Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0401/14
Data do Acordão:05/14/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
DESPACHO DE REVERSÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - O meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação ou preterição de formalidades a tal acto imputadas, é a oposição à execução, e não o processo de impugnação judicial.
II - Não se verifica nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida se o tribunal “a quo” não tomou conhecimento do mérito da impugnação por ter julgado verificado fundamento legal de rejeição liminar.
Nº Convencional:JSTA000P17462
Nº do Documento:SA2201405140401
Data de Entrada:04/01/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, identificado nos autos, impugnante, recorre da sentença proferida pelo TAF de Leiria, datada de 20 de Janeiro de 2014, que julgou improcedente a presente impugnação com fundamento no erro da forma de processo e impossibilidade de convolação na forma de processo adequada por caducidade do direito de acção.
Alegou, tendo concluído:
A – O tribunal a quo não deveria ter julgado improcedente a referida impugnação judicial apresentada pelo recorrente com o fundamento de erro na forma processual empregue;
B – O recorrente alegou diversas questões, nomeadamente a prescrição, que o Tribunal deveria obrigatoriamente conhecer e pronunciar-se sobre as mesmas;
C – Não decorre do artigo 99º do CPPT, nem do artigo 97º do mesmo diploma que a impugnação judicial apenas tenha de versar sobre liquidação de tributos;
D – Refere-se incompetência no mencionado artigo 99º, que é uma excepção e nada tem a ver com a liquidação de tributos, logo seguindo a mesma interpretação, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais não podem apenas estar relacionadas com a liquidação dos tributos;
E – A excepção da prescrição teria que ser apreciada;
F – Bem como, as ausências ou vícios da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais;
G – Nomeadamente, a questão prévia referida na impugnação judicial, da falta de fundamentação do despacho de reversão e a inobservância do disposto no n.º 7 do artigo 60º da LGT, dado que os elementos novos suscitados na audição do contribuinte não foram tidos em conta na referida fundamentação, que deveria ter sido apreciada tendo em conta o Princípio Pró actione do Tribunal;
H – Quanto à prescrição, consideramos que o tribunal deveria ter conhecido oficiosamente da prescrição (cfr. artigo 175º CPPT), sendo que aquela pode ser conhecida em qualquer momento do processo;
I – As dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos contados, nos impostos de obrigação única (IRC), a partir da data em que o facto tributário ocorreu;
J – No caso em apreço, poder-se-á constatar que os montantes de imposto (IRC) relativos aos períodos de tributação indicados, já prescreveram;
K – Os efeitos da interrupção da prescrição em relação ao devedor principal não produzem efeitos relativamente ao responsável subsidiário, uma vez que o ora recorrente, só foi notificado após o 5º ano posterior ao da liquidação, pelo que, a dívida encontra-se prescrita na esfera do revertido, ora recorrente – cfr. n.º 3 do artigo 48º da LGT;
L – O tribunal ao não apreciar e não pronunciar-se sobre diversas questões em sede de sentença, violou, salvo melhor opinião, o artigo 125º, n.º 1 e artigo 124º do CPPT, constituindo tal circunstância uma causa de nulidade da sentença;
M – Questões relacionadas com a falta de requisitos essenciais do título executivo e diversos vícios da citação;
N – Por todas estas razões, podia e devia o Tribunal recorrido ter decidido pela improcedência da nulidade da citação e/ou prescrição do imposto, invocada pelo recorrente na Impugnação, com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., Sr. Drs. Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedente a impugnação, declarando-se a prescrição do imposto e/ou nulidade da citação e/ou nulidade da sentença.
Não foram produzidas contra-alegações e o Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Atenta a simplicidade da questão, vieram os autos a julgamento sem os vistos legais, que oportunamente se dispensaram.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto, que o recorrente não impugna:
1 – Em 20/09/2012, o ora impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio postal via CTT registado do ofício de “Citação Reversão” no âmbito do processo de execução n.º 2089200601051520, constante de fls. 63 do Processo Administrativo Tributário (PAT) e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. AR assinado a fls. 64 do PAT data da citação confirmada pelo impugnante no quesito 1º da petição inicial).
2 – Em 30/11/2012 o impugnante apresentou a petição inicial da presente impugnação no serviço de finanças de Santarém (cfr. auto constante de fls. 1 dos autos em suporte papel).
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
O recorrente insurge-se contra a sentença do TAF de Leiria que entendeu existir erro na forma de processo, face à(s) causa(s) de pedir invocadas na petição inicial (diversas ilegalidades processuais, procedimentais, substantivas e prescrição) uma vez que não foi alegado qualquer um dos fundamentos próprios da impugnação judicial e que resultam das disposições conjugadas dos arts. 97º, n.º 1, als. a) a g) e 99º do CPPT e 101º, al. a), da LGT, antes tendo sido alegados fundamentos próprios do processo de oposição à execução.
