Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0279/21.4BEBJA
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CONCURSO PÚBLICO
PROPOSTA
FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
Sumário:A omissão do modelo de resposta comercial e financeira apenas num dos dois formatos exigidos pelo Programa de Concurso não consubstancia a preterição de uma formalidade essencial, sendo suprível nos termos do número 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos.
Nº Convencional:JSTA000P32012
Nº do Documento:SA1202403140279/21
Recorrente:A... UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:SPMS – SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, E.P.E. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A... UNIPESSOAL LDA. – identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 26 de outubro de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto pela ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALGARVE, I.P. da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, de 28 de fevereiro de 2023, que julgou parcialmente procedente a ação por si proposta contra o SPMS – SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. EPE., tendo em vista a anulação do despacho do Vogal do Conselho de Administração do SPMS, de 17 de agosto de 2021, que excluiu a A. do concurso público para a aquisição material informático para a referida Administração Regional.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«1. A Recorrente não se conforma com o douto Acórdão recorrido, que revogou a sentença da primeira instância;

2. A ora recorrente propôs uma ação administrativa urgente de contencioso précontratual de impugnação de acto de exclusão da sua proposta, no âmbito do procedimento para a aquisição de diverso equipamento informático para a Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P., contra os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde – SPMS, E.P.E.;

3. No concurso referido, a aqui recorrente viu a sua proposta excluída pelo júri do procedimento concursal, por não apresentação de ficheiro em formato XLS e em PDF, assinados eletronicamente;

4. A recorrente juntou documento xls eletronicamente assinado e documento pdf também eletronicamente assinado, contudo não era o documento pdf uma reprodução exata do ficheiro Excel, contendo mais informação;

5. O Tribunal de primeira instância considerou que “que o ato de exclusão da proposta padece de vício de violação de lei, por se ter limitado a aplicar o disposto nos artigos 57.º, n.º 1, als. b) e c), 146.º, n.º 2, al. d) e 70.º, n.º 2, al. a), todos do CCP, descurando, por completo, o regime de regularização de propostas previsto no artigo 72.º, n.º 3 do mesmo diploma. Ademais, o ato de exclusão da proposta da A., infringe, ainda, o disposto no artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP, no que concerne ao princípio da concorrência aí consagrado, tal como sustentou a A.; Como é sabido, o princípio da concorrência assume, na contratação pública, um papel fundamental, ao determinar o mais amplo acesso possível dos interessados em aceder ao procedimento concursal; Ora, ao excluir uma proposta que poderia ter sido objeto de sanação, mediante convite formulado à A. para apresentação do documento em formato pdf. em falta, a entidade adjudicante reduziu a concorrência, restringindo, de forma ilegítima, o universo de propostas concursais; Esta invalidade do ato de exclusão, inquina, consequentemente, a validade do ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada B... (…) Lda., uma vez que, a admitir-se, eventualmente, a proposta da A., o ato de adjudicação teria de ter forçosamente outro conteúdo”;

6. Entendimento diverso teve o Tribunal Central Administrativo Sul que revogou aquela decisão fundamentando que os documentos teriam sempre apresentados em simultâneo e nos dois formatos, “tais omissões (de documento e formato) não podem ser reconduzidas a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis, nos termos e para os efeitos do artigo 72º, nº. 3 do CCP/2017”;

7. Em face desta dualidade de entendimentos, e perante a relevância jurídica e social da presente questão, a decisão é recorrível para o STA, nos termos do artigo 150º do CPTA;

8. Pois é absolutamente fundamental que o STA venha clarificar o que se considera essencial, uma vez que estamos perante um conceito aberto ou indeterminado de formalidades não essenciais, em que a possibilidade efetiva de proceder ao seu suprimento é casuístico, ou seja, depende das particulares circunstâncias do caso concreto, nos termos do artigo 72º, nº. 3 do CCP;

9. Na alínea H) da matéria de facto do Acórdão recorrido refere-se que “A A. apresentou a sua proposta pelo valor de € 58.254,80 (cinquenta e oito mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos) (cfr. doc. n.º 5 junto pela A. com a P.I.)”, documento que consta do processo administrativo junto aos autos e que se trata da proposta da aqui Recorrente, “constituída por um documento em formato XLS, assinado eletronicamente, por um certificado digital qualificado emitido em nome da A... e seu representante legal contendo Proposta Financeira e Proposta Comercial e por um documento em formato PDF, assinado eletronicamente, com o mesmo certificado, contendo entre outros, as condições genéricas da proposta, o Anexo I ( a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 57º do CCP) e a proposta financeira nº ...21 com os equipamentos propostos, a sua designação e características técnicas, a quantidade, o valor unitário e o preço final de cada conjunto de equipamentos bem como o valor total da proposta, os referidos 58.254.80 € com exclusão do IVA e com inclusão do IVA (doc 4 e 5).” ;

10. Portanto encontra-se como assente que a aqui recorrente entregou proposta que continha um ficheiro em formato xls. e um ficheiro pdf., ambos assinados, contudo não são exatamente idênticos;

11. No programa do concurso era referido que a proposta deveria ser constituída por “…c) Modelo de resposta, quer comercial, quer financeiramente elaborada de acordo com o Anexo II do presente programa de concurso, devendo o mesmo ser obrigatoriamente apresentado em formato xls. e em simultâneo em pdf., preenchido quanto a todos os campos e evidenciando as características técnicas do equipamento propostos sob pena de exclusão, devendo indicar os seguintes elementos: i) O preço da proposta em euros e com apenas 2 (duas) casas decimais; ii) Acréscimo de IVA……”.

