Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01057/19.6BELSB
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:MOBILIDADE
CARREIRA
RECRUTAMENTO
Sumário:I - O procedimento adoptado pela Autoridade Tributária, não obstante se consubstanciar numa mobilidade-recrutamento a pretexto do regime jurídico da consolidação da mobilidade intercarreiras, não tinha, à luz do disposto no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, que integrar obrigatoriamente uma quota de TATA não licenciados, nem essa obrigação decorre do facto de terem sido incluídos naquele procedimento os TATA habilitados com uma licenciatura em área de formação não adequada ao conteúdo funcional das carreiras.
II - Do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da CRP não se pode retirar o direito dos TATA sem habilitação superior a um tratamento idêntico àquele que foi dado aos TATA com habilitação superior não correspondente a um dos cursos indicados no Despacho 14502/2012, no âmbito do procedimento de mobilidade-recrutamento a pretexto do regime jurídico da consolidação da mobilidade intercarreiras.
III - Do n.º 2 do artigo 34.º da LGTFP, que cuida do requisito da experiência profissional para efeitos de procedimentos de recrutamento, resulta que a mesma, quando não seja expressamente referida na lei (como é o caso na norma sobre o recrutamento de TAT), apenas será utilizada como critério pela entidade promotora do recrutamento, se assim o entender, e, para além disso, terá sempre um carácter excepcional, devendo dar-se prevalência às habilitações literárias.
IV - Das normas gerais e especiais em matéria de relação jurídica de emprego público não resulta que a experiência profissional deva ser equiparada às habilitações académicas (mesmo que não específicas para a função) no âmbito de procedimentos de recrutamento. Por maioria de razão, quando está em causa um procedimento de mobilidade-recrutamento, em que para a mobilidade se exige a habitação adequada, essa equiparação é ainda menos adequada.
Nº Convencional:JSTA000P26864
Nº do Documento:SA12020120301057/19
Data de Entrada:10/16/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:A……….. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – Em 14 de Junho de 2019, ……………., …………,……………, …………., ……….., …………, …………, ……….., …………, ………….. e ……….., todos com os sinais dos autos, propuseram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, igualmente com os sinais dos autos, acção administrativa de contencioso dos procedimentos de massa, para impugnação do Despacho da Directora-geral, Dra. …………., de 16 de Maio de 2019, exarado na Informação n.º 29/DIR/2019 da Direção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos (DSGRH), pedindo: i) a declaração de nulidade/anulação do acto impugnado e a consequente condenação da Ré a integrar os Autores no procedimento de mobilidade intercarreiras para a categoria de TAT nível 4; e ii) a condenação da Ré, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do CPTA, ao pagamento de despesas e honorários de Mandatário Judicial, apurados em sede de execução de sentença, acrescidos dos juros de mora legalmente devidos.

2 – Por sentença de 10 de Dezembro de 2019, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

3 – Inconformada, a. recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul).

4 – Por despacho de 11 de Setembro de 2019, o TCA Sul ordenou a apensação a este processo do processo n.º 1075/19.4BELSB, nos seguintes termos: “(…) apensação do processo n.º 1075/19.4BELSB a estes autos, desde já, se determina que a tramitação se processe exclusivamente no processo apensante, ou seja, no processo n.º 1057/19.6BELSB”.

5 - Por acórdão de 16 de Abril de 2020, o TCA Sul concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do TAC de Lisboa, assim como a sentença proferida em 10 de Dezembro de 2019, pelo mesmo TAC de Lisboa, no mencionado processo n.º 1075/19.4BELSB.

6 – Por acórdão de 21 de Julho de 2020, o TCA Sul julgou procedentes os incidentes de intervenção principal provocada, deduzidos ao abrigo do disposto nos artigos 311.º ss do CPC, ex vi dos artigos 1.º e 10.º, n.º 10 do CPTA.

7 – Inconformada com o acórdão do TCA Sul de 16 de Abril de 2020, a Administração Tributária interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 24 de Setembro de 2020, com o seguinte fundamento: «[A] razão fundamental por que os autores questionaram «in judicio» o sobredito procedimento de mobilidade intercarreiras prende-se com a alegada ofensa do art. 29.°, n.º 7, do DL n.º 557/99, de 17/12 - onde se prevê a possibilidade de funcionários com a categoria de TATA serem admitidos ao concurso destinado à “admissão ao estágio para ingresso nas categorias de grau 4”.
Relativamente a este crucial vício, arguido pelos autores «in initio», as instâncias divergiram: o
TAC entendeu que a norma supostamente violada, enquanto privativa do concurso a que tipicamente se referia, nenhuma interferência tinha no procedimento de mobilidade em questão nos autos; o TCA, ao invés, considerou que o preceito - não aplicado «in casu» pela Administração - também era aplicável aos procedimentos de mobilidade.
Tal «quaestio juris» - a que, aliás, se seguem outras, todavia menos relevantes e dificultosas - envolve o grau de complexidade bastante para justificar a intervenção deste Supremo. Até porque a solução do TCA, algo arredada da letra da lei, é controversa «primo conspectu».
Por outro lado, o caso vertente interessa a uma miríade de funcionários, pormenor que também insta a que quebremos a regra da excepcionalidade das revistas».

