Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01436/18.6BEBRG
Data do Acordão:02/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Nos casos em que, nos termos do nº1 do artigo 224º do CIRE, na sentença declaratória da insolvência o juiz determine que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor, o exercício de tais poderes não prejudica o exercício conjunto dos poderes que incumbem ao administrador de insolvência, a quem, entre outros, cabe representar o devedor;
II - Tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança de dívidas constituídas em data posterior à declaração de insolvência, a citação para os termos da execução deve ser efectuada na pessoa do administrador da insolvência, por ser o representante do devedor para esse efeito;
III - A citação do devedor insolvente na pessoa do administrador da insolvência constitui causa interruptiva da prescrição com dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00070870
Nº do Documento:SA22019020601436/18
Data de Entrada:11/21/2018
Recorrente:A................, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:EXECUÇÃO FISCAL
Legislação Nacional:Artigos 41º, nº3, 156º e 165º, nº1, alínea a), do CPPT, e 81º, nº1 e 4, 89º, nº2, 100º e 226º, nº1, do CIRE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………………. Ldª, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a reclamação por ela apresentada contra o indeferimento do pedido de declaração de nulidade da citação e a declaração de prescrição da dívida exequenda.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) A reclamação julgada improcedente pela Douta Decisão de que ora se recorre, funda-se no facto de existir, “in casu”, uma evidente nulidade de citação.
B) Com efeito, a citação do processo execução fiscal e seus apensos ter-se-á efectuado na pessoa do Sr. Administrador Judicial.
C) Porém, o Sr. Administrador Judicial nunca administrou e/ou representou a massa insolvente da ora Recorrente, pelo que a citação, a existir, teria de ter sido dirigida à própria Recorrente.
D) E, não pode a entidade recorrida invocar desconhecimento de tal facto, pois conforme resulta do quarto ponto da notificação efectuada pelo Tribunal à Recorrida em 15.10.2007, a qual se encontra junta aos presentes autos, foi-lhe expressamente comunicado de que “Fica determinado que a administração da massa insolvente será assegurada pelo devedor, nos precisos termos e com as limitações impostas na sentença”.
E) Assim, a Recorrida sempre teve o perfeito conhecimento de quem administrava e representava a massa insolvente era a própria Recorrente e não o seu Administrador Judicial e assim, a privação dos poderes da administração previstos no artigo 81º nº 1 do CIRE não sucedeu “in casu” pois foi excepcionada pelo disposto no título X do mesmo Código ou seja, pela “Administração pelo devedor” e tudo com o pleno conhecimento da Recorrida conforme resulta do teor da notificação supra mencionada
F) A Meritíssima Juiz “a quo” invoca o disposto nos artigos 41º nº 3, 156º e 165º nº 1 al. a) do CPPT e o artigo 81 nºs 1 e 4 do CIRE para justificar que a citação foi bem efectuada na pessoa do Sr. Administrador Judicial.
G) Tanto o artigo 41º nº 3 como o artigo 156º do CPPT só têm aplicabilidade em empresas em liquidação ou falidas o manifestamente não é nem nunca foi o caso da Recorrente,
H) O artigo 81º nºs 1 e 4 do CIRE também não entrou em vigor no processo de insolvência da Recorrente, conforme supra referido, uma vez que o Meritíssimo Juiz lhe atribuiu a administração da massa insolvente.
I) O artigo 81º nº 4 do CIRE é sem dúvida o regime regra, sendo porém excepcionado, repete-se, pelo Título X do CIRE.
J) Tendo o Administrador Judicial uma actividade de mera fiscalização da Devedora conforme resulta do artigo 216º nº 1 do CIRE, não se pode conceber que seja ele a quem incumbe receber as citações relativas a processos de execução fiscal relativos a dívidas da massa insolvente quando é certo que é a própria devedora quem efectivamente administra tal massa.
K) É bem evidente que a Recorrida tinha a perfeita consciência do exposto bem como do lapso cometido, pois caso contrário não teria citado, como citou, a Recorrente para os termos do presente processo executivo no passado dia 26.03.2018, conforme resulta de citação que junta ao requerimento inicial como doc. nº 5.
L) Assim, tem-se forçosamente de concluir pela nulidade de citação do presente processo de execução fiscal e seus apensos.
DA PRESCRIÇÃO:
M) Importa ainda salientar de que, contrariamente ao que é referido na Douta Sentença ora recorrida nunca existiu “in casu” qualquer efeito suspensivo da declaração de insolvência, pelo facto dos presentes tributos terem, todos eles, fundamento em data ulterior à da declaração de insolvência, pelo que não tem aplicabilidade o artigo 100º do CIRE pois não estamos perante prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, mas sim perante dívidas da massa insolvente, aplicando-se assim o artigo 89º nº 2 do CIRE.
N) Torna-se evidente que o facto da Recorrente estar insolvente nunca foi impeditivo da Recorrida intentar e prosseguir com execuções fiscais decorrentes de tributos com fundamento em data ulterior à da sua declaração de insolvência.
O) Todos os tributos com fundamento em data anterior à insolvência foram todos reclamados e pagos no seu próprio âmbito, como a Recorrida bem sabe.
P) Acresce que o presente processo executivo foi instaurado no ano de 2007, tendo a Recorrente dele sido somente citada, conforme supra referido, a 26.03.2018, pelo que se encontra há muito prescrito por ter transcorrido o prazo de oito anos melhor identificado no artigo 48º nº 1 da LGT, inexistindo, conforme supra referido, qualquer causa de interrupção e/ou suspensão da prescrição por não ter aplicabilidade o artigo 100º do CIRE, prescrição esta de imediato invocada junto da entidade Recorrida, conforme resulta do doc. nº 1 junto ao Requerimento inicial.
Q) Assim, não assiste à entidade reclamada o direito de proceder à penhora de qualquer valor e/ou direito à Recorrente assente em créditos tributários prescritos, devendo também e por este facto, todos os valores ilegalmente penhorados e assim subtraídos à disponibilidade da Recorrente, serem-lhe devolvidos.
R) Torna-se assim evidente que a Meritíssima Juiz “a quo” violou o disposto nos artigos 41º nº 3, 156º e 165º nº 1 al. a) do CPPT bem como os artigo 81º nºs 1 e 4, 89º nº 2, 100º e 226º nº 1 todos do CIRE.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, concluindo que a citação do executado sido feita na pessoa do administrador da insolvência se mostra regularmente efectuada e que não se verifica a prescrição da dívida exequenda, com base em fundamentação que sintetiza da seguinte forma:
«a) Nos casos em que, nos termos do nº1 do artigo 224º do CIRE, na sentença declaratória da insolvência o juiz determine que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor, o exercício de tais poderes não prejudica o exercício conjunto dos poderes que incumbem ao administrador de insolvência, a quem, entre outros, cabe representar o devedor;
b) Tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança de dívidas constituídas em data posterior à declaração de insolvência, a citação para os termos da execução deve ser efetuada na pessoa do administrador da insolvência, por ser o representante do devedor para esse efeito;
c) A citação do devedor insolvente na pessoa do administrador da insolvência constitui causa interruptiva da prescrição com dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo de execução fiscal.»