12. Ora, não interpretou o concorrente, aqui Recorrente que “simultaneamente” significaria a reprodução exata da tabela de Excel, tanto assim é que o mesmo juntou o pdf. com algumas imagens e outras informações, e a referida tabela;

13. Pelo que não poderia o Tribunal recorrido indicar que a proposta da A. “sempre teria de ser excluída por não ter apresentado a totalidade dos documentos exigidos no artigo 5.º do Programa de Concurso (PC), nomeadamente, o documento previsto na alínea c) do n.º 1 desse artigo - o modelo de resposta comercial em formato pdf., elaborada de acordo com o Anexo II do PC”;

14. Dando como aceite que a aqui recorrente entregou uma proposta consubstanciada no doc.nº 5 junto à PI e que constante do Processo Administrativo junto aos autos, fica-se na dúvida se a referida proposta foi analisada pelo Tribunal recorrido, pois é constituída pela “Proposta Financeira e Proposta Comercial e por um documento em formato PDF, assinado eletronicamente, com o mesmo certificado, contendo entre outros, as condições genéricas da proposta, o Anexo I ( a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 57º do CCP) e a proposta financeira nº ...21 com os equipamentos propostos, a sua designação e características técnicas, a quantidade, o valor unitário e o preço final de cada conjunto de equipamentos bem como o valor total da proposta, os referidos 58.254.80 € com exclusão do IVA e com inclusão do IVA “;

15. Assim a exigência de que o documento reproduzisse exatamente o mesmo conteúdo, trata-se de uma simples formalidade não essencial que coloca em causa os princípios da transparência e da igualdade de tratamento entre os concorrentes;

16. A Recorrida estava munida de uma proposta em formato xls. e em formato pdf., como exigiu, apenas com a diferença que o formato pdf. continha mais informação que o primeiro formato;

17. Em face do exposto a sentença da primeira instância bem andou quando julgou como não legítima a exclusão da proposta da aqui Recorrente, pois seria sempre a proposta economicamente mais vantajosa;

18. No ensinamento de Luís Verde de Sousa, onde define que nas “formalidades cabem afinal, todos os passos, trâmites e momentos em que se decompõe o procedimento administrativo, que não sejam a decisão final. A noção de formalidades está, assim, ligada à existência de um iter ou caminho que visa a produção de um determinado resultado jurídico” (in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos- 2017, pág.. 613);

19. Qualificando como não essencial uma formalidade cuja preterição exista mas “(ii) quando o objetivo pretendido pela lei ao estabelecer tal formalidade foi, em concreto, alcançado por outra via”, defendendo assim que “quando o objetivo ou o interesse especifico que o preceito violado visa atingir foi, em concreto, alcançado por outra via, a ordem jurídica, ainda que não se mostre inteiramente satisfeita, estará conformada, tendo desaparecido a razão para anular o ato viciado”, conclui assim, a pág.. 621, que deve entender-se “por “formalidades não essenciais “os aspectos formais da proposta que a própria lei desqualifica, bem como aquelas regras respeitantes ao modo de construção e apresentação da proposta cujo objetivo ou interesse específico se mostre, em concreto, alcançado por outra via.”;

20. O mesmo com Pedro Gonçalves em “Direito dos Contratos Públicos” (2ª ed. 2018) que defende a teoria da degradação de formalidades essenciais em não essenciais do Direito Administrativo se possa aplicar “a atos de meros particulares, desde logo às propostas apresentadas por concorrentes em procedimentos de contratação pública “ (v. pág. 777), e afirma “ entendemos que “não se produz o efeito da irregularidade” em relação a propostas que não cumprem determinações ou exigências formais previstas na lei ou nas peças do procedimento- propostas formalmente irregulares-, desde que o fim especificamente visado pela determinação ou exigência formal tenha sido atingido por outra via.”(pág. 778).;

21. Assim consideramos que o art.º 72º nº3 do CCP estabelece um regime para a preterição de formalidades que careçam de ser supridas e para os casos em que uma formalidade que, embora não sendo essencial, tem que ser suprida, e nesse sentido temos de considerar que as irregularidades não essenciais são regularizáveis, sanáveis, supríveis (Pedro Gonçalves, obra citada, pág. 779);

22. Refere o autor que “uma proposta apresentada com preterição de formalidade não essencial: trata-se de uma proposta apresentada num procedimento de contratação sem observar uma ou várias exigências formais, sobre o modo de apresentação ou sobre os documentos que a devem integrar, cuja regularização não atenta contra os princípios gerais da contratação pública, designadamente o princípio da igualdade entre os concorrentes/”concorrência-igualdade” (obra cit. pág.. 780);

