Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0566/12
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRS
ISENÇÃO FISCAL
REVOGAÇÃO
PRAZO
Sumário:I – Na determinação das consequências jurídicas da invalidade de acto administrativo em matéria tributária de concessão de benefício fiscal, no conspecto da possibilidade legal da sua revogação, há que aplicar as normas do CPA em conformidade com o que dispõe o art. 2º do CPPT.
II – O acto de revogação de benefício fiscal de isenção de tributo, que produz efeitos ex tunc e ocorre mais de um ano depois do acto concedente da isenção, é ilegal por violação do disposto no art. 141º do CPA.
Nº Convencional:JSTA00068256
Nº do Documento:SA2201305150566
Data de Entrada:05/22/2012
Recorrente:DIRSERV DA DIREÇÃO DE SERVIÇOS DO IRS
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL - DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:EBFISC01 ART2 N1 ART37 N3 ART12 N4 ART14 N4
CPA91 ART141 N1 ART136
CPTA02 ART58 N2 A
LGT98 ART78 N1 ART79
DL 108/2008 DE 2008/06/26
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0590/11 DE 2011/11/23
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - DISCRICIONARIEDADE E REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS VINCULADOS DESFAVORÁVEIS CADERNOS DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 11 SETEMBRO OUTUBRO 1998 10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial que a sociedade A……………, S.A., deduziu contra o despacho da Exmª Senhora Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, datado de 20/07/2007, que lhe revogou uma isenção fiscal que lhe fora oportunamente reconhecida relativamente ao IRS do ano de 1995 à luz do art. 37º, nº 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1 - A douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, devendo, em consequência, ser revogada.

2 - A interpretação das normas fiscais está sujeita às regras consagradas no art. 11º da LGT e 9º do Código Civil.

3 - O nº 4 do artigo 14º do EBF ao proibir a revogação de acto administrativo que conceda um benefício fiscal visa garantir as decisões administrativas de reconhecimento ou de concessão de benefícios fiscais, permitindo aos contribuintes segurança na realização das suas opções económico-financeiras.

4 - Contudo, o nº 4 do artigo 14º do EBF excepciona duas hipóteses de revogabilidade do acto administrativo que conceda um benefício fiscal: inobservância imposta ao beneficiário das obrigações impostas e/ou indevida concessão do beneficio por erro nos pressupostos de facto ou de direito em aquela assentou.

5 - Verificada que seja qualquer uma das hipóteses acima descritas e constantes da parte final do nº 4 do artigo 14º do EBF, a lei permite a revogabilidade do acto administrativo que conceda um benefício fiscal.

6 - Tal não significa que o prazo legal aferidor da tempestividade de revogação de benefício fiscal em causa, verificados que sejam os demais pressupostos de revogação do benefício, seja o prazo geral de um ano resultante da conjugação do disposto no nº 1 do artigo 141º do CPA com o artigo 58º do CPTA.

7 - As disposições legais ao abrigo das quais a sentença se acoberta, por serem gerais, não cobrem a situação sub judice plasmada no nº 4 do artigo 14º do EBF de se verificarem as circunstâncias de “inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas” ou do benefício haver sido indevidamente concedido, enfermando, em consequência, a douta sentença recorrida de vício de violação de lei por errada qualificação dos factos em apreciação e por errada interpretação da lei.

8 - No que ao caso sub judice concerne, ocorrendo a circunstância de o benefício ter sido indevidamente concedido, o prazo para se proceder à revisão oficiosa das liquidações de IRS por iniciativa da Administração Tributária referente ao ano de 2005 é o previsto no n° 1 do artigo 78º da LGT, ou seja, o prazo de 4 anos após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços.

9 - E, sendo esse o prazo aplicável, não ocorreu a caducidade do direito de revogação do deferimento das isenções requeridas ao abrigo do nº 3 do artigo 37º do EBF.

10 - Sofre, pois, a sentença recorrida, de vício de violação de lei, concretamente dos artigos 141º do CPA, 14º nº 4 do EBF, 78º nº 1 da LGT e de erro sobre os pressupostos de direito ao considerar que o prazo para revogação do benefício fiscal concedido — isenção fiscal de IRS prevista no nº 3 do artigo 37º do EBF — era o prazo geral de um ano resultante da conjugação do artigo 141º nº 1 do CPA e nº 2 do artigo 58º do CPTA e não o prazo previsto no nº 1 do artigo 78º da LGT.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas sabiamente, como sempre, suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença recorrida.

