do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
5. Em 06.09.2017 foi elaborado o Relatório Final no âmbito do procedimento identificado em “1.”, do qual consta conclusão com o seguinte teor:
Face ao exposto, o júri decide remeter ao órgão competente para a decisão de contratar, nos termos do artigo 73.º do CCP, o presente Relatório Final, juntamente com os demais documentos que compõem este procedimento para a decisão de contratar, sugerindo a adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente n.º 3 – A……, S.A., com o valor de 419.937,00€ anual (quatrocentos e dezanove mil, novecentos e trinta e sete euros) e para três anos de 1.259.811,00€ (um milhão duzentos e cinquenta e nove mil oitocentos e onze euros) isento de IVA.” –cf. doc. 6 junto com a PI e documento “Relatório Final e Adjudicação Ressonância Magnética.pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
6. Em 14.09.2017 foi exarado despacho sobre o relatório referido no ponto anterior, com o seguinte teor:
Adjudica-se como proposto.” – cf. doc. 6 junto com a PI e documento “Relatório Final e Adjudicação Ressonância Magnética.pdf” constante do PA junto em formato electrónico.
7. Em 18.09.2017 a decisão de adjudicação foi comunicada aos concorrentes do procedimento identificado em “1.” –cf. doc. “Mensagem_11-12-2017_11_37_1.Pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
8. Na mesma data de 18.09.2017 foi enviada à adjudicatária mensagem com o seguinte teor:
Exmos. Senhores,
No âmbito do presente procedimento, solicita-se a entrega dos documentos de habilitação, bem como, da caução, conforme estipulado no Programa do Concurso.
Com os melhores cumprimentos,
O CHL, EPE Documentos Obrigatórios (Nome)
7 Anexo II -Declaração a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 81.º -Alterações introduzidas pelo DL nº 149/2012 de 12 de Julho.
1 Declaração de habilitação (Artigo 81.º/n.º 1/al. a) do CCP)
2 Certidão da Direcção Geral dos Impostos ou cópia autenticada da situação tributária relativamente a dívidas por impostos ao estado Português.
3 Certidão ou fotocópia autenticada da situação contributiva para com a Segurança Social se encontra regularizada
4 Registo Criminal dos representantes da empresa, conforme as alíneas b) e i) do artigo 55.º do CCP
5 Certidão de registo comercial ou disponibilização do código de acesso para a sua consulta on-line, nos termos previstos no nº 2 do artigo 83º do CCP, nº 5 do artigo 75º do Código do Registo Comercial e no artigo 17º da Portaria nº 1416-A/2006, de 19 de Dezembro

