Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0765/11
Data do Acordão:08/31/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:ARRESTO
APREENSÃO DE BENS
INSUFICIÊNCIA DE BENS
INDICAÇÃO COMPLEMENTAR DE BENS
Sumário:I - Apesar de a lei impor, no procedimento cautelar de arresto, a indicação, logo no requerimento inicial, dos concretos bens a apreender, tal não impedirá, mesmo após ter sido decretado o arresto por sentença transitada em julgado, a indicação de outros bens no caso de se constatar a falta ou insuficiência dos anteriormente designados, não sendo legítimo invocar o princípio do esgotamento do poder jurisdicional para impedir o conhecimento do requerimento de indicação complementar de bens a arrestar
Nº Convencional:JSTA00067110
Nº do Documento:SA2201108310765
Data de Entrada:08/16/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM DE 2011/07/05.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - MEIO PROC ACESSORIO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART136 N1 N4 ART139.
CPC96 ART406 N2 ART407 N1 ART408 N2 ART834 N3 B.
CCIV66 ART622 N2.
Jurisprudência Nacional:AC RL PROC5737/09.6TVLSB DE 2011/02/24.; AC RL PROC5071/03.5TBOER DE 2010/03/04.; AC RL PROC1572/2004 DE 2004/07/08.; AC RP PROC631475 DE 2006/12/14.; AC RP552208 DE 2005/05/09.; AC RP PROC841 DE 1989/12/05.
Referência a Doutrina:ANTÓNIO ABRANTES GERALDES REFORMA DO PROCESSO CIVIL VIV PAG205 PAG206.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 5 de Julho de 2011, a fls. 611, de indeferimento do pedido de arresto complementar de bens formulado na providência cautelar de arresto instaurado contra a sociedade A…, S.A., indeferimento alicerçado no facto de o pedido ter sido formulado após ter sido decretado o arresto dos bens indicados na petição inicial e se encontrar, assim, extinto o poder jurisdicional do juiz.
1.1. Terminou a alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
A- Os requisitos estabelecidos no artigo 136.°, n.º 1 do CPPT foram considerados preenchidos pelo Tribunal a quo, que decretou o arresto de bens do devedor para garantir créditos da Fazenda Pública de valor muito elevado, em risco de cobrança;
B- Na execução do arresto verificou-se, no entanto, ser manifestamente insuficiente a garantia constituída, pelo que a Fazenda Pública, com informações mais seguras, veio propor novos créditos para assegurar a garantia aqui em causa.
C- O tribunal considerou, no despacho aqui em causa, precludido o direito da Fazenda Pública de pedir o arresto de novos bens para assegurar a garantia dos seus créditos por já se ter pronunciado em sentença anterior.
D- Salvo o devido respeito, não nos podemos conformar com a decisão, e daí o presente recurso, pois o que está aqui em causa é a garantia de créditos da AT de montante muito elevado, com os riscos de incumprimento já estabelecidos, cuja garantia, se não for assegurada imediatamente, será, com toda a probabilidade, impossível de concretizar no futuro.
E- E, sendo a garantia dos créditos o cerne da questão, e aplicando-se ao arresto o regime da penhora, é perfeitamente admissível uma segunda tentativa de assegurar a garantia aqui em causa, através do arresto de novos bens, conforme a doutrina e a jurisprudência já estabeleceram por várias vezes, conforme se demonstrou.
F- E, na nossa opinião, também ficou demonstrado que caso se aceite a posição adoptada pelo Tribunal a quo, deixando como única hipótese à AT para prosseguir o fim em vista a interposição de um novo arresto, se põe, com toda a verosimilhança, a possibilidade de se dar como verificada a excepção dilatória de caso julgado, o que tornaria impossível a constituição de qualquer garantia da divida muito avultada aqui em causa.
G- Em suma: em sede de arresto não é legítimo invocar o princípio da preclusão para impedir indicações de arresto de outros bens, depois de constatar a falta ou insuficiência dos anteriormente indicados, aplicando-se, como manda a lei, as disposições da penhora, onde está perfeitamente estabelecida a possibilidade de penhoras subsequentes por insuficiência da primeira.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e «revogado o despacho recorrido pelo qual não foi admitido o pedido de arresto complementar de bens, com base no disposto no art.º 684.º n.º 3 do CPC, sem prejuízo do mesmo dever ser apreciado face aos requisitos de que depende, não só os especificamente previstos no art.º 834.º n.º 3 al. b) do CPC, como os referidos nas ditas normas do RCPIT.».
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.