23. Forçosamente temos de concluir que a versão do artigo 72º, nº. 3 do CCP à data dos factos sub judice impunha o processo de regularização das propostas e mais uma vez apelando ao texto de Pedro Gonçalves “No caso de propostas com irregularidades não essenciais que careçam de suprimento, o júri “deve” solicitar aos concorrentes no prazo máximo de cinco dias (úteis) que procedam ao suprimento. O júri está obrigado a provocar a regularização, encontrando-se proibido de propor a exclusão de propostas com irregularidades sanáveis sem solicitar a regularização: uma decisão de exclusão de propostas nestas condições é ilegal.” (obra cit. pág. 784);

24. O mesmo foi decidido no Ac. do STA de 13.01.2022, no Proc. nº 785/21.0BEPRT “A falta de junção de documento em Excel, o que era exigido pela cláusula 9ª, b) iii do programa do procedimento, quando apenas foi junto o suporte pdf. não é uma formalidade essencial para efeitos do nº3 do art.º. 72º do CCP podendo ser objeto de convite ao seu suprimento desde que a junção em Excel ocorra com total coincidência com o documento em PDF.” (v. Acórdão ora recorrido a pág. 19);

25. Refere ainda o Acórdão recorrido que “a exclusão de uma proposta reduz a concorrência e que, portanto, tal actuação deverá ser reduzida ao mínimo necessário” (como se afirmou, designadamente no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.12.2020, processo 02481/19.0BELSB, publicado em www.dgsi.pt) e que “no domínio da contratação pública, deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.04.2021, processo 0188/20.4BELLE, publicado em www.dgsi.pt).”;

26. Podendo-se concluir que a sentença do Tribunal da Primeira Instância bem decidiu ao dar razão à A., aqui Recorrente;

27. A exigência de duplicar um documento em dois formatos de igual conteúdo deve ser considerado como uma exigência de uma formalidade não essencial, pois o fim e objetivo da apresentação de um ficheiro em pdf., não editável e que garantisse a substância da proposta, foi alcançado com o documento referido como nº 5 e que foi um pdf. apresentado pela A. em devido tempo no procedimento em causa e que continha tudo o que o PC exigia e também se encontrava eletronicamente assinado;

28. As entidades adjudicantes têm o poder de definirem regras específicas para os concursos públicos, mas tais regras não podem ter como efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, artigo 132º, nº. 4 CCP;

29. Ao aceitar-se que a formalidade de duplicação de um ficheiro em dois formatos é uma formalidade essencial e que sua preterição não é subsumível á previsão do nº 3 do artº 72º do CCP estamos a aceitar restringir a concorrência;

30. A falta de essencialidade desta formalidade exigida no PC, ou seja, a duplicação de formatos para um mesmo documento, como bem referiu a sentença recorrida “trata-se de uma simples formalidade não essencial – os modelos de resposta financeira e comercial estão junto à proposta da A. ‒, facilmente suprível, e controlável a posteriori, na medida em que, se o conteúdo dos ficheiros em pdf. a apresentar, corresponder integralmente ao conteúdo dos ficheiros em xls. já entregues, de modo algum se colocam em causa os princípios da transparência e da igualdade de tratamento entre os concorrentes”;

31. Também não podemos aceitar que o princípio da igualdade seria preterido se fosse dada à A. ora recorrente a possibilidade de apresentar um novo ficheiro em formato pdf. que reproduzisse o ficheiro já apresentado em formato xls, uma vez que nada seria alterado o conteúdo da sua proposta comercial e financeira, já constante de um ficheiro em pdf. onde o teor do xls. está reproduzido, contendo os atributos, termos e condições exigidos pelo PC e se o outro concorrente foi excluído por não ter apresentado o ficheiro em pdf. igual ao ficheiro em xls. é porque não apresentou um ficheiro em pdf com a sua proposta, ao contrário da ora recorrente que o apresentou mas apenas com um conteúdo diverso daquele que apresentou em xls., razão pela qual as situações de facto e de direito em que estão os dois concorrentes não são iguais podendo, e devendo, ter tratamentos diferenciados;

32. Nestes termos não assiste razão ao Acórdão recorrido, pois não existiu qualquer erro de julgamento na decisão da primeira instância;

33. Por outro lado não corresponde à verdade que apenas um ficheiro pdf. assinado garante a integridade do mesmo, pois que também o ficheiro xls. assinado eletronicamente garante que desde essa assinatura não foi alterado;

34. Assim, se se mantiver a revogação da sentença proferida pela primeira instância, estamos claramente perante uma má interpretação do art.º 72º nº 3 e por isso a admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

35. Caso assim não se entenda, o que só por mero raciocínio académico se admite, sempre se dirá que o Acórdão é passível de reforma nos termos do artº 143º nº 3 do CPTA conjugado com os artºs 613º, 616º e 666º do CPC tem plena aplicação o instituto da reforma de sentença no caso em apreço;

36. Sendo convição do Recorrente que o recurso é admitido, caso assim não seja deverá o Acórdão ser reformado, nos termos da alínea b) do nº1 do artº 616º do CPC qualquer das partes pode requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, “Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.”;