Também na sentença se ponderou a possibilidade de convolação na forma de processo adequada – oposição à execução – mas acabou por concluir tratar-se de acto não consentido por lei, porque já há muito se encontrava extinto o prazo para a dedução deste meio processual – desde já se diga que este segmento da sentença recorrida não vem posto em causa pelo recorrente.

As questões que o recorrente coloca no seu recurso já não são novas e têm mesmo tido um tratamento uniforme na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que de resto, tem aplicado as normas legais reguladoras desta mesma matéria sempre tendo em vista os Princípios da tutela jurisdicional efectiva e pró actione e, portanto, favorecendo as decisões de mérito em detrimento das decisões de forma.
No entanto, nas situações como a dos autos, em que é largamente ultrapassada a linha legalmente definidora das várias formas de processo e em que os prazos do direito à acção são desacautelados pelos interessados, torna-se impossível lançar mão daqueles princípios, só por si, para corrigir os erros cometidos pelos interessados na defesa dos seus direitos.

A propósito de situação em tudo idêntica a esta dos autos, apenas com a diferença de que ocorreu no despacho liminar da impugnação, escreveu-se no recente acórdão, datado de 06/03/2014, proc. n.º 0639/13, em dgsi.pt, proferido por este Supremo Tribunal:
São as seguintes as questões objecto do presente recurso:
a) Saber se a decisão recorrida enferma de omissão de pronúncia, na medida em que não conheceu das questões que foram suscitadas pelo recorrente, nomeadamente a questão da prescrição e a nulidade da citação;
b) Saber se incorreu em erro de julgamento a decisão recorrida ao indeferir.....a impugnação judicial por erro na forma de processo;
(...)
...o despacho recorrido indeferiu...a impugnação porquanto, analisados os fundamentos da impugnação e da oposição (art°s. 99° e 204°. ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário) concluiu que o objecto dos presentes autos encontra enquadramento na previsão das als. b) e d) e i) do n° 1 do art. 204° do já aludido diploma.
E, prosseguindo o seu discurso argumentativo, julgou verificar-se erro na forma de processo, o que constitui nulidade, de conhecimento oficioso (arts. 199° e 202° do CPC, ex vi 2°. al. e) do CPPT.
(...)
Por sua vez o recorrente, na sua alegação de recurso e nas conclusões que a encerram, que, como é sabido delimitam o objecto do recurso, sustenta que o Tribunal recorrido não deveria ter indeferido...a referida impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente com o fundamento no erro na forma processual empregue e que deveria obrigatoriamente conhecer e pronunciar-se sobre diversas questões por si suscitadas, nomeadamente, a questão prévia, da falta de fundamentação do despacho de reversão e da inobservância do disposto no nº 7 do artigo 60° da LGT, e bem assim a questão da nulidade da citação.
Adianta-se, desde já, que argumentação do recorrente não pode obter provimento e que a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Vejamos, pois.
...Da alegada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
Como se viu o recorrente imputa à decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia.
Mas sem qualquer razão.
Nos termos do artº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário constitui nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Ora, a prescrição é matéria de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal (artº 175º do Código de Procedimento e Processo Tributário), mas não no processo de impugnação.
A jurisprudência dominante desta Secção vem afirmando que o processo de impugnação judicial não pode ter por objecto directo o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação.
É certo que se tem entendido também que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não do prosseguimento da lide, desde que o tribunal possua os elementos necessários.
Porém a prescrição não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação judicial.
E muito menos deve ser conhecida quando, como no caso dos autos, concluindo o tribunal recorrido pelo indeferimento liminar, nada mais haveria que apreciar, não cabendo na lógica da decisão o conhecimento sobre qualquer questão de mérito que tivesse sido suscitada na petição.
Até porque, havendo fundamento para a rejeição liminar da impugnação judicial, o juiz não pode apreciar o mérito da mesma, sob pena de excesso de pronúncia – vide, neste sentido, os Acórdãos desta secção, nºs 199/10, de 30.10.2010 e 328/12, de 05.07.2012, in www.dgsi.pt.
Invoca, ainda, o recorrente, que o Tribunal recorrido deveria ter conhecido da nulidade da citação.