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:
A) A questão que aqui se coloca é tão só e apenas saber qual o prazo legal para a revogação de um acto administrativo que concede um benefício fiscal.

B) Vem a R., ora recorrente, defender que a revogação de um acto administrativo que concede um benefício fiscal pode ser efectuada dentro do prazo de 4 anos que a administração dispõe para proceder à revisão oficiosa do ato de liquidação, nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT.

C) Não pode a ora Recorrida manifestar outra posição que não a concordância integral com a douta sentença recorrida, pugnando pela improcedência do recurso de apelação apresentado e pela manutenção da douta decisão recorrida.

D) O prazo máximo para a revogação de um acto administrativo que concede um benefício fiscal é o prazo de um ano resultante da conjugação do disposto no artigo 141º nº 1 do CPA com o nº 2 do artigo 58º do CPTA, entendimento este que foi partilhado e seguido na douta sentença recorrida.

E) No nº 4 do artigo 14º do EBF o legislador refere expressamente que o acto pode ser revogado.

F) Ora, ainda que haja inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, o acto administrativo de revogação apenas pode ocorrer desde que verificadas as restantes condições previstas na lei, desde logo o prazo legal para se proceder à mesma.

G) O artigo 78º da LGT e a revisão de actos tributários não se destinam a fixar um prazo especial para revogação de actos administrativos mas apenas à correcção de uma prévia decisão final de um procedimento (de liquidação [ou autoliquidação] ou de fixação da matéria tributável).

H) Na ausência de fixação pelo EBF de prazo máximo para a revogação de actos de concessão de benefícios fiscais, outra opção não resta que não a aplicação dos prazos gerais de revogação dos actos administrativos dispostos no CPA e CPTA e não o prazo previsto na LGT para a revisão de actos tributários, pois esta destina-se a uma finalidade diferente.

I) Com efeito, o que aqui está em causa não é nenhuma revisão oficiosa do acto de liquidação do IRS, mas sim uma efectiva revogação de um acto de concessão de um benefício fiscal, motivo pelo qual em nada se justifica o recurso ao prazo de revisão.

J) Nada relaciona o artigo 78º da LGT e a revisão de actos tributários com a revogação de actos administrativos, na medida em que este artigo se destina apenas e só à liquidação de impostos, permitindo tanto ao sujeito passivo como à Administração Tributaria rever os actos tributários em quatro anos (prazo coincidente com o prazo de caducidade de liquidação de impostos).

K) Assim, a administração não pode revogar actos anteriores ilegais, depois do decurso do prazo para a sua impugnação contenciosa com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.

L) Não estamos perante a cobrança indevida de qualquer tributo mas perante a concessão de um beneficio fiscal, que, à posteriori, a administração reputa como indevida, por o pedido ter sido efectuado de forma extemporânea.

M) Posto isto, a revogação desta concessão apenas poderia ter ocorrido no prazo de um ano, o que no sucedeu, tendo ocorrido a caducidade do direito de revogação.

N) A douta sentença recorrida fez uma interpretação correcta da Lei e aplicou bem a mesma aos factos provados, devendo, em consequência ser mantida


1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:

Sustenta a recorrente que o prazo de revogação do acto sindicado é o de 4 anos referido no artigo 78º da LGT e não o de um ano previsto nos artigos 141º do CPA e 58º/2/a) do CPTA, mas sem razão, em nosso entendimento.

Na verdade está em causa um acto administrativo em matéria tributária (acto que concedeu um benefício fiscal) e não um acto tributário strictu sensu, ou seja, um acto de liquidação de obrigações tributárias.

Ora, como expende António Lima Guerreiro, na anotação 1 ao artigo 78º da LGT (Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, página 343.) “A revisão regulada no presente artigo, que corresponde ao 94º do CPT, é apenas a efectuada a favor do contribuinte, por iniciativa deste ou da administração tributária, estando a revisão a favor da administração tributária disciplinada nos artigos 45º e 46º, que regem sobre a caducidade do direito de liquidação dos tributos.

O presente artigo é igualmente inaplicável à revisão dos actos administrativos em matéria fiscal, que cabe no preceito seguinte. O seu âmbito de aplicação está confinado à revisão dos actos tributários «strictu sensu», ou seja, dos actos de liquidação de obrigações tributárias. E o que resulta de se referir apenas a actos tributários.

