Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0446/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
Sumário:I - Nos termos do artº 103º, nº 1 da Lei Geral Tributária o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
II - A Lei Geral Tributária atribui assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados actos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária.
III - A decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária deve qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, sujeito ao regime geral do acto administrativo.
IV - Embora a decisão do pedido de prestação de garantia deva qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, não há lugar ao exercício do direito de audiência prévia, atenta natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento (artº 170º , nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário), circunstância essa que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade (artº 103º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex-vi o artº 2º, al.c) da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00067586
Nº do Documento:SA2201205090446
Data de Entrada:04/24/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART103 N1
CPPTRIB99 ART170 N4
CPA ART103 N1 A ART2 N1
LGT98 ART60 N1 B
CONST76 ART267
LGT98 ART52 N4
CPPTRIB99 ART169 ART196 ART201
ETAF02 ART4 N1 C
LPTA02 ART51 N2
CPC96 ART726 ART715 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1072/11 DE 2011/12/14; AC STA PROC8/11 DE 2011/02/02; AC STA PROC968/08 DE 2008/01/28; AC STA PROC59/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC816/05 DE 2006/06/29; AC STA PROC1054/11 DE 2011/02/07; AC TC PROC80/2003 DE 2003/02/12; AC TC PROC152/2002 DE 2002/04/17; AC TC PROC263/02 DE 2002/06/18; AC STA PROC999/07 DE 2008/02/20; AC STA PROC367/04 DE 2004/06/16; AC STA PROC25027 DE 2001/05/02; AC STA PROC13763 DE 1992/02/19; AC STA PROC13830 DE 1992/02/19
Referência a Doutrina:FRANCISCO SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO.
MARCELO REBELO SOUSA E SALGADO DE MATOS TOMO III 2ED 78.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – A Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação judicial interposta por A……., da decisão de indeferimento do pedido por esta última formulado de dispensa de prestação de garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal nº 18772200401011901.
Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal e, em consequência, decide anular o Despacho proferido no âmbito do Processo de execução fiscal (PEF) n." 1872200401011901 e Aps., pendente no Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela Reclamante/ executada por reversão, por forma a suspender a execução.
- Para assim decidir o Tribunal a quo considerou que ocorreu preterição de formalidades legais porque, "está em questão o pedido de dispensa de garantia, logo por força do referido normativo, é exigida a audição prévia (. . .) tendo em conta os motivos que fundamentaram o indeferimento da dispensa de garantia deveria ter sido realizada a audição prévia. "
- E, ainda que não tendo a Administração Tributária realizado a audição prévia "viola da alínea b) do n. °1 do art.º 60. ° do CPPT, e n ° 1 do art. o 103º do CPA"
- Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido não se conforma a Fazenda Pública, pelas razões que passa a expender.
- Para uma correcta contextualização dos factos cumpre assinalar que, nesta sede se litiga o Despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia apresentado pela Reclamante, enquanto responsável subsidiária, no âmbito do PEF n." 1872200401011901 e Aps., instaurado por dívidas de IVA dos exercícios económicos dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, no valor de 213.352,06 euros e acrescido, em que é primitiva executada a sociedade B……, Lda., em liquidação, nipc.......,
- relativamente ao qual veio oportunamente a ser deduzida Oposição Judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - autuada com o n." 321/11.7 BEPRT - e ulteriormente a ser solicitada a constituição de garantia idónea, no valor de 338.940,59 euros.
- O fundamento legal em que assenta a decisão que indeferiu o pedido (de dispensa da prestação de garantia) assenta no art.º 52.° n.os 1, 2 e 4 dos da LGT e art.°s 169.° e 170.° n." 3 do CPPT, a que acrescem as directivas emanadas pelo Oficio-circulado nº 60.077, de 29.07.2010, da DGCI, i.e., ante o não cumprimento por parte da requerente/executada por reversão da prova, de todos os requisitos exigíveis, para obter a dispensa de prestação de garantia, mormente no que respeita à necessária prova da sua irresponsabilidade pela situação de inexistência/insuficiência de bens da executada originária.
- A douta sentença padece erro de julgamento que determinou a errada aplicação do direito, consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais, nomeadamente, do disposto nos art.°s 276.° e 277.° do CPPT, artº 60.° da LGT e art.º 125.° do CPA. - Desde logo, se se atentar a que a reclamação do art.º 276.° prevê a possibilidade de impugnação de quaisquer decisões do órgão de execução fiscal ou outras autoridades tributárias que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado.
- A denominação reclamação é utilizada na LGT [art. 103.°, n” 2], mas a denominação de recurso era utilizada no art.” 62.°, nº 1, alínea g) do ETAF de 1984, no art. 10.°, nº 1 do RCPT, no art.º 101.°, alínea d), da LGT e no art.º 97.°, nº 1, alínea n) do CPPT.
- O ETAF de 2002 fala em acção e impugnação dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal [artº 49.°, n.s 1 alíneas a), subalínea iii), e d)]. Faz também referência à impugnação de actos lesivos, no âmbito dos actos praticados no processo de execução fiscal, na alínea d) do mesmo nº 1, mas sem dar qualquer denominação ao meio processual.
