Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01302/16.0BEAVR
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
ACÓRDÃO FUNDAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:I - O artº.280, nº.5, do C.P.P.T., na redacção anterior à introduzida pela Lei 118/2019, de 17/09, previa que era sempre admissível recurso ("per saltum"), independentemente do valor da causa e das alçadas:
a-De decisões;
a-Que perfilhem solução oposta;
c-Relativamente ao mesmo fundamento de direito;
d-Na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica;
e-Com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
II - Por outras palavras, o recurso por oposição de julgados tinha por objecto sentenças proferidas em 1ª. Instância, mais não se encontrando limitado pelo valor da causa/alçada. A competência para o conhecimento do recurso por oposição de julgados cabia à Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. (cfr.artºs.280, nº.5, do C.P.P.T., e 26, al.b), do E.T.A.F.). A decisão recorrida adopta uma solução oposta, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável (ou seja, as decisões judiciais em confronto chegam a conclusões contrárias apenas por força de uma diferente interpretação jurídica da norma em causa), face à defendida em mais de três sentenças do mesmo ou outro Tribunal de igual grau hierárquico. As sentenças (ou acórdãos de Tribunal de hierarquia superior) fundamento da oposição de julgados já devem ter transitado em julgado. Mais se deve exigir que estejamos perante decisões expressas em sentido antagónico. Por último, que a decisão recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada no S.T.A.
III - Entre os requisitos de admissibilidade do recurso com fundamento em oposição de julgados inclui-se a necessidade de terem transitado em julgado as decisões invocadas como fundamento, pois, relativamente a decisões não transitadas, existe a possibilidade de as questões que delas são objecto serem decididas diferentemente em eventual recurso jurisdicional e, por isso, não se está ainda perante uma situação de tratamento desigual (oposição de julgados), justificação deste recurso excepcional previsto no artº.280, nº.5, do C.P.P.T., pelo que, nesse caso o recurso não pode ser admitido.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28492
Nº do Documento:SA22021111001302/16
Data de Entrada:12/06/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença, proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.185 a 193 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação, intentada pelo ora recorrido, A…………………, visando liquidação de Imposto Único de Circulação (I.U.C.), respeitante ao ano de 2016 e no valor total de € 711,87.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.195 e 218 a 223 do processo físico) deduzido ao abrigo do artº.280, nº.5, do C.P.P.T., formulando as seguintes Conclusões:
I-A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………., a qual tem por objeto a liquidação de IUC n.º 60541545, de 12.09.2016, respeitante ao ano de 2016, no valor de € 711,87, vem requer a sua revogação e substituição, por decisão que a considere totalmente improcedente;
II-Compulsado o teor da sentença ora posta em crise, constata-se que o douto Tribunal a quo anulou a liquidação em causa, por considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) errou nos pressupostos em que se ancorou para liquidar IUC, ao dar relevância, para efeitos de tributação, à data da matrícula em Portugal (25.12.2008), em vez de atender à data da matrícula no Reino Unido (31.12.1929);
III-Não podendo a ora Recorrente manifestar concordância com o doutamente vertido em tal decisão, entende que a questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o douto Tribunal recorrido incorreu em incorreta interpretação e aplicação das regras contidas nos art.s 2.º, 4.º e 6.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC);
IV-O veículo in quaestio teve a sua primeira matrícula no Reino Unido (31.12.1929), sendo, ulteriormente, matriculado em Portugal em 25.12.2008, com uma “matrícula de época”, através da combinação alfanumérica ………..;
V-Com efeito, no caso em apreço verifica-se tão só a existência de uma viatura proveniente do Reino Unido onde tinha a matrícula ……….. e que, a pedido do interessado, obteve em Portugal uma matrícula da época, condizente com o respetivo ano de fabrico;
VI-Daí que, sendo o veículo em causa matriculado ex novo, em data posterior a 01.07.2007, como demonstram os documentos juntos pelo agora Recorrido, os quais remetem para a data de 25.12.2008, ter-se-á que concluir que é esta a data da primeira matrícula do veículo em território nacional, pese embora usufruindo de uma combinação de letras e números anteriormente utilizada, por força do seu reconhecido interesse museológico;
