Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0113/19.5BCLSB
Data do Acordão:09/24/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
ARBITRAGEM
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris que envolve algum melindre e dificuldade, mostrando-se dotada de complexidade, e que assume interesse para a comunidade jurídica, dado nela se verificar capacidade de expansão da controvérsia, já que suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas.
Nº Convencional:JSTA000P26385
Nº do Documento:SA1202009240113/19
Data de Entrada:09/09/2020
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. «FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL» [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 18.06.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 325/368 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso interposto por A…………… [doravante A.] e que revogou acórdão proferido, em 29.07.2019, pelo Tribunal Arbitral do Desporto [TAD] [que havia considerado que, pese embora a pretensão do A. fosse «fundada», «à satisfação dos seus interesses obsta, no todo ou em parte, a existência de uma situação de impossibilidade absoluta», termos em que, ao abrigo do art. 45.º, n.º 1, al. d) do CPTA, convidou «as partes a, no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente decisão, acordarem uma indemnização devida … pela impossibilidade de reconstituição natural da situação …»], decidindo anular «a deliberação do Conselho de Arbitragem da FPF de 28.7.2018» e condenou «o Conselho de Arbitragem da FPF a reintegrar o autor na categoria C1».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 384/416] na relevância social e jurídica objeto de litígio [mercê, por um lado, do «crescente fenómeno de violência generalizada no futebol» «essencialmente perpetrada por adeptos contra árbitros de futebol, respetivas famílias e bens» e, por outro lado, por constituir objeto de discussão o determinar como Conselho de Arbitragem da FPF terá de cumprir o seu dever (legal e regulamentar) «de classificar os diversos agentes de arbitragem ao longo de cada época desportiva» e, dessa forma, «assegurar que a cada momento, sejam os melhores, os mais competentes, aqueles que se encontram em melhores condições técnicas, a tomar as decisões técnicas e disciplinares em cada jogo de futebol profissional», assim contribuindo para «uma maior serenidade ou credibilidade à função» do árbitro, para além de que não estamos perante uma «questão isolada», pois «todos os anos existem casos trazidos à discussão nos tribunais» respeitantes às classificações atribuídas e decorrentes despromoções no fim de cada época desportiva] e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, nomeadamente dos arts. 86.º do Regulamento de Arbitragem da FPF e 173.º do CPTA, e do princípio da separação de poderes [arts. 03.º do CPTA, 45.º, n.º 1 do DL n.º 248-B/2008, de 31.12, 65.º, al. k) dos Estatutos da FPF].

3. O A., aqui recorrido, produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 426/481] nas quais pugna, mormente, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O A. apresentou recurso no TAD por inconformado com o acórdão proferido pelo Conselho de Justiça da FPF, de 07.11.2018, no âmbito do processo n.º 3-18/19 [no qual impugna o «ato administrativo proferido pelo CA da FPF, alicerçado na Ata n.º 1 extraordinária, redigida em reunião em Tomar no dia 28 de julho de 2018, e da lista anexa a essa ata, e em que, com resultado das avaliações, não integra o recorrente nos quadros de árbitros da categoria C1 para a época desportiva 2018/2019»] que, por maioria, havia julgado «a pretensão do autor bem fundada», mas, todavia, improcedente o «recurso … por impossibilidade absoluta de satisfação da pretensão do recorrente (art. 45.º, 1 do CPTA), sem prejuízo do eventual direito do recorrente à indemnização pelos danos causados pelo ato e pela impossibilidade de satisfação da sua pretensão».

7. O TAD, também apenas por maioria, manteve este juízo, considerando que apesar de «fundada» a pretensão do A. ocorria, in casu, uma «situação de impossibilidade absoluta» que obstava à sua efetivação e reconhecimento, razão pela qual, lançando mão do disposto no art. 45.º, n.º 1, al. d) do CPTA, convidou «as partes a … acordarem uma indemnização devida … pela impossibilidade de reconstituição natural da situação …» [cfr. fls. 04/42].

8. O TCA/S revogou tal juízo e anulou a deliberação impugnada nos termos supra enunciados, louvando-se para tal no entendimento que não havia obtido vencimento no referido acórdão do Conselho de Justiça da FPF e que se mostra expresso nos votos de vencido nele insertos, considerando para o efeito que a «fim de suprimir os efeitos negativos da deliberação do Conselho de Arbitragem da FPF de 28.7.2018 e, assim, reconstituir a situação atual hipotética, o Conselho de Arbitragem da FPF teria de proceder à reintegração do autor na categoria C1 (primeira categoria de árbitros), categoria na qual o mesmo estaria integrado se não tivesse sido proferida tal deliberação da qual resultou a sua despromoção, sendo certo que, mesmo que exista um limite ao número de árbitros nessa categoria, tal não constituirá um impedimento à realização dessa reintegração, tendo em conta o estatuído no art. 173.º, n.º 4, do CPTA» e que «[c]oncretizada tal reintegração, o autor será objeto de avaliação relativamente aos jogos que venha a arbitrar após essa reintegração, a qual determinará se o mesmo se mantém na categoria C1 ou se é despromovido», já que se «a classificação do autor relativa à época de 2017/2018 não se pode efetuar de forma válida, face ao vício que está na origem da invalidade da deliberação do Conselho de Arbitragem da FPF de 28.7.2018 [o critério classificativo criado pelo Conselho de Arbitragem não foi publicitado a tempo, isto é, antes da realização dos jogos] - ou seja, não se pode voltar atrás no tempo e fazer a divulgação atempada do critério classificativo» isso não significa que o A. não possa «ser avaliado após ser reintegrado … razão pela qual é possível executar a decisão judicial que viesse a anular a referida deliberação de 28.7.2018, isto é, não se verifica qualquer impossibilidade absoluta na execução dessa decisão judicial».

9. A aqui recorrente para além da relevância social e jurídica do litígio, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se, neste segmento, contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

10. Se a relevância social e jurídica da questão e litígio não se mostram minimamente sustentáveis na invocação da «violência generalizada no futebol» com as sucessivas condutas e ameaças à integridade dos árbitros, já que disso não se cura nos autos sub specie, temos, todavia, a situação e questão gozam de relevância jurídica fundamental, porquanto assumem importância objetiva, perante uma plausível repetição, visto nela se verificar capacidade de expansão da controvérsia, já que suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas, apresentando, assim, interesse para a comunidade jurídica.

11. E, para além disso, localiza-se numa zona juridicamente importante da execução do julgado, ou seja, sobre âmbito do dever de executar, com particularidades acrescidas aportadas pelo procedimento em questão, que envolve algum melindre e dificuldade, revelando-se dotada de complexidade, disso sendo indício não só a divergência entre as pronúncias firmadas pelas instâncias, mas também o facto de, com exceção do acórdão recorrido, as decisões proferidas não terem sido unânimes contendo votos divergentes.

12. De tudo o exposto ressalta, assim, legitimada e justificada a admissão do recurso de revista, para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 24 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho