Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02993/15.4BELRS 0542/18
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CONTRIBUIÇÕES
BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A Contribuição sobre o Setor Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira.
II - Não ocorre inconstitucionalidade orgânica e (ou) material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que, também, as respetivas autoliquidações, dos anos de 2013 e 2014, não enfermam de ilegalidade por violação desses mesmos princípios.
Nº Convencional:JSTA000P25541
Nº do Documento:SA22020020502993/15
Data de Entrada:05/30/2018
Recorrente:A............., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa;
I

A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 27 de junho de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial dirigida a questionar o indeferimento de reclamação graciosa, que versou a legalidade de autoliquidações, de Contribuição sobre o Setor Bancário (CsSB), referentes aos anos de 2013 e 2014.

A recorrente (Rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

1.º A douta sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente relativa aos atos de autoliquidação CESB 2013 e 2014;

2.º Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira;

3.º A evolução de regime jurídico de tributação sectorial da Banca em Portugal foi a seguinte: em 2011 e 2012 vigorou no nosso ordenamento um regime extraordinário de tributação do sector bancário, a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais; em 2013 e 2014, vigoraram em paralelo dois regimes distintos de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, e (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas; a partir de 2015, inclusive, vigoram em paralelo três regimes de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas, e (iii) as contribuições comunitárias cobradas pelo Fundo de Resolução;

4.º Sustenta o Recorrente que apenas as contribuições para o Fundo de Resolução (contribuições dos participantes, iniciais, periódicas e especiais) e as contribuições comunitárias (ex ante e ex post), pela sua estrutura, pressuposto e desígnio, são verdadeiras contribuições, não assim a CESB;

5.º De acordo com o Tribunal a quo, a criação do Fundo de Resolução e a afetação de receitas a esta entidade assumiria uma relevância determinante para a qualificação do tributo como contribuição;

6.° No que concerne a CESB 2013 e CESB 2014, inexistiu uma afetação a priori da correspondente receita ao Fundo de Resolução;

7.º O artigo 153.°-F do RGICSF foi então derrogado pelas Leis do Orçamento do Estado, que destinaram a receita do imposto às despesas estaduais gerais;

8.º Por outro lado, a transferência prevista na Lei n.° 75-A/2014, após a aplicação de uma medida de resolução, é irrelevante para efeitos da qualificação jurídica do tributo pois aquela transferência de receita, quando já há muito estava extinta a obrigação tributária, não é passível de desvirtuar a posteriori a natureza do imposto CESB 2013 e CESB 2014;

9.º No âmbito da caracterização da natureza do tributo, também não releva a finalidade alegada pelo legislador de prevenção de riscos sistémicos;

10.º Não se pode concluir por um perfil preventivo do tributo pela simples circunstância da incidência objetiva da CESB sobre o passivo pois a atividade bancária consiste, por natureza e definição, na receção de depósitos do público para a concessão de crédito, o que significa que a assunção de passivos é-lhe intrínseca;

11.º O regime da CESB prevê uma incidência objetiva sobre o passivo de toda a espécie em balanço, não operando distinções em relação ao tipo de passivo e não atendendo ao perfil de risco das instituições de crédito, diferentemente das demais contribuições setoriais;

12.° A base de incidência residual do tributo — instrumentos financeiros derivados — tão-pouco traduz uma dissuasão de comportamento avesso ao risco porquanto os instrumentos financeiros derivados têm, muito frequentemente, uma função de cobertura do risco e não especulativa e o facto de a lei desatender à função do instrumento (diferentemente da base de incidência da contribuição comunitária) revela a ausência, também aqui, de desígnio dissuasivo de comportamentos;

13.º O desígnio primordial da CESB é o financeiro e não a prevenção de comportamentos, desde logo porque o imposto extraordinário, avulso e temporário aqui em causa, sempre foi exógeno (aplicado a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que o sujeito passivo possa adequar a sua atuação);

14.° Porém, mesmo que os fins da extrafiscalidade estivessem de facto presentes na CESB, tal natureza pigouviana do imposto mais reforçaria a correspondente natureza fiscal, e não a natureza de contribuição;