2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Requerimento a fls. 429 apresentado pela ERFP: Pretende a ERFP que seja decretado o arresto complementar de créditos da requerida, com vista a salvaguardar os interesses da Fazenda Pública ainda em sério risco.
Nos termos do n.º 1 do artigo 666° do CPC ex vi artigo 2° do CPTT, “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
Compulsados os autos, constata-se que, em 4 de Maio de 2011, foi proferida sentença, a qual se encontra a fls. 413.
Vale isto por dizer que o poder jurisdicional se extinguiu logo que a decisão foi exarada no processo, pelo que não poderá ser apreciado o requerimento supra identificado.
Desentranhe e devolva ao ERFP o requerimento apresentado a fls. 429 e documentação com o mesmo junto, ficando cópia nos autos.».
3. A única questão em apreciação no presente recurso é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que depois de proferida sentença a decretar o arresto, o requerente desse procedimento cautelar não pode indicar outros bens para serem arrestados, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, estando, assim, inviabilizado o conhecimento dessa pretensão complementar de arresto.
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 136.º do CPPT, «O representante da Fazenda Pública pode requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes: a) Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis; b) O tributo estar liquidado ou em fase de liquidação.». E segundo o seu n.º 4, «O representante da Fazenda Pública alegará os factos que demonstrem o tributo ou a sua provável existência e os fundamentos do receio de diminuição de garantias de cobrança de créditos tributários, relacionando, também, os bens que devem ser arrestados, com as menções necessárias ao arresto.».
Por outro lado, sabido que segundo o disposto no artigo 139.º do CPPT «ao regime do arresto se aplica o disposto no Código de Processo Civil», convirá recordar que por força do preceituado no artigo 406.º, n.º 2, do CPC, «o arresto consiste na apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta secção» e que o artigo 834.º, nº 3, alínea b), do CPC dispõe que a penhora pode ser reforçada ou substituída quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados.
Por fim, o artigo 622.º, nº 2, do Código Civil dispõe que «ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora».
Da conjugação destas normas resulta, pois, de forma inequívoca, que embora a lei imponha, logo no requerimento inicial, a indicação dos bens concretos a apreender no procedimento cautelar de arresto (art.º 136.º, n.º 4, do CPPT e análogo art.º 407.º, n.º 1, do CPC), essa apreensão está sujeita ao regime processual da penhora, aplicando-se ao arresto, com as devidas adaptações, as disposições referentes à penhorabilidade dos bens, à sua nomeação e aos procedimentos de apreensão.
Neste contexto legal, e sabido que por força do disposto no n.º 3 do artigo 834.º do CPC a penhora pode ser reforçada ou substituída, designadamente quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados, somos levados a concluir que também ao requerente do arresto será permitida a indicação de outros bens quando se verifique a aludida situação de insuficiência dos bens arrestados, pois que tal normativo não é contrariado por qualquer preceito do CPC ou do CPPT disciplinador deste processo cautelar, nem descortinamos razões para afastar a sua aplicação. Tal como na situação em que se venha a verificar que o arresto foi requerido em mais bens do que os suficientes para a segurança do crédito, em que o tribunal deve reduzir a garantia aos justos limites, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 408.º do CPC, também naquele outro caso deve determinar, a pedido do requerente, que a diligência se concretize sobre mais bens que para o efeito indique em requerimento complementar.
É perfeitamente natural que o requerente tenha julgado adequados e ajustados certos bens para assegurar o seu crédito, e se venha a verificar, no momento da apreensão, que o seu valor excede ou é insuficiente para tal fim, tornando-se necessário corrigir o inicialmente solicitado. Impedir essa correcção, nomeadamente através da indicação complementar de bens suficientes para a garantia do crédito quando se venha a verificar que os inicialmente indicados são manifestamente insuficientes, representaria não só uma vantagem despropositada para o devedor, como poria em causa um dos requisitos fundamentais da figura, o chamado periculum in mora, cujo efeito perverso para a ordem jurídica se pretende evitar e que está na génese do instituto do arresto.
Note-se que o instituto do arresto visa travar um processo de diminuição de garantias desenvolvido pelo devedor com vista ao cumprimento das suas obrigações, enquanto o credor pretende ver satisfeitos os créditos a que tem direito, razão por que, na impossibilidade de se recorrer aos procedimentos normais devido à urgência da situação, a lei permite que os tribunais exerçam uma tutela provisória, através de uma apreensão judicial de bens, de natureza urgente, de forma a assegurar que a solução que vier a ser alcançada através das vias normais de resolução do litígio não perca utilidade. Ora, sabido que na interpretação da lei há que tentar conciliar o sentido que melhor corresponda ao fim para que a lei foi criada, não seria lógico nem racional uma interpretação da lei no sentido de que o poder conferido ao requerente de indicar bens suficientes para a garantia do seu crédito ficava imediatamente esgotado com a nomeação feita no requerimento inicial, sem hipóteses de qualquer correcção posterior, designadamente através do arresto de novos bens, quando se venha a verificar que aqueles que foram indicados já não existem ou são manifestamente insuficientes para assegurar a garantia patrimonial do seu crédito.
