Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0589/17.5BEPNF 0611/18
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
RESPONSABILIDADE
PAGAMENTO
DIREITO DE AUDIÊNCIA E DEFESA
Sumário:Atento a que não seria particularmente difícil obter indicação da sede actual da recorrente, terá de prevalecer o direito de defesa da recorrente perante a imputação que lhe é feita, atento o carácter sancionatório do procedimento contraordenacional e que a Constituição assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa (cfr. o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República), direitos estes postergados se se entender que a recorrente se presume notificada, mesmo que a notificação não tenha sido enviada para a sua sede actual, e como tal viu precludido o seu direito de identificar o condutor do veículo agente da infração.
Nº Convencional:JSTA000P23948
Nº do Documento:SA2201812120589/17
Data de Entrada:06/19/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 9 de Março de 2018, que julgou improcedente o recurso da decisão administrativa de aplicação de coima que, nos autos e nos treze processos apensos, aplicou em cada um deles coima, acrescida de custas, por falta de pagamento da taxa de portagem, infração p.p. pelos arts. 55.º, n.º 1, alínea b) e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, condenando-a numa coima única de €4.043,18 (quatro mil e quarenta e três euros e dezoito cêntimos).
A recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos (que numerámos):
1. Por sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo, a 9 de Março de 2018, foi julgado improcedente o recurso judicial tendo condenado a Recorrente na coima única de €4.043,18 (quatro mil e quarenta e três euros e dezoito cêntimos).
2. A recorrente discorda da decisão ora recorrida.
3. Dado que as cartas foram enviadas para uma sede que já não era a sede atual da Recorrente, sendo as mesmas devolvidas com a anotação “Encerrado”, implica que era efetivamente do conhecimento da entidade responsável pela cobrança das portagens não ser essa a morada correta.
4. Nos termos do artigo 11.º da referida lei, “para efeitos de emissão do auto de notícia quando não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, as concessionárias, as sub-concessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem e as entidades gestoras de sistemas eletrónicos de cobrança de portagens podem solicitar à conservatória do Registo Automóvel os dados de identificação do proprietário do veículo”.
5. Porém, não resulta do artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, qualquer presunção inilidível que a morada constante da Conservatória do Registo Automóvel corresponda efetivamente à sede da recorrente.
6. Ora, face à referida devolução da correspondência cabia à entidade responsável pela cobrança das portagens diligenciar pela obtenção da informação relativa à sede atual da Recorrente.
7. A este propósito leia-se o Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Abril de 2013, relator Pedro Vaz Pato in www.dgsi.pt, onde refere “…a entidade titular da fase administrativa do processo sabia que a morada constante do registo automóvel não correspondia ao domicílio do arguido (pois essa era a informação constante das cartas remetidas para essa morada e sempre devolvidas). Cabia-lhe diligenciar pela obtenção de informação relativa ao domicílio atual do ora recorrente, de modo a que lhe fosse assegurada a possibilidade de defesa, como decorre da aplicação subsidiária dos princípios e regras do processo penal (aplicáveis nos termos do artigo 41.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
8. Refere a sentença recorrida que é da responsabilidade da Recorrente manter atualizada a morada constante do registo automóvel, sendo a eventual falta de atualização da sua responsabilidade.
9. O veículo automóvel foi vendido no dia 3 de janeiro de 2015 a B…………, contribuinte n.º ………, conforme declaração já junta aos autos.
10. A adquirente assinou a declaração, junta aos autos, na qual se comprometeu a efetuar o registo da transmissão da propriedade, bem como, se responsabilizou por todos os encargos inerentes à sua circulação.
11. A recorrente estava convicta de que o mesmo teria sido realizado.
12. Como tal, não alterou a sede constante no Registo Automóvel no que a esse veículo diz respeito.
13. A interpretação do artigo 14.º n.º 3 da lei n.º 26/2006, no sentido de presumir, sem prova em contrário, que a recorrente foi regularmente notificada, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa que garante o direito de defesa dos arguidos em processos de contra-ordenação e o artigo 50.º do DL 433/82 de 27 de Outubro, ao impedir que o mesmo seja, efetivamente, notificado de forma a poder participar no processo com vista à descoberta da verdade material.
14. Leia-se a este propósito o Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Abril de 2013, relator Pedro Vaz Pato in www.dgsi.pt, onde refere “No âmbito de um processo de contra-ordenação relativo à falta de pagamento de taxas de portagem devidas em infra-estruturas rodoviárias, não se verifica a presunção inelidível de que o domicílio do arguido (onde deva ser notificado) é o que consta da Conservatória do Registo automóvel”.