15.° Assente que para a CESB 2013 e CESB 2014, aquando da sua génese, é indiferente em absoluto o Fundo de Resolução, então apenas resta o teste da “estrutura” do tributo para aferir da natureza unilateral ou bilateral da CESB;

16.° Não é possível identificar na CESB a contraprestação de uma prestação pública específica porquanto: (i) a intervenção estatal para resgate de um banco, na era pré-resolução, não é juridicamente uma prestação que se possa dizer, com certeza, segura, e (ii) a estrutura do tributo, no caso particular da CESB 2013 e 2014, não reflete uma comparticipação nos potenciais encargos estatais com uma futura intervenção pública no sector bancário;

17.° Diferentemente das posteriores contribuições para o Fundo de Resolução ou diferentemente das contribuições comunitárias, não existe na CESB qualquer pretensão de onerar em função de uma prestação pública específica, não existe qualquer pretensão de onerar em função do risco;

18.° Em suma, desassociando a CESB daquilo que lhe não está associado (a criação e funções do Fundo de Resolução), como se impõe que se faça em termos jurídicos, não pode senão concluir-se que não é contrapartida de nenhuma prestação pública específica, mas antes se qualifica como imposto (tal como classificada pelo legislador orçamental);

19.º No que concerne a violação da proibição da retroatividade da lei fiscal o Tribunal recorrido identificou, em erro de julgamento de direito, um facto tributário «em formação», no início da vigência da lei agravadora, quando, na realidade, os factos tributários aqui em causa estão totalmente formados antes da lei nova.

20.° No caso vertente, o facto tributário - facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência da taxa e que determina o nascimento da obrigação tributária é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado período, e, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a aprovação das contas não forma parte do facto tributário, não assume, de acordo com o previsto no regime da CESB, o relevo jurídico de fazer eclodir a obrigação tributária;

21.° As normas sob sindicância prescrevem um agravamento tributário incidindo sobre passivos e instrumentos financeiros, aplicando-se a tais factos ocorridos antes do início da respetiva vigência, ao abranger exercício económico já encerrado;

22.° A técnica legislativa de prorrogação de vigência equivale, em tudo, à criação inovatória de um tributo de natureza retroativa, ou a um agravamento de taxa retroativo, uma vez que tal prorrogação ocorre numa data em que já havia cessado a vigência do normativo anterior e na qual já se produziram os factos tributários que a prorrogação do regime visa atingir;

23.° São materialmente inconstitucionais, por violação do n.° 3 do artigo 103.° da CRP, o normativo dos artigos 252.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 226.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, por conjugadamente com a norma do artigo 3.° do regime aprovado pelo artigo 141.° da Lei n.° 55-A/2010, ao determinarem a incidência sobre exercício anual encerrado antes de 1.01.2013 e 1.01.2014, respetivamente (sobre os passivos e instrumentos financeiros detidos nesse período), imporem a tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor;

24.º Mesmo que assim não se entendesse, sempre seriam atentatórios do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.° da CRP;

25.° Desde logo, o tributo não obedece ao propósito de prevenção de riscos sistémicos pelo que nunca poderia apelar-se a um tal fito como sendo o interesse constitucional prevalecente e justificador da retroatividade,

26.° Por outro lado, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade;

27.º No que concerne a violação do princípio da legalidade, considerou o Tribunal recorrido que os referidos normativos não violam o princípio da legalidade fiscal consagrado nos artigos 103°, n.° 2, e 165°, n.° 1, alínea i), da CRP;

28.° O Tribunal a quo assenta a sua conclusão no pressuposto de que a CESB tem a natureza de contribuição financeira e, como tal, não estava sujeita a uma reserva integral de lei;

29.° Discorda o Recorrente de tal entendimento, desde logo, por considerar que, enquanto o legislador não aprovar o regime geral das contribuições financeiras, elas deverão seguir o regime jurídico dos impostos, quando o sujeito passivo não aufira um benefício individualizado;

30.° Em todo o caso, não assiste razão ao Tribunal recorrido atendendo a que o tributo em análise tem a natureza de imposto, como tal sujeito à reserva integral de lei;

31.° Cumpre notar que a regulamentação da Portaria não se limita a densificar os conceitos da base objetiva do imposto, alterando-a;