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou como provado os seguintes factos:
1. A sociedade A………………, LDA, foi declarada insolvente em 12.10.2007, por decisão proferida no âmbito do processo 2001/07.9TBFAF do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe – Cfr. Doc. 4 junto com a PI e fls. 05/08 do PEF Apenso, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
2. No âmbito do processo referido em 01) foi nomeado administrador de insolvência ………….., com domicílio na Rua ……….., ……., ……., …………, Porto – Cfr. fls. 23 do processo físico e fls. 70 do PEF apenso.
3. Em 10.11.2007 foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Fafe, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0400200701056379 contra a sociedade A………….., LDA, para cobrança coerciva de IRS e Imposto do Selo, de Agosto de 2007, no valor de € 6.566,15 – Cfr. fls. 28 do processo físico.
4. Ao PEF referido em 03) foram apensados os PEF n.ºs 0400200801004700 (Imposto de selo e IRS de 2007), 0400200801025554 (Imposto de selo e IRS de 2007), 0400200801039520 (IRS de 2008), 0400200801045750 (IRS de 2008), 0400200801049216 (IRS de 2008), 0400200801054457 (IRS de 2008), 0400200801056921 (IVA de 2008), 0400200801058665 (Imposto de selo e IRS de 2008), 0400200801065300 (IRS de 2008), 0400200801068717 (IRS de 2008), 0400200901000403 (IRS de 2008), 0400200901004077 (Imposto de selo e IRS de 2008), 0400200901008560 (Imposto de selo e IRS de 2009), 0400200901009885 (IRC de 2007), 0400200901010000 (IRS de 2009), 0400200901012355 (IRS de 2009), 0400200901029843 (IRS de 2009), 0400200901039466 (IRS de 2009) e 0400201101004123 (IRC de 2009) – Cfr. fls. 28/30 do processo físico, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
5. Em 13.06.2011, o Serviço de Finanças de Fafe, no âmbito dos PEF´s referidos em 03) e 04), remeteu à A…………….., LDA, na pessoa do Administrador de insolvência identificado em 02), uma carta registada com aviso de recepção, sob epigrafe “CITAÇÃO”, respeitante ao PEF nº 0400200701056379 e apensos, onde, entre o mais consta, o seguinte: “(…) fica citado (a) de que foi (foram) instaurado (s) neste Serviço de Finanças contra V. Exª (s) o(s) processo (s) de execução fiscal supra indicado(s), devendo proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido ….” – Cfr. fls. 31 a 35 do PEF apenso, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
6. A carta referida em 05) foi recebida pelo administrador da insolvência, referido em 02), em 22.06.2011 – Cfr. fls. 34/35 do PEF Apenso
7. A insolvência da A…………………, LDA, foi encerrada por homologação do plano de insolvência, em 18.09.2014 - Cfr. fls. 138 e 270/273 do PEF apenso aos presentes autos.
8. Em 09.03.2018 o administrador da insolvência referido em 02) deu entrada no Serviço de Finanças de Fafe a comunicar que foi homologado plano de insolvência aprovado pelos credores da reclamante, encontrando-se encerrado o processo de insolvência e bem assim as suas atribuições – Cfr. fls. 269/273 do PEF apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
9. Em 21.03.2018 a reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Fafe um requerimento a pedir a nulidade de todo processado no PEF nº 0400200701056379 e apensos, por falta de citação, pedindo ainda a extinção dos PEF`s por prescrição – Cfr. doc. 3 junto com a PI e fls. 279/281 do PEF, cujo teor se tem por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
10. A reclamação/requerimento referido em 09) foi indeferido pelo Chefe de Finanças de Fafe através de despacho de 03.05.2018, com base na informação do Serviço de Finanças de 30.04.2018 – Cfr. doc. 1 junto com a PI cujo teor se tem por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
11. A reclamante deduziu oposição à execução fiscal e apensos referida em 03) e 04), em 10.04.2018 – cfr. fls. 286 do PEF Apenso.