9. No dia 29.09.2017 a adjudicatária, aqui contra-interessada A……, apresentou os seguintes documentos:
a) Declaração emitida nos termos do disposto no artigo 81º, n.º1, al. a) do CCP, conforme modelo que constituiu anexo II ao Programa do Concurso;
b) Os documentos comprovativos de se não encontrar nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.º do CCP, a saber:
i) Certidão do registo comercial da empresa com todas as inscrições em vigor, com identificação dos titulares dos órgãos sociais em funções;
ii) Declaração emitida pelo Instituto de Segurança Social, IP, que atesta manter a adjudicatária a sua situação contributiva regularizada.
iii) Declaração emitida pela Administração Tributária, comprovativa de que esta mantém a sua situação tributária regularizada.
iv) Três certificados de registo criminal, um de cada um dos três membros do Conselho de Administração da adjudicatária.
c) Garantia bancária emitida pelo Millennium BCP em 28.09.2017 de acordo com o modelo anexo ao Programa do Concurso, do montante de 62.990,55 € – tudo cf. doc. “Documentos de Habilitação_18-09-2017_15_32728.Pdf” e cada um dos documentos referidos, situados na subpasta “Documentos de Habilitação”, localizada por sua vez na pasta “PT1.BDOS.12012975”, constantes do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
10. Na data de 04.10.2017 foi enviada à adjudicatária aqui contra-interessada A……, mensagem com o seguinte teor:
Exmos. Senhores,
Após análise aos documentos apresentados e de acordo com o Programa de Concurso, verifica-se que estão em falta os seguintes:
25.2. Informação quanto aos titulares dos órgãos sociais da empresa, designadamente no que respeita à relação ou à participação de ex-colaboradores da entidade contratante, bem como do respetivo cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até 2.º grau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
Nesses termos, solicita-se que providenciem a remessa do documento em falta no prazo determinado.
Com os melhores cumprimentos,
O CHL, EPE
– cf. doc. “Documentos de Habilitação_04-10-2017_16_43312.Pdf” constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
11. Em 25.10.2017, a adjudicatária, aqui contra-interessada A......, apresentou o documento, subscrito pela respectiva Administração, com o seguinte teor:
(...)declara sob compromisso de honra, que não detém nem nenhum dos titulares dos órgãos sociais da empresa detém qualquer relação com ex-colaboradores da entidade contratante, bem como os respectivos cônjuges, parente ou afim em linha reta ou até 2.º grau da linha colateral, ou qualquer pessoa com quem viva em economia comum.
– cf. docs. “Mensagem_11-12-2017_11_37_28.Pdf” e “declaração ass_1.pdf” constantes do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
12. Em 29.10.2017 foi aprovada, por deliberação do Conselho de Administração do réu, a minuta do contrato de prestação de serviços objecto do procedimento pré-contratual identificado em “1.” - cf. doc. “Min. Contrato – A……. 2018-20200 APROVADA.pdf”, constante do PA junto em formato electrónico, cujo teor se dá por reproduzido.
13. Em 07.11.2017 foi celebrado entre o réu e a adjudicatária, aqui contra-interessada A......., o contrato de prestação de serviços objecto do procedimento pré-contratual identificado em “1.” – cf. doc. 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido.

3. O Direito
Vêm Centro Hospitalar de Leiria, EPE (doravante CHL) e A……, SA (doravante A……) interpor recursos do acórdão do TCAS que concedeu provimento ao recurso interposto para aquele Tribunal pela B……, SA (doravante B…), revogando a sentença do TAF de Leiria e, em substituição, julgou procedente a acção interposta condenando “a Entidade Adjudicante, ora demandada, a cumprir a formalidade de audiência prévia, tal como determinado no art.º 86.º, n.º 2 e 4 do CCP, devendo, após o cumprimento dessa formalidade, decidir pela preterição do prazo para a entrega pelo Adjudicatário dos documentos de habilitação e, nos termos do art.º 86.º, n.ºs 1, al. b) e 4, considerar caducada a (primitiva) adjudicação, passando a adjudicar à proposta ordenada em lugar subsequente, a saber, à proposta da A. e ora Recorrente.

A presente acção interposta pelo B… havia sido julgada improcedente pelo TAF de Leiria tendo em conta, em resumo, o seguinte:
i) a declaração solicitada pela entidade adjudicante não consubstancia a comprovação da titularidade de quaisquer habilitações, pelo que não é enquadrável na previsão do nº 6 do art. 81º do CCP;
ii) tal declaração não constitui verdadeiramente um documento de habilitação;
iii) De qualquer modo, a falta de entrega atempada pela adjudicatária deste documento é desculpável, por se poder associar a erro cometido pela entidade adjudicante.
Assim, a sentença de primeira instância julgou que a pretensão da Autora, aqui Recorrida, no sentido de ver declarada a caducidade da adjudicação efectuada à Recorrente A…… e, em consequência, que lhe fosse adjudicada à A. a prestação de serviços, por ser a concorrente posicionada em segundo lugar, improcedia.
Revogando esta sentença o TCAS veio a considerar, em substituição e, em síntese, o seguinte:
i) a declaração em causa nos autos era exigível enquanto documento de habilitação, pela conformação ao Direito aplicável da previsão dessa exigência contida no ponto 25.1.3 do Programa do Concurso;
ii) a comunicação do CHL de 04.10.2017, determinou ao adjudicatário o prazo de 3 dias úteis para juntar no procedimento a declaração em falta;
iii) esta comunicação equivale ao cumprimento, embora imperfeito, do disposto no nº 3 do art. 86º do CCP;
iv) a referida declaração, sendo exigível e não tendo sido entregue no referido prazo de 3 dias mas apenas ao fim de 14 dias úteis contados de 04.10, é extemporânea e determina a caducidade da adjudicação;
v) embora essa caducidade esteja assim verificada o CHL deveria ter cumprido a notificação da adjudicatária para se pronunciar em sede de Audiência Prévia sobre a falta de entrega do documento no prazo de 10 dias úteis indicado no ponto 25.1 do Programa do Concurso (PC);
vi) considerou impor-se, por isso, cumprir essa formalidade antes da prática do acto de declaração da caducidade da adjudicação, nos termos do art. 86º, nºs 1, alínea b) e 4 do CCP, e determinou a decisão a proferir - declaração de caducidade da adjudicação - em apreciação da futura pronúncia do adjudicatário.

