Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0314/13
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:AMBIGUIDADE
ESCLARECIMENTO
ACÓRDÃO
Sumário:A ambiguidade deve ser esclarecida ainda que apenas resulte de forma reflexa da decisão judicial.
Nº Convencional:JSTA000P20815
Nº do Documento:SA1201607130314
Data de Entrada:04/18/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……………, SA (A………..), notificada do acórdão da Secção deste STA de fls. 988-1012 destes autos, vem formular pedido de esclarecimento nestes termos:

“1.º O douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 22/11/2002, condenou o Estado Português no pagamento da quantia total de 5.107,84 euros, acrescida de juros de mora desde a data da citação.

2.º A questão relativa aos juros de mora não foi colocada em causa pelo recurso, entretanto, interposto.

3.º Agora, o douto acórdão de 19/05/2016 desse Venerando Tribunal decidiu «aumentar o valor da indemnização a pagar» para o montante de 10.000,00 euros.

4.º Não fez qualquer referência a juros (e rigorosamente não tinha de o fazer, pois tal matéria não estava em causa).

5.º Entende a ora Requerente que o valor agora arbitrado de 10.000,00 euros deve ser acrescido de juros desde a citação, conforme antes decidido.

6.º Não obstante, prevenindo diversa interpretação, designadamente por parte do Estado Português, vem solicitar o esclarecimento ou a aclaração do decidido no sentido de se confirmar, ou não, o antes exposto.

7.º Ou seja, de que à quantia agora fixada de 10.000,00 euros deverá ser acrescida de juros de mora desde a citação”.

II- Apreciação e Decisão

1. O presente pedido de esclarecimento ou aclaração apenas é admissível por ser aplicável ao caso o artigo 669.º, n.º 1, al. a) do anterior CPC (art. 7.º da Lei n.º 41/2013, que aprovou o NCPC), nos termos do qual “Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos” (aplicável ex vi dos artigos 732.º do CPC e 1.º do CPTA/2004).

2. Notificado para se pronunciar o Exmo. Magistrado do MP não deu qualquer resposta (fls. 1014).

3. Sem vistos, vêm os autos à conferência para decidir.

4. O incidente de aclaração do acórdão consubstanciava uma excepção legalmente prevista ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Esta figura, extinta com a reforma de 2013 (levada a cabo pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), mas, como se disse, ainda aplicável ao caso dos autos, era consentida nos exactos termos em que estava delimitada no artigo 669.º, n.º 1, al. a) do anterior CPC.

Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 151, “Se a sentença contiver alguma obscuridade ou ambiguidade, pode pedir-se a sua aclaração. A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”.

O pedido de aclaração visava reparar vícios externos das decisões judiciais, não podendo ser usado para atacar vícios internos e, mais concretamente, o mérito da decisão, já que o meio próprio para isso é o recurso jurisdicional. Designadamente, não se mostrava idóneo para demonstrar a falta de sustentação jurídica da decisão ou a desadequação da fundamentação adoptada pela mesma (v.g., a debilidade ou a escassez dos argumentos que a suportam).

5. No caso dos autos, a ora requerente alega que a circunstância de o acórdão que se pretende seja objecto de esclarecimento ou aclaração não ter feito menção à questão dos juros de mora poderá suscitar dúvidas sobre se o segmento do acórdão do TCAS de 22.11.02 que a ela se refere se deve manter. Ora, como bem avalia a requerente, o acórdão recorrido não se debruçou sobre essa questão – mas, tão-somente, sobre o valor da indemnização a pagar a título de compensação pelas despesas com honorários de mandatário – porque ela não se mostrava controversa. Aí claramente se decidiu “em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida no tocante à limitação nele imposta quanto à fixação dos honorários forenses ressarcíveis, e, em consonância, em aumentar o valor da indemnização a pagar a título de compensação pelas despesas com honorários de mandatário para o valor de € 10.000,00”. Mas, como igualmente ressaltado pelo requerente, a circunstância de não se ter feito referência expressa à questão dos juros de mora poderá conduzir a um estado de dúvida que não se compagina com a certeza da justiça. Pelo que cabe esclarecer que, além do montante da indemnização que foi fixado em € 10.000,00, são ainda devidos juros de mora, tal como decidido, e nos termos aí fixados, pelo acórdão do TCAS acima mencionado – em segmento que não foi revogado pela decisão que se pretende esclarecer/aclarar.

Por este motivo, deve ser julgado procedente o presente pedido de esclarecimento ou aclaração.

6. Pelo exposto, acordam em deferir o presente pedido de esclarecimento ou aclaração.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Julho de 2016. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.