6. Do objecto do recurso

As questões objecto do recurso reconduzem-se a saber:
a) Se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, exarada a fls. 51 e seguintes, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o indeferimento de declaração de nulidade da citação do executado, efetuada na pessoa do administrador judicial nomeado no processo de insolvência;
b) Se ocorre a prescrição da dívida exequenda.


6.1 Do alegado erro de julgamento na apreciação da questão da nulidade da citação do executado, efectuada na pessoa do administrador judicial nomeado no processo de insolvência.

Perante a suscitada questão da nulidade da citação da executada, efectuada na pessoa do administrador judicial nomeado no processo de insolvência, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga entendeu, invocando o disposto nos artigos 41º nº 3, 156º e 165º nº 1 al. a) do CPPT e o artigo 81º nº 1 e 4 do CIRE, e citando em abono dessa tese a jurisprudência que decorre dos Acórdãos 01354/14, do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/12/2014 e do TCA Norte de 18.10.2013, recurso n.º 01542/09.8BEBRG, que após a declaração de insolvência, a insolvente é representada em juízo e fora dele pelo administrador judicial nomeado, pelo que, tendo a citação no processo de execução fiscal ocorrido após a declaração de insolvência, a mesma foi regularmente efectuada na pessoa do administrador judicial, o qual “assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessa à insolvência”.

Não conformada com tal entendimento a Recorrente alega que a sentença padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis ao caso concreto, designadamente os artigos 41º, nº3, 156º e 165º, nº1, alínea a), do CPPT, e 81º, nº1 e 4, 89º, nº2, 100º e 226º, nº1, do CIRE.
Sustenta que «o Sr. Administrador Judicial nunca administrou e/ou representou a massa insolvente da ora Recorrente, pelo que a citação, a existir, teria de ter sido dirigida à própria Recorrente».
Mais alega que do «quarto ponto da notificação efectuada pelo Tribunal à Recorrida em 15.10.2007, a qual se encontra junta aos presentes autos, foi-lhe expressamente comunicado de que “Fica determinado que a administração da massa insolvente será assegurada pelo devedor, nos precisos termos e com as limitações impostas na sentença”, motivo pelo qual considera que «tendo o Administrador Judicial uma actividade de mera fiscalização da Devedora conforme resulta do artigo 216º nº 1 do CIRE, não se pode conceber que seja ele a quem incumbe receber as citações relativas a processos de execução fiscal relativos a dívidas da massa insolvente quando é certo que é a própria devedora quem efectivamente administra tal massa».