8 – Já na pendência do recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, outros seis Requerentes deduziram incidente de intervenção principal espontânea, no lado activo da lide, por mera adesão, ao abrigo do disposto nos artigos 313.º ss do CPC, ex vi dos artigos 1.º e 10.º, n.º 10 do CPTA, tendo o acórdão que admitiu a revista dito a este propósito o seguinte: «esta formação não tem competência para processar e decidir o incidente de intervenção principal recentemente deduzido (cfr. o art. 150º, n.º 6, do CPTA). Aliás, o «munus» desta formação, centrado na revista e nas contra-alegações, é exercitável à margem de uma intervenção principal por mera adesão. Assim, avaliaremos se o recurso é admissível; e caso o seja, à Secção competirá apreciar e resolver o referido incidente».

9 - A Recorrente, apresentou alegações nos seguintes termos:
«[…]

A) Não se conformando a AT com o teor do acórdão do TCA Sul, por considerar que este não faz uma correta determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis às situações em análise interpomos o presente recurso.

B) A questão discutida nos autos reveste, para efeitos do artigo 150.º do CPTA, uma manifesta relevância jurídica e social e a sua resolução é indispensável para uma melhor aplicação do direito.

C) Como é considerado pela jurisprudência, o Decreto-Lei n.º 557/99, de 17.12 relativamente aos funcionários da então Direção-Geral dos Impostos, estabeleceu um novo estatuto de pessoal e regime de carreiras (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 557/99 de 17.12 e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 04928/09 e 06552/02, disponíveis em www.dgsi.pt).

D) O Técnico de Administração Tributário Adjunto (TATA) constitui uma das novas categorias criadas pelo Decreto-Lei n.º 557/99, de 17.12 pertencendo ao Grupo de Pessoal de Administração Tributária (GAT), conforme consta do Anexo III deste diploma, sendo que dentro desta categoria, TATA do grau 2, existem ainda os níveis 2 e 3.

E) Sendo Técnico de Administração Tributária Adjunto uma categoria do grau 2, a admissão ao estágio para ingresso na mesma faz-se, diz o n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei nº 557/99, de entre indivíduos habilitados com o 12º ano(…)” para a categoria de Técnico de Administração Tributária, categoria de grau 4, o ingresso para esta categoria é entre indivíduos habilitados com curso superior, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º desse Decreto-Lei n.º 557/99,de 17.12.

F) Questão primordial é o facto de, no caso, não estarmos perante um procedimento concursal; está, sim, em causa um procedimento de mobilidade intercarreiras – da carreira técnica de administração tributária adjunta para a carreira técnica de administração tributária.

G) Olvidando o TCA Sul que são distintos os procedimentos de concurso e do de [sic] mobilidade intercarreiras, como distintos são os respetivos trâmites.

H) Na verdade, no instrumento de mobilidade não se está em sede de recrutamento normal. Se a mobilidade estivesse sujeita aos mesmos requisitos que são exigidos para o recrutamento normal ficava esvaziada de âmbito de aplicação.

I) E é a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06, e não o Decreto-Lei n.º 557/99, de 17.12 que estabelece os pressupostos para a mobilidade intercarreiras.

J) Nos termos do seu artigo 93.º, n.º 4, “A mobilidade intercarreiras depende da titularidade de habilitação adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição”.

K) O que significa que, legalmente, é exigido que os trabalhadores a abranger pela mobilidade intercarreiras para a carreira de técnico de administração tributária têm de possuir os requisitos habilitacionais - licenciatura/curso superior – que são exigidos para o provimento nessa carreira de destino – técnico de administração tributária.

L) E em obediência a esses preceitos legais, como bem considerou o TACL, os ora Recorridos, detendo a categoria de Técnico de Administração Tributária Adjunto (TATA), e não possuindo como habilitação qualquer curso superior/licenciatura, não poderiam ser abrangidos pelo procedimento de mobilidade intercarreiras em questão.

M) Também, como bem considerou o TACL, no procedimento de mobilidade intercarreiras em questão, não tinha que ser dado cumprimento ao disposto no nº 7 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 557/99.

N) Isso porque a possibilidade de aplicação desse preceito legal, o qual, na verdade, na matéria, confere um poder discricionário à Administração, é restrita às situações em que é aberto concurso de pessoal para admissão ao estágio para ingresso na categoria de técnico de administração tributária - o que não se verifica, no caso, em que está em causa a figura da mobilidade intercarreiras, a qual não é confundível com a figura do concurso.

O) Como resulta do disposto na LTFP, designadamente a alínea d) do n.º 1 do artigo 99.º- A, não desvirtua o procedimento de mobilidade intercarreiras o facto de, no caso, a mobilidade estar sujeita a um período experimental.

P) Isso porque para o ingresso na carreira de destino - técnica de administração tributária – é exigido estágio/período experimental (n.º 5 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99).

Q) Ou seja, a existência de período experimental não converte o procedimento de mobilidade intercarreiras em procedimento concursal.