No seu recurso o CHL considera que o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do Direito, com violação, nos termos constantes das suas conclusões de recurso, das normas dos artigos 29.º, 111º, nº 1, 202º, nº 2 e 267º, nº 5 da CRP, 1º, nº 4 - incluindo os princípios da concorrência e do interesse público -, 51º, 81º, nº 6, 86º, nºs 1, 2, 3 e 4, e 132.º, nº 1, al. g) do CCP, 238º, nº 1 do Cód. Civil, 121º nº 1, 2 e 3 do CPA, 45º da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, Portarias 257/2017, de 16 de Agosto e 421/2017, de 8 de Novembro, e 615.º, nº 1, al. d), ex vi do artigo 666º, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1º do CPTA.
A Recorrente A…… defende que existiu uma violação ao direito ao contraditório (art. 3º, nº 3 do CPC) e a uma tutela jurisdicional efectiva por parte do acórdão recorrido, incorrendo em nulidade nos termos previstos no nº 1 do art. 195º do CPC; que a falta de junção atempada da declaração em causa nos autos, não visando a comprovação de quaisquer habilitações não é enquadrável no nº 6 do art. 81º do CCP; que a audiência prévia não pode ser considerada como mera formalidade, tendo o acórdão recorrido procedido a incorreta interpretação e aplicação do disposto nos nºs 1, 2 e 3 do art. 86º do CCP; em clara violação do direito de audiência prévia, consagrado no artigo 121.º do CPA e nos artigos 266.º n.º 2 e 267.º n.º 5 da Constituição; Sendo a imposição, por decisão judicial, da decisão de declaração de caducidade da adjudicação violadora do princípio da separação de poderes.

Apreciaremos em primeiro lugar a questão da nulidade de decisão invocada pelo Recorrente CHL e a nulidade processual invocada pela A……, e, caso estas não procedam, apreciaremos conjuntamente os recursos, uma vez que são coincidentes as questões suscitadas.

3.1. Das nulidades
Invoca o CHL a nulidade da decisão proferida pelo TCAS, por o acórdão recorrido não ter apreciado o que fora invocado no art. 67º da petição inicial, relativa ao pedido de alargamento do objecto da acção à impugnação do contrato celebrado, pelo que teria incorrido em nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, alínea d) do CCP.
Não lhe assiste razão.
A haver omissão de pronúncia não pode esta ser invocada pelo aqui Recorrente por não ter legitimidade para tal, visto não ser prejudicado pelo não conhecimento do vício alegado pela Autora.
Não pode, consequentemente, proceder a nulidade arguida.