- Embora no ETAF não resulte se se reporta a impugnação no âmbito do processo de execução ou em acção impugnatória autónoma, o certo é que o art.º 276.° do CPPT abrange na sua formulação a generalidade dos actos praticados pela administração tributária no processo de execução fiscal, mesmo que não sejam praticados pelo órgão da execução, como pode suceder com os actos de autorização do pagamento em prestações ou de aprovação de garantias quando o valor da dívida exequenda for superior a determinado montante, nos termos expressos nos art.°s 197.°, n” 2 e 199.°, n” 8 do CPPT. Pelo que parece não haver suporte para não conexionar com esta reclamação qualquer daquelas referencias feitas no nº 1 do art.º 49°.
- A denominação reclamação parece ser menos adequada do que a de recurso ou a de acção de impugnação, pois aquela expressão é usualmente utilizada para referir os pedidos de reapreciação de um acto pela entidade que o praticou [art.º 158.°, n." 2, alínea a), do CPA] embora também seja utilizada para pedir a apreciação pelo juiz dos actos da secretaria (art.°s 161.°, n." 5, do CPC e 60.°, n.º 2, e 61.° do CCJ).
- A utilização daquela expressão reclamação justificar-se-á, eventualmente, por o processo de execução fiscal ser considerado um processo de natureza judicial (art.º 103.°, nº 1, da Lei Geral Tributária) e, por essa razão, poder entender-se que ele já está na dependência do juiz do tribunal tributário, isto ainda e mesmo na fase que corre termos perante as autoridades administrativas, não havendo, assim, uma introdução do processo em juízo.
- Sobre as dificuldades de conceptualização deste meio processual e que esta reclamação «tem um misto de recurso contencioso - pois trata-se do controlo um acto de um órgão administrativo por parte do tribunal e de recurso jurisdicional - na medida em que o acto a ser controlado pelo tribunal é um acta praticado num processo “. Em consonância prevê o CPPT uma secção destinada particularmente a disciplinar o modo de reacção contra actuações supostamente lesivas praticadas pelos órgãos administrativos no âmbito da execução fiscal. Não se trata de um verdadeiro recurso jurisdicional, pois não estão aqui a ser sindicadas actuações de tribunais, nem tampouco se pode dizer que estamos perante um recurso contencioso [lato sensu], na medida em que a actuação aqui a ser analisada pelo tribunal não se incorpora num procedimento, mas num processo.
- Estar-se-á, nesta perspectiva, perante uma situação de reclamação semelhante à prevista no art. ° 161.°, n.º 5, do CPC em que se estabelece que «dos actos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o Juiz de que aquela depende funcionalmente». De qualquer forma, independentemente da designação adequada, a reclamação prevista no art.º 276.° constitui um incidente do processo de execução fiscal, por ser uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo.
- A este propósito, entendemos salvo o devido respeito por opinião diversa que, é duvidosa a enunciação pelo tribunal a quo, que a falta do exercício do direito de audição determina a anulação, por vício de forma (. .. ) da decisão de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, dada a natureza judicial do processo de execução fiscal.
- Não é demais lembrar o disposto no nº 1 do art.º 103.° da LGT, "O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional". Acrescentando o nº 2 que ''É garantido aos interessados o direito de reclamação para o Juiz da execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior"
- O art.º 10.°, alínea f), do CPPT, estabelece ainda que compete aos serviços da administração tributária instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, promovendo administrativamente a sua tramitação, salvo os especialmente previstos no nº 1 do art.º 151.° do CPPT, de decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal.
- Significa que, não obstante a sua natureza de processo judicial, existem actos administrativos na execução que podem ser praticados pela Administração Tributária, sendo um desses actos a decisão sobre o pedido de dispensa de garantia.
- E, como atrás se deixou expresso, devendo o processo a execução fiscal ser considerado um processo de natureza judicial, tem de entender-se que já está na dependência do tribunal tributário, mesmo na fase em que corre termos perante as autoridades administrativas, pelo que deverão considerar-se susceptíveis de reclamação todos os actos que seriam susceptíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz.
- Assim, a decisão sobre o pedido de isenção de prestação de garantia é um acto
administrativo sobre matéria tributária, em que por via do indeferimento da pretensão do (a) Reclamante é um acto sujeito a controlo jurisdicional, mas não perde a sua qualidade de acto administrativo.
- Aliás, a Administração Tributária, no seguimento do disposto no artº 103.° da LGT, só pode praticar actos materialmente administrativos, como o acto reclamado. Neste seguimento o Acórdão do TC nº 80/2003.
- O art.º 60.° da LGT inserido no título III daquele compendio legislativo trata "do procedimento tributário". Já o artº 54.° define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
- Ao invés, o processo de execução fiscal tem natureza judicial sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional art.º 103.°, n.01 da LGT. Como é bom de ver, e como acima dissemos, no processo de execução fiscal não está em causa o procedimento tributário.
- Vale isto por dizer que não foi violado o citado preceito legal, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo. Em processos de natureza judicial as decisões não têm que ser projectadas: a um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, a reclamação) para o tribunal competente.
- Sobre o mais que haveria a dizer, subscrevemos o recente Acórdão do TCAN nº 00361/11.6BEVIS, de 17.11.2011, que no seu sumário a dada altura refere, "Não viola o direito de audição do executado consagrado nos artigos 55. o e 60. o da LG.T. a decisão de indeferimento da dispensa de garantia, visto que a execução fiscal tem natureza judicial - artigo 103º nº 1, da LG.T. - e estes dispositivos legais não são aplicáveis aos processos judiciais."
- Assim sendo, cremos que o Despacho reclamado, remetendo para os termos da lei não padece de ilegalidade pelo que deve permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico tributário.
- Decidindo como decidiu a douta sentença sob recurso violou as disposições legais supra citadas.»