37. A verdade é que consta da proposta apresentada pela aqui Recorrente um documento em formato pdf , já referido como o doc. nº5, dado como assente na matéria factual não impugnada e referida como tal no Acórdão recorrido no parágrafo H do mesmo, que contém a Proposta Financeira e Proposta Comercial, contendo entre outros, as condições genéricas da proposta, o Anexo I ( a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 57º do CCP) e a proposta financeira nº ...21 com os equipamentos propostos, a sua designação e características técnicas, a quantidade, o valor unitário e o preço final de cada conjunto de equipamentos bem como o valor total da proposta 58.254.80 € com exclusão do IVA e com inclusão do IVA;

38. Preencheu assim a Recorrente o art.º 5º do Programa de Concurso (PC), pelo que não pode colher a afirmação a fls. 14 do douto Acórdão cuja reforma se pretende quando refere que “Como consta do julgamento de facto (não questionado) a Recorrida /Autora limitou-se a apresentar o aludido documento (modelo de resposta financeira e comercial) em formato xls. sem que tenha apresentado o mesmo documento em versão pdf.”;

39. O próprio Acórdão dá como assente que existe um documento (o mencionado doc.nº 5) que no seu conteúdo tem a resposta financeira e comercial da A., ao invocar a existência de tal documento e dar como provada a sua junção aos autos e como tal ao dar como assente que o mesmo foi apresentado pela concorrente em devido tempo, o Acórdão recorrido não extrai daí que a proposta comercial afinal foi apresentada em formato pdf., pese embora não tenha apresentado, isso sim um pdf. que reproduzisse na integra o documento em xls. que também apresentou;

40. Assim se a proposta comercial e financeira da concorrente foi apresentada através do doc. nº 5, não pode o Tribunal a quo ignorar o conteúdo do mesmo, existindo manifesto lapso do TCA Sul, que urge corrigir;

41. Acresce que é impreciso afirmar que a concorrente não juntou a Certidão Comercial, uma vez que esta juntou na sua proposta, a identificação e o respetivo código da certidão comercial, tanto assim é que não foi excluída com fundamentação na falta dessa documentação, uma vez que ao disponibilizar o código válido cumpre com o solicitado;

42. Face ao exposto e porque o Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo Sul teve por base a inexistência de qualquer documento em formato pdf. assinado eletronicamente, deve o mesmo ser reformado em conformidade.»

3. O Recorrido SPMS contra-alegou, sem formular conclusões, mas pugnando, quanto ao mérito, pela improcedência do recurso.

4. A Recorrida Administração Regional de Saúde do Algarve também contra-alegou, formulando por sua vez as seguintes conclusões:

«1. No procedimento concursal em apreço, o Tribunal de 1.ª instância decidiu pela anulação dos actos administrativos de exclusão da proposta da ora Recorrente e de adjudicação da proposta da Contrainteressada B..., tendo a Entidade Demandada SPMS, ficado constituída no dever de executar a sentença anulatória, nomeadamente, convidando a Recorrente a suprir a omissão documental em causa, ao abrigo do regime previsto no artigo 72.º, n.º 3 do CCP.

2. Considerou o Tribunal a quo, na sua decisão, que a Recorrente teria que apresentar os documentos referentes ao modelo de resposta em formato pdf. e, se assim for, o seu conteúdo teria de corresponder integralmente aos dos ficheiros em formato xls., já entregues.

3. A proposta da Recorrente foi excluída do concurso por não ter apresentado a totalidade dos documentos exigidos no artigo 5.º do Programa de Concurso (PC), nomeadamente, o documento previsto na alínea c) do n.º 1 desse artigo - o modelo de resposta comercial em formato pdf., elaborada de acordo com o Anexo II do PC, além de também não ter apresentado o documento previsto na alínea b) - a sua certidão permanente - nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, por remissão do disposto na alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do Código dos Contratos Públicos, conforme consta do ponto 5.2.2.1. do Relatório Preliminar, na alínea i) do ponto 4.2. do Relatório Final I, alínea c) do ponto 6 do Relatório Final II e alínea c) do ponto 5 do Relatório Final III.

4. A Recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia, defendendo a admissão da sua proposta e respectiva ordenação em primeiro lugar, o que não foi admitido pelo Júri do procedimento nos relatórios que se seguiram, nem pelo Conselho de Administração da Entidade Demandada SPMS.

5. A Recorrente não se conformou com a exclusão da sua proposta e propôs a acção que deu origem aos presentes autos, com vista à anulação da decisão de exclusão da sua proposta e de adjudicação da proposta da Contrainteressada B..., Lda., doravante B....

6. No âmbito do mesmo, a Recorrente limitou-se a apresentar o referido documento, exigido pelo Programa de Concurso, em formato xls., documento este que se traduz, apenas, numa folha de cálculo que visava facilitar o manuseamento dos elementos comparativos da proposta, pelo júri, com um caráter meramente utilitário e para efeitos de cálculo.

7. O Programa do Procedimento exigia a apresentação de um documento que não foi apresentado e que cominava expressamente com a exclusão respectiva.

8. A formalidade discutida nestes autos é uma formalidade essencial, pelo que, desde logo e por apelo ao elemento literal do citado preceito, nunca competiria à Entidade Demandada dirigir, à ora Recorrente, um convite para o suprimento de irregularidades.