VII-Ora, o CIUC, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29/06, que entrou em vigor no dia 01.07.2007, na redação então em vigor, dispunha, no n.º 1 do seu art. 2.°, que o imposto único de circulação incide sobre os veículos (...) matriculados ou registados em Portugal: a) Categoria A (automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código); b) Categoria B (automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;
VIII-Com efeito, a alteração legislativa provocada pela reforma da tributação automóvel operada pela Lei n.º 22-A/2007 teve por princípio orientador a passagem de parte da carga fiscal para a fase da circulação, e na introdução de uma componente ambiental, expressa nas emissões de dióxido de carbono (CO2), que passou a enformar a base tributável, tanto do imposto de aquisição (matrícula), do Imposto Sobre Veículos, como do imposto de circulação, o IUC;
IX-Como tal, no âmbito da incidência temporal, previa o art. 4.º do CIUC que, sendo um imposto de periodicidade anual, e referindo-se à circulação e efeito ambiental do veículo, o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil relativamente aos veículos das categorias F e G (cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 4.º);
X-À luz do mesmo quadro normativo, o imposto incidente sobre os veículos da categoria A, B, C, D e E é devido até ao cancelamento da matrícula, em virtude de abate realizado nos termos da lei;
XI-Ressalta do exposto que, no caso vertente, estamos inequivocamente perante uma viatura integrada na categoria B, a qual, segundo o disposto no art. 2.º n.º 1 al. b) do CIUC, está sujeita ao IUC constante na liquidação sindicada nos presentes autos;
XII-A sua introdução em circulação em território nacional, atestada, pela primeira vez, com a matrícula de 25.12.2008, consubstancia o início de ciclo de vida contributiva do veículo;
XIII-O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional e considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do art. 4.º do mesmo diploma, que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários (cfr. n.ºs 1 e 3 do art. 6.º do CIUC);
XIV-Importa reter que o art. 2.º do CIUC é unívoco ao enunciar que a incidência objetiva se afere pela matrícula ou registo em Portugal, não relevando, como se sugere na douta sentença recorrida, a data da primitiva matrícula estrangeira;
XV-Como bem se enfatiza no douto Acórdão do TCA Norte, proferido em 25.05.2018, no âmbito do processo n.º 00305/14.3BEPRT, «(…) como resulta do texto legal não resulta qualquer relevância a matrículas efetuadas em países estrangeiros. Pelo contrário, a lei expressamente determina que o IUC incide sobre os veículos matriculados ou registados em Portugal (art.º 2/1 CIUC) e que o respetivo facto gerador é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6º/1 CIUC) e que as taxas do imposto são as que estiverem em vigor no momento em que ele se torna exigível (art.º 8º/1 CIUC), sendo que no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo (art.º 17º/1 CIUC). A partir desta formulação legal, resulta claro que a lei portuguesa não reconhece qualquer relevância para efeitos de IUC à matrícula efetuada noutros países nem à data da sua aquisição, mas sim à data da matrícula ou registo em Portugal»;
XVI. Afigura-se-nos, assim, que o Tribunal a quo, ao decidir que a viatura matriculada no Reino Unido, em 31.12.1929, ou seja, em data anterior a 1981, escapa às regras de incidência objetiva do IUC, laborou numa incorreta interpretação dos art.s 2.º, 4.º e 6.º do CIUC.
X
O impugnante e ora recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.226 a 246-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Tendo em conta o valor da acção - 711,87€ - não é admissível recurso, por ser inferior ao da alçada fixada para os Tribunais de 1ª instância;
2-Tendo em conta a Recorrente não ter cumprido os requisitos do nº 1 do artigo 284º do Código de Processo Civil, o recurso não pode ser admitido pelo nº 5 do artigo 280º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, sendo que o cumprimento daqueles requisitos foi efectuado intempestivamente, através de um requerimento apresentado em 25.10.2018, que a lei não admite, tendo sido portanto, cometida nulidade que o Recorrido expressamente invoca para todos os efeitos legais;
3-O Tribunal “a quo” admitiu o recurso através de Despacho que não é vinculativo para o Tribunal superior, podendo esse Venerando Tribunal não conhecer do mesmo, o que muito respeitosamente requer a Vossas Excelências;
4-Foram já proferidas próximo de centena e meia de Decisões de variados Tribunais do pais, todas transitadas em julgado, que apreciaram a mesma questão ou fundamento de direito, precisamente no mesmo sentido da Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ora posta em crise, sendo que de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 8º, do Código Civil “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”;
5-O presente recurso é destituído de qualquer fundamento legal, a Douta Sentença recorrida não é susceptível de qualquer reparo e faz correcta e justa aplicação do direito. A questão de direito em causa nos presentes autos é a interpretação da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Código do Imposto Único de Circulação, na parte “matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código”;