Não houve contra-alegações.
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido da declaração de incompetência daquele tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por inexistir controvérsia factual a dirimir e a matéria que se discute no recurso se resolver mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados, sendo competente para o seu conhecimento este Supremo Tribunal Administrativo.
Por Acórdão de o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso
Neste Supremo Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso argumentando em síntese que, embora a decisão sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia seja um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária inserido num procedimento administrativo, tendo em conta a sua urgência, evidenciada pelo normativo do artigo 170.° do CPPT, deve aplicar-se o estatuído no artigo 103.°/1 do CPA., ex vi do artigo 2º /c) da LGT.
Concluindo assim que, nos termos do disposto no artigo 103.°/1 do CPA, atenta a natureza urgente da decisão, não há lugar ao exercício do direito de audição prévia.

2 – Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do recurso, vêm os autos à conferência.

3 – Objecto do recurso
Face às conclusões das alegações verifica-se que o recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito, pelo que será competente para dele conhecer este Supremo Tribunal Administrativo.
E a questão a decidir consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar violado o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, nomeadamente por julgar que, previamente à prolação da decisão de pedido de dispensa de garantia bancária, a Administração Fiscal está legalmente obrigada a notificar o Requerente do seu projecto de decisão para este, querendo, se pronunciar.
No caso de procedência deste fundamento do recurso, como adiante se verá, coloca-se ainda a questão de aferir da possibilidade de conhecimento em substituição das questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio ( artº 715º, nº 2 do Código de Processo Civil).

4- Fundamentação de facto
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
1. O Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim instaurou, em 25.02.2011, o processo de execução fiscal n° 187220040101190 contra B…… Lda., para cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, não entregue ao estado, no valor de 213.352,06 €.
2. A requerente foi notificada, pelo Serviço de Finanças, através de ofício nº 765, datado de 27.01.2011, para no prazo de 15 dias a contar da notificação, apresentar garantia idónea (fls. 32 dos autos);
3. Em 16.03.20011, a executada em requerimento dirigido ao chefe de Finanças da Póvoa de Varzim, pediu a isenção de prestação de garantia (fls. 46 a 54 dos autos);
4. Em 17.03.2011, foi elaborada a informação pela Divisão da de Gestão da Dívida Executiva, conforme constante de fls. 33/40 dos autos, que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
5. Por despacho do Chefe de Divisão, de 28.03.2011, a referida informação mereceu concordância, sendo indeferido o pedido, conforme documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (tis. 33/40 dos autos);
6. O despacho do Chefe de Finanças, de 28.03.2001, nem a informação que suportou a decisão, não se pronunciou quanto à audiência prévia e não foi realizada a audiência prévia.
7. O reclamante foi notificado pelo ofício n. 2745 datado de 2011.04.07, com o RM 7242 4728 5 PT, o qual foi recepcionado em 11.04.2011. (tis. 41/42 dos autos);
8. A presente reclamação foi interposta em 02.05.2011.