A recorrente A…… vem, por sua vez, invocar a nulidade (processual) por o acórdão proferido não ter ponderado os argumentos invocados em sede de contra-alegações de recurso, porque ao não ter formulado conclusões naquelas, a sua alegação não consta do relatório do acórdão, contrariamente ao que sucede com as conclusões formuladas pelas restantes partes.
Assim, o acórdão recorrido não teria tomado em consideração o por si alegado, em violação do princípio do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3 do CPC, tendo o acórdão incorrido em nulidade, nos termos previstos no nº 1 do art. 195º do CPC.
Conforme referiu o TCAS no acórdão de 06.08.2018, que se pronunciou sobre as nulidades imputadas ao acórdão recorrido, neste seguiu-se a estrutura preceituada nos arts. 607º, nºs 2 a 4 e 663º, nº 2 do CPC, ex vi do disposto no art. 140º, nº 3 do CPTA, identificando-se as partes, após o que se reproduziu as conclusões constantes das alegações de recurso e contra-alegações do CHL. Quanto à aqui Recorrente, uma vez que não tinha apresentado conclusões não podiam ser reproduzidas.
No entanto, tal como se vê do ponto “II.2 – O Direito” do acórdão, foram indicadas as questões a decidir, atendendo ao objecto do recurso, tal como vinha delimitado pelas alegações e conclusões.
Ora, basta ler o acórdão recorrido para se ver que este conheceu de forma expressa de todas as questões que foram colocadas, nomeadamente as constantes das alegações da A…….
Assim, apreciou-se a questão da caducidade da adjudicação, da falta do documento exigido pelo PC, da sua caracterização, do prazo de entrega e desculpabilidade da entrega tardia e da invocada não exigência de um parecer ministerial, na decorrência da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, por já não ter aplicação no ano em questão. Ou seja, o acórdão recorrido apreciou todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, sendo certo que o juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não tendo que rebater todos os argumentos aduzidos pelas partes em prol das posições que defendem (cfr. arts. 5º, nº 3 e 608º, nº 2 do CPC).
Nestes termos, não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha violado o princípio do contraditório e incorrido em nulidade processual (arts. 3º, nº 3 e 195º, nº 1 do CPC).

3.2. Do mérito
As três questões quanto ao mérito do decidido no acórdão recorrido são as seguintes:
i) a respeitante à determinação da concessão do exercício ao interessado do direito de audiência prévia como mera formalidade e da simultânea pré-determinação da decisão final no procedimento, convocando-se assim a apreciação da violação dos direitos fundamentais da participação dos interessados no procedimento e da separação de poderes, com consagração na Constituição;
ii) A relativa à tempestividade da apresentação da declaração no procedimento;
iii) A relativa à exigibilidade da apresentação da própria declaração.
Começaremos por apreciar a questão respeitante à qualificação do documento apresentado mais tarde como sendo, ou não, um verdadeiro documento de habilitação, visto que se não merecer tal qualificação se torna irrelevante apreciar as restantes questões, por não se poder estar perante uma situação que determine a caducidade da adjudicação.

Atentemos, então, no quadro legal aplicável, dispondo o art. 86º do CCP (na redacção aplicável à data do concurso), sob a epígrafe “Não apresentação dos documentos de habilitação”, o seguinte:
1 – A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:
a) No prazo fixado no programa do procedimento;
b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.º 8 do artigo 81.º;
c) Redigidos em língua portuguesa ou, no caso previsto no n.º 2 do artigo 82.º, acompanhados de tradução devidamente legalizada.
2 – Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.º 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia.
3 – Quando as situações previstas no n.º 1 se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação.
4 – Nos casos previstos nos números anteriores, o órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente.
5 – (…)”.
Por sua vez o art. 81º do CCP, sob a epígrafe Documentos de habilitação, dispõe o seguinte:
1 – Nos procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos:
a) Declaração emitida conforme modelo do anexo II ao presente Código e do qual faz parte integrante;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d) e) e i) do artigo 55.º
(…)
4 – No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de um contrato de aquisição de serviços, o adjudicatário, para além dos documentos referidos no n.º 1 deve também apresentar o respectivo certificado de inscrição em lista oficial de fornecedores de bens móveis ou de prestadores de serviços de qualquer Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que revele a titularidade das habilitações adequadas e necessárias à execução das prestações objecto do contrato a celebrar.
5 – O adjudicatário ou um subcontratado referido no n.º 3, nacional de Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial do Comércio que não seja titular do alvará ou do título de registo referidos nos nºs 2 ou 3, consoante o caso, ou do certificado referido no número anterior deve apresentar, em substituição desses documentos:
(…)
b) No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de um contrato de aquisição de serviços, certificado de inscrição nos registos a que se referem os anexos IX-B e IX-C da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, com todas as inscrições em vigor e que revele a titularidade das habilitações adequadas e necessárias à execução das prestações objecto do contrato a celebrar ou, quando o Estado de que é nacional não constar daqueles anexos, uma declaração sob compromisso de honra, prestada perante notário, autoridade judiciária ou administrativa ou qualquer outra competente, de que pode executar a prestação objecto do contrato a celebrar no Estado de que é nacional de acordo com as regras nele aplicáveis.
6 – Independentemente do objecto do contrato a celebrar, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.
(…)
8 – O órgão competente para a decisão de contratar pode sempre solicitar ao adjudicatário, ainda que tal não conste do programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objecto do contrato a celebrar, fixando-lhe prazo para o efeito.

