Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01418/17
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
GARANTIA BANCÁRIA
EMPREITADA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:Não é de admitir a revista se se está em sede de providência cautelar e o problema nuclear do accionamento de garantia bancária se insere num quadro de divergência sobre defeitos de execução de empreitada que só pode ser solucionada na acção principal.
Nº Convencional:JSTA000P22766
Nº do Documento:SA12018011101418
Data de Entrada:12/13/2017
Recorrente:A.........., S.A. E OUTRA
Recorrido 1:ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I - RELATÓRIO


ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:
A……….. S.A. e B……….., S.A., intentaram, no TAF de Coimbra, o presente processo cautelar contra Águas de Coimbra E.M., formulando o seguinte pedido:
Deve a presente providência cautelar ser julgada totalmente procedente, por provados os seus pressupostos, concedendo-se a mesma, e assim, intimando-se a Entidade Requerida a pagar o montante de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), ou, no mínimo, a pagar trimestralmente o montante de € 6.551,25 (seis mil, quinhentos e cinquenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) à primeira requerente A………. até que a acção administrativa principal seja definitivamente julgada, por conta do montante em que nessa sede se venha a condenar a Requerida e até ao Iimite máximo de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), para todos os efeitos e com todas as legais consequências.”

O TAF indeferiu tal pedido por não se verificar o fumus boni iuris.
As Requerentes apelaram para o TCA Norte mas este negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
É deste Acórdão que a Autora vem interpor a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Resulta da matéria de facto que, na sequência de um concurso público aberto pela Requerida, esta e a Requerente celebraram contrato de empreitada tendo a Requerente, para garantia da sua correcta execução, prestado caução no valor total de 498.957, 58 euros através de várias garantias bancárias. Realizada a empreitada, a Requerida recebeu-a provisoriamente por entender que a mesma ainda não estava totalmente executada mas nunca a recebeu definitivamente por entender que a mesma tinha defeitos que cumpria corrigir. Não tendo essa correcção sido efectuada a Requerida notificou o Banco garante para colocar à sua ordem o valor de uma daquelas garantias, no valor de 190.000,00 euros, quantia que foi creditada na conta da Requerida e debitada na conta da Requerente A……….
Inconformadas, a A…………. e a sua associada intentaram a presente medida cautelar pedindo a intimação da Requerida a pagar o montante de € 190.000,00 ou, no mínimo, a pagar à primeira Requerente, trimestralmente, o montante de € 6.551,25 até que a acção administrativa principal fosse definitivamente julgada.

O TAF começou por analisar se ocorria o fumus boni iuris e concluindo que este se não verificava indeferiu a requerida providência não conhecendo dos restantes requisitos exigidos pelo art.º 120.º do CPTA. Para retirar a conclusão de que se não verificava o fumus boni iuris referiu que importava provar se as obras exigidas pela Requerida eram devidas a defeitos de execução, à natural depreciação da obra ou ao seu mau uso. Sendo certo que aquela demonstração era incompatível com a natureza perfunctória e célere do processo cautelar, onde não era admitida a prova pericial. De resto, a recepção provisória da obra não garantia, por si só, a probabilidade de êxito da acção principal. Por isso concluiu que não se podia “considerar, para já, provável ou improvável que o pedido aqui acautelado venha a proceder na acção principal com esse fundamento.”