Entendemos, porém, que carece de razão legal.
Vejamos.
Resulta do probatório que a insolvente foi citada para os termos da execução fiscal na pessoa do administrador judicial nomeado no processo de insolvência.
Mais decorre da decisão judicial que declarou a insolvência da Recorrente (cf. fls. 9 e 10 dos autos apensos e documento 4 junto com a petição inicial – fls. 23 – referido no ponto 1 do probatório) que a requerimento do devedor foi determinado que a administração da massa insolvente fosse assegurada pelo devedor e seus gerentes, sem prejuízo do disposto no artigo 228º do CIRE.
Com efeito nos termos do nº1 do artigo 224º do CIRE o juiz pode determinar, na sentença declaratória da insolvência, que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor, situação que é aplicável apenas naqueles casos em que na massa insolvente esteja compreendida uma empresa (art. 223º do CIRE).
Salvaguardando-se no nº 7 do artº 226º do mesmo diploma legal que a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente não prejudica o exercício pelo administrador da insolvência de todas as demais competências que legalmente lhe cabem e dos poderes necessários para o efeito, designadamente o de examinar todos os elementos da contabilidade do devedor.
Assim a actuação do devedor ficará sempre sob a alçada do administrador judicial, que fiscaliza a sua actuação, dependendo também da sua autorização a prática de atos de disposição dos bens.
A propósito do âmbito da atribuição da “administração da massa insolvente” ao devedor refere Catarina Serra, (Os Efeitos Patrimoniais da Declaração de Insolvência após a alteração da Lei nº 16/2012 ao Código da Insolvência, em: “Julgar”, 18, Coimbra Editora, Coimbra, 2012), que «No que toca aos poderes do devedor, é defensável entender que os seus poderes sobre os bens são análogos aos que competiriam, em regra, ao administrador da insolvência. Incumbe, designadamente, ao devedor exercer os poderes conferidos ao administrador da insolvência no quadro dos negócios em curso (basicamente, decidir se dá ou recusa o seu cumprimento), conquanto já não o direito de resolução dos actos prejudiciais à massa, que permanece na esfera de competências do administrador (cfr. n.º 5 do art. 226.º do CIRE). O administrador não deixa, como se depreende da epígrafe do art. 226.º do CIRE, de ter uma intervenção no processo. Para ele fica, fundamentalmente, a tarefa de fiscalizar a administração da massa e de comunicar ao juiz e aos credores quaisquer circunstâncias que desaconselhem a manutenção da administração nas mãos do devedor. Em certos casos, caber-lhe-á ainda apreciar os actos praticados pelo devedor, dando quer o seu consentimento quer a sua aprovação (cfr. n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art. 226.º do CIRE), o que pode acarretar restrições consideráveis aos poderes do devedor. As demais competências típicas do administrador da insolvência que não contendam com a situação de administração pelo devedor (como o poder de examinar os elementos da contabilidade do devedor) deverão continuar a ser por ele exercidas (cfr. n.º 7 do art. 226.º do CIRE). O regime de repartição de funções parece, então, equilibrado».
Ora, como bem nota o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, na sequência de tal citação doutrinal, perante esse regime de “repartição de funções” que resulta do disposto nos nº2 e 3 do artigo 226º do CIRE, não pode deixar de entender-se que só o administrador de insolvência pode resolver actos em benefício da massa insolvente.
E assim sendo, como também entendemos que é, haverá de se concluir que, sem prejuízo dos poderes de administração corrente conferidos ao devedor na administração da empresa, cabe ao administrador da insolvência a representação do devedor em acções executivas que contra ele tenham sido instauradas.
Também neste sentido se pronunciou o acórdão da Relação de Lisboa de 23/03/2010, (proc. 572/08.1TVLSB-A.L1-7), no qual se deixou exarado o seguinte: «Com efeito, e pese embora se consigne que no n.º 5 (Este nº 5 foi, entretanto, revogado pelo Decreto-lei 79/2017.), do já referido art.º 226, que incumbe ao devedor o exercício dos poderes conferidos pelo capítulo III, do título IV, reportados aos efeitos da declaração da insolvência nos negócios em curso, que incumbem ao administrador da insolvência, certo é que apenas este pode resolver actos em benefício da massa insolvente, fora do âmbito da previsão legal, e relevantemente, ficando os já enunciados previstos no art.º 81 e 82, e que se prendem com a representação. Assim, na necessária concatenação do regime geral enunciado, com a especialidade do caso em análise, temos que concedida a possibilidade da administração da massa insolvente ser feita pelo devedor, não deixa o administrador da insolvência de existir como órgão da insolvência, exercendo em conformidade, os poderes de representação que lhe são legalmente atribuídos».
Em suma, no caso em apreço, tendo a citação da executada sido feita na pessoa do administrador da insolvência, mostra-se a mesma regularmente efectuada, como bem decidiu o Tribunal recorrido, motivo pelo qual não padece a mesma de nulidade decorrente de preterição de formalidade legal essencial.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