9. O artigo 56.º n.º 3 da Diretiva 2014/24/UE prevê que:

“[q]uando a informação ou documentação a apresentar pelos operadores económicos for ou parecer incompleta ou incorreta, ou quando faltarem documentos específicos, as autoridades adjudicantes podem, salvo disposição em contrário da legislação nacional que der execução à presente diretiva, solicitar aos operadores económicos em causa que apresentem, acrescentem, clarifiquem ou completem a informação ou documentação pertinentes num prazo adequado, desde que tal seja solicitado no respeito integral dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência”.

10. Decorre do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do C.C.P. que:

“3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente:
a) A não apresentação ou a incorreta apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, incluindo as declarações dos anexos i e v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública;
b) A não junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira;
c) A falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos.”

11. A lei não confere aos concorrentes qualquer direito “especial”, a serem contactados pela entidade adjudicante no caso de as suas propostas se mostrarem imprecisas ou incorrectas.

12. O programa do procedimento previu que a consequência da não junção de um documento seria a exclusão da proposta.

13. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do C.C.P., a SPMS, deve observar os critérios que ela própria fixou, sob pena de violar os mais elementares princípios da contratação pública.

14. O Programa de Concurso é expresso em cominar com a exclusão de proposta a não apresentação do Modelo de resposta em formato xls. e pdf.

15. Pelo que, não se verifica qualquer ilegalidade na decisão de exclusão da proposta da Recorrente.

16. A Entidade Demandada SPMS procedeu com zelo e diligência, como lhe cabia, quando decidiu excluir a proposta da Recorrente, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Programa de Concurso.

17. Em face de tudo quanto se expôs, não deve ser admitido por V. Exas o recurso de revista da Recorrente, por não estarem preenchidos os pressupostos da lei, para a sua admissão,

18. Devendo por isso, manter-se a decisão proferida pelo douto Tribunal Central Administrativo Sul, por estar conforme ao Direito e à Lei».

5. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em formação de apreciação preliminar, em 11 de janeiro de 2024, por se entender que «a questão jurídica que se coloca, decidida pelas instâncias de forma dissonante, apresenta alguma dificuldade de resolução, estando longe de ser inequívoco que o acórdão recorrido a tenha decidido com exactidão, tanto mais que, como ele próprio parece reconhecer, está em aparente contradição com o citado acórdão deste STA de 13/1/2022».

6. Notificada para o efeito, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que «será de julgar procedente o presente recurso de revista» – artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.

7. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo - artigo36º, nº1, al. c) do CPTA.


II. Matéria de facto

8. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) Em 29.12.2020, foi outorgado, entre a Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P., na qualidade Mandante, e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E., na qualidade de Mandatário, o instrumento negocial intitulado “Contrato de Mandato Administrativo // Equipamento Informático – Agregação Suplementar 2020”, que, nos termos estipulados no n.º 1 da sua Cláusula 1.ª “(…) tem por objeto a atribuição de mandato à SPMS para proceder nos termos do Código dos Contratos Públicos, à instrução e realização do procedimento para a aquisição de Equipamento Informático — Agregação Suplementar 2020, no montante total de 301.371,30€, a que acresce IVA à taxa legal em vigor.” (cfr. doc. junto pela Entidade Demandada com o seu requerimento de 05.01.2022);

B) Nos termos da Cláusula 2.ª do acordo referido na alínea anterior: “O presente contrato de mandato administrativo é um mandato com representação, ficando a SPMS, EPE legitimada para agir no decurso da sua execução em nome da Mandante.” (cfr. doc. junto pela Entidade Demandada com o seu requerimento de 05.01.2022);

C) Em 07.05.2021, por despacho da Vogal do Conselho de Administração da SPMS, E.P.E., exarado sobre a Informação n.º ...77, foi autorizado o início do procedimento do Concurso Público para “Aquisição de diverso equipamento Informático para a Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P.”, bem como aprovada a nomeação do júri, do perito e das peças do procedimento (cfr. doc. n.º 1 junto pela A. com a p.i.);

D) Do Programa do Concurso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constam, nomeadamente, as seguintes disposições:

“(…) Artigo 5.º - Documentos que constituem a proposta 1 - A proposta deve ser constituída, sob pena de exclusão, pelos seguintes documentos:

a) Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de concurso;

b) Certidão Permanente atualizada do concorrente ou de todos os membros do agrupamento concorrente, por forma a atestar os representantes que têm poderes para obrigar a empresa;

c) Modelo de resposta, quer comercial, quer financeira elaborada de acordo com o Anexo 11 do presente programa de concurso, devendo o mesmo ser obrigatoriamente apresentado em formato xls. e em simultâneo em pdf., preenchido quanto a todos os campos e evidenciando as características técnicas do equipamento proposto, sob pena de exclusão, devendo indicar os seguintes elementos:

i) O preço da proposta em euros e com apenas 2 (duas) casas decimais; ii) Acréscimo de IVA à taxa legal em vigor aos preços apresentados

d) Fichas técnicas do equipamento proposto, de onde seja possível ao júri aferir a descrição exata das mesmas, não sendo aceite qualquer documento que apenas ateste o cumprimento das caraterísticas; (…)

5 - A apresentação dos documentos constitutivos da proposta obedece, nomeadamente, ao disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º do CCP e na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.