5. Fundamentação de direito

5.1 Do exercício do direito de audição, previsto no nº 1 do artigo 60º da LGT.
Dispõe o artº 60º da Lei Geral Tributária que «1-A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável (…..).

O artigo 60.º, n.º 1 da LGT concretiza assim a directiva constitucional de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrada no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República, estabelecendo que essa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, deve ser assegurada por uma das formas aí indicadas, entre as quais se inclui o direito de audição antes da liquidação.

No caso subjudice está em causa a decisão de um órgão da Administração Fiscal – Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto – que indeferiu um pedido de dispensa de garntia
A sentença recorrida, tendo em conta que o fundamento principal do despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia era o facto de o requerimento apresentado pela interessada não se encontrar instruído com a prova da sua não responsabilidade pela situação de inexistência ou insuficiência de bens, considerou que deveria ter sido realizada a audição prévia ao abrigo do disposto no artº 60º, nº 1, al. b) da Lei Geral Tributária e que nessa medida o despacho reclamado incorreu em vício de preterição de formalidade legal.
Inconformada com tal despacho a Fazenda Pública alega em síntese que a decisão de indeferimento da dispensa de garantia não viola o direito de audição do executado consagrado nos artigos 55º e 60º da LG.T., visto que a execução fiscal tem natureza judicial - artigo 103º nº 1, da L.G.T. - e estes dispositivos legais não são aplicáveis aos processos judiciais.

Para dar resposta à questão decidenda importa antes do mais apurar da natureza da despacho reclamado, objecto da sentença recorrida, nomeadamente saber se se trata de um acto materialmente administrativo do órgão da Administração Tributária, pese embora praticado no processo de execução fiscal e em caso afirmativo se há lugar a pronúncia prévia do contribuinte em observância do direito de audição.

Nos termos do artº 103º, nº 1 da Lei Geral Tributária o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Por sua vez o nº 2 do referido normativo garante aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior.
A Lei Geral Tributária atribui assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados actos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária.
A nossa jurisprudência fiscal e constitucional tem vindo a reconhecer, pacificamente a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à Administração Tributária para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal, sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela Administração Tributária – ver neste sentido, por mais recentes, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2012, recurso 59/12, de 07/02.2011, recurso 1054/11, e de 02.02.2011, recurso 8/11, e, quanto à alegada constitucionalidade, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 80/2003 12.02.2003, n.º 152/2002, de 17-4-2002, , publicado no Diário da República, II Série, de 31-5-2002, e , n.º 263/02, de 18-6-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 13-11-2002., e os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.02.2008, recurso 999/07, de 16.06.2004, recurso 367/04, de 02.05.2001, recurso 25027, e de 19-2-92, recursos ns. 13763 e 13830, todos in www.dgsi.pt
De entre os actos de natureza não jurisdicional que caberão no conceito de «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» no âmbito do processo de execução fiscal poderemos referir, precisamente, a decisão de dispensa da prestação de garantia a que se referem os arts.170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º, ns. 4 da Lei Geral Tributária.
Mas não só. Também a decisão de suspender um processo de execução fiscal (artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário), o pedido de pagamento em prestações (artº 196º do Código de Procedimento e Processo Tributário) ou a dação em pagamento (artº 201º do mesmo diploma legal), podem ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. artigo 120 do Código de Procedimento Administrativo, e na jurisprudência, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.12.2011, recurso 1072/11, de 02.02.2011, recurso 8/11, e de 28.01.2008, recurso 968/08).
Em todos eles se descobre um denominador comum característico do conceito dos chamados “actos materialmente administrativos”: são decisões que, ao abrigo de normas de direito público, visam produzir efeitos jurídicos em situações individuais e concretas, praticados, no exercício da função administrativa (embora em termos instrumentais), por órgãos integrados nos poderes político, legislativo e jurisdicional. Só este último aspecto os distingue dos actos administrativos, o que explica que estejam sujeitos ao mesmo regime geral, quer no plano substantivo (art.º 2º, nº 1, in fine, CPA), quer no plano processual (art. 4.°,1, c) ETAF, art. 51.°, 2 CPTA) (Cf., quanto à definição de acto materialmente administrativo, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Tomo III, 2ª edição, pag. 78. Como esclarecem aqueles autores trata-se de actos que estão na fronteira do conceito de acto administrativo, mas também fora dele, embora estejam sujeitos ao mesmo regime geral, quer no plano substantivo quer no plano processual.
E o aparente paradoxo da existência de actos materialmente administrativos praticados por órgãos integrados nos poderes político, legislativo e jurisdicional explica-se pela circunstância de os respectivos serviços estarem organizados e funcionarem em termos necessariamente similares aos dos serviços administrativos (têm corpos de trabalhadores próprios estruturados em cadeias hierárquicas encimadas por órgãos e actuam de modo procedimentalizado).