R) Pelo que os Recorridos jamais poderiam ser incluídos no procedimento de mobilidade intercarreiras da carreira técnica de administração tributária adjunta para a de técnico de administração tributária, o qual, em obediência aos preceitos legais atendíveis, designadamente artigos 29.º, n.º 5, do Decreto-Lei nº 557/99, de 17.12 e 93.º, n.º 4, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, teve como únicos destinatários os Técnicos de Administração Tributária Adjuntos detentores de curso superior/licenciatura.

S) Por conseguinte, no caso, em que está em causa a figura da mobilidade intercarreiras, em face do princípio da legalidade por que se rege a atividade administrativa, seria inadmissível, por contrária à lei, que no mesmo fosse estipulada a pretendida quota para os Técnicos de Administração Tributária Adjuntos não detentores de curso superior/licenciatura.

T) A vinculação que, no caso, resulta para a Administração é de não incluir na mobilidade intercarreiras quem não for detentor de curso superior ou de licenciatura.

U) Com efeito, no âmbito da mobilidade intercarreiras da carreira técnica de administração tributária adjunto para a carreira técnica de administração tributária, o legislador (LTFP) não conferiu à Administração qualquer margem de discricionariedade para deixar de exigir o preenchimento do requisito habilitacional, cujo preenchimento só se verifica se o trabalhador for detentor de licenciatura/curso superior.

V) A aplicação do n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, que estabelece quem pode candidatar- se ao concurso referido no nº 5, só tem lugar conjuntamente com a aplicação do nº 5 do mesmo artigo 29º, ambos do Decreto-Lei nº 557/99.

X) Isto é, a aplicação do n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei nº 557/99 é restrita às situações em que é aberto concurso para admissão ao estágio para ingresso na categoria de técnico de administração tributária.

W) O que, reitera-se, não se verifica no caso, pois que está em causa a figura da mobilidade intercarreiras, e não concurso para admissão a estágio para ingresso na categoria de técnico de administração tributária.

Y) Na verdade, por imperativo legal - conjugadamente, o artigo 93.º, n.º 4, da LTFP e o n.º 5 do artigo 29.º do Decreto-Lei nº 557/99 - os trabalhadores a abranger pela mobilidade intercarreiras para a carreira de técnico de administração tributária têm de reunir os requisitos habilitacionais exigidos para o provimento nessa carreira de destino – técnico de administração tributária.

Z) Assim, é de convir que, no caso, nem sequer poderia ser violado o princípio da igualdade pois que, conforme é cabalmente demonstrado, foi cumprido o princípio da legalidade, o qual sempre se sobreporia ao princípio da igualdade.

AA) Com efeito, os Recorridos, que têm como habilitação académica a correspondente ao 12º ano de escolaridade, não estão em igualdade de circunstâncias com os colegas Técnicos de Administração Tributária Adjuntos que têm como habilitação académica uma licenciatura ou um curso superior.

BB) Deste modo, permitir que os ora Recorridos sejam admitidos no procedimento de mobilidade intercarreiras, sem o preenchimento do requisito habilitacional devido, significaria dar-lhes um tratamento manifestamente ilegal, relativamente aos demais TAT a quem foi exigido o cumprimento daquele requisito.

CC) Ora, em matéria de emprego público e de definição de vínculos e de estatutos, mormente, na definição do regime de carreira não nos movemos no quadro de poderes ditos discricionários já que, nesses domínios, a Administração mostra-se sujeita a estritas vinculações e a critérios de legalidade estrita.

DD) Nesta medida, os Recorridos por não terem como habilitação académica um curso superior ou uma licenciatura, não têm direito a ser incluídos/admitidos no procedimento de mobilidade intercarreiras para a categoria de TAT de nível 4.

EE) Como já sustentado, igual e repetidamente, pelo Pleno deste Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 21.02.2013 - Proc. n.º 0874/11, e de 06.07.2017 - Proc. n.º 01602/15, disponíveis in: «www.dgsi.pt/jsta»: “o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente e que ele se manifesta não só a proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjetivos, como na obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente» e que «aquele princípio não exigia uma igualdade absoluta em abstrato, mas apenas um tratamento igual para aquilo que era igual e um tratamento desigual para aquilo que era diferente e que só haveria violação desse princípio quando o tratamento desigual não tivesse fundamento aceitável”.

FF) E nem a mobilidade intercarreiras é o mecanismo legal vocacionado para a alegada progressão dos Recorridos na carreira respetiva - a de técnico de administração tributária adjunto.

GG) Com efeito, também aqui o douto acórdão do STA Sul põe em causa a boa aplicação do direito ao entender que a mobilidade intercarreiras na carreira de técnico de administração tributária configuraria para os Recorridos uma progressão na carreira respetiva.

HH) Ora, a carreira dos Recorridos - Técnico de Administração Tributária Adjunto- é unicategorial, conforme resulta do anexo III ao Decreto-Lei nº 557/99.

II) Por conseguinte, a entender-se que há progressão na carreira dos Recorridos, a mesma é, necessariamente, dentro da mesma categoria, isto é, de técnico de administração tributário adjunto.

JJ) Nesta medida, a invocada infração, pelo TCA Sul, ao comando inserto no art.º 47.º, n.º 2, da CRP, não faz qualquer sentido, porquanto o quadro normativo aplicado pelo Recorrente não põe em causa o direito de acesso à função pública, inexistindo uma qualquer violação do direito dos Recorridos à carreira.