32.° Acresce que não existe nenhuma justificação atendível constitucionalmente na situação dos autos para a não fixação da taxa, para além da falta dos «critérios de decisão normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa do imposto» (cf. Acórdão n.° 70/2004 do Tribunal Constitucional), no fundo, os critérios reveladores da justificação legítima para a não fixação imediata da taxa;

33.° São, pois, materialmente inconstitucionais os normativos dos artigos 3°, 4.° e 8.° do regime da contribuição sobre o sector bancário, na medida em que os mesmos não definem, como se impõe na lei constitucional, todos os aspetos essenciais do imposto, designadamente a incidência objetiva do imposto e a taxa, como também são organicamente inconstitucionais os normativos dos artigos 4.° e 5.° da Portaria n.° 121/2011, na medida em que o primeiro inova sobre a base de incidência objetiva de um imposto e o segundo fixa arbitrariamente a taxa do imposto;

34.º A respeito da violação do princípio da igualdade, entendeu o Tribunal a quo que à CESB, porque se trata de verdadeira contribuição, regida pelo princípio da equivalência, não tem porque aplicar-se o princípio da capacidade contributiva enquanto critério uniforme de tributação;

35.° Entende o Impugnante que, face ao carácter meramente financeiro da CESB, a qual visa aumentar a carga tributária do sector para, alegadamente, nivelá-la com a dos demais contribuintes, encerra arbítrio aplicar este adicional de imposto de acordo com um critério distinto do aplicável aos demais contribuintes e não coincidente com o da capacidade contributiva;

36.° Como refere o Tribunal Constitucional, não pode uma determinada norma colher legitimidade e justificação na proclamação do objetivo de reforma do sistema e, simultaneamente, configurar-se como uma medida extraordinária e de vigência transitória (cf. Acórdão n.° 862/2013, de 19 de dezembro de 2013);

37.° A igualdade na distribuição dos sacrifícios exigiria, no entender do Recorrente, que os impostos extraordinários, os adicionais, as derramas ou sobretaxas especiais, se aplicassem a todos de acordo com a capacidade contributiva;

38.º A CESB, desrespeitando a generalidade e o critério da capacidade contributiva ao qual todos os impostos devem obedecer, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP

39.º Por último, ainda que se classificasse a CESB como uma verdadeira contribuição, no que não se concede, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência

40.° Sendo verdadeira contribuição, impunha-se que houvesse uma relação entre o tributo e a prestação estadual provável, designadamente modulando a carga tributária em função dos maiores ou menores riscos tal como sucede nas demais figuras tributárias específicas do sector bancário;

41.° A CESB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não atende à proporção/rácio de capital próprio das instituições de crédito, à respetiva situação de solvabilidade;

42.° Diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, a CESB de 2013 e 2014, que é a que está em análise nos presentes autos de impugnação de autoliquidação, não foi criada para capitalizar um Fundo de Resolução; a CESB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não foi criada em acompanhamento de um regime de resolução bancária e com o fito de capitalizar um Fundo de Resolução;

43.° Assim, tem-se por afetado o princípio da equivalência por desproporcionalidade stricto sensu quando o legislador opta por um tributo extraordinário, não prospetivo, descomprometido com qualquer modulação em função do perfil de risco, sem afetação prévia da receita à prossecução de uma finalidade específica, tendo presente que era perfeitamente possível conformar de outra forma a contribuição de modo mais respeitador da “equivalência prestação/contraprestação” e o legislador disso tinha plena consciência;

44.° Em face do exposto, não poderá deixar de se considerar que a CESB 2013 e a CESB 2014 - os normativos dos artigos 252.º da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 226.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, conjugadamente com os normativos dos artigos 2.°, 3.° e 4.° do regime aprovado pelo artigo 141.° da Lei n.° 55-A/2010 - violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material;

45.° Deste modo, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolsado do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 3 do artigo 43.° do Código do IRC;

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, julgada procedente a impugnação judicial, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

»


*

Não foram formalizadas contra-alegações.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, onde, após extensa argumentação, apoiante, conclui que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença impugnada.

*

Colhidos os vistos legais, compete conhecer e decidir.

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II


Mostra-se consignado, na sentença, em sede de julgamento factual: «

1) A impugnante é uma instituição de crédito (facto não controvertido).

