Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0103/13
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II – Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III - Não assume aquela relevância fundamental nem se apresenta como clara a necessidade de admissão deste recurso a reapreciação da questão “… de determinar se, sendo feita, anteriormente à notificação da liquidação, a notificação para o sujeito passivo pagar o imposto e juros devidos retira a esta última eficácia jurídica, nos termos do anterior 102º do CIRC, podendo servir de fundamento válido à oposição à execução fiscal, nos termos da al. i) do n.º 1 do art.º 204º do CPPT, ou se tal regra admite excepções face às particularidades de cada caso em concreto e aos direitos de defesa daquele sujeito passivo …”, uma vez que a controvérsia proposta sempre haverá de confinar-se e dirimir-se dentro da estreita e particular factualidade subjacente.
Nº Convencional:JSTA000P15499
Nº do Documento:SA2201304030103
Data de Entrada:02/05/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de revista – cfr. art.º 150º do CPTA -.
Apreciação preliminar sumária de admissibilidade – cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -.

Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira requereu revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária) que, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e julgou antes procedente a oposição oportunamente deduzida por A………, Lda –, nos autos convenientemente identificado, e consequentemente extinta a respectiva execução fiscal para cobrança coerciva de IRC do ano de 2005 e respectivos juros compensatórios, com fundamento na sua ilegitimidade.

Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso de revista para eventual reapreciação da questão “… de determinar se, sendo feita, anteriormente à notificação da liquidação, a notificação para o sujeito passivo pagar o imposto e juros devidos retira a esta última eficácia jurídica, nos termos do anterior 102º do CIRC, podendo servir de fundamento válido à oposição à execução fiscal, nos termos da al. i) do n.º 1 do art.º 204º do CPPT, ou se tal regra admite excepções face às particularidades de cada caso em concreto e aos direitos de defesa daquele sujeito passivo …”

Alega e conclui, para tanto, que a destacada questão jurídica assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e noutros casos futuros que têm uma forte probabilidade de poderem vir a acontecer, sendo certo que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados.

Adiante e já quanto ao mérito da requerida revista, nas alegações e conclusões apresentadas – cfr. designadamente as conclusões F, G, H, I e J do seu requerimento –, em síntese e fundamentalmente, questiona, controvertendo, os juízos de facto que o Tribunal ora recorrido formulou perante a factualidade apurada e agora definitivamente assente,

Intentando demonstrar que, deles, não podia o Tribunal “ a quo “ retirar as conclusões jurídicas que formulou e que sustentam a impugnada decisão, cuja revogação, a final, requer, já em consequência da admissão da requerida revista e da sua posterior procedência.

O Impugnante e ora Recorrido apresentou em juízo resposta que, por despacho do Ex.mo Desembargador Relator Junto do TCASul, foi mandada desentranhar pelas razões indicadas – cfr. despacho de fls. 254 e 255 –

Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo teve depois vista nos autos e emitiu douto parecer opinando pela inadmissibilidade da requerida revista com base no sustentado entendimento de que não se verifica capacidade de expansão da controvérsia pois estamos perante uma situação pontual, perfeitamente individualizada, insusceptível de se repetir num número indeterminado de casos, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, não revestindo uma importância fundamental do ponto de vista social.

Mais opina este Ilustre Magistrado que a recorrente não invoca que a doutrina/jurisprudência se tenham vindo a pronunciar em sentido contrário ao do acórdão recorrido sobre a questão, tornando, desse modo, necessária a sua clarificação para obter uma melhor aplicação do direito.
Para, a final, concluir que é manifesto que a decisão recorrida não está ferida por erro manifesto ou grosseiro, seguindo, pelo contrário, em função da concreta factualidade apurada, jurisprudência deste STA, que convenientemente identifica.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos então agora, como cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade da revista excepcional.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjectiva vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois não se trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Tribunal Superior vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

E que só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.