Sucede que, como bem nota o MP no seu parecer, da leitura da petição inicial resulta que o recorrente não invocou a nulidade citação, pelo que o Tribunal não poderia conhecer da mesma, pois não é questão de conhecimento oficioso, salvo o caso de citação edital ou falta de indicação do prazo para deduzir oposição (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. III, pag. 137-138).
Por outro lado, a nulidade da citação, por omissão de formalidades legais, também, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do estatuído no artigo 204.º do CPPT e deve ser arguida perante o órgão de execução fiscal (OEF) e não perante o Tribunal Fiscal (ob. citada, 6ª edição 2011, volume III, páginas 144/145 e Acórdão do STA, de 25 de Maio de 2011, proferido no recurso nº 187/11, www.dgsi.pt.)
...Do invocado erro de julgamento.
É pacífico na jurisprudência e na doutrina que a impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), constitui o meio de reacção paradigmático de que dispõe o contribuinte para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, o acto tributário, tomado este em sentido próprio, ou seja, como acto de liquidação do tributo, sendo igualmente este o meio processual adequado para reagir contra outros actos em matéria tributária para os quais a lei preveja ser este o meio de reacção do contribuinte (cfr. o n.º 1 do artigo 97.º do CPPT) – vide, neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10.04.2013, recurso 230/13, de 5.07.2012, recurso 328/12, de 30 de Setembro de 2009, rec. n.º 626/09 e de 14.07.2007, recurso 172/07, todos in www.dgsi.pt)
É também pacificamente aceite, existirem fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial, decorrendo ainda do artº 22º nº 4 da Lei Geral Tributária que as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.
No caso em apreço cumpre notar que o acto sindicado é o despacho de reversão e não a liquidação da dívida exequenda.
Ora o recorrente, nas suas conclusões de recurso, e até mesmo na petição inicial, não assaca aos actos de liquidação de IRC, objecto das execuções contra ela revertidas, qualquer vício formal ou substancial.
De facto os vícios de falta de fundamentação e preterição de formalidades legais invocados pelo recorrente são sempre reportados aos processos executivos e não aos procedimentos de liquidação.
Constata-se, aliás, da petição inicial, que o recorrente deduziu impugnação judicial contra a execução fiscal nº 2089200601009087 do serviço de finanças de Santarém concluindo com o seguinte pedido: «NESTES TERMOS e nos demais de direito do douto suprimento de V. Exa. deve a presente Impugnação Judicial ser recebida, julgada procedente por provada e, em consequência, julgar-se extinta a execução, ordenando-se o arquivamento do processo executivo movido ao Impugnante com os fundamentos de ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e preterição de outras formalidades legais (prescrição da dívida, na ilegitimidade do executado, falta de fundamentação e preterição de formalidades legais e vícios formais do despacho que ordena a reversão».

Em suma, o ponto axial da sua pretensão - cf. artº 53º da petição inicial - tem a ver com a ilegalidade da reversão operada no processo de execução fiscal «por falta de fundamentação e preterição de formalidades legais», não formulando o recorrente qualquer pedido atinente ao meio processual de impugnação, a saber, a declaração de inexistência, nulidade ou anulação das liquidações dos tributos.
Ora, constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que a Impugnação judicial não é o meio adequado de reacção contra o despacho de reversão da execução fiscal, mas sim o processo de oposição – cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 29/06/2005, recurso 0501/05, de 14.07.2007, recurso 0172/07, de 9/2/2011, recurso 845/2010, de 2/5/2012, recurso 300/2012 e de 12.09.2012, recurso 453/12, todos in www.dgsi.pt.
De igual modo Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de, vol. III, pag. 479 esclarece que o “meio processual adequado para impugnar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal, com fundamento de o revertido não ser responsável pelo pagamento da dívida é a oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT».
Acrescentando ainda que “A reclamação graciosa e o processo de impugnação judicial, a que os revertidos também podem recorrer na sequência da sua citação no processo de execução fiscal, nos termos do nº 4 do art. 22º da LGT, destinam-se a atacar a legalidade da liquidação visando obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência (arts. 70º, nº 1, 99º e 124º do CPPT). Por outro lado, por força do preceituado no nº 1 do art. 151º do CPPT, todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária deverão ser apreciadas em processo de oposição”.
(...)
Por último, importa sublinhar que o recorrente não formulou um pedido compatível com a impugnação judicial (declaração de inexistência, nulidade ou anulação das liquidações exequendas) mas antes com a oposição judicial (arquivamento/extinção da execução).”.

Efectivamente a questão tratada neste acórdão anteriormente referido é exactamente a mesma de que agora tratamos, pelo que, não se vislumbra possível agora decidir de modo diverso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
D.N.
Lisboa, 14 de Maio de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.