Ensina o mesmo autor na anotação 3 ao artigo 79º que ( Obra citada, página 349.) “Os actos administrativos em matéria fiscal que sejam constitutivos de direitos, só podem, pois, ser revogados com fundamento em invalidade, nos termos e prazos do artigo 141º do CPA.

Esse prazo, que é de um ano, é o do recurso contencioso do Ministério Público dos actos administrativos com fundamento em ilegalidade (artigo 28º, número 1, alínea c), da L.P.T.A.) e prevalece sobre o prazo de caducidade do direito de liquidação previsto nos artigos 45º e 46º da presente lei, que se aplica apenas aos actos tributários e não aos actos prejudiciais de liquidação, como a concessão de benefícios fiscais”.

Nos termos do disposto no artigo 14º/4 do EBF o acto administrativo que conceda um benefício fiscal só pode ser revogado se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido.

Como resulta do probatório [ponto D) e fls. 25 do PA] a revogação do benefício teve na sua génese o facto do mesmo ter sido requerido para além do prazo estatuído no artigo 65º/3 do CPPT, pelo que haveria fundamento para a sua revogação, uma vez que teria sido indevidamente concedido.

Todavia, a revogação do benefício só poderia ser feita no prazo de um ano, nos termos do estatuído nos artigos 136º e 141º do CPA e 58º/2/a) do CPTA.

Como deflui do probatório o benefício fiscal foi concedido em 3 de Julho de 2006 e revogado em 20 de Julho de 2007, portanto para além do prazo de um ano em que era legalmente possível a revogação.

Assim sendo, como muito bem salienta a sentença recorrida, o acto sindicado enferma de vício de violação de lei, pelo que a AAE não poderia deixar de proceder.»


1.4. Colhidos os vistos dos Exmos. Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:

A) Em 30/5/2006, deu entrada na Direcção dos Serviços de IRS o oficio nº 300320064/19698936, datado de 22/5/2006, nos termos constantes de fls. 13 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere designadamente o seguinte:

“(...) Vimos pelo presente meio solicitar que os nossos colaboradores abaixo identificados sejam considerados cooperantes, no ano de 2005, ao abrigo dos contratos firmados entre as partes e que presentemente ainda se encontram em vigor (...)”.

B) Em 3/7/2006, foi exarado o Despacho através do qual foi concedida a isenção requerida pela autora, referida em A), nos termos constantes de fls. 2 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) Em 23/4/2007, a autora foi notificada para o exercício do direito de audição, relativamente ao projecto de revogação do despacho, referido em B), nos termos constantes de fls. 10 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

D) Em 20/7/2007, foi proferido despacho a revogar o despacho referido em B), nos termos constantes de fls. 24 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere designadamente o seguinte:

“Concordo, pelo que revogo o meu despacho de 2006-07-03 e indefiro a isenção requerida ao abrigo do nº 3 do art. 37º do EBF, relativamente ao ano de 2005 (…)”.

E) Do despacho referido em D), foi a autora notificada em 22/10/2007, nos termos constantes de fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a acção administrativa especial instaurada pela sociedade A………………, S.A., com vista a obter a anulação do despacho da Senhora Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, datado de 20/07/2007, que revogou o acto de reconhecimento da isenção prevista no art. 37º, nº 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), vazado no despacho emitido em 3/07/2006; acção que teve por fundamento a extemporaneidade dessa revogação à luz das disposições conjugadas dos artigos 136º, nº 1, 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) com o artigo 58º, nº 2, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA).

Nessa acção anulatório, a Demandada, ora Recorrente, apresentara contestação para advogar que a concessão do referido benefício padecia de vício insanável – por o respectivo pedido de concessão ter sido apresentado fora de prazo legal –, sendo oportuna e conveniente a sua revogação na medida em que esta podia ter lugar a todo o tempo.