LL) Pelo que o acórdão ora recorrido, ao condenar a Administração (AT) a “admitir os Autores no procedimento de mobilidade intercarreiras para a categoria de TAT, nível 4” violou o n.º 4 do artigo 93.º da LTFP, bem assim como os nºs 5 e 7 do artigo 29 º do Decreto-Lei nº 557/99 (em vigor à data dos factos).

MM) A decisão administrativa limitou-se a aplicar a disciplina jurídica estabelecida pelo legislador na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, dentro dos limites dos poderes que lhe estavam atribuídos e em conformidade com os fins a prosseguir, sempre em obediência ao princípio da legalidade artigo 266.º, n. º 2 da Constituição e reproduzido no artigo 3.º do CPA.

Nestes termos, e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista ser admitido por se encontrarem reunidos os requisitos para tal, nos termos do artigo 150.º do CPTA, e, consequentemente, ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão proferido pelo TCA Sul, assim se fazendo JUSTIÇA,

[…]».



10 – Todos os Recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado do TCA Sul (fls. 2996ss e 3023ss do SITAF).

11 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

12 – Com dispensa de vistos, cumpre decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido (que, recorde-se, aditou novos factos à matéria de facto assente pelo TAC de Lisboa), a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito
A – Do incidente de intervenção principal espontânea
A primeira questão que cumpre decidir e analisar é a de saber se em sede de recurso de revista ainda é admissível a apresentação do incidente de intervenção principal espontânea.
Os Requerentes apresentaram em 18 de Setembro de 2020, já neste Supremo Tribunal Administrativo, o pedido para aderir aos articulados do processo n.º 1057/19.6BELSB e nele alegam preencher os pressupostos do artigo 313.º do CPC [«1. A intervenção do litisconsorte, realizada mediante adesão aos articulados da parte com quem se associa, é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa»], aplicável ex vi do n.º 10 do artigo 10.º do CPTA [«10. Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respetiva intervenção no processo»].
Notificada para responder, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 313.º do CPC, a AT veio sustentar que em acções de impugnação de actos administrativos não é admissível o incidente de intervenção (espontânea ou provocada) quando haja já decorrido o prazo legal de impugnação. Subsidiariamente, alegou também que o estado do processo já não lhe permitiria fazer valer defesa pessoal contra o interveniente.
Vejamos se lhe assiste razão.
A jurisprudência pretérita deste Supremo Tribunal Administrativo, como a AT também destaca na sua resposta ao requerimento deste incidente, tem afirmado que “[N]ão é de admitir a intervenção principal espontânea no recurso contencioso de anulação quando o requerente, que, pretendendo exercer um direito próprio, se podia ter coligado com o recorrente, formula o pedido de intervenção depois de expirado o prazo para a impugnação do acto administrativo objecto do recurso” – neste sentido v. acórdão de 9 de Maio de 2002 e demais arestos do Pleno desta Secção aí referidos.
No essencial, firmou-se nestes arestos a ideia de que a aplicação da lei processual civil tem natureza supletiva e não pode deixar de fazer-se com as devidas adaptações às especificidades do contencioso processual administrativo. Ora, daí decorre que o incidente da intervenção processual não pode utilizar-se como instrumento para fazer valer um interesse próprio quando o respectivo titular já tenha deixado caducar o seu direito de acção e relativamente a ele já se tenha formado um caso decidido – neste sentido v. Acs. do Pleno de 19.06.2001 – Rec. 18.487-A, e de 26.06.91 – Rec. 21.162, e da Subsecção de 28.11.89 – Rec. 27.245 e de 27.02.86 – Rec. 21.162 (todos citados no referido aresto de 2002).
E não encontramos argumentos para afastar esta jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, seja no quadro das modificações legislativas do processo administrativo entretanto ocorridas, seja por estar em apreço uma impugnação e um incidente de intervenção principal relativos ao contencioso dos procedimentos de massa (artigo 99.º do CPTA). Pelo contrário, o que resulta deste processo é a apensação oficiosa e obrigatória das diversas impugnações, em regra (e como é o caso aqui) deduzidas por diversos autores coligados entre si, com o objectivo de se alcançar, em simultâneo, uma única decisão para todos os impugnantes; por isso, daí não decorre qualquer excepção relativamente ao ónus da impugnação tempestiva e da caducidade do direito de acção.
Ora, estando neste caso manifestamente excedido o prazo para a impugnação do acto por parte dos requerentes, indefere-se o requerimento de intervenção principal.


B – Do objecto do recurso
2.1. A questão principal que vem suscitada no presente recurso é a de saber se o Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, e mais precisamente o disposto no n.º 7 do seu artigo 29.º, é aplicável ao procedimento de mobilidade intercarreiras, ou numa formulação que se afigura mais correcta, se assiste razão ao TCA Sul na interpretação que fez dos artigos 99.º-A da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) e 29.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 557/99.

2.1.1. A questão consiste em saber se assiste razão a todos os impugnantes quando sustentam que o procedimento de mobilidade intercarreiras, iniciado pela AT em Abril de 2018, e que culminou com o Despacho da Senhora Directora-Geral, de 16 de Maio de 2019, exarado na informação n.º 29/DIR/2019 da DSGRH, violou o disposto no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99 (estatuto de pessoal e regime de carreiras dos funcionários da Direcção-Geral dos Impostos) e se esta norma constitui um concretização legal do direito de acesso à progressão na carreira dos Técnicos de Administração Tributária Adjuntos (TATA), que inclua, também, o direito à mobilidade intercarreiras.