As Requerentes apelaram para o TCA sustentando não só a nulidade da sentença - por oposição entre os fundamentos e a decisão - como insurgindo-se contra o julgamento da matéria de facto - por os factos fixados serem insuficientes para se apreciar o periculum in mora. - E o Acórdão recorrido depois de afirmar que nenhum desses vícios procedia debruçou-se sobre o mérito nos seguintes termos:
“O que está em causa é uma garantia prestada por uma entidade bancária para protecção de problemas decorrentes da responsabilidade contratual das requerentes.
As requerentes não vêm invocar que tenham qualquer crédito sobre a Administração. Antes pelo contrário, vêm referir que nada devem e que nada lhes é devido. Sustentam que os problemas referidos pela Administração não se verificam. Apenas está em causa, é evidente, o montante decorrente da garantia. No entanto de notar que não está em causa um qualquer montante pago pelas requerentes ou um qualquer montante que tenha saído do seu património.
Ou seja, não está em causa um qualquer montante decorrente de um empobrecimento do património das requerentes. Assim sendo, não se compreende que o pedido feito pelas requerentes tenha como principal alvo o serem reembolsadas de 190.000,00 Euros, quanto tal montante não saiu do seu património.
O montante em causa decorre de uma garantia bancária e foi pago pela entidade bancária. Não podem as recorrentes pretender ser ressarcidas de um montante que não dispuseram. De notar que não se encontra alegado que já tivessem pago tal montante. Por seu lado mesmo o pedido referente ao pagamento do montante dos custos que têm de dispor por motivos de accionamento da garantia bancária é uma questão a resolver entre as requerentes e a entidade bancária, nada tendo a ver tal problema com a Administração. Os custos inerentes à garantia bancária são negociados entre quem necessita da garantia e a entidade que a presta, e até podiam ser nulos. É uma questão a resolver entre quem necessita da garantia e a entidade que a promove. Não é um custo do processo.
Ou seja, não estamos perante uma situação em que ocorra incumprimento da Administração no âmbito da realização de prestações pecuniárias, para que possa vir a ser deferido o pedido das requerentes.
De acrescentar que o deferimento da presente providência também iria colidir com o anteriormente decidido. Na verdade, como refere a recorrida, as requerentes interpuseram acção no sentido de obstar a que fosse accionada a garantia. Essa acção, que correu com o número 490/16.OBECBR, foi indeferida, por decisão deste Tribunal. Com base na presente providência pretendiam as requerentes retirar o mesmo efeito que não conseguiram com a acção anterior e já transitada em julgado.
Nem se diga como referem as recorrentes que a não aplicação do artigo 133.º à sua situação lhes vai retirar tutela.
A questão de a Administração poder ou não accionar a garantia bancária já foi decidida por este Tribunal no processo 490/16.OBECBR, não podendo vir agora as recorrentes argumentar que não dispuseram de tutela. Por seu lado, como já se concluiu, as recorrentes não dispuseram do montante solicitado, pelo que não podem vir solicitar o seu pagamento, como o fazem no presente pedido.
Tendo em atenção todo o exposto conclui-se que o pedido solicitado pelas requerentes não pode vir a ser ressarcido através da presente providência cautelar, pelo que embora com outra fundamentação, mantém-se a decisão recorrida.”

3. É sabido que as providências cautelares se destinam a evitar que o tardio julgamento do processo principal possa determinar a inutilidade da decisão nele proferida e que, por via disso, o interessado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a reversão da situação actual à situação que ocorreria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.
Por ser assim é que as mesmas se caracterizam pela sua provisoriedade e instrumentalidade em relação à acção principal, características que se revelam não só no facto dos mesmos não se destinarem a ditar em definitivo o direito mas, apenas e tão só, a possibilitar que o direito que nele irá ser estabelecido ainda possa ter utilidade, como na circunstância dos mesmos só fazerem sentido enquanto a acção principal não for decidida.

Ora, o Acórdão recorrido assevera que o mérito da pretensão das Requerentes – saber se a entidade demandada agiu ilegalmente quando solicitou ao Banco garante a valor da garantia prestada – foi já decidido e foi-o em desfavor da pretensão das Requerentes. Com efeito, lê-se naquele Aresto que “as requerentes interpuseram acção no sentido de obstar a que fosse accionada a garantia. Essa acção, que correu com o número 490/16.OBECBR, foi indeferida, por decisão deste Tribunal. Com base na presente providência pretendiam as requerentes retirar o mesmo efeito que não conseguiram com a acção anterior e já transitada em julgado.” Se assim é, não faz sentido admitir-se esta revista uma vez que se sabe que a questão de mérito que lhe está subjacente já foi decidida e foi-o em desfavor da pretensão das Requerentes.
No entanto, mesmo que assim não fosse, uma outra razão aconselhava a que se não admitisse a revista.
Com efeito, o litígio que está subjacente à pretensão aqui formulada respeita a uma divergência entre Recorrentes e Recorrida relativamente à eventual existência de anomalias na execução do contrato de empreitada que as ligou, visto as primeiras sustentarem a sua inexistência e a Requerida entender que elas são patentes e, por essa razão, ter quebrado a caução. Divergência que, como é evidente, só poderá ser resolvida em sede de acção principal.
Sendo assim, e sendo de concluir que as instâncias decidiram convergentemente, ainda que com diferente fundamentação, e que a apreciação da questão efectuada no acórdão recorrido é plausível, não é necessária a intervenção deste Tribunal para melhor aplicação do direito. Ao que acresce não virem suscitadas questões de ordem jurídica ou social que assumam importância fundamental.

DECISÃO.
Termos em que, em conformidade com o exposto, os Juízes que compõem este Tribunal, nos termos do art.º 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.