Do disposto no citado art. 86º do CCP resulta, sem dúvida, que a omissão do dever de apresentar os documentos de habilitação no prazo fixado (no caso pelo órgão competente – nº 1, al. b) do preceito) tem como consequência a caducidade da adjudicação. Só assim não sendo, se o facto da não apresentação não for imputável ao adjudicatário, o que será aferido pela entidade adjudicante, após ouvir o adjudicatário sobre os motivos da falta, em audiência prévia (nº 2 do art. 86º).
Nos termos do nº 3, e, face às razões invocadas pelo adjudicatário, se verificar que a falta de documento de habilitação não é imputável ao mesmo, o órgão competente para a decisão, fixa um prazo adicional para a apresentação, sob pena de caducidade da adjudicação.
Sendo este o procedimento a seguir quando se verifique a falta de um documento de habilitação, dúvidas não restam, face à matéria de facto provada, de que ele não foi seguido.
Mas será que o documento que apenas foi junto mais tarde, sendo que não foi indicado na primitiva notificação para a junção dos documentos de habilitação, elencados como “Documentos obrigatórios” (cfr. ponto 8), deve ser caracterizado como documento de habilitação?
Não há dúvida de que ele constava como documento de habilitação no art. 25º (ponto 25.1.3.) do programa do procedimento.
O documento em causa respeita a “Informação quanto aos titulares dos órgãos sociais da empresa, designadamente no que respeita à relação ou à participação de ex-colaboradores da entidade contratante, bem como do respetivo cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até 2.º grau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum”.
Os documentos de habilitação estão enumerados no art. 81º, nº 1 citado, sendo certo que o nº 6 do preceito prevê que nos procedimentos de formação de um contrato de aquisição de serviços possam ser exigidos quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.
Sobre o conceito de “documentos de habilitação” expendem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2014, págs. 481/482, o seguinte:
«Quanto à sua natureza, a habilitação configura o acto de uma autoridade ou entidade competente – pode ser o órgão adjudicante – pelo qual se atesta ou confirma (trata-se por isso de uma tarefa eminentemente certificativa ou declarativa) que o adjudicatário tem permissão legal para o exercício da actividade que é objecto do contrato e que não padece de qualquer impedimento à contratação (seja qual for o contrato).
A habilitação comporta assim dois juízos estruturalmente distintos.
Um entendido stricto sensu, relativo à aptidão profissional do concorrente, outro em sentido lato, sobre a idoneidade ou honorabilidade pessoal, digamos assim, abrangendo contudo as diversas facetas (criminal, contra-ordenacional, fiscal, etc.) contempladas na norma legal respectiva.
Este último juízo, sobre a idoneidade pessoal dos concorrentes – comprovável em princípio, apenas na pessoa do adjudicatário – é de feição eminentemente negativa, destinado a certificar que o adjudicatário não incorre em qualquer das situações de falta de idoneidade das alíneas a) a i) do art, 55.º. O outro, por sua vez, é de feição essencialmente positiva e tem como finalidade comprovar (electronicamente), nos termos dos arts. 81.º/1 e 83.º-A do Código, que o adjudicatário é possuidor das habilitações legais necessárias para o exercício de determinada profissão ou actividade (art. 81.º, nºs 2 a 4 e 6 a 8).».

O acórdão recorrido considerou o documento como de habilitação, partindo da distinção doutrinária entre documentos de habilitação e documentos de qualificação. Partindo do pressuposto (silogístico) de que a declaração ou é um documento de habilitação ou de qualificação, concluiu que não se integrando nos critérios desta espécie, se integraria nos documentos de habilitação, como tal o tendo qualificado, integrando-o num dos documentos desta espécie previstos no art. 81º, nº 6 do CCP.
Referiu, para tanto, o seguinte: “em suma, quanto à exigência da indicada informação, entende-se que o artº 81, nº 6 do CCP, permitia que se exigisse no PC a entrega de documentos de habilitação adicionais. Da mesma forma, entende-se que a informação que foi requerida integra o conceito de documento de habilitação.”.

