Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01180/17
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
RGIT
Sumário: A notificação prevista alínea b) do nº 4 do art.º 105.º do RGIT configura uma condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, não constituindo notificação de decisão de aplicação de coima para efeito do disposto no artº 80º do RGIT.
Nº Convencional:JSTA000P23245
Nº do Documento:SA22018050301180
Data de Entrada:10/26/2017
Recorrente:A...... LIMITED-SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a A…….. Limited - Sucursal em Portugal, interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 23/05/2017, a qual rejeitou o recurso judicial por si apresentado, ao abrigo do artigo 80º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), com fundamento no facto de não ter sido interposto de uma decisão de aplicação de coima.

Termina as suas alegações de recurso, formulando conclusões nos seguintes termos, que se transcrevem na íntegra:
«I- Recusou o douto Tribunal a quo a interposição de recurso pelo ora recorrente, ao abrigo do artº 80º RGIT pois considerar o mesmo não admissível.
II- Tendo considerado que o recurso interposto incidia sobre multa aplicável, entendendo a mesma como não estando já efectivada.
Ora,
III- Não pode a recorrente compaginar com tal decisão porquanto à data da interposição de tal recurso recusado a multa encontrava-se já concretizada, ainda que a recorrente não tivesse sido ainda notificada da mesma.
IV- Fundamenta a recorrente que mal andou o douto Tribunal a quo pois proferindo tal decisão.
V- Olvidou do dever de cooperação ao qual está adstrito e vinculado.
VI- Olvidou do Princípio do Máximo Aproveitamento das peças processuais.
VII- Olvidou dos fins –vectores do Tribunal enquanto órgão administrador da Justiça.
VIII- Não podendo para tanto, o douto Tribunal sufragar uma decisão que, in fine, coarcta os direitos de defesa do recorrente, bloqueando o seu direito ao recurso, obstaculizando a garantia de defesa daquele,
IX- Traduzindo-se, sem mais, numa potencial afectação do património do recorrente.
X- A decisão ora em crise é sustentada por questões meramente formais e procedimentais, ceifando o equilíbrio do processo,
XI- Permitindo que apenas reste ao recorrente o poder quase majestático do OEF.
XII- Impediu assim, uma melhor realização do direito e da garantia de defesa do ora recorrente.
XIII- Ainda que tal assim não fosse, uma visão mais aberta, focada na realização dos verdadeiros fins do direito, alheada de questões ou soluções meramente formais, justificaria a admissão de tal recurso.
XIV- E para tanto, considerando o fundamento de tudo quanto exposto e bem assim, legitimidade de quem o requer, deverá o presente ter provimento, por provado, servindo a douta e costumada JUSTIÇA!»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3- Neste Supremo Tribunal Administrativo a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
« (…..) analisado o probatório, mormente a respetiva alínea B), verifica-se que, por ofício de 24/02/2017, a aqui Recorrente foi notificada “nos termos da alínea b) do n.º 4 do Artº 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias”, conforme fls. 21 cujo teor aqui se dá por reproduzido, para “efetuar o pagamento da(s) prestação(ões) em falta, acrescida(s) dos respetivos juros de mora e coima aplicável no prazo de 30 dias ....” mais referindo que, [o] valor da coima é de € 17.987,31, quantificado nos termos dos artigos 105º n. ° 4, alínea b), 114º e 26º do RGIT (cfr. f1s. 56 do p. f.; sem destaque no original).
O que significa que a decisão da Recorrida AT, ora em crise, mais não constituiu do que uma mera notificação tendente à comprovação da condição objetiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, contemplada na mencionada alínea b) do n.º 4 do art.º 105.° do RGIT.
A ser assim, é inequívoco que a rejeição do recurso judicial não irá desencadear quaisquer efeitos, muito menos perniciosos, na esfera jurídica da ora Recorrente

Mais refere a Exmª Magistrada do Ministério Público que, contrariamente ao defendido pela recorrente não se mostra cerceado o seu direito de defesa, proclamado no artigo 32.° nº 10, da CRP, nem ocorre qualquer afronta ao princípio da cooperação.

4 – O Tribunal Administrativo e Fiscal deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) No Serviço de Finanças de Oeiras 2 foi instaurado, contra a ora Recorrente, o processo de contra-ordenação nº 3522-2016/060000113931 com fundamento na falta de pagamento de IVA (2012/07) no valor de € 53.177,58 - cfr. fls. 6 e 7 dos autos.
B) Por ofício de 24.02.2017 foi a ora Recorrente notificada "nos termos da alínea b) do n.º 4 do Artº 105° do Regime Geral das Infrações Tributárias", conforme fls. 21 cujo teor aqui se dá por reproduzido, para "efetuar o pagamento da(s) prestação(ões) em falta, acrescida(s) dos respetivos juros de mora e coima aplicável no prazo de 30 dias .... ", mais referindo que "[o] valor da coima é de € 17.987,31, quantificado nos termos dos artigos 105°, n.º 4, alínea b), 114° e 26° do RGIT” - cfr. doc. 1 junto com o recurso a fls. 40 dos autos.
C) Em 11.04.2017 deu entrada no Serviço de Finanças a petição de recurso ora em apreciação - cfr. fls. 17 dos autos.»