Na apreciação da questão controvertida, o tribunal “a quo” considerou o seguinte: «Dispõe o artigo 141º, nº 1, do CPA, que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso, ou seja, um ano, prazo este correspondente ao concedido ao Ministério Público para a (actualmente) acção administrativa especial, art. 58º, nº 2, al. a), do CPTA.
Resulta da matéria de facto provada que decorreu um ano entre o acto que concedeu o benefício fiscal e o acto revogatório.».
E, confrontando a tese doutrinal que defende que o decurso do prazo de impugnação de acto inválido sana o respectivo vício, determinando a aplicação do art. 140º do CPA, com a tese que advoga que o decurso desse prazo apenas importa a inimpugnabilidade do acto, que, continuando inválido, é passível de anulação com fundamento em inconveniência, mas apenas com efeitos ex nunc, o tribunal “a quo” acabou por julgar que «(…) mesmo que se não aceite a tese da convalidação ou sanação dos actos ilegais pelo simples decurso do prazo da respectiva impugnabilidade, como JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE in “Discricionariedade e reforma de actos administrativos vinculados desfavoráveis”, Cadernos de Justiça Administrativa, 11, Setembro/Outubro e 1998, 10, o certo é que se impõe parificar o regime de revogabilidade dos actos válidos, face ao que se dispõe no artigo 141º, nº 1, do CPA.», o que o levou a concluir o seguinte:
«Seguindo a doutrina citada, o acto impugnado só poderia revogar o acto anterior, com fundamento em conveniência, no caso de operar uma transformação para o futuro, nunca com o objectivo de reintegração da legalidade violada, pois a primeira decisão já se encontra firmada na ordem jurídica.
Apenas na situação em que o acto fosse desfavorável ao interesse do destinatário ou com o seu assentimento é que a administração poderia revogar.
Nestes termos, procede a pretensão da autora, devendo o despacho de 20/7/2007 ser anulado e repostas as isenções concedidas pelo despacho de 3/7/2006.».

Insurge-se a Recorrente contra o assim decidido, com a argumentação de que as disposições legais invocadas na sentença recorrida – arts. 141º, nº 1, do CPA e art. 58º do CPTA -, sendo gerais, não são aplicáveis no caso em apreço, sustentando agora, num novíssimo raciocínio argumentativo, que o prazo de revogação aplicável ao caso é o de quatro anos previsto no art. 78º, nº 1, da LGT, por se tratar de erro imputável aos serviços.

O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se, assim, à questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito ao julgar que o prazo de revogação do benefício fiscal indevidamente concedido (porque requerido fora de prazo) é o de 1 ano por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141º, nº 1, do CPA e 58º do CPTA, e não o de 4 anos previsto no art. 78º, nº 1, da LGT (tendo em conta que a Recorrente deixou de defender a tese que sustentara em 1ª instância, no sentido de que podia revogar esse acto a todo o tempo, vindo agora invocar a aplicação do aludido prazo de 4 anos).

Vejamos.

Nos termos do art. 2º, nº 1, do EBF, «Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» e, conforme se diz no nº 2 do mesmo preceito legal, «São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.».

Por outro lado, os benefícios fiscais podem operar automaticamente, em face do preenchimento dos respectivos pressupostos legais, ou depender de reconhecimento por acto administrativo sequente ao requerimento do interessado. A isenção constitui, por conseguinte, facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária, na medida em que impede ou paralisa a eficácia constitutiva do facto tributário, e pode resultar de aplicação automática ou depender de acto administrativo de reconhecimento, nos termos conformados pela lei em cada caso.

No caso vertente, a isenção de IRS prevista no nº 3 do art. 37º do EBF (na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 198/01, de 3/7), estando dependente de reconhecimento, foi requerida pela interessada relativamente ao IRS do ano de 2005 e concedida por acto administrativo datado de 3/07/2006. Todavia, este acto veio a ser revogado por ulterior despacho emitido em 20/07/2007, com fundamento na intempestividade do requerimento onde fora formulado o respectivo pedido de isenção e de este ter sido, por tal motivo, indevidamente concedido.

Ora, segundo o art. 12.º, nº 4, do EBF (na redacção em vigor antes da republicação do diploma pelo Dec. Lei n.º 108/2008, de 26/06, e que actualmente corresponde ao art. 14º, nº 4) «O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.».

O que significa que é proibida a revogação do acto administrativo que concede um benefício fiscal (bem como a rescisão unilateral do respectivo acordo de concessão ou a diminuição, por acto unilateral da administração tributária, dos direitos adquiridos), salvo se houver inobservância das obrigações impostas imputável ao beneficiário, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que o acto pode ser revogado.