Deste modo, somos levados a concluir que a imposição legal de indicação dos bens a apreender logo no requerimento inicial constitui um mero corolário da natureza urgente desta providência cautelar, visando, além do mais, impedir a admissão de pedidos genéricos e infundados de apreensão de bens, evitando a instauração massiva de pedidos de arresto sem que os credores tenham procedido à prévia e necessária indagação sobre a existência de bens pelo devedor, situação que conduziria a uma actividade processual inútil e/ou à entrega ao tribunal de uma morosa tarefa de pesquisa de bens. E, assim sendo, essa imposição legal não preclude o direito de o requerente indicar outros bens para apreensão caso se venha a constatar a falta ou a insuficiência dos anteriormente relacionados, sob pena de se frustrar por completo a finalidade desta providência cautelar.
Esta é, também, a posição sufragada por ANTÓNIO ABRANTES GERALDES In “Reforma do Processo Civil”, vol. IV, págs. 205/206., segundo o qual, «Apesar de recair sobre o requerente o ónus de identificar, logo no requerimento inicial, os bens a arrestar, não é legítimo invocar o princípio da preclusão para impedir indicações complementares quanto à identificação dos bens ou à sua localização ou mesmo quanto ao arresto de outros bens, depois de constatar a falta ou insuficiência dos anteriores referenciados. Tal como sucede relativamente à penhora, em que a apresentação de um requerimento não impede a posterior indicação de outros bens, também no arresto, que segue de perto o regime daquela (art. 406.º, nº 2) deve ser consentida uma larga margem de liberdade no que concerne à correcção da identificação, à alteração dos bens, à retirada de alguns ou ao aditamento de outros».
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência conhecida sobre a matéria, como se pode ver pela leitura dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos em 24/02/2011, 4/03/2010 e 8/07/2004, nos Processos n.º 5737/09.6TVLSB, n.º 5071/03.5TBOER e n.º 1572/2004, respectivamente, e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto proferidos em 14/12/2006, 9/05/2005, 8/04/1997 e 5/12/1989, nos Processos n.º 0631475, n.º 0552208, n.º 9720304 e n.º 841, respectivamente.
Como se deixou dito no acórdão da Relação de Lisboa proferido no Proc. n.º 1572/2004 «A obrigatória indicação dos bens a apreender no requerimento de arresto tem apenas por razão de ser o princípio dispositivo, deixando às partes a iniciativa da indicação dos bens que em seu entender servem o desiderato proposto com o pedido de arresto, bem como de celeridade processual, uma vez que, doutro modo, teria de ser o tribunal a indagar quais os bens a apreender o que se tornaria certamente mais moroso, não sendo, aliás, vocação deste órgão de soberania. Numa situação como a de arresto não é naturalmente configurável como adequado deixar ao devedor a faculdade de indicar os bens a arrestar, como está bem de ver. Daí que caiba ao requerente da providência a indicação dos bens a arrestar... Nesta linha de pensamento, o pedido relevante é o da apreensão de bens, não necessariamente apenas e só os indicados no requerimento inicial pelo credor, mas os que se mostrem suficientes para assegurar o valor do crédito em causa… Por outro lado, importa ter presente que não é facilmente determinável o valor dos bens que se indicam como bens a apreender, ao menos em certos casos. Por isso, bem pode acontecer que se julgue adequado certos bens para assegurar o crédito, e se venha a verificar, no momento da apreensão, que o seu valor excede ou é insuficiente para tal fim, sendo, por isso, necessário corrigir o inicialmente solicitado…»
Nesta conformidade, conclui-se que é admissível uma segunda e complementar nomeação de bens a arrestar, no mesmo processo em que foi deferido o pedido de arresto de bens do devedor, caso a apreensão dos inicialmente indicados se frustre ou venha a revelar-se manifestamente insuficiente, pois não se tem por esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto a essa matéria.
4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância para que aí seja apreciado o requerimento de arresto complementar de bens.
Sem custas.
Lisboa, 31 de Agosto de 2011. – Dulce Neto (relatora) – Pais Borges – Jorge de Sousa.