2) A impugnante apresentou, junto dos serviços da administração tributária (AT), a 27.06.2013, declaração modelo 26, na sequência da qual procedeu à autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário, relativa ao ano de 2013, no valor de 706.612,44 Eur. (cfr. fls. 86 e 87, do processo administrativo — reclamação graciosa).

3) O valor referido em 2) foi pago a 01.07.2013 (cfr. fls. 95, do processo administrativo — reclamação graciosa).

4) A impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, a 18.06.2014, declaração modelo 26, na sequência da qual procedeu à autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário, relativa ao ano de 2014, no valor de 901.201,16 Eur. (cfr. fls. 89 e 90, do processo administrativo — reclamação graciosa).

5) O valor referido em 4) foi pago a 30.06.2014 (cfr. fls. 98, do processo administrativo — reclamação graciosa).

6) Através de documento escrito, remetido via correio postal registado aos serviços da AT, a impugnante apresentou reclamação graciosa das autoliquidações referidas em 2) e 4) (cfr. documentos juntos de fls. 5 a 100, do processo administrativo — reclamação graciosa).

7) Na sequência do referido em 6), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.° 3263201504003128 (cfr. fls. 1, do processo administrativo — reclamação graciosa).

8) No âmbito do procedimento mencionado em 7) foi elaborada, na divisão de gestão e assistência tributária da unidade dos grandes contribuintes, informação, datada de 08.07.2015, no sentido da improcedência da reclamação graciosa referida em 6), constando da mesma designadamente o seguinte:

“…

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

11. Em primeiro lugar, a Contribuinte, ora Reclamante, argumenta que a Contribuição sobre o Sector Bancário que motu proprio “autoliquidou” é ilegal, por inconstitucionalidade da norma que a prevê, por violação do princípio constitucional da não retroatividade dos tributos, contemplado no art.° 103.° da Constituição da República Portuguesa e por violação dos princípios da equivalência e da capacidade contributiva, estes por sua vez previstos no art.° 13.°, também da nossa Lei Fundamental.

12. Depois, em segunda instância, alude ainda a uma pretensa inconstitucionalidade orgânica das normas legais que introduziram e regulamentam a própria Contribuição Sobre o Setor Bancário, afirmando que a incidência e a respetiva taxa foram fixadas tão somente por portaria, em violação do principio da reserva de lei previsto no art° 165.° da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos,

13. E sobre isto, no essencial, que se suporta todo o seu entendimento, o qual, por razões de economia processual, nos inibimos de aqui transcrever, considerando-o aqui reproduzido, com todas as consequências legais.

§ IV.I.I.II. Da apreciação

14. Sem prejuízo de desde já se referir que, consabido, não cabe no elenco das atribuições e competências desta Unidade dos Grandes Contribuintes aferir da bondade de uma qualquer norma face ao preconizado na nossa Lei Fundamental, ainda assim não poderemos, sem mais, deixar de tecer algumas considerações acerca do assunto que ora nos apraz, a ponto de aqui se sublinhar que, na verdade, relativamente ao argumentado pela Contribuinte, ora Reclamante, não é de lhe conferir valor jurídico suficiente para resolver a questão em causa; de modo algum, pois não é isso que resulta da lógica dessa novação tributária estabelecida pelo legislador fiscal nacional.

15. Sobra a matéria em análise, a nova “contribuição» criada pelo art° 141.° da Lei n.° 55-A/2010, de 30 de março, cuja regulamentação foi introduzida pela Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, refira-se sucintamente que a criação desta taxa teve na sua origem vários aspectos discutidos na Cimeira de Pittsburg, de setembro de 2009, e no Conselho “ECOFIN”, de 18 de maio de 2010, nos quais se afirmou que deveria ser esse setor a pagar os encargos que ele próprio gera, através da criação de um imposto sobre bancos.

Aliás,

16. Alguns Estados, como, por exemplo, a Alemanha e a Suécia, decidiram que as receitas provenientes deste tributo seriam afetas a “Fundos de Resolução de Crises Administrativas” geridos por organismos executivos independentes.