6-Na maioria das situações em que esta questão de direito foi julgada, estamos perante veículos antigos, como o dos presentes autos, que a Recorrente faz querer terem sido matriculados após 1 de Julho de 2007, quando os mesmos foram matriculados há dezenas de anos;
7-Da norma legal em análise “matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código”, refere-se aos veículos que recebam a primeira matrícula, pois o conceito de matricular um veículo para efeitos do CIUC é naturalmente para veículos novos (com referência ao ano de fabrico), como considerado Doutamente pelo Tribunal “a quo” e pelos diversos Tribunais que proferiram as Sentenças nos processos identificados na presente contra alegação;
8-Da Lei não resulta que devam ser integrados na Categoria B veículos matriculados pela primeira vez em Portugal, ou por referência ao Estado Português, mas matriculados inicialmente, independentemente do país de origem. Os veículos a partir do momento em que seja registado em Portugal, o seu proprietário fica sujeito ou não ao pagamento de IUC de acordo com as características e datas de matrícula originais do veículo;
9-Nos autos foi dado como provado que a primeira matrícula do veículo é 31.12.1929, o que significa que o ano de fabrico é 1929 ou anterior pelo as datas das matrículas que o veículo automóvel ………… teve ou tem são todas muito anteriores a 1 de Julho de 2007, mas mesmo assim geraram a liquidação do Imposto Único de Circulação no ano de 2016 como se fosse da categoria B de IUC;
10-Mais foi dado provado nos autos que o veículo foi introduzido em território nacional, no ano 2007, em concreto em 19.06.2007 como resulta da DAV junta aos autos sob doc. nº 3 anexo à Petição Inicial, mas apesar do Clube Português de Automóveis Antigos ter declarado em 11.06.2007 que este veículo automóvel tinha interesse museológico para o Património Cultural Nacional, emitindo parecer no sentido de lhe ser atribuída uma matrícula da época, ficou sem matrícula desde 20.06.2007, e por motivos exclusivamente imputáveis às Autoridades Portuguesas, nomeadamente o então IMTT, só lhe foi atribuída a matricula já na vigência do Código do Imposto Único de Circulação, com a interpretação abusiva e ilegal de que se trata de matrícula nova em carro novo alegadamente matriculados a partir de 1 de Julho de 2007, quando na verdade o foi na sua época (1929) há algumas décadas atrás;
11-Mais ficou provado que “foi atribuída a matrícula …………. do ano 1929 ao veículo ligeiro de passageiros de marca Rolls-Royce, modelo 20 HP”, tendo o IMTT praticado um acto administrativo de reposição em circulação dessa matrícula, nada mais tendo sido dado como provado a esse propósito pelo Tribunal “a quo”, e bem, pois o veículo não foi matriculado em 2008;
12-A única verdadeira matriculação ocorrida neste veículo foi necessariamente a de 31.12.1929, única dada como provada, e que pode relevar nos termos do Código em vigor;
13-De forma também ilegal, arbitrária, e sobretudo, inverídica, o IMTT na informação que faz constar no Documento Único Automóvel, fez constar como “data da matrícula a que se refere o certificado” a data moderna de 2008, o que é desde logo falso, pois a data da matrícula a que se refere o certificado (………..) nunca poderia ser de 2008, em que nas matriculas de 2008 as letras se situam no meio e não no início, o que é do senso comum, sendo, no entanto, do perfeito conhecimento do próprio IMTT a data verdadeira da matrícula ………;
14-Toda essa informação que consta da base de dados do IMT é toda disponibilizada por este à Autoridade Tributária que tem o sistema informático montado para ir “beber” a data mais moderna que lhe é disponibilizada pelo IMT, independente da data da primeira matrícula, essa sim a data da matriculação dos veículos. A explicação é simples e do conhecimento geral, quanto mais moderno for considerado o veículo, mais o seu proprietário paga IUC, e muitos dos veículos matriculados antes de 1 de Julho de 2007, em concreto os matriculados antes de 1981 (os chamados automóveis antigos) nada pagam pois sobre os mesmos não incide imposto, como é o caso dos presentes autos, veículo de 1929 rebatizado em 2007/2008 pela Autoridade Tributária para ser cobrado imposto ao proprietário;
15-Não releva para efeitos de pagamento de IUC, seja de que veículo for, a data de reposição em circulação de uma matrícula num veículo, mas sim a sua matrícula em novo, sendo que o veículo em causa nestes autos em 2016 tinha já 87 anos, sendo completamente perverso transformar um veículo com algumas dezenas de anos, num veículo semi-novo, neste caso sendo alegadamente do ano 2007/2008, em 2016 quando o imposto foi liquidado teria 8 ou 9 anos, para efeitos de liquidação de imposto único de circulação;