Mais tem acentuado a jurisprudência, já perante o disposto nos números 2, 3 e 4 do referido art.º 150º do CPTA, que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova., o que, aliás, constitui sempre característica do recurso de revista. - cfr. art.º 735º do CPC -.

Ora, a questão suscitada e que a Requerente intenta ver reapreciada, “… de determinar se, sendo feita, anteriormente à notificação da liquidação, a notificação para o sujeito passivo pagar o imposto e juros devidos retira a esta última eficácia jurídica, nos termos do anterior 102º do CIRC, podendo servir de fundamento válido à oposição à execução fiscal, nos termos da al. i) do n.º 1 do art.º 204º do CPPT, ou se tal regra admite excepções face às particularidades de cada caso em concreto e aos direitos de defesa daquele sujeito passivo, retirada do quadro factual apurado e subsumido ao direito aplicável pelo acórdão em causa,

Não integra, bem manifestamente, questão de importância fundamental, quer em termos jurídicos, quer enquanto questão social, à luz dos pressupostos/requisitos de admissão deste meio extraordinário de sindicância jurisdicional que se deixaram supra enunciados e clarificados pela jurisprudência.

Isso mesmo evidencia o Ex.mo Magistrado do Ministério Público no seu bem fundamentado parecer.

Porque atida aos particulares contornos decorrentes da factualidade fixada e agora definitivamente assente, a questão enunciada e a controvérsia proposta sempre haveria de confinar-se àquela factualidade, não revelando ou assumindo, assim e por isso, a necessária e legitimadora capacidade de expansão.

E o mesmo se diga já quanto à igualmente necessária complexidade superior e melindre ou particular dificuldade das operações exegéticas que houve de efectuar para decidir como vem decidido.

É antes bem claro e isento de dificuldades superiores ao comum o quadro fundamentador da decisão controvertida.

Emerge este, com clareza meridiana, da indicação precisa dos factos apurados e assentes, da consequente invocação e aplicação do direito àqueles factos – art.º 77º da LGT e 36º do CPPT – e à decorrente solução jurídica a que se deu acolhimento, à luz agora do entendimento sufragado para o conteúdo e alcance do disposto nos arts. 102º do CIRC e 88º e 163º do CPPT, convocando-se ainda, a final e em seu abono do decidido, (não sem controvérsia jurídica – cfr. voto de vencido aposto ao controvertido acórdão –) jurisprudência emergente de anterior acórdão deste Supremo Tribunal.

Tudo em termos de se poder concluir, para o efeito jurídico-processual que aqui cumpre, que não só não é necessária a clarificação do decidido, como se não verifica ocorrer qualquer erro grosseiro ou manifesto, tal como já sublinhava o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.

Com efeito e ao contrário do sustentado pela Requerente, à míngua de alegação conveniente, não pode deixar de concluir-se que as questões jurídicas concretamente dirimidas pelo tribunal a quo se lhe apresentaram isentas de dúvidas e/ou dificuldades e sem integrar ou consubstanciar qualquer controvérsia jurisprudencial ou doutrinária,

Controvérsia que os autos, aliás, não evidenciam, nem a alegação da Requerente demonstra.

É porém certo que o sentido do questionado julgado é diverso daquele que o tribunal a quo sindicava e jurisdicionalmente revogou.

E os autos dão nota ainda de opinião diversa de um dos Juízes Desembargadores que subscreveu o questionado acórdão.

Nada disto porém pode surpreender. Essa é antes a bem salutar característica da controvérsia processual que sempre se desenvolve no domínio das questões submetidas a apreciação e decisão judiciária.

E a declarada discordância da Administração Tributária com o sentido do decidido, por si só, embora susceptível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre - admissibilidade da revista excepcional (que o legislador quis bem contido nos estritos limites que lhe definiu – art.º 150º do CPTA -) - manifesta e processualmente ineficaz.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em considerar não verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso (artigo 150º do CPTA) e, em consequência, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente Administração Tributária.

Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Alfredo Madureira (relator) - Dulce Neto – Valente Torrão.