(…)

(ADITADO):

[IMAGEM]

(…)

(ADITADO)

Artigo 8º - Exclusão das Propostas

1. São excluídas as propostas cuja análise revele alguma das situações previstas no nº 2 do artigo 146º do CCP, designadamente:

a) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do artigo 5º do presente programa de concurso;

b) Que não respeitem o modo de apresentação dos documentos nos termos do artigo 6º do presente programa de concurso.

(…)

[IMAGEM]


(…)” (cfr. doc. n.º 3 junto pela A. com a p.i.; sublinhados nossos);

E) Em 12.05.2021, foi publicitado, em Diário da República, Série II, n.º 92, Parte L, sob o n.º ...49/2021, o anúncio do procedimento concursal para a "Aquisição de Diverso Equipamento Informático para a Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P." , e bem assim, na plataforma eletrónica www.comprasnasaude.pt (cfr. doc. n.º 1 junto pela A. com a p.i.);

F) Foi fixado em € 78.744,90 (setenta e oito mil, setecentos e quarenta e quatro euros e noventa cêntimos), o preço base para este procedimento concursal, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, sendo a adjudicação feita de acordo com as especificações técnicas previstas no Anexo I ao Caderno de Encargos, e em conformidade com o critério de adjudicação previamente estabelecido no artigo 11.º do Programa de Concurso, designadamente o critério da proposta economicamente mais vantajosa, da avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar submetido à concorrência, através da aplicação da expressão matemática indicada no ponto 5.3.2 do “Relatório Preliminar” (cfr. docs. n.ºs ... e ... juntos pela A. com a p.i.);

G) Até ao dia 21.05.2021, pelas 18h:00m – prazo fixado para a apresentação de propostas ‒ apresentaram proposta, por ordem de submissão na plataforma, os seguintes concorrentes: 1.º - A... Unipessoal, Lda.; 2.º - C..., Lda.; 3.º - D..., Lda.; 4.º - B..., Lda.; e, 5.º - E... Lda. (cfr. doc. n.º 6 junto pela A. com a p.i.);

H) A A. apresentou a sua proposta pelo valor de € 58.254,80 (cinquenta e oito mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos) (cfr. doc. n.º 5 junto pela A. com a p.i.);

I) No âmbito dos documentos que acompanharam a proposta apresentada pela A. ao concurso público em apreço, foram entregues os ficheiros informáticos contendo o modelo de resposta comercial e financeira em formato xls., mas não em formato pdf. (acordo entre as partes; cfr. doc. n.º 4 junto pela A. com a p.i.);

J) Em 27.05.2021, o júri do procedimento reuniu-se, tendo, numa primeira fase, procedido à análise formal das propostas ―(…) face aos requisitos constantes no artigo 5.º do Programa de Concurso, o qual determinava no seu n.º 1 que as propostas dos concorrentes devem ser constituídas por um conjunto de documentos”, na sequência da qual, se apuraram, no que por ora aqui releva, as seguintes conclusões constantes do “Relatório Preliminar”:

“(…)

(ADITADO):

5.2. ANÁLISE FORMAL DAS PROPOSTAS

5.2.1. Tendo em conta o exposto, o Júri analisou as propostas, face aos requisitos constantes no artigo 5.º do Programa de Concurso, o qual determinava no seu n.º 1 que as propostas dos concorrentes devem ser constituídas por um conjunto de documentos. Termos em que o mapa infra contém a análise das propostas dos concorrentes face aos requisitos da referida norma procedimental:

[IMAGEM]

(ADITADO)

5.2.2.2. O concorrente C..., Lda., não apresentou a totalidade dos elementos requeridos na alínea d) no artigo 5º do Programa de Concurso, nomeadamente, o modelo de resposta em pdf, elaborada de acordo com o Anexo II do programa de concurso, termos em que júri propõe a sua exclusão nos termos do disposto da alínea d) do n.º 2 do artigo 146º do CCP que remete para a alínea b) do n.º 1 do artigo 57º do CCP.

[IMAGEM]


(cfr. doc. n.º 6 junto pela A. com a p.i.);

K) O júri do procedimento, procedeu, em seguida, à avaliação material das propostas formal e materialmente admitidas, propondo, preliminarmente, o seguinte:


[IMAGEM]

(cfr. doc. n.º 6 junto pela A. com a p.i.);

L) Em 30.05.2021, em sede de audiência prévia, a A. apresentou uma pronúncia escrita, que aqui se considera integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual contesta a verificação dos fundamentos invocados para a exclusão da sua proposta, alegando para tanto, e em suma, que a mesma viola o princípio da proporcionalidade, não é subsumível à previsão normativa do artigo 57.º, n.º 1, al. c) do CCP invocado pelo júri do procedimento para fundamentar a exclusão da sua proposta, e que este deveria ter solicitado o suprimento da irregularidade decorrente da não apresentação dos documentos em falta, por aplicação do regime do convite ao suprimento de formalidades não essenciais previsto no artigo 72.º, n.º 3, do CCP, valendo, no caso em apreço, a tese do aproveitamento do ato administrativo, em face do que, requereu, a final, a readmissão da sua proposta (cfr. doc. n.º 7 junto pela A. com a p.i.);