16-A liquidação deste imposto pela Autoridade Tributária é uma grave violação do princípio da igualdade e da regra geral de igualdade tributária, uma vez que outros cidadãos contribuintes que têm um veículo da mesma marca, modelo, cilindrada, e do mesmo ano, e sempre tiveram a mesma matrícula nacional, estão bem classificados na Categoria A de IUC, por terem matrícula anterior a 1 de Julho de 2007, e nada pagam de IUC;
17-A Fazenda Pública na base de dados a que tem acesso do IMTT, da qual “bebe” a informação, tem conhecimento da data da primeira matrícula do veículo – 31.12.1929 – que a Fazenda Pública neste caso se “esqueceu” de considerar, isto em sentido contrário ao seu próprio entendimento expresso na Instrução IUC – 1/2008, que sancionou um conjunto de instruções, dirigidas aos Directores e Chefes de Finanças, face a dúvidas reportadas nomeadamente pelos Serviços de Finanças e contribuintes – cfr. doc. nº 5 junto à Petição Inicial – onde pode ler-se que se do documento único de circulação constar a data da matrícula inicial é essa que deve ser considerada, mas a prática é a oposta devido à forma como está montado o sistema informático da Autoridade Tributária que vai buscar a data mais moderna, para cobrar imposto que da forma legal não cobraria;
18-O entendimento e interpretação da Fazenda Pública constante da Instrução IUC – 1/2008 acima referida e junta aos autos sob doc. nº 5 anexo à Petição Inicial, está correcta, e faz uma leitura correcta dos preceitos do Código do Imposto Único de Circulação, mas na prática tem comportamento oposto, como no caso dos presentes autos, pelo que a actuação da Autoridade Tributária deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignora tem um nome;
19-Distinguir automóveis da mesma data pelo local onde foi primeiramente matriculado, não sujeitando a imposto um veículo matriculado em Portugal antes de 1981, e sujeitando a imposto um outro veículo exactamente igual mas matriculado noutro país antes de 1981, é manifestamente ilegal, desde logo por violação do principio da igualdade e da regra geral de igualdade tributária, em que dois cidadãos com dois veículos exactamente iguais são diferenciados na sujeição ao imposto único de circulação, ou não sujeição ao mesmo imposto, em função da nacionalidade da primeira matrícula;
20-O veículo Rolls Royce em questão foi efectivamente matriculado pela primeira vez no ano de 1929, que é o que releva em face da lei vigente (matriculado antes ou depois de 1 de Julho de 2007 e em função disso integrar as categorias A ou B de IUC, respectivamente), já não sendo exacto que o foi em Portugal, o que nos termos da Lei vigente nada releva;
21-Da lei resulta que o imposto incide sobre veículos matriculados ou registados em Portugal, estando excluídos os matriculados ou registados por exemplo em Espanha, França ou Alemanha, o que é óbvio e mais do que evidente, mas ao contrário do que é referido pela Fazenda Pública, a Lei já não refere na alínea a) e b) do nº 1 do artigo 2º do CIUC que o ano da matrícula se refere por referência ao Estado Português e bem, na óptica da Douta Jurisprudência que vem sendo praticada por muitos Tribunais conforme acima referido (nomeadamente o TAF do Porto, Braga, Penafiel, Loulé e Beja) no âmbito das Sentenças, todas transitadas em julgado, proferidas em situações análogas;
22-Faz todo o sentido que a norma de incidência objectiva se refira aos veículos matriculados em Portugal, pois sempre seria possível considerar-se que todos os veículos que circulassem em Portugal (independentemente de terem sido registados ou não em Portugal) estariam no âmbito da incidência objectiva da norma – não sendo tal claramente a vontade do legislador;
23-Seria violador do direito sufragar o entendimento da Fazenda Pública de que o que conta é a data de matrícula no Estado Português, pois se assim se entendesse, estaria o Estado Português a tratar de forma diferente dois veículos exactamente iguais mas a diferenciá-los em função da nacionalidade da primeira data de matrícula;
24-É perfeitamente perceptível que o legislador pretendeu não sujeitar a IUC os automóveis ligeiros de passageiros anteriores a 1981, vulgo carros antigos, aliás, na linha em vigor até à entrada em vigor do CIUC, em que veículos que atingissem 25 anos deixavam de pagar o então designado imposto de selo de circulação automóvel. Acresce que o legislador também não pretendeu equiparar um veículo matriculado pela primeira vez em 1929, com 87 anos à data da liquidação impugnada (2016), como se fosse um veículo semi-novo com apenas 8 ou 9 anos;
25-A alusão no proémio do artigo 2º nº 1, do CIUC aos veículos matriculados ou registados em Portugal, tem como única intenção expressar que só os veículos que tenham matrícula portuguesa e estejam registados nas Conservatórias do Registo Automóvel Portuguesas estão sujeitos a Imposto Único de Circulação, o que é, de resto, por demais evidente, estando excluídos da sujeição a este imposto os veículos com matrículas e registados noutros países, seria até absurdo tributar em Portugal veículos registados noutros países;