Neste sentido,

17. Com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal exigido ao setor financeiro e bem assim de eliminar ou diminuir os riscos sistémicos que lhe estão por sua vez associados, o próprio Orçamento de Estado para o ano 2011, art.° 141.° da respetiva Lei, criou a denominada “Contribuição Sobre o Setor Bancário”, cujo regime legal se encontra complementado de acordo com o preceituado na Portaria n.º 121/2011, de 30 de março.

Contudo,

18. De acordo com as alegações proferidas pela Contribuinte, ora Reclamante, recorde-se, é invocado que o ato tributário praticado, está ferido de ilegalidade em razão da sua pretensa inconstitucionalidade invocada em vários sentidos.

Porém,

19. Não lhe assiste qualquer razão.

Com efeito,

20. Interessa, por isso, para além do princípio da não retroatividade da lei fiscal, trazer aqui à colação, por um lado, o disposto n.° 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra expressamente que “(...) os impostos são criados por lei, que determine e incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, e, por outro a alínea i) do n.° 1 do art. 165.º, igualmente da nossa Lei Fundamental, o qual, por sua vez, estabelece que “(...) é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (...) a criação de impostos e sistema fiscal, mais, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, “leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização a qual pode ser prorrogada”.

Ora,

22. Quanto à alegada violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, vertido no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, não vislumbramos como, atento o momento da verificação do facto tributário, se possa arrazoar invocando um pretenso dissídio com tal postulado constitucional.

23. Por sua vez, no que concerne à invocada inconstitucionalidade material e orgânica, não se pode olvidar que, numa primeira linha, cabe ao aplicador de leis expressamente reportadas a determinados factos, analisar os caracteres de tais leis, a sua natureza e fundamento, e o seu enquadramento na ordem geral da política financeira, expressa ou implicitamente revelada nas manifestações do Governo ou da Assembleia da República, concluir sobre a alteração ou não da determinada legislação e a sua conformidade.

24. Na verdade, é a lei, no seu mais amplo sentido (compreendendo as leis parlamentares, os decretos-leis, os decretos-regulamentares, as portarias e os despachos normativos), que constitui o meio formal de expressão das normas jurídicas.

Pelo que,

25. É de manual que a adoção de um ou de outro tipo de forma legal varia e depende do grau do interesse do objeto disciplinado ou consagrado pela norma ou do grau e gravidade do seu efeito perante as pessoas por elas afetadas ou perante a própria sociedade em que elas próprias se integram.

Destarte,

26. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Contribuinte, ora Reclamante.

…” (cfr. fls. 46 a 49 verso, dos autos, e fls. 107 a 113, do processo administrativo — reclamação graciosa).

9) Sobre a informação referida em 8) foi proferido, a 09.07.2015, despacho de concordância e para efeitos de notificação da impugnante para exercício do direito de audição (cfr. fls. 46 a 49 verso, dos autos, e fls. 107 a 113, do processo administrativo — reclamação graciosa).

10) Na sequência do referido em 9), foi elaborada, na divisão de gestão e assistência tributária da unidade dos grandes contribuintes, informação, datada de 05.08.2015, no sentido do indeferimento reclamação graciosa referida em 6) (cfr. fls. 51 a 52, dos autos, e fls. 122 a 124, do processo administrativo - reclamação graciosa).

11) Sobre a informação referida em 10) e após pareceres de concordância, foi proferido, a 05.08.2015, despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida em 6) (cfr. fls. 51 a 52, dos autos, e fls. 122 a 124, do processo administrativo - reclamação graciosa).

»