De acordo com o acórdão recorrido, não obstante o procedimento de mobilidade intercarreiras previsto no artigo 99.º-A da LGTFPser diferente do procedimento para ingresso nas categorias do grau 4 previsto e regulado no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, em especial nos respectivos n.ºs 5 e 7 da relação entre ambos resulta que à mobilidade intercarreiras dos TATA para TAT, como sucede no procedimento em apreço, não é aplicável a regra do n.º 4 do artigo 93.º da LGTFP, segundo a qual “[A] mobilidade intercarreiras ou categorias depende da titularidade de habilitação adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição”. Uma conclusão que estriba na circunstância de o legislador especial (o que prevê o ingresso na carreira dos TAT) admitir, no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, a fixação de uma quota para o ingresso na categoria do grau 4 de funcionários com a categoria de técnico de administração tributária-adjunto, posicionados nos níveis 2 e 3, sem a exigência do requisito de detenção de curso superior em áreas de formação adequada; e de o legislador geral, no artigo 34.º, n.º 2 da LGTFP, também prever que, nos concursos de recrutamento o requisito da habilitação possa, ainda que excepcionalmente, ser substituído pela formação ou experiência profissionais relevantes.

A esta asserção, o aresto recorrido adita outra: a de que in casu não existia discricionariedade da entidade administrativa que abriu o procedimento de mobilidade intercarreiras para, com fundamento numa “ideia gestionária”, excluir os Impugnantes e aqui Recorridos daquele procedimento, pois, tendo admitido ao mesmo os TATA que são titulares de licenciatura não adequada ao conteúdo funcional das carreiras de TAT, essa admissão só pode considerar-se realizada ao abrigo do n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, ou seja, com base na sua experiência profissional, e de acordo com este critério, os TATA como experiência profissional e sem licenciatura teriam que ter o mesmo tratamento jurídico. Segundo a argumentação expendida no aresto recorrido, a igualdade no acesso à função pública, que incluiu a igualdade no direito à progressão na carreira, constituía aquela entidade, neste caso, na vinculação legal de admitir ao procedimento também os TATA sem licenciatura.

Mas, como veremos, não são isentas de críticas as soluções alcançadas no acórdão recorrido.

2.1.1.1. O TCA Sul começa por considerar que do disposto no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99 resulta, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 99.º-A da LGTFP, a neutralização da regra do n.º 4 do artigo 93.º da LGTFP.

Em contraposição, a entidade Demandada e aqui Recorrente defende que os procedimentos de mobilidade intercarreiras, previstos e regulados na LGTFP, e de recrutamento, previstos no Decreto-Lei n.º 557/99, são distintos, assentam em diferentes pressupostos e objectivos e, por essa razão, as regras para uns e outros não são, a priori, intermutáveis. Vejamos se a situação em apreço deve ser subsumida a esta dicotomia.

O procedimento de mobilidade intercarreiras visa, por razões de conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham, promover a afectação temporária (pelo período máximo de 18 meses – artigo 97.º da LGTFP) de um trabalhador com determinada categoria, colocado num órgão ou serviço, no exercício de determinada função (ou mesmo em situação de requalificação), no mesmo ou noutro órgão, serviço ou função, e na mesma ou em outra categoria, podendo por isso revestir a modalidade de mobilidade na categoria, intercategorias ou intercarreiras. Para estes procedimentos de mobilidade intercarreiras ou categorias a lei exige titularidade de habilitações adequadas do trabalhador (artigo 93.º, n.º 4 da LGTFP).

A mobilidade é um conteúdo típico do vínculo de emprego público, cuja finalidade, como antes dissemos, é de interesse público (boa gestão dos recursos humanos da Administração Pública), e que surge inteiramente regulada neste sentido e não como direito do trabalhador, sem prejuízo de acautelar os direitos e interesses destes, designadamente, impondo a necessidade de acordo dos mesmos em situações que consubstanciem um prejuízo para a sua posição jurídica, ainda que em abstracto, como sucede, por exemplo, quando a mobilidade opere para categoria inferior na mesma carreira ou carreira de grau de complexidade inferior (artigo 94.º, n.º 2 da LGTFP), nas situações previstas no artigo 98.º da LGTFP, bem como em casos similares legalmente tipificados.

Sobre a mobilidade não existem regras especiais no Decreto-Lei n.º 557/99, pelo que a estes funcionários aplicam-se as regras gerais do Capítulo III, do Título IV da LGTFP.