Ora, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulações dada ao conceito de acto materialmente administrativo, conclui-se seguramente que os mesmos não estão nela compreendidos.

Mas se assim é, se a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, sujeito ao regime geral do acto administrativo, quer no plano substantivo quer no plano processual, importa apurar se, no caso, há lugar à observação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, ou seja se previamente à prolação da decisão de pedido de dispensa de garantia bancária, a Administração Fiscal estava legalmente obrigada a notificar a requerente do seu projecto de decisão para esta, querendo, se pronunciar.

E a resposta será negativa dada a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no artº 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário (nº 4 do referido normativo), circunstância o essa que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade (artº 103º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex-vi o artº 2º, al.c) da Lei Geral Tributária .
Com efeito a situação de urgência que justifica a não audiência dos interessados, nos termos da alínea a), do nº 1, do art. 103.° do C.P.A., tem efectivamente natureza excepcional, ocorrendo quando haja de prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais (Vide, neste sentido, Acórdão da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2006, recurso 816/05, in www.dgsi.pt, António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo anotado e comentado, 2ª edição, pag. 320, e ainda Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Tomo III, 2ª edição, pag.137. ).

Ora, como se sublinha no recente Acórdão de 23.02.2012, desta secção, recurso 59/12, in www.dgsi.pt «se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de carácter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103.° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário».

Assim sendo a sentença recorrida, que anulou a decisão da Administração Fiscal por vício de preterição de formalidade legal (direito de audição), incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 60º, nº 1, al. b) da Lei Geral Tributária e 103º, nº 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo pelo que deverá ser revogada, procedendo, com esta fundamentação, o recurso da Fazenda Pública.

5.2 - Da impossibilidade de conhecimento em substituição.
Atento o provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão da preterição do direito de audiência, a saber o erro na apreciação dos pressupostos de facto, nomeadamente da falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para ao pagamento da quantia exequenda e acrescido e da responsabilidade da executada nessa insuficiência de bens (arts. 726º e 715º, nº 2 do Código de Processo Civil).

Sucede, porém que, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. 330 e segs., se atentarmos aos factos dados como provados pelo Mº Juiz verificamos que há, efectivamente, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão deste aspecto jurídico da causa.
Daí que se entenda o processo ainda não reúne os elementos necessários ao conhecimento em substituição dessas questões, por insuficiência da matéria de facto, uma vez que, face ao alegado pela reclamante, ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida, nem aqui pode estabelecer-se, por o Tribunal carecer de poderes de cognição em sede de facto.
Impõe-se por esse motivo, que os autos baixem à 1.ª instância a fim de que o tribunal recorrido conheça das demais questões que julgou prejudicadas pela solução dada ao litígio.

6- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, com a consequentemente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, nomeadamente para que se conheça do mérito dos demais fundamentos cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão da preterição do direito de audiência.