***

As questões carentes de solução, neste recurso jurisdicional, presente a alegação produzida pela Rte e a síntese delimitadora das correspondentes conclusões, podem reconduzir-se, na identificação preconizada no Acórdão do STA de 19.06.2019, tirado, em formação alargada, no processo n.º 2340/13.0BELRS (0683/17) (Disponível, em www.dgsi.pt,) à apreciação da natureza (jurídica) da Contribuição sobre o Setor Bancário, bem como, à invocada violação de (vários) princípios constitucionais. Ora, na medida em que estas vieram, seguidamente, a ser versadas e julgadas, sempre de forma unânime e reiterada, em, muitos outros (Ver, a título exemplificativo, acórdãos do STA de 3 de julho de 2019 (processos n.ºs 2132/14.9BELRS e 2135/15.6BEPRT), 11 de setembro de 2019 (processo n.º 2697/13.2BEPRT), 18 de setembro de 2019 (processo n.º 2883/16.3BELRS) e 25 de setembro de 2019 (processo n.º 498/12.4BELRS)., arestos do STA (Secção de Contencioso Tributário) e, particularmente, por reporte a tempos mais próximos, no Acórdão, datado de 27 de novembro de 2019, processo n.º 2867/16.1BELRS) (Em que o, aqui, relator teve intervenção como 1.º adjunto (e mantendo-se os demais membros da formação)., cujas conclusões recursivas (da 1.ª à 45.ª) correspondem às que enformam o presente apelo, impõe-se, agora, tratá-las e decidi-las, nos mesmos moldes, reproduzindo, neste, a parte relevante do conteúdo da decisão colegial antes identificada.

«
(…).
3.2. No referido acórdão de 19 de Junho de 2019 firmou-se a seguinte interpretação: "Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios". Interpretação da qual, pelas razões antes aduzidas, aqui não divergimos.

(…).
3.3.1. Quanto à natureza jurídica da contribuição sobre o sector bancário com(o) contribuição financeira a favor de entidades públicas: “(…) [N]ão se reconduz à taxa stricto sensu (não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a administração dirija aos respectivos sujeitos passivos) nem se reconduz a um imposto, pois que não se verifica a respectiva unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade (…) toda a motivação legislativa constante dos supra apontados diplomas legais, legitima, em termos de interpretação, a conclusão de que a CSB visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos sistémicos que ali então se identificaram, e não se destinando, assim, a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado (…)”.

3.3.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica das normas que instituíram a Contribuição sobre o Sector Bancário, afirma-se no supra mencionado acórdão deste tribunal o seguinte: “(…) pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165°, n°1, al. i) e 198°, n°1, al. b), ambos da CRP) (…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria n° 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8° desse Regime Jurídico).
Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria n° 121/2011, de 30/03 (…)”.

3.3.3. Quanto às alegadas inconstitucionalidades materiais das normas que instituíram a Contribuição sobre o Sector Bancário, afirma-se no supra mencionado acórdão deste tribunal que não há violação do princípio da igualdade – “(…) considerando o caso concreto da CSB, verifica-se que, por um lado, ela atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2° do RCSB; art. 2° da Portaria n° 121/2011) (…)” – nem da capacidade contributiva – “(…) Carecendo, portanto, de relevância o alegado pela impugnante quanto à violação do princípio da igualdade, nesta última perspectiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (…)” –, nem da proibição de retroactividade da lei fiscal “(…) Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos. E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente (…) – nem da protecção da confiança legítima – “(…) dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos(…)”.
E acrescenta-se ainda naquela decisão que, mesmo quanto às alegadas inconstitucionalidades materiais que poderiam ser imputadas ao tributo qualificado como contribuição financeira, por violação do princípio da proporcionalidade ou da equivalência, as mesmas não procedem, pois “(…) as modulações do peso e da medida do tributo em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos (expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática), estão presentes na delimitação da respectiva base de incidência objectiva: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, fica claro que, apesar de a taxa não ser progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode presumivelmente provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (cfr. o art. 4° Portaria n° 121/2011). Daqui se concluindo que, ao invés do alegado pela recorrente, as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art. 141° Lei n° 55-A/2010, de 31/12) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13° da CRP), bem tendo decidido a sentença recorrida”.
Face à transcrita motivação, impõe-se negar provimento ao recurso.»

Antes de prosseguir para a decisão, verificando-se que o valor da ação é de € 1.607.813,60, mas, sendo a complexidade desta causa (recurso) esbatida pela existência de vasta jurisprudência, anterior, firmada, porque, também, não se encontram motivos para censurar o comportamento das partes, em particular, da Rte, acrescendo o facto de o montante (total) da taxa de justiça devida ser desproporcionado em face do concreto serviço prestado, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nesta sede, na parte em que excede o montante de € 275.000.

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III


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se negar provimento ao recurso.

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Custas a cargo da recorrente, porque, totalmente, vencida, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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[Elaborado em computador e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 5 de fevereiro de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Suzana Tavares da Silva.