6.2 Da prescrição da dívida exequenda

Decorre da sentença que a dívida exequenda compreende dívidas de IRS de 2007 e Imposto do Selo de Agosto de 2007, assim como de outras dívidas relativas a factos tributários ocorridos posteriormente a essa data.

Para julgar não verificada a prescrição, considerou o tribunal “a quo” que, sendo o termo inicial do prazo de prescrição em 01/01/2008, considerando as dívidas mais antigas de Imposto de Selo e IRS de 2007, e tendo a executada sido citada em 22/06/2011, este acto interrompeu o prazo de prescrição, sendo que a partir da declaração de insolvência em 12/10/2007, também o prazo de prescrição ficou suspenso, nos termos do artigo do 100º do CIRE.

Neste segmento do recurso a Recorrente alega que o presente processo executivo foi instaurado no ano de 2007, tendo dele sido somente citada a 26.03.2018, pelo que se encontra há muito prescrito por ter transcorrido o prazo de oito anos identificado no artigo 48º nº 1 da LGT, inexistindo qualquer causa de interrupção e/ou suspensão da prescrição, por não ter aplicabilidade o artigo 100º do CIRE.

De facto como se constata dos autos, com excepção da dívida de imposto de selo, todas as demais resultaram de factos tributários ocorridos posteriormente à declaração de insolvência (12.10.2007).
Assim sendo e relativamente aos mesmos não se mostra aplicável a disciplina do artigo 100º do CIRE, ou seja, a declaração de insolvência não suspende o prazo de prescrição durante o período de pendência do processo de insolvência.

Porém, a Recorrente parte, na sua alegação, de um pressuposto errado, qual seja o de que apenas foi citada para a execução em 26.03.2018.
Ora, como vimos, a citação da executada, feita na pessoa do administrador da insolvência em 22/06/2011, e na pendência do processo de insolvência, mostra-se regularmente efectuada, sendo que tal acto tem relevância efeitos da apreciação da prescrição.

Com efeito, tendo a insolvente sido citada para os termos da execução fiscal em 22/06/2011, na pessoa do administrador da insolvência (pontos 5) e 6) do probatório), esse acto interrompe a prescrição de acordo com o disposto do nº1 do artigo 49º da LGT.


Como vem sublinhando a doutrina e a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo a citação do executado tem, não só o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts. 326.°, n.° 1, e 327.°, n.° 1, do CC) - cf. neste sentido, os Acórdãos de 31.03.2016, recurso 184/16, de 27.01.2016, recurso 1698/15, de 20.05.2015, recurso 1500/14 e de 26.08.2015, recurso 1012/15, de 10/05/2017, recurso 452/17, e bem assim Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, Áreas Editora, 2ª ed., 2010, pag. 70.
Nestes termos, e acompanhando tal jurisprudência da Secção no sentido de que citação do executado tem, não só o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo, forçoso é concluir que no caso vertente, por força da eficácia interruptiva autónoma decorrente da citação efectuada em 22/06/2011 na execução fiscal, com o correspondente efeito de eliminação de todo o tempo decorrido anteriormente, determinando o início de novo prazo de prescrição após trânsito da decisão que vier a pôr termo ao processo de execução fiscal, não ocorreu ainda a prescrição de qualquer uma das dívidas exequendas objecto do presente recurso.

Pelo que fica dito improcede, também aqui, a pretensão da Recorrente.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.