Sem custas.
Lisboa, 9 de Maio de 2012 – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão (Voto a decisão, mas não acompanho a fundamentação pelas razões da declaração de voto que se segue) – Francisco Rothes (voto a decisão)

Processo nº 466/12

Declaração de voto: Voto a decisão, por entender que no caso era inadmissível o direito de audição prévia, mas não acompanho a fundamentação, quer por razões que já tive ocasião de referir no Acórdão de 30.11.2011 –Processo nº 0983/11, de que fui relator, quer ainda pelas que se seguem:
1º) O direito de audição prévia, como direito dos contribuintes, está previsto no artº 60º da LGT. Ora, lendo atentamente o referido artigo, vemos que este direito se reporta a actos tributários ou relacionados com matéria tributária, praticados pela Administração Tributária.
No caso dos autos – prestação de garantia em processo de execução fiscal – não estamos, nem perante a prática de um acto administrativo tributário em sentido técnico jurídico, nem perante acto em matéria tributária praticado por órgão da Administração Tributária.
Vejamos porquê.
De acordo com o artº 103º da LGT: “1 - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
2 - É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior”.
Ora, com o devido respeito, a administração tributária não participa da execução fiscal: quem participa na execução fiscal é o órgão da execução fiscal que, pertencendo embora à administração tributária, actua com independência e, sendo exequente, é também a entidade que tramita a execução fiscal. Isso é diferente de “participação dos órgãos da administração tributária”.
É certo que existem pelo menos três situações (prestação de garantia, pagamento em prestações e dação em pagamento) em que não é o órgão fiscal que dirige a execução que pode decidir. Mas, a nosso ver, tal é irrelevante já que aí tal entidade assume também a qualidade de órgão da execução fiscal, actuando de forma independente.

Se estivéssemos em presença de um acto administrativo, então parece que o contribuinte poderia reagir contra tal decisão, nomeadamente através de recurso hierárquico para o órgão superior da administração tributária ou ainda através de meios contenciosos. Ora, em processo de execução fiscal, o único meio de defesa contra decisões do órgão da execução fiscal é o da reclamação prevista nos artºs 276º e segs. do CPPT.
Portanto, não há aqui que apelar à natureza de acto administrativo da decisão, natureza essa que não tem. Para nós essa decisão representa apenas o culminar de um incidente do processo, embora a lei o não apelide de tal, à semelhança do que sucedia anteriormente com o pedido de apoio judiciário quando era decidido no processo judicial.
Acresce, por outro lado, e como se referiu no acórdão acima citado, que só existe direito de audição quando tiver existido procedimento, o que não sucedeu no caso dos autos, em que a decisão se segue imediatamente ao pedido. E bem se compreende que assim seja, já que o contribuinte (executado) deve acompanhar o seu requerimento dos meios de prova e fundamentos capazes de habilitarem o órgão da execução fiscal a tomar uma decisão, pelo que a este cabe apenas decidir de imediato (salvo de houver necessidade de diligências probatórias).
Deste modo, não se subscreve a afirmação do acórdão na parte em que refere que “ …a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, sujeito ao regime do acto administrativo, quer no plano substantivo, que no plano processual…”
2º)Também não nos convence o apelo ao nº 4 do artº 170º do CPPT. Com efeito, é o próprio processo fiscal que se pretende célere, na medida em que se pretende a cobrança de dívidas que irão proporcionar ao Estado meios para prossecução das suas actividades. E, por isso mesmo, o direito de audição é excluído do processo de execução fiscal, salvo no caso de reversão, em que a lei permite expressamente esse direito.
Assim, mesmo que o prazo para a decisão fosse diferente e mais alargado, ainda assim, isso não justificaria o direito de audição.
Acresce, finalmente, que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária actuando nessa qualidade, que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância.
Ora, sendo assim, exigindo a lei que o interessado fundamente logo o pedido para o órgão da execução fiscal poder decidir e podendo ele reclamar da respectiva decisão, seria contra a celeridade do processo estar ainda a permitir o direito de audiência, tanto mais que nem chegou a existir procedimento em sentido formal.
Concluindo:
No âmbito de um processo de execução fiscal, após requerimento do executado, impõe-se ao órgão decisor a consequente decisão, sem necessidade de previamente facultar àquele um projecto da decisão ou de ouvi-lo sobre a matéria, uma vez que as normas processuais aplicáveis ao processo de execução judicial não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão, o que se compreende dadas as características da execução fiscal cujo fim é a arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracterizando-se a mesma, em primeira linha, pela sua celeridade.
E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia, salvo no caso da reversão (artº 23º, nº 4 da LGT).
De todo o modo, a reclamação prevista nos artºs 276º e segs do CPPT assegura a tutela judicial contra os actos ilegais praticados pelo órgão da execução fiscal, pelo que o entendimento acima exposto de modo nenhum pode ser considerado ofensivo dos direitos dos contribuintes, legal e constitucionalmente consagrados.