15. Destarte, não tendo a recorrente sido notificada nos termos da lei não pôde exercer o seu direito de audição e defesa, tendo sido violado o disposto no artigo 50.º do RGCO, aplicável por força do disposto no artigo 18.º da aludida Lei n.º 25/2006, configurando nulidade insanável por violação do disposto no artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, sendo, como tal, nulo todo o processado posterior ao auto de notícia.
Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que anule a decisão de aplicação de coima, por ser ilegal o entendimento aplicado pelo Tribunal a quo quanto à notificação efetuada pela concessionária nos termos do artigo 10.º e 14.º da lei n.º 25/2006 de 30 de junho, com as demais consequências.


2 – O Ministério Público junto do TAF de Penafiel, na sua resposta, sustentou a confirmação do julgado recorrido e o não provimento do recurso interposto.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 158 a 160 dos autos, concluindo nos seguintes termos: “Tendo a recorrente vindo invocar em recurso de contraordenação que tinha já vendido o veículo em causa a terceiro que identifica devidamente e não ser a condutora do mesmo à data dos factos, é de admitir a elisão da presunção que resultava quanto à notificação, de modo a salvaguardar adequadamente o direito de defesa previsto no art. 32.º, n.º 10 da CRP.// Assim se entendendo, é de anular a sentença recorrida e mandar baixar os autos para que se conheça da matéria suscitada no recurso da decisão de aplicação de coima.”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o recurso de contra-ordenação por ter considerado a recorrente válida e regularmente notificada e precludido o direito de identificar o condutor do veículo.

5 – Apreciando.
5.1. Da presunção de notificação e da preclusão do direito de identificar o condutor do veículo
A decisão recorrida, a fls. 102 a 107 dos autos, no segmento sindicado, perante a alegação da recorrente pugnando pela absolvição das contraordenações porque não praticou as infracções em causa já que à data das infrações não era a proprietária, nem tinha a posse do veículo, porque o tinha vendido em 03/01/2015, a B…………, que assinou um termo de responsabilidade para efetuar o registo da transmissão da propriedade e de todos os encargos inerentes à sua circulação e que em virtude da mudança de sede só tomou conhecimento das infrações tardiamente, julgou improcedente o recurso fundamentando o decidido nos seguintes termos (cfr. decisão recorrida, a fls. 103/104 dos autos):
«Não obstante os motivos invocados a recorrente não tem razão.
Vejamos.
A entidade responsável pela cobrança das portagens notificou regularmente a recorrente, na qualidade de proprietária do veículo que cometeu as infrações, por carta registada com aviso de receção remetida para a morada do registo automóvel do veículo que cometeu a infração, que foi devolvida à remetente com a anotação “Encerrado”.
Esta notificação tinha o teor da notificação de folhas 20 a 21 A, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que as notificações dos processos apensos tinham a mesma redação com as devidas adaptações.
Depois da devolução das notificações por carta registada com aviso de receção, a entidade responsável pela cobrança das portagens notificou regularmente a recorrente por carta simples reenviada para a recorrente e para a mesma morada que constava da notificação anterior.
Esta notificação tinha o teor de fls. 22 a 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que as notificações dos processos apensos tinham a mesma redação com as devidas adaptações.
Daqui resulta que a recorrente tem de julgar-se válida e regularmente notificada nos termos dos arts. 10.º e 14.º da lei 25/2006, de 30 de junho.
Por força do art. 10.º, n.º 6, da referida Lei, o direito de ilidir a presunção de responsabilidade prevista no seu n.º 3, tem de considerar-se definitivamente precludido, por não ter sido exercido no prazo referido no n.º 1.
Apesar da recorrente ter alegado que alterou a sua sede e que vendeu o veículo que praticou as infrações em 03/01/2015 a B…………, esses factos não são bastantes para excluir a sua responsabilidade.
Por um lado, porque é da sua responsabilidade manter atualizada a morada constante do registo automóvel, sendo a eventual falta de atualização da sua responsabilidade.
Por outro lado, o facto de ter vendido o veículo e da compradora ter assinado o termo de responsabilidade, não iliba a recorrente porquanto tinha de ter identificado o condutor na sequência da notificação realizada nos termos do art. 10.º e no prazo procedimento de inspeção fixado. Não o tendo feito ficou precludido o direito de ilidir a presunção do art. 10.º n.º 3 da Lei n.º 25/2006.