26-Tal tributação seria impossível, pois a Autoridade Tributária só tem acesso à base de dados do IMT de um veículo, logo que o mesmo seja adquirido por um cidadão em Portugal, e seja registado nas Conservatórias do Registo Automóvel Portuguesas, tributando pois a propriedade do veículo (a cidadão português ou estrangeiro) a partir do conhecimento da aquisição da propriedade desse veículo;
27-Efectivamente da lei resulta veículos matriculados, antes ou depois de 1 de Julho de 2007, mas a Autoridade Tributária quer acrescentar à Lei o que dela não consta matriculados “pela primeira vez em Portugal” pós 1 de Julho de 2007, o que não tem qualquer correspondência com a prática, em que a Autoridade Tributária vai “beber” a data mais moderna que lhe é disponibilizada pela base de dados do IMT, e não a data da matriculação em Portugal;
28-Faz cair definitivamente por terra o exemplo indicado na contra-alegação, supra, do veículo de 1974 importado para Portugal em 1999, que nunca pagou IUC, e após o seu proprietário ter solicitado e lhe ter sido atribuída uma matricula da época no ano de 2010, foi-lhe liquidado imposto como se o veículo tivesse siso matriculado em Portugal em 2010, quando na verdade o tinha sido em 1999, mas tal não gerava qualquer pagamento de imposto pelo proprietário desse veículo;
29-Na tese da Fazenda Pública, o veículo referido na conclusão anterior teria de estar integrado na categoria A de IUC por ser alegadamente de 1999 (data da matriculação em Portugal, que nada releva na lei vigente), mas na primeira oportunidade o Fisco logo colocou tal veículo na categoria B de IUC por alegadamente ser do ano 2010, para cobrar ao seu proprietário 505,66€ de imposto único de circulação por ano, quando se respeitasse a Lei, o proprietário desse veículo não estava sujeito a IUC por ser anterior a 1981, e nada pagaria, exemplo este que deita por terra o argumento absurdo da Fazenda Pública de que a data da matriculação em Portugal é que releva nos termos da Lei, e deita definitivamente por terra o presente recurso;
30-O veículo em causa nos presentes autos não se encontra incluído na norma de incidência objectiva da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do CIUC, mas sim nos elementos de exclusão da norma de incidência objectiva da alínea a), ou seja, o veículo em questão nos presentes autos, não se encontra sujeito à norma de incidência objectiva tal como consta da liquidação impugnada, uma vez que o veículo foi matriculado pela primeira vez no ano de 1929, muito antes de 1 de Julho de 2007, sendo por isso da categoria A de IUC;
31-A reposição de matrícula anteriormente cancelada é equiparada ao registo inicial quando se verificar alteração de proprietário, o que decorre dos números 3 e 4 do artigo 47º do Regulamento do Registo de Automóveis – Decreto 55/75 de 12 de Fevereiro na sua versão actualizada;
32-Na mesma linha vinda de referir, de que no Código do Imposto Único de Circulação releva a data da primeira matrícula dos veículos, para em função disso serem integrados na categoria de IUC respectiva, no Código do Imposto Sobre Veículos (ISV), entrado em vigor na mesma altura, também releva a data da primeira matrícula do veículo para a liquidação deste imposto;
33-O Fisco não liquidou ISV – Imposto sobre veículos relacionado com a importação deste automóvel – cfr. DAV – Declaração aduaneira de veículo que faz parte integrante do doc. nº 3 junto à Petição Inicial, antes aplicou o chamado regime ISV especial porquanto o veículo foi matriculado em 1929, e por isso importado ao abrigo do DL 40/93 de 18 de Fevereiro em vigor no momento da entrada do veículo em território nacional – 19.06.2007 – data em que o veículo teria de ter tido uma matrícula portuguesa, o que só aconteceu bastante tempo depois, quando foi praticado pelo IMTT um acto administrativo de reposição em circulação de uma matrícula da época do veículo, já na vigência do CIUC, com a interpretação abusiva e ilegal de que se trata de uma matrícula nova colocada num veículo novo;
34-No Código do ISV é considerada a data de atribuição da primeira matrícula, e da matriculação pela primeira vez, tendo obrigatoriamente em conta a primeira matrícula do veículo, ou seja, a antiguidade do veículo é considerada, como não podia deixar de ser, o que, conforme já supra referido, também aconteceu com o veículo em causa nos presentes autos. O legislador destes códigos pretendeu sempre relevar a data da matriculação em novo, pretendeu referir-se à data da matriculação em novo, ou seja, à data da primeira matrícula, e não a qualquer outra;
35-Em sede de ISV foi aplicada a Lei em vigor antes de 01 de Julho de 2007, a data da primeira matrícula e a antiguidade que o veículo efectivamente tem, algumas dezenas de anos, o que significa que o Fisco reconheceu já no âmbito de outro imposto que liquidou relacionado com este veículo, que este veículo é de 31.12.1929 – data da primeira matrícula, e necessariamente anterior a 01.07.2007. E em sede de IUC no ano 2016 a Autoridade Tributária considera este veículo como um carro moderno semi-novo com 8 ou 9 anos de idade?
