Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0594/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA
CIDADÃO ESTRANGEIRO
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:É de admitir a revista num caso de denegação de direito à protecção do Estado Português quando a questão que está em causa é a de saber se, nesses casos, o Requerente tem direito ao direito de audiência.
Nº Convencional:JSTA000P23481
Nº do Documento:SA1201806280594
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:

A…………. intentou, no TAC de Lisboa, contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, acção pedindo (1) a anulação da decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 30.03.2017 - que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional que havia formulado e determinou a sua transferência para a Finlândia - (2) bem como, subsidiariamente, a concessão de asilo ou autorização de residência.
Para o que, e em síntese, alegou que:
- Apresentou um pedido de protecção internacional cujo procedimento foi instruído e finalizado sem ter sido notificado do Relatório final o que o impediu de se pronunciar sobre o projecto de indeferimento do seu pedido e sobre os respectivos fundamentos.
- Esse indeferimento viola, assim, o disposto nos art.ºs 16.° e 17.° da Lei n.º 27/2006, de 30/06, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 26/2014, de 5/05, interpretados em conformidade com o que dispõem os artigos 41.°, n.º 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 267.°, n.º 5, da CRP.

Sem êxito já que o TAC julgou a acção improcedente.

E o TCA Sul, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

É desse Acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor, ora Recorrente, pretende a anulação da decisão da Directora Nacional do SEF que - face à aceitação pelas autoridades finlandesas do pedido que ele aí apresentou - considerou inadmissível o pedido de protecção internacional que ele havia formulado e determinou a sua transferência para a Finlândia.
O TAC julgou a acção improcedente, decisão que o TCA confirmou pela seguinte ordem de razões:
- por um lado, nada havia de ilegal no indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal uma vez que os documentos juntos ao processo eram suficientes para se proceder a um correcto julgamento.
- por outro, não fora cometida qualquer ilegalidade quando, no final do procedimento, se preteriu a audição do Autor visto este não ter direito a ser ouvido. Com efeito,prevê o n.º 1 deste art.º 17.º que, após a apresentação do pedido de protecção internacional e a prestação de declarações pelo requerente de protecção internacional, o SEF procede à elaboração de um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido sendo que, de acordo do n.º 4 desse normativo legal, a pronúncia sobre tal relatório destina-se a permitir que o requerente confirme o teor desse relatório ou indique os motivos pelos quais recusa confirmar teor do relatório, ficando averbado no processo tais motivos, o que não obsta à decisão pedido.
Ora, visando a pronúncia sobre o referido relatório a confirmação do seu teor pelo requerente ou a indicação dos motivos pelos quais recusa tal confirmação, necessariamente o conteúdo desse relatório terá de limitar-se às declarações que o requerente prestou, pois relativamente às mesmas se pode exigir que o requerente confirme o seu teor ou indique os motivos pelos quais recusa tal confirmação.
….
Nestes termos, tem de concluir-se que o art. 17°, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, ao aludir a relatório tem em vista a elaboração de um resumo pormenorizado circunstâncias que, de acordo com as declarações do requerente, fundamentam o pedido protecção internacional e não qualquer proposta fundamentado de decisão, visto que normativo legal procedeu à transposição do art. 17° n.ºs 1, 3 e 4, da Directiva n.º 2013/32/EU do qual decorre de forma clara que do relatório a elaborar pela autoridade nacional de constar todas as informações substanciais fornecidas pelo requerente na entrevista que lhe concedida e qualquer proposta fundamentado de decisão.”

3. Como se acaba de ver está em causa saber se, nas circunstâncias dos autos, a Autoridade Administrativa responsável pelo procedimento de protecção internacional pode dispensar o exercício do direito de audiência. Questão com significativa repercussão social uma vez que não só tem potencial para se replicar como tem sérias repercussões na vida das pessoas afectadas.
Por ser assim, num caso cujos contornos são semelhantes ao que ora se nos apresenta, a revista foi admitida e foi-lhe concedido provimento por ter sido entendido queII - O art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3).” – vd., respectivamente, Acórdãos de 22/03/2017 e de 18/05/2017, rec. 306/2017.
Nesta conformidade, e tendo o Acórdão sob censura decidido contrariamente àquela jurisprudência, tudo aconselha a que se admita este recurso.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista
Sem custas.
Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.