M) Após analisar a pronúncia da A., o júri do procedimento concursal deliberou propor a manutenção da exclusão da proposta da A., com base nos motivos constantes do ponto 4.2 do “Relatório Final I”, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, dele se destacando as seguintes considerações:

(…)

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(…)

[IMAGEM]

(cfr. doc. n.º 8 junto pela A. com a p.i.);

N) No âmbito do “Relatório Final I” referido na alínea anterior, o júri deliberou, ainda, alterar o teor e as conclusões do “Relatório Preliminar”, propondo, entre o mais, a adjudicação da proposta do concorrente E..., Lda., pelo valor total de € 76.202,00 (setenta e seis mil, e duzentos e dois euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, mais tendo os concorrentes, sido subsequentemente foram notificados para, querendo, exercerem o seu direito de audiência prévia (cfr. doc. n.º 8 junto pela A. com a p.i.);

O) Após analisar a pronúncia apresentada em sede de audiência prévia pela concorrente B..., Lda., o júri do procedimento concursal elaborou o “Relatório Final II”, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no âmbito do qual, deliberou alterar o teor e as conclusões do “Relatório Final I”, nomeadamente, e no que por ora aqui releva, conceder provimento aos fundamentos invocados por aquela concorrente, e readmitir a proposta por si apresentada, mais propondo, a respetiva adjudicação, pelo valor total de 69.643,00€ (sessenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e bem assim, manter a exclusão da proposta da A. (cfr. doc. n.º 9 junto pela A. com a p.i.);

P) Atendendo a que nenhum concorrente se pronunciou, ao abrigo do direito de audiência prévia, sobre o teor do “Relatório Final II”, o júri do procedimento elaborou o “Relatório Final III”, no qual deliberou manter o teor e as conclusões constantes do “Relatório Final II”, mencionadas na alínea anterior (cfr. doc. n.º 1 junto pela A. com a p.i.);

Q) Por despacho de 17.08.2021, a Vogal do Conselho de Administração da Entidade Demandada, determinou, entre o mais, a aprovação do teor do “Relatório Final III”, a exclusão da proposta da A., nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, por remissão da alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do CCP, e a adjudicação da proposta da Contrainteressada B..., Lda., pelo valor total de 69.643,00€ (sessenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor (cfr. doc. n.º 1 junto pela A. com a p.i.);

R) Em 18.08.2021, após ter tomado conhecimento do teor do “Relatório Final III”, e da consequente decisão de adjudicação, a A. deduziu uma impugnação administrativa, ao abrigo do disposto no artigo 267.º e ss. do CCP, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, no âmbito da qual requereu, a final, a revogação da decisão de adjudicação dos lotes ..., ... e ..., a readmissão da sua proposta, a respetiva análise e reordenação, e em consequência, a adjudicação da sua proposta aos lotes ..., ... e ... (cfr. doc. n.º 11 junto pela A. com a p.i.);

S) Em 06.09.2021, a Entidade Demandada deliberou o indeferimento da impugnação administrativa apresentada pela A., nos termos constantes da Informação n.º ...21.../ 0376, de 03.09.2021, junta em anexo, que aqui se considera integralmente reproduzida, na qual se reiteram os fundamentos de exclusão da sua proposta vertidos nos Relatórios Finais I, II e III, concluindo-se “(…) não existir[em] fundamentos substanciais para a admissão da proposta (…)” da A. (cfr. doc. n.º 12 junto pela A. com a p.i.)».


III. Matéria de direito

9. A questão que se discute na presente revista é a de saber se a entidade adjudicante pode, ou deve, nos termos do número 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), proceder à regularização da proposta de um concorrente que não apresentou um documento constitutivo da mesma, nos termos exigidos pelo Programa de Concurso.
Em causa, concretamente, está o facto de o A., ora Recorrente, não ter apresentado, como exigido pelo respetivo artigo 5.º, o «modelo de resposta, quer comercial, quer financeira elaborada de acordo com o Anexo II do presente programa de concurso, devendo o mesmo ser obrigatoriamente apresentado em formato xls. e em simultâneo em pdf., preenchido quanto a todos os campos e evidenciado as características técnicas do equipamento proposto, sob pena de exclusão (...)».
Com efeito, e não obstante a alegação do Recorrente de que também apresentou um documento em formato pdf. que, substancialmente, contém os elementos de resposta exigidos pelo Programa de Concurso, está dado como provado na alínea I) da matéria de facto que, «no âmbito dos documentos que acompanharam a proposta apresentada pela A. ao concurso público em apreço, foram entregues os ficheiros informáticos contendo o modelo de resposta comercial e financeira em formato xls., mas não em formato pdf».