Tal preceito visa conceder aos contribuintes a garantia de que as decisões administrativas de reconhecimento ou de concessão de benefícios fiscais não serão alteradas a não ser nas hipóteses aí referidas, permitindo-lhes assim efectuar as suas opções económico-financeiras com segurança. E essas hipóteses são apenas duas: (i) a inobservância das obrigações impostas pela lei ou pelo acto reconhecedor do benefício e que constituíram o pressuposto da sua motivação legal e funcional; (ii) a indevida concessão do benefício por erro nos pressupostos em que o acto assentou.

Dado que nestes autos está precisamente em causa a indevida concessão de um benefício fiscal por erro nos pressupostos em que o acto concedente assentou (por a isenção de imposto sido requerida para além do prazo legal estipulado para o efeito), a questão que urge resolver é a de saber qual é esse prazo em que o acto de concessão do benefício fiscal pode ser revogado, uma vez que o citado preceito legal não o identifica, mas que terá de constar necessariamente da lei.

A Lei Geral Tributária prevê especificamente a possibilidade legal de revogação de actos administrativos em matéria tributária no seu art. 79º, diferenciando-a, assim, da possibilidade legal de revisão dos actos tributários constante do art. 78º, revisão que se reporta a actos de liquidação ou a actos de fixação da matéria colectável, e que, sendo da iniciativa da Administração Tributária por erro imputável aos serviços, pode ter lugar no prazo de 4 anos após a liquidação se o tributo tiver sido pago ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.

Mas nem esse diploma legal nem o CPPT contém qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação, pelo que tal prazo só pode ser o constante das regras do CPA – diploma que constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário [art.ºs 2º, alínea c), da LGT e 2º, alínea d), do CPPT] – e que devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, mais precisamente as regras que directamente regulam a revogação dos actos administrativos nos art.ºs 136º e segs.

Assim, o prazo para a revogação de tal acto administrativo de concessão da isenção de IRS só pode ser o constante nas normas do CPA, que não o relativo ao prazo previsto para a revisão do acto de liquidação daquele imposto.

Ora, nos termos do disposto nos artigos 136.º e 141.º do CPA, o prazo para a revogação de acto constitutivo de direitos inquinado por vício conducente à sua anulabilidade, como foi o invocado no acto revogatório, era o relativo ao prazo da sua impugnação contenciosa, que é de um ano nos termos do art.º 58.º do CPTA e que manifestamente foi ultrapassado.

Conforme se diz no acórdão proferido pelo STA em 23/11/2011, no processo nº 0590/11, «(…) se a ilegalidade estava localizada nos pressupostos de facto do acto de reconhecimento, a forma de a remediar só poderia ser a revogação anulatória, com fundamento nessa ilegalidade.

Para esta forma de extinção dos benefícios fiscais estabelece o nº 4 do artigo 14º do EBF que «o acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado».
As duas excepções à irrevogabilidade dos benefícios fiscais previstas na última parte desta norma só podem operar dentro do prazo pelo qual os actos constitutivos de direitos podem ser revogados. Nos termos do art. 141º do CPA esse prazo é o prazo de acção de impugnação que terminar em último lugar, ou seja, segundo o art. 58º, nº 2, alínea a), do CPTA, o prazo de um ano previsto para o MP interpor acção de impugnação de um acto administrativo.
Dito isto, só poderíamos concluir que o acto impugnado, ao destruir ex tunc os efeitos do acto que concedeu a isenção de IMI, é ilegal por violação do artigo 141º do CPA, pois fê-lo muito para além do prazo que a ilegalidade poderia ser eliminada através de revogação.»

E tal como no citado acórdão, também no caso ora em apreço não pode deixar de se concluir pela ilegalidade da revogação da isenção, já que o acto revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do acto concedente da isenção, em clara violação do disposto no art. 141º do CPA, impondo-se, por conseguinte, que se mantenha a sentença que assim julgou, e que, em consequência, anulou o despacho revogatório de 20/7/2007, mantendo-se a isenção concedida pelo despacho de 3/7/2006.
De resto, a pretendida aplicação do que dispõe o art. 78º, nº 1, da LGT nem faria sentido, porquanto aí se trata da revisão de actos tributários referenciados a um acto tributário de liquidação que, patententemente e por mor da referida paralisação da eficácia constitutiva do facto tributário que ocorre, como se disse, em caso de isenção, não se poderia verificar in casu.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de Maio de 2013. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Lino Ribeiro.