36-Não faz qualquer sentido o argumento único e equivoco constante do aligeirado Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de que não relevam as matrículas efectuadas em países estrangeiros, mas sim os veículos matriculados em Portugal, o que está correcto quanto à incidência objectiva, só tendo relevância os veículos matriculados e registados em Portugal para a incidência do imposto, por exclusão dos veículos com matrículas de outros países, por exemplo em Espanha, o que nada tem a ver com a matriculação propriamente dita em novo – ser antes ou depois de 1 de Julho de 2007 – para entrar na categoria A ou B de IUC, respectivamente;
37-Não se pode pegar na data da prática de um acto administrativo de reposição em circulação de uma matrícula antiga, da época do veículo importado, para daí exigir um imposto como faz a Autoridade Tributária, em violação da Lei que impõe a tributação a veículos matriculados em Conservatórias do Registo Automóvel de Portugal, mas respeitando a data da primeira matrícula de cada veículo;
38-Se o Senhor A importar um veículo do ano 2006, está sujeito a imposto e vai pagar IUC de acordo com a tabela A de IUC por o veículo ser de 2006, se o Senhor B importar um veículo do ano 1971, não vai pagar IUC por não se encontrar sujeito a imposto pelo veículo ser anterior a 1981, isto tudo, independentemente da data da entrada em Portugal. Nada disto se trata de reconhecer ou não reconhecer relevância à matrícula efectuada noutros países, antes respeitar a matriculação dos veículos em novo, independentemente do país da primeira matrícula;
39-Se por hipótese académica, que não se concebe, se viesse a considerar que a legislação em vigor impunha a tributação de veículos importados, não pela data da primeira matrícula, mas sim pela data da importação/matriculação em Portugal, sempre tal seria contrário ao Direito da União Europeia;
40-Nesta hipótese académica, independentemente de terem matrícula anterior a 1981 no Estado-membro da respectiva proveniência, é o ano da matrícula aferido por referência ao Estado Português, desconsiderando-se o ano da anterior matrícula no Estado-membro, isto é, os automóveis usados importados pagam consoante a data da matrícula portuguesa e não consoante a data de fabrico ou da matrícula do país de origem, pelo que se coloca a questão de saber se as normas de incidência expostas, supra, quando interpretadas neste sentido, são ou não compatíveis com o direito da União Europeia;
41-Resulta do artigo 8.º, n.º 4 da nossa Lei Fundamental, as disposições dos tratados que regem a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático;
42-As normas de incidência objectiva do IUC acima expostas interpretadas neste sentido, acarretam uma discriminação negativa dos veículos usados importados de outros Estados-membros em relação aos veículos nacionais semelhantes, isto é, em função da nacionalidade da matrícula do veículo, o que atenta contra o direito da União, que proíbe os Estados-membros de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares - cfr. o artigo 110.º do TFUE, que tem por objectivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados Membros em condições normais de concorrência, proibindo todas as formas de protecção que possam resultar da aplicação de imposições internas que tenham carácter discriminatório relativamente a mercadorias originárias de outros Estados-membros;
43-Preconiza o TJUE «O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro crie um imposto sobre a poluição que incide sobre os veículos automóveis no momento da sua primeira matrícula nesse Estado Membro, se esta medida fiscal for estruturada de tal maneira que desencoraje a colocação em circulação, no referido Estado-Membro, de veículos usados adquiridos noutros Estados Membros, sem, por outro lado, desencorajar a compra de veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional» (Caso Tatu, Acórdão de 7 Abr. 2011, Processo C-402/2009);
44-Um imposto como o IUC que, no que respeita aos veículos usados, anteriores a 1981, que nesta interpretação que não se concebe, incida apenas sobre os veículos importados do estrangeiro, desincentiva a compra de veículos usados originários de outros Estados-membros, sem no entanto desencorajar a compra de veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional;
45-Quando as normas internas (como na interpretação académica vinda de referir) não são compatíveis com o direito da União Europeia, não pode o Tribunal aplicá-las, suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto, uma vez que impende sobre o Juiz nacional a obrigação de reconhecer e respeitar o primado do direito comunitário (princípio reconhecido no Acórdão Costa contra Enel de 15/07/1964) não podendo aplicar normas de direito nacional que afrontem o que naquele se impõe;