Já o recrutamento para as categorias de ingresso nas carreiras do GAT, previsto e regulado nos artigos 27.º e ss do Decreto-Lei n.º 557/99, cuida de uma questão diversa, como bem sublinha a aqui Recorrente, que é o modo de ingresso nas referidas categorias e as regras aplicáveis ao concurso interno de acesso limitado que regula aqueles recrutamentos. É nesse âmbito que se prevê a possibilidade – sublinhe-se, possibilidade, no sentido de faculdade que a entidade responsável pelo recrutamento exerce ou não – de no ingresso nas categorias do grau 4, ou seja, para técnico de administração tributária (TAT), poderem ser admitidos ao concurso, para além dos indivíduos habilitados com curso superior em áreas de formação adequada ao conteúdo funcional das carreiras - ou seja, as que constam do Despacho n.º 14502/2012, publicado do DR, 2.ª Série de 9 de Novembro –, tal como estipulado no n.º 5 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, também funcionários com a categoria de TATA, posicionados nos níveis 2 ou 3, devendo neste caso ser estipulada uma quota no respectivo aviso de abertura e sendo aquele preenchimento feito de acordo com os indicadores de gestão previsional e a política definida em matéria de gestão de carreiras (n.ºs 7 e 8 do artigo 29.º, do Decreto-Lei n.º 557/99).

Por último, o artigo 99.º-A da LGTFP, ao abrigo do qual decorreu o procedimento aqui em apreço, cuida de uma questão jurídica diversa das duas anteriores, trata-se de um instrumento legal de – como a epígrafe do artigo indica – “consolidação da mobilidade intercarreiras” – ou seja, o que está aqui em causa é atribuir, preenchidos que estejam os requisitos legais aí previstos, uma nova categoria, numa nova carreira, aos trabalhadores que tenham transitado para a mesma ao abrigo do regime da mobilidade.

Este artigo foi aditado à LGTFP pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2017, como um instrumento de gestão de recursos humanos no seio da Administração Pública, o qual veio permitir e regular esta forma de mobilidade definitiva, pondo termo à questão até aí muito discutida da consolidação das situações de mobilidade intercarreiras ao abrigo do disposto no n.º 11 do artigo 99.º da LGTFP (i. e., casuisticamente, mediante a aprovação de portarias), passando assim a dispor de um regime próprio como o que já existia para as situações de mobilidade intercategorias ex vi do disposto no artigo 99.º da LGTFP.

Em termos simplificados, um funcionário integrado numa determinada categoria e carreira, que tenha sido colocado no exercício de funções em outra categoria e carreira ao abrigo do regime da mobilidade, pode, por efeito desta norma legal, “adquirir” a nova categoria, na nova carreira, sem passar pelo procedimento de recrutamento normal, que seria o concurso interno de acesso limitado.

Ora, no procedimento aqui em crise, o que sucedeu foi um misto dos três regimes antes descritos, ou seja, por iniciativa dos serviços da AT procedeu-se ao levantamento dos dados registados no cadastro de recurso humanos daquela entidade com referência a 29 de Novembro de 2018 com o intuito de promover, por via do procedimento de mobilidade intercarreiras, o recrutamento de Técnicos da Administração Tributária nível 4, ou seja, de fazer “transitar” para a carreira dos TAT aqueles TATA que preenchessem os requisitos legais para o efeito. E conclui-se nesse levantamento que existiam 713 TATA habilitados com curso superior nas áreas de formação do Despacho n.º 14502/2012, tendo sido autorizada a alteração do mapa de pessoal da AT para que passassem a estar previstos estes postos de trabalho na carreira dos TAT, cumprindo assim a exigência da al. c) do n.º 1 do artigo 99.º-A da LGTFP. A conjugação dos dois regimes jurídicos é ainda confirmada pela circunstância de a mobilidade dos referidos funcionários ficar sujeita ao período experimental do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 557/99 (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 17/2017, de 10 de Fevereiro), ou seja, ao estágio para ingresso na categoria ao abrigo de recrutamento.

2.1.1.2. No mesmo procedimento previu-se ainda a mobilidade dos TATA que fossem titulares de curso superior em outras áreas não previstas no Despacho n.º 14502/2012, para os quais se previram também, previamente, os respectivos postos de trabalho como TAT, acrescendo neste caso a necessidade de ministrar a estes trabalhadores uma formação específica para suprir as insuficiências da falta de licenciatura em área de formação adequada. E é precisamente quanto a este “segundo lote” de “mobilidade-recrutamento” que o TCA Sul estriba a sua tese de que é a própria AT quem prescinde do requisito da habilitação legal expressamente previstas no n.º 5 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99 para alargar a base do recrutamento aos TATA licenciados em outras áreas não previstas no Despacho 14502/2012, pelo que se admite que os TATA titulares de outras licenciaturas possam consolidar-se na carreira de TAT. Então, o critério adoptado neste caso pela AT só pode ter sido o da sua experiência profissional, razão pela qual não existe um fundamento jurídico válido para fazer uma distinção entre este grupo (os TATA titulares de outras licenciaturas, que não as do Despacho 14502/2012)) e o grupo dos aqui Impugnantes, ou seja, os TATA com comprovada experiência profissional, ainda que não titulares de licenciatura, pois considera que para efeito do critério de recrutamento, que será, no entender o TCA Sul, o n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, eles preenchem as mesmas qualidades.

Para verificarmos se esta solução enferma ou não de erro de julgamento cumpre dividir a sua análise em dois pontos: i) primeiro, saber se se pode afirmar que os dois grupos de TATA – com experiência profissional titulares de curso superior em áreas de formação não adequadas ao conteúdo funcional da actividade de TAT e TATA com experiência profissional não titulares de curso superior – podem ser efectivamente considerados equivalentes para o critério de “mobilidade-recrutamento”; e, ii) em segundo lugar, saber se as consequências que o acórdão assaca a essa equivalência são juridicamente acertadas.