Afigura-se-nos, no entanto, não ser assim.
Já vimos que a habilitação comporta dois juízos distintos: um relativo à aptidão profissional; outro sobre a idoneidade ou honorabilidade pessoal contemplado no art. 81º, nº 1, al. b), por referência ao art. 55º do CCP. E, no caso, o documento em causa tem exclusivamente a ver com a idoneidade ou honorabilidade pessoal e não com a aptidão profissional.

Consideram ainda os referidos Autores, na obra citada, a pág. 484, o seguinte:
«Em matéria de requisitos de idoneidade pessoal dos concorrentes (nas diversas facetas aí abrangidas), eles são de aplicação uniforme em todos os contratos abrangidos pelo Código (…) – no sentido de que comunitariamente não se permite que se acrescentem aos contemplados no art. 45.º da Directiva 2004/18 (…) quaisquer outros, fazendo o nosso art. 55.º das normas aí contidas, parece-nos, uma correcta transposição.
E se, nos programas de procedimento, não pode adicionar-se outros requisitos desses aos aí referidos – por o impedir a tal proibição comunitária -, também não podem ser eles subtraídos dos programas por a isso se opor a exigência global do art. 55.º do CCP, coadjuvada pelo disposto nas suas alíneas c) dos arts. 146.º/2.».
E, mais adiante (págs. 500/501), sobre os impedimentos gerais do art. 55º, expendem o seguinte:
«Como se sabe, no regime das directivas comunitárias dos contratos públicos estabelece-se uma importante distinção entre (critérios de) avaliação das propostas e (critérios) de selecção qualitativa dos operadores económicos, separando depois, nesta última, o problema da aptidão dos operadores (associada à honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade dos concorrentes ou candidatos) do problema da sua capacidade técnica ou financeira.
Assim, na Secção 2 do Capítulo VII da Directiva 2004/18, dedicada ao tema da selecção qualitativa, encontramos, primeiro, a matéria da aptidão dos operadores, regulada no art. 45.º (sob a epígrafe “Situação pessoal do candidato ou do proponente”) – correspondente grosso modo ao nosso art. 55.º do CCP -, a seguir, no art. 46.º (“Habilitação para o exercício da actividade profissional”) e só depois a questão da “Capacidade económica e financeira” e da “Capacidade técnica e/ou profissional”, tratadas nos arts. 47.º e 48.º desse diploma comunitário.
A distinção é importante, porque o art. 45.º da Directiva 2004/18 tem uma função e um regime próprio, de cujo conhecimento depende, em parte relevante, a compreensão da norma sobre impedimentos do art. 55.º do Código.
Em primeiro lugar, como já se disse atrás, a matéria da aptidão ou idoneidade pessoal dos operadores (ou dos seus impedimentos) está ligada a questões relativas à sua honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade – abrangendo-se tudo no conceito de idoneidade ou situação pessoal do proponente -, distinguindo-se portanto de tudo quanto interessa ou releva para a demonstração da sua maior ou menor capacidade técnica ou financeira para executar determinado contrato.
Em segundo lugar, as causas de exclusão com fundamento em questões ou assuntos associados à idoneidade pessoal dos operadores económicos são taxativas, não podendo, com base nessas razões ou nesse tipo de considerações, ser criados pelo legislador nacional motivos de impedimento à contratação pública para além dos previstos no art. 45.º da Directiva 2004/18, como se decidiu, por exemplo, no acórdão do TJUE de 9 de Fevereiro de 2006, (proc. C-226/04 e C-228/04), no caso La Cascina.
(…)
Vale aqui, portanto, a regra da exaustividade comunitária, não podendo os sistemas jurídicos internos estabelecer, com base nessa ordem de razões, outras causas de exclusão para além daquelas aí tidas como pertinentes.».