46-O entendimento da Autoridade Tributária alegadamente decorrente das normas internas (repete-se, que se não concebe), de que no caso de veículos usados provenientes de outro Estado-membro (o veículo em causa nos presentes autos foi proveniente de Inglaterra) revela apenas a data da matrícula em Portugal (e não a data da primeira matrícula no outro Estado-membro), não pode ser acolhido, pois sempre é contrário ao direito da União Europeia;
47-Nesta interpretação das normas do CIUC efectuada pela Autoridade Tributária, que só por hipótese académica se concebe, o ato impugnado que aplicou o artigo 2.º alínea b) do Código do IUC a um veículo com data de primeira matrícula de 1929, matriculado em Portugal em 2007/2008, é incompatível com o citado artigo 110.º do TFUE, o que traduz violação de lei, pelo que por este motivo sempre importaria a anulação da liquidação em causa nos presentes autos, pelo que a liquidação impugnada nunca poderia manter-se na ordem jurídica, por isso que, apesar de com fundamento diferente, a liquidação foi bem anulada pelo Tribunal “a quo”;
48-Nesta conformidade não merece a Sentença proferida qualquer censura, porque aplicou correctamente a lei e o direito, e seguiu, aliás, a Jurisprudência dos Tribunais, sempre seria impensável e até escandaloso a procedência do presente recurso, atento nomeadamente o disposto no nº 3 do artigo 8º, do Código Civil;
49-Pelo que confirmando a Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” farão Vossas Excelências JUSTIÇA.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.254 a 255-verso do processo físico), no qual conclui pugnando pelo provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.285 e 289 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.187 e 188 do processo físico):
1-A…………, aqui impugnante, é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Rolls-Royce, modelo 20 HP, com a matrícula ……….. – cfr. resulta do Certificado de Matrícula cuja cópia se encontra junta a fls. 19 do processo físico;
2-O veículo referido em 1) teve a sua primeira matrícula em 31-12-1929 - cfr. resulta dos Certificados de Matrícula cujas cópias se encontram juntas a fls. 19 e 20 do processo físico;
3-Tal automóvel foi introduzido em território nacional, no ano de 2007, por B………………., proveniente de Inglaterra onde se encontrava registado com a matrícula ……….. – cfr. resulta de fls. 22 e 23 do processo físico;
4-Em 11-06-2007, o Clube Português de Automóveis Antigos declarou que o veículo automóvel referido em 1) tinha interesse museológico para o Património Cultural Nacional, emitindo parecer no sentido de lhe ser atribuída uma matrícula da época – cfr. fls. 24 do processo físico;
5-Na sequência do parecer aludido no ponto anterior foi atribuída a matrícula ……….. do ano de 1929 ao veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Rolls-Royce, modelo 20 HP – cfr. resulta dos Certificados de Matrícula cujas cópias se encontram juntas a fls. 19 e 20 do processo físico;
6-O impugnante procedeu, no dia 12-09-2016, ao pagamento do IUC relativo ao ano 2016, referente ao veículo aludido em 1), cujo prazo limite para pagamento voluntário terminaria em 30-09-2016 – cfr. fls. 21 do processo físico;
7-Em 27-12-2016, o impugnante deduziu a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 do processo físico.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação, mais tendo anulado a liquidação de I.U.C., respeitante ao ano de 2016 e no valor total de € 711,87, objecto do processo (cfr.nº.6 do probatório supra; documento junto a fls.21 do processo físico).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Em primeiro lugar, compete examinar a questão prévia, de conhecimento oficioso e também suscitada pelo impugnante/recorrido nas conclusões das contra-alegações (cfr.conclusões 1 a 3 supra), que consiste nos pressupostos de admissibilidade do presente recurso, o qual foi aceite pelo Tribunal "a quo" em despacho datado do pretérito dia 30/10/2018 (cfr.despacho exarado a fls.214 a 216 do processo físico).
Recorde-se que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.641, nº.5, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.).
Examinemos, por isso, os requisitos do recurso com fundamento em oposição de julgados previsto no artº.280, nº.5, do C.P.P.T., na redacção anterior à introduzida pela Lei 118/2019, de 17/09, a aplicável ao caso dos autos (cfr.artº.280, nº.3, do C.P.P.T., na redacção actual).