2.1.1.3. Por ora, podemos é desde já concluir que ao adoptar o procedimento que adoptou não pode a ora Recorrente alegar que se trata de um regime jurídico de mobilidade, exclusivamente regulado na LGTFP e completamente alheio às regras legais em matéria de recrutamento para a categoria de acesso do grau 4 do quadro de pessoal da DGCI, pelo que a solução adoptada pelo TCA Sul erra ao não aplicar o disposto no n.º 4 do artigo 93.º da LGTFP.

2.1.1.4. Devemos começar por destacar que a circunstância de ter sido adoptado um procedimento misto de mobilidade-recrutamento, a pretexto da aprovação do regime jurídico da consolidação da mobilidade intercarreiras, não determina, em si, que fosse vinculativa a aplicação, neste caso, do disposto no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, como parece concluir o TCA Sul na sua decisão. Qualquer que seja a solução interpretativa que se venha a professar ela não pode deixar de ter como ponto de partida o enunciado verbal da referida norma que assenta numa faculdade da entidade responsável pelo recrutamento. Vejamos.

2.1.2. O procedimento adoptado, não obstante se consubstanciar numa mobilidade-recrutamento a pretexto do regime jurídico da consolidação da mobilidade intercarreiras, não tinha, obrigatoriamente que integrar uma quota de TATA não licenciados, por efeito do disposto no n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, nem essa obrigação decorre do facto de ter incluído naquele procedimento os TATA habilitados com uma licenciatura em área de formação não adequada ao conteúdo funcional das carreiras. Não tinha, em primeiro lugar, porque a norma legal em causa apresenta na sua estatuição, como sublinhámos, uma faculdade e não uma obrigação ou sequer um poder-dever, o que decorre expressamente do uso da expressão “podem ainda ser admitidos”. Assim, se a norma permite ao responsável pelo procedimento não incluir quaisquer TATA para além dos titulares de licenciatura adequada, também permitirá, em si, admitir apenas os TATA que têm outras licenciaturas e não admitir os TATA que não têm nenhuma licenciatura. Sejamos claros, a norma não tem qualquer conteúdo impositivo de admissão de TATA ao concurso de recrutamento para TAT. De resto, outros preceitos-faculdade do procedimento de recrutamento também não foram mobilizados, como é o caso, por exemplo, da possibilidade de definir quotas de admissão por cursos de áreas de formação adequada, como se estatui no n.º 5 do artigo 29.º in fine. E não tinha ainda que integrar os TATA não titulares de curso superior porque a interpretação que emerge do n.º 7 do artigo 29.º não é, necessariamente, como defendem os Impugnantes, que ali esteja uma reserva de recrutamento de TATA com experiência de serviço (independentemente de serem titulares de um curso superior ou não, sempre que esses cursos não integrem a denominada lista das habilitações adequadas ao exercício da actividade de TAT), podendo considerar-se que aquela faculdade de quota de recrutamento se destina apenas ao TATA em geral, como instrumento de gestão de carreiras ao dispor da AT, permitindo, quando o entender, valorizar a carreira de TATA através desta via de progressão intercarreiras, o que não é, necessariamente, a mesma coisa do que a necessária valoração da experiência profissional. Veja-se que se fala expressamente em quota limitada de lugares para este grupo. Assim, se a norma expressamente indica que há-de haver um limite de lugares para este grupo, nada impede que essa quota seja preenchida com critérios diferenciadores a respeito das habilitações dos trabalhadores nela integrados. Trata-se de uma decisão discricionária na gestão dos recursos humanos.

2.1.3. Importa, porém, verificar se o TCA Sul terá razão quando conclui que, in casu, aquela quota de recrutamento tem de abranger também os TATA sem habilitação superior, uma vez que a discricionariedade é aqui anulada ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da CRP (igualdade no acesso à função pública) e 13.º da CRP (princípio da igualdade), resultando a necessidade de assegurar igual tratamento aos TATA com experiência profissional que são titulares de licenciatura não adequada ao exercício da actividade de TAT e ao TATA que têm a mesma (ou até mais) experiência profissional, mas não são titulares de nenhuma licenciatura.