Ora, sendo assim, como nos parece ser, não pode o art. 81º, nº 6 do CCP ser interpretado como permitindo que se exijam como documentos de habilitação quaisquer uns que, respeitando à idoneidade ou honorabilidade pessoal, não estejam contemplados no art. 45º da Directiva indicada, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido.
Ou seja, não podia o programa do concurso exigir um documento de habilitação respeitante à idoneidade pessoal para além dos que se contemplam no art. 55º do CCP, como é o caso do constante do ponto 25.1.3. do PC, por a tal obstar a regra comunitária do art. 45º da Directiva 2004/18 ao estabelecer taxativamente os critérios respeitantes àquela idoneidade.

Considerou ainda o acórdão recorrido que: “(…), a inclusão da exigência do artº 25.1.3 e a própria expressão literal terão tido por base a exigência (inicialmente) feita no art. 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 e na Portaria n.º 4-A/2011, de 03-01, ocorrida em contratações anteriores. Todavia, aquela mesma exigência, como decorre dos seus próprios termos, teve (e tem) por fim aferir da existência de eventuais impedimentos, pelo que é uma exigência que se mantém (totalmente) legítima e que deve ser entendida como relativa à habilitação do adjudicatário e não há qualificação de (todos) os concorrentes”.

No entanto, o documento em causa não consta da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2017 – Lei nº 42/2016, de 28/12 – (ano de lançamento do procedimento em causa), como exigência a que aludia a então Recorrente B… no seu recurso interposto para o TCAS.
O Acórdão recorrido alude, à Portaria nº 4-A/2011, de 3/1, já revogada (e respeitante à LOE de 2011 – Lei nº 55-A/2010, de 31/12 – art. 22º) e inaplicável ao caso dos autos (portaria aquela em que se fazia menção dos elementos correspondentes ao documento em causa nos autos).
A Portaria nº 257/2017, de 16/8, que é a aplicável aos contratos celebrados ou renovados no ano de 2017, pelas entidades previstas no nº 7 do artigo 49º da Lei nº 42/2016 (nomeadamente as EPE), o que prevê é uma obrigação de comunicação (prevista no art. 6º), e não um dever de obtenção de parecer prévio vinculativo. E mesmo quando exista o dever de obtenção do parecer prévio vinculativo, previsto no art. 3º desta Portaria, prevê-se apenas o dever de identificação da contraparte (cfr. o nº 2, al. g) da Portaria em referência), já não contendo o preceito a parte citada pela Recorrida B… (no seu recurso para o TCA), a partir de “designadamente” (do art. 3º, nº 2, al. d) da Portaria nº 4-A/2001), desde 2013 (cfr. Portaria nº 16/2013, de 17/1, e as que se lhe seguiram, que já não contêm o segmento citado pela Recorrida B…, apenas referindo a necessidade de identificação da contraparte), não encontrando a exigência do documento suporte legal na LOE 2017 ou na Portaria nº 257/2017 (a qual a verificar-se poderia até ser ilegal face às normas comunitárias).
Assim, atento os aspectos em causa no documento, respeitantes à idoneidade ou situação pessoal, o mesmo não pode ser considerado um documento de habilitação, para os efeitos do art. 55º do CCP, não sendo admissível o seu enquadramento na previsão do art. 81º, nº 6 do CCP, por a tal se opor a taxatividade daquele art. 55º, não podendo, como tal, a adjudicação caducar com fundamento na sua apresentação tardia (nº1 do referido art. 86º do CCP).
Termos em que, o acórdão recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no nº 6 do art. 81º e, no nº 1 do art. 86º do CCP, devendo ser revogado, ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação das restantes questões.

3.3. Da dispensa do pagamento do remanescente
A presente acção tem o valor de € 1.259.811,00.
Prevê o art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), o seguinte:
7 – Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como já se disse o valor da presente acção ultrapassa os € 275.000,00, e as questões colocadas, nos termos concretos em que o foram pelas partes, não se afiguram de resolução muito complexa, sendo certo que nada há a apontar em desabono da conduta processual das partes, pelo que se julga ser de dispensar a responsável pelas custas – a Recorrida – no pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento aos recursos, revogando o acórdão recorrido, e confirmando o decidido em primeira instância, embora com diversa fundamentação.
Custas pela Recorrida no TCAS e neste STA, com dispensa do pagamento do remanescente (art. 7º, nº 6 do RCP).

Lisboa, 17 de Janeiro de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.