Previa a norma em causa, que era sempre admissível recurso ("per saltum"), independentemente do valor da causa e das alçadas:
1-De decisões;
2-Que perfilhem solução oposta;
3-Relativamente ao mesmo fundamento de direito;
4-Na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica;
5-Com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Por outras palavras, o recurso por oposição de julgados tinha por objecto sentenças proferidas em 1ª. Instância, mais não se encontrando limitado pelo valor da causa/alçada. A competência para o conhecimento do recurso por oposição de julgados cabia à Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. (cfr.artºs.280, nº.5, do C.P.P.T., e 26, al.b), do E.T.A.F.). A decisão recorrida adopta uma solução oposta, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável (ou seja, as decisões judiciais em confronto chegam a conclusões contrárias apenas por força de uma diferente interpretação jurídica da norma em causa), face à defendida em mais de três sentenças do mesmo ou outro Tribunal de igual grau hierárquico. As sentenças (ou acórdãos de Tribunal de hierarquia superior) fundamento da oposição de julgados já devem ter transitado em julgado. Mais se deve exigir que estejamos perante decisões expressas em sentido antagónico. Por último, que a decisão recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada no S.T.A. (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.419 e seg.; Cristina Flora e Margarida Reis, Recursos no Contencioso Tributário, Quid Juris, 2015, pág.82 e seg.; Ricardo Pedro, Linhas gerais sobre as alterações ao regime de recursos jurisdicionais no âmbito do CPPT, em especial o recurso de revista excecional, in Comentários à Legislação Processual Tributária, AAFDL, Dezembro de 2019, pág.353 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/03/2016, rec.1270/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2017, rec.141/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/02/2018, rec.1480/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2019, rec.452/10.0BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/09/2021, rec.2268/12.0BEPRT).
Entre os requisitos de admissibilidade do recurso com fundamento em oposição de julgados inclui-se a necessidade de terem transitado em julgado as decisões invocadas como fundamento, pois, relativamente a decisões não transitadas, existe a possibilidade de as questões que delas são objecto serem decididas diferentemente em eventual recurso jurisdicional e, por isso, não se está ainda perante uma situação de tratamento desigual (oposição de julgados), justificação deste recurso excepcional previsto no artº.280, nº.5, do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/05/2013, rec.1016/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/05/2019, rec.17/16.3BEAVR; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.421; Cristina Flora e Margarida Reis, Recursos no Contencioso Tributário, Quid Juris, 2015, pág.84).
Revertendo ao caso dos autos, deve chamar-se à colação o já citado ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/05/2019, rec.17/16.3BEAVR, proferido em processo de impugnação paralelo ao presente, com idênticas partes, somente tendo por objecto liquidação de I.U.C. relativa ao ano de 2015, que não do ano de 2016, mais sendo o veículo automóvel em causa o mesmo em ambos os processos (veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Rolls-Royce, modelo 20 HP, com a matrícula ………… e primeira matrícula em 31/12/1929).
Igualmente em ambos os processos a Fazenda Pública deduziu recurso ao abrigo do examinado artº.280, nº.5, do C.P.P.T., indicando como decisão fundamento o ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 25/05/2018, proc.305/14.3BEPRT.
No caso, a sentença recorrida e o acórdão fundamento trataram a mesma questão fundamental de direito: incidência do I.U.C. sobre veículo automóvel ligeiro de passageiros matriculado em país estrangeiro antes de 1981, mas matriculado em Portugal após a entrada em vigor do C.I.U.C. A esta questão, as decisões em confronto deram resposta divergente, num quadro fáctico e de regulamentação jurídica substancialmente idêntico.
Sucede, no entanto, que o acórdão invocado como fundamento não transitou em julgado, uma vez que dele foi interposto recurso de revista, admitida por acórdão proferido neste Supremo Tribunal em 22 de Maio de 2019 pela formação então prevista no artº.150, nº.6, do C.P.T.A., como tudo pode ser verificado pela consulta do SITAF (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/05/2019, rec.17/16.3BEAVR). Mais, a revista acabada de mencionar viria a ser julgada procedente por acórdão deste Tribunal e Secção, datado do pretérito dia 22/01/2020, assim se desfazendo a dita oposição de julgados (cfr.SITAF).
Atento tudo o relatado e sem necessidade de mais amplas considerações, não se encontram reunidos todos os pressupostos (cumulativos e supra identificados) de admissão do recurso previsto no examinado artº.280, nº.5, do C.P.P.T. (na redacção anterior à introduzida pela Lei 118/2019, de 17/09), situação que obvia ao conhecimento do seu mérito, a que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO, DEVIDO A FALTA DOS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSÃO.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.