10. As instâncias divergiram na resposta a dar a essa questão.
O TAF de Beja considerou que «ao excluir uma proposta que poderia ter sido objeto de sanação, mediante convite formulado à A. para apresentação do documento em formato pdf. em falta, a entidade adjudicante reduziu a concorrência, restringindo, de forma ilegítima, o universo de propostas concursais; Esta invalidade do ato de exclusão, inquina, consequentemente, a validade do ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada B... (…) Lda., uma vez que, a admitir-se, eventualmente, a proposta da A., o ato de adjudicação teria de ter forçosamente outro conteúdo».
O TCAS, em contrapartida, considerou que «tais omissões (de documento e formato) não podem ser reconduzidas a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis, nos termos e para os efeitos do artigo 72º, nº. 3 do CCP/2017», pelo que revogou aquela decisão e julgou a ação improcedente.
Vejamos então.

11. O número 3 do artigo 72.º do CCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 11 de agosto, aplicável ao caso dos autos, estabelecia que «o júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento na afete a concorrência e a igualdade de tratamento».
Da redação então dada àquela disposição resulta, antes de mais, que apenas são passíveis de suprimento as irregularidades formais, devendo entender-se como tais aquelas que não comprometam o conteúdo das propostas, i.e., os seus atributos, termos ou condições, ou as exigências estabelecidas pela lei e pelo programa do concurso relativas à organização do concorrente.
Em face dessa redação, não podem restar dúvidas de que, caso estivéssemos perante a falta de apresentação do «modelo de resposta, quer comercial, quer financeira elaborada de acordo com o Anexo II», a irregularidade da proposta do ora Recorrente seria absolutamente insuprível.
Mas não é esse o caso dos autos.
O Recorrente efetivamente apresentou aquele modelo, embora não o tenha feito nos dois formatos exigidos pelo Programa de Concurso, mas apenas num deles.
Daí que aquela omissão não possa qualificar-se como uma irregularidade substancial, suscetível de comprometer a manifestação, pelo candidato, de uma vontade de contratar firme, séria e irrevogável.

12. Na verdade, o Recorrente não só apresentou a resposta comercial e financeira em formato Excel, de acordo com o modelo do Anexo II do Programa de Concurso, como ainda resumiu as condições essenciais da sua proposta no ficheiro PDF que contém a declaração de aceitação das condições do Caderno de Encargos, feita de acordo com o modelo do Anexo I do mesmo programa.
Não se vê, por isso, em que medida a regularização da proposta, mediante a apresentação de uma resposta comercial e financeira em formato PDF, com o mesmo conteúdo daquela que foi apresentada em formato Excel, poderia pôr em causa a vontade de contratar concorrente, e muito menos afetar a concorrência e a igualdade de tratamento entre os concorrentes. A apresentação daquele documento a posteriori em nada alteraria o conteúdo da proposta inicialmente apresentada.
Acresce que, ao contrário do que o júri do concurso assumiu, o Programa de Concurso não estabelece uma hierarquia entre os dois formatos exigidos, pelo que não se pode dizer que o documento em formato PDF seja essencial, e o documento em formato Excel meramente instrumental ou acessório daquele.

13. Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou anteriormente no mesmo sentido, num caso parecido com o dos autos, em que o concorrente apresentou um documento exigido pelo Programa de Concurso em formato PDF, mas não em formato Excel.
No Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, de 13 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 0785/21.0BEPRT, afirmou-se a esse propósito que, «apesar de não ter apresentado um documento que o programa do procedimento impunha como obrigatório e essencial, e cuja falta era cominada, taxativamente, na cláusula 16.ª, n.º 2, alínea a) e 146º nº2 al. d) do CCP, com a exclusão do procedimento da proposta por falta de apresentação de documento previsto na cláusula 9.ª, no caso concreto a junção tardia do mesmo não interfere com qualquer princípio concursal acabando por se tratar de uma formalidade não essencial passível de ser suprida nos termos do artigo 72.º, n.º 3 do CCP.
Assim, o convite ao suprimento da falta deste documento previamente à exclusão da proposta está em sintonia com os princípios estruturantes da legalidade, concorrência, imparcialidade, transparência e igualdade de tratamento e não discriminação que a então autora pretendia que a sua exclusão violaria.
Sendo o artigo 72º nº3 igualmente aplicável a todos os candidatos e estimulando o mesmo a concorrência por permitir salvar propostas que só por meras formalidades seriam excluídas, os referidos princípios estão salvaguardados.»
Na base do entendimento firmado no referido acórdão está, não apenas o carácter aberto do conceito de formalidade não essencial, que convoca a ponderação das circunstâncias do caso concreto, como, também, o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta – nesse sentido, v. também o Acórdão do STA 1S, de 29 de abril de 2021, proferido no Processo n.º 0188/20.4BELLE.

14. Assim, e sem necessidade de mais considerações, é possível concluir que, no contexto dos presentes autos, a omissão do modelo de resposta comercial e financeira em formato PDF não consubstancia a preterição de uma formalidade essencial, pelo que é suprível.
O acórdão recorrido fez, por isso, errada interpretação do número 3 do artigo 72.º do mesmo CCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 11 de agosto, devendo, assim, ser revogado, para que se mantenha a decisão proferida em primeira instância pelo TAF de Beja.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, mantendo a decisão proferida em primeira instância pelo TAF de Beja

Custas pelos Recorridos. Notifique-se


Lisboa, 14 de março de 2024. – Claúdio Ramos Monteiro (relator) – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.