Apesar de ter alegado que não praticou a infração, a recorrente não pode ser desresponsabilizada pela prática das infrações por não ter identificado o condutor do veículo no momento da prática da infração e não ilidido legalmente a presunção de responsabilidade prevista no art. 10.º, n.º 3, da Lei n.º 25/2006, na qualidade de proprietária do veículo.
Nesta parte, também improcede o recurso.»

Discorda do decidido a recorrente, alegando que dado que as cartas foram enviadas para uma sede que já não era a sede atual da Recorrente, sendo as mesmas devolvidas com a anotação “Encerrado”, implica que era efetivamente do conhecimento da entidade responsável pela cobrança das portagens não ser essa a morada correta, que não resulta do artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, qualquer presunção inilidível que a morada constante da Conservatória do Registo Automóvel corresponda efetivamente à sede da recorrente, pelo que face à referida devolução da correspondência cabia à entidade responsável pela cobrança das portagens diligenciar pela obtenção da informação relativa à sede atual da Recorrente, sob pena de violação dos seus direitos de defesa, que estava convicta que o registo automóvel fora actualizado pela adquirente do veículo, que se comprometera a fazê-lo e que a interpretação do artigo 14.º n.º 3 da lei n.º 26/2006, no sentido de presumir, sem prova em contrário, que a recorrente foi regularmente notificada, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa que garante o direito de defesa dos arguidos em processos de contra-ordenação e o artigo 50.º do DL 433/82 de 27 de Outubro, ao impedir que o mesmo seja, efetivamente, notificado de forma a poder participar no processo com vista à descoberta da verdade material, sendo nulo todo o processado posterior ao auto de notícia.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos pronuncia-se no sentido de admitir a elisão da presunção que resultava quanto à notificação, de modo a salvaguardar adequadamente o direito de defesa previsto no art. 32.º, n.º 10 da CRP e, assim se entendendo, é de anular a sentença recorrida e mandar baixar os autos para que se conheça da matéria suscitada no recurso da decisão de aplicação de coima.
Vejamos.
A decisão recorrida é aparentemente conforme à Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho: a recorrente foi notificada por carta registada com aviso de recepção para a sede que constava do registo automóvel e, tendo esta sido devolvida, foi reenviada para o mesmo endereço através de carta simples, como estabelecem os n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, o que permite fazer funcionar a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 14.º, de que a notificação se considera efetuada no 5.º dia posterior à data indicada, cominação que deverá constar do ato de notificação.
Sucede, porém, que a sede para a qual a notificação foi enviada, embora presumivelmente fosse a constante do Registo Automóvel, não era já a sede da recorrente, não tendo a concessionária procurado obter por outra via informação sobre qual seria a sua sede actual.
Neste contexto, deve dar-se prevalência aos interesses da concessionária, de cobrança da taxa devida e coima pelo seu não pagamento ou aos da recorrente, de defesa perante a imputação da infração que lhe é dirigida e que, de outro modo, vê precludido o seu direito de identificar o condutor do veículo, agente da contraordenação (cfr. o n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006)?
Atento a que não seria particularmente difícil obter indicação da sede da recorrente – pois a sede das sociedades consta do Registo Comercial e uma simples busca na internet permite aceder a tal informação, que não é de carácter reservado –, parece que terá de prevalecer o direito da recorrente de defesa perante a imputação que lhe é feita, atento o carácter sancionatório do procedimento contraordenacional e que a Constituição assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa (cfr. o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República), direitos estes postergados se se entender que a recorrente se presume notificada, mesmo que a notificação não tenha sido enviada para a sua sede actual, e como tal viu precludido o seu direito de identificar o condutor do veículo agente da infração.
Assim, como sugere o Ministério Público junto deste STA, haverá que considerar não estar precludido o direito da recorrente de identificar o condutor do veículo agente da infração por forma a assegurar à recorrente o seu direito de defesa perante a imputação que lhe foi feita, devendo, como tal, no provimento do recurso, revogar-se a sentença recorrida no segmento sindicado e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que decida da responsabilidade pelo pagamento, depois de realizadas as diligências de prova tidas por necessárias.

O recurso merece provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida no segmento impugnado, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que julgue da responsabilidade pelo pagamento, depois de realizadas as diligências de prova tidas por necessárias, admitindo-se não estar precludido o direito da recorrente de identificar o agente da contraordenação.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.