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. Do objecto do recurso
O presente recurso vem interposto de despacho que não admitiu o recurso judicial interposto pela recorrente ao abrigo do artº 80º do RGIT.
É, por isso, admissível de acordo com o disposto no artº 63º, nº 2 do RGCO, aplicável ex-vi artº 3º do RGIT.
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se, incorre em erro de julgamento a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que rejeitou o recurso judicial apresentado pela ora recorrente A………Limited, ao abrigo do artigo 80º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), com fundamento no facto de não ter sido interposto de uma decisão de aplicação de coima.

É desse despacho que, não conformada, a recorrente vem interpor o presente recurso, imputando à decisão recorrida erro de julgamento de direito por alegadamente ter violado os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da cooperação.

6. Da admissibilidade do recurso jurisdicional que teve por objecto a notificação efectuada nos termos do artº 105º, nº 4, al. b) do RGIT.
O artº 105º do RGIT tipifica como crime de abuso de confiança fiscal a conduta daquele que não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
Este ilícito criminal é composto pelos seguintes elementos típicos: que o agente esteja obrigado a entregar ao credor tributário (administração fiscal) determinada prestação tributária de valor superior a € 7.500; que essa prestação tributária tenha sido deduzida nos termos da lei tributária; que o agente não proceda à entrega de tal prestação e que o faça dolosamente, sob qualquer uma das modalidades do dolo: directo, necessário ou eventual.
Por outro lado exige ainda o n.° 4 do artigo 105.° a verificação de duas condições objectivas de punibilidade da conduta:
- que o agente não proceda à entrega da prestação após terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (alínea a));
- que a prestação, que tiver sido comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, não seja paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (alínea b)).

No caso vertente a recorrente foi notificada, através do ofício referido na al. b) do probatório (fls. 40), nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, para "efetuar o pagamento da(s) prestação(ões) em falta, acrescida(s) dos respetivos juros de mora e coima aplicável no prazo de 30 dias .... ", mais se referindo que "[o] valor da coima é de € 17.987,31, quantificado nos termos dos artigos 105°, n.º 4, alínea b), 114° e 26° do RGIT.”
Resulta também daquela notificação que « os factos que deram origem à instauração do processo acima identificado são susceptíveis de consubstanciar indícios da prática do crime de abuso de confiança fiscal».

Na sequência de tal notificação a recorrente interpôs recurso ao abrigo do artº 80º do RGIT.
A decisão recorrida considerou que atenta a redacção dada ao ofício referido em B) dos factos provados - designadamente na parte em que aí se alude ao «pagamento da coima», poderia considerar-se que a ora Recorrente foi induzida em erro quanto à natureza da notificação que lhe foi efectuada. Porém, mais se considerou, bem, a nosso ver, que lido todo o teor do ofício não restam dúvidas de que a notificação em causa não foi de uma qualquer decisão de aplicação da coima, mas antes ordenada com vista à comprovação da condição objetiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.
Ora esta notificação da Administração Tributária, prevista alínea b) do nº 4 do art.º 105.° do RGIT, configura uma condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal (Nova, face à redacção anterior – Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9.04.2008, processo 07P4080, publicado no DR 1ª série, de 15.05.2008, p. 2672.). E a redacção do preceito, como bem se sublinha na decisão recorrida, é bem clara ao quando se refere à coima aplicável e não à coima aplicada.
Não merece, pois, censura o julgamento do tribunal recorrido quando conclui que o recurso interposto pela recorrente ao abrigo do artº 80º do RGIT não vem interposto de uma decisão de aplicação de coima, pelo que não é admissível.
Não se verifica por outro lado qualquer violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça previsto no artigo 20º da CRP.
Como bem nota a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo, o tribunal a quo não podia ou devia emitir uma decisão de mérito, quando falha o pressuposto essencial da interposição do recurso judicial, materializado no ataque à decisão de aplicação de uma coima, devidamente notificada ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 79.º do RGIT.
E muito menos ocorre qualquer violação do princípio da cooperação já que não se impunha ao julgador que interviesse ex officio para suprir a falta de requisitos externos do recurso, relacionados não com deficiências ou imperfeições da petição/ recurso, mas sim com a própria natureza do acto praticado.
Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso.

7. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Maio de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.