Ora não podemos acompanhar o TCA Sul na interpretação que adoptou (concluindo pela necessidade de igual tratamento destas duas categorias) pelas razões que passamos a expor. Primeiro, porque do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da CRP não se pode retirar o direito dos TATA sem habilitação superior a ser tratados de forma idêntica aos TATA com habilitação superior ainda que não correspondente a um dos cursos indicados no Despacho 14502/2012, no âmbito do presente procedimento; a igualdade de tratamento que se protege ao abrigo das referidas disposições constitucionais pressupõe que sejam idênticas as qualificações dos candidatos, o que no caso não sucede, e não é legítimo ao tribunal substituir-se ao juízo da Administração responsável pela gestão dos recursos humanos na determinação da relevância que uma licenciatura, mesmo que em outras áreas e associada à experiência profissional, pode ter para o desempenho da actividade de TAT no procedimento de mobilidade-recrutamento. Só existe violação do princípio da igualdade se estivermos perante um tratamento discriminatório, resultante de uma diferença de tratamento entre trabalhadores com as mesmas qualificações, que não tenha um fundamento atendível, algo que não se afigura evidente neste caso. Em outras palavras, quanto o n.º 7 do artigo 29.º admite que ao concurso possam ser admitidos TATA dos níveis 2 ou 3 para um número limitado de lugares está a conferir à entidade recrutante o poder de fixar a admissibilidade ou não da sua candidatura e a limitação dos lugares a preencher pelos mesmos, o que não invalida que possa também fixar requisitos diferenciadores para a sua admissibilidade. Ou seja, se pode não admiti-los a concurso, também poderá admiti-los diferenciadamente, se a diferença que estabelece tiver um fundamento atendível. E não pode dizer-se que a titularidade ou não de um curso superior não é um requisito atendível neste caso. Vejamos porquê.

Primeiro, porque não obstante a modificação legislativa introduzida em 2017, que eliminou o anterior requisito para a consolidação da mobilidade intercarreiras, segundo o qual ambas teriam de ter o “mesmo grau de complexidade funcional” (redacção do revogado n.º 11 do artigo 99.º da LGTFP), a verdade é que, ainda assim, nenhuma norma do Decreto-Lei n.º 557/99 ou da LGTFP estipula uma regra vinculativa de tratamento igualitário entre a titularidade de habilitações legalmente exigidas e a experiência profissional. Com efeito, o n.º 7 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 557/99, além do conteúdo aberto que antes expusemos, não se refere sequer expressamente à experiência profissional, pelo que a interpretação sufragada pelos Impugnantes e acolhida no aresto do TCA Sul não tem correspondência no teor verbal da norma.

Em segundo lugar, se convocarmos o elemento sistemático da interpretação jurídica, poderemos concluir, pela leitura do n.º 2 do artigo 34.º da LGTFP (que prevê a exigência de nível habilitacional nos procedimentos de recrutamento em geral) – norma que o acórdão do TCA Sul, de resto, mobiliza na sua fundamentação, mas sem retirar dela o sentido correcto ― que o mesmo dispõe, apenas que: Excepcionalmente, a publicitação do procedimento pode prever a possibilidade de candidatura de quem, não sendo titular da habilitação exigida, considere dispor da formação e, ou, experiência profissionais necessárias e suficientes para a substituição daquela habilitação”. Ou seja, do preceito legal da LRGFP que cuida do requisito da experiência profissional para efeitos de procedimentos de recrutamento resulta, que a mesma, quando não seja expressamente referida na lei (como é o caso na norma sobre o recrutamento de TAT), apenas será utilizada pela entidade promotora do recrutamento, se assim o entender, e, para além disso, terá sempre um carácter excepcional, devendo prevalecer as habilitações literárias.

E também não se nos afigura adequado nem correcto inferir que, estando previsto no procedimento em apreço uma formação para os TATA que são titulares de uma licenciatura não referida no Despacho n.º 14502/2012, com o intuito de os colocar funcionalmente a par dos que são titulares daqueles cursos superiores, a mesma formação poderia ministrada ao TATA que não são titulares de qualquer licenciatura, para daí retirar, uma vez mais, a necessária igualdade de tratamento. Tal asserção pressupõe dizer que para o exercício da actividade de TAT a formação base da escolaridade obrigatória é idêntica à de um curso superior, o que nos parece, manifestamente, desajustado.

2.1.4. Em suma, das normas gerais e especiais em matéria de relação jurídica de emprego público não resulta que a experiência profissional deva ser equiparada às habilitações académicas (mesmo que não específicas para a função) no âmbito de procedimentos de recrutamento. Por maioria de razão, quando está em causa um procedimento de mobilidade-recrutamento, em que para a mobilidade se exige a habitação adequada, essa equiparação é ainda menos adequada.

Acresce que a titularidade de um curso superior mesmo que não integrado no leque das áreas de formação adequadas ao conteúdo funcional das carreiras de destino (seja por recrutamento, seja por mobilidade) não pode considerar-se irrelevante como critério de diferenciação na escolha de trabalhadores para o exercício de funções de um grau de complexidade superior, pois eles, por efeito de terem adquirido aquele grau académico, revelam capacidades diferenciadas face àqueles que não titulares dessa habilitação, o que, em si, é suficiente para justificar a diferença de tratamento adoptada pela entidades responsável pela gestão dos seus recurso humanos.

2.1.5. Em suma, por tudo quanto antes se expendeu, não existem fundamentos jurídicos para julgar ilegal o despacho que promove o procedimento de mobilidade-recrutamento aqui em apreço (o despacho impugnado).

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir o requerimento de intervenção principal, conceder provimento ao recurso de revista, revogar o acórdão do TCA Sul e manter a sentença do TAC de Lisboa.
Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias.


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Lisboa, 3 de Dezembro de 2020 Suzana Tavares da Silva (relatora) – Cristina Santos – José Veloso

A Relatora atesta, nos termos do art.º 15-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Ex.mos Senhores Conselheiros Adjuntos Cristina Santos e José Veloso. Suzana Tavares da Silva