Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0618/14
Data do Acordão:10/15/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
DELEGAÇÃO DE PODERES
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I – Atenta a Lei Orgânica do Governo, a Presidência do Conselho de Ministros não se confunde com o Primeiro-Ministro ou com o Conselho de Ministros.
II – Deste modo, a competência para conhecer de um determinado acto do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, praticado no âmbito de uma delegação de poderes, não compete ao STA, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. a), do ETAF, antes incumbe aos TAF’s, ex vi artigo 44.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Nº Convencional:JSTA00068949
Nº do Documento:SAP201410150618
Data de Entrada:09/10/2014
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:CM E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:ETAF02 ART24 N1 A iii iv ART44.
CPTA02 ART10 N1 N2 ART53.
CPA91 ART35 - ART40 ART158 N2 B.
CCP ART109 N1.
RCM 93/13 DE 2013/12/23.
L 13/02 DE 2002/02/19.
L 86-A/11 DE 2011/07/12 ART1 ART10.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0238/10 DE 2010/05/05.; AC STA PROC01023/10 DE 2011/02/22.; AC STA PROC041/11 DE 2011/05/26.; AC STA PROC0823/11 DE 2011/10/18.; AC STA PROC01149/12 DE 2012/11/08.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Relatório

1.1. A………………., S.A., devidamente identificada nos autos, interpôs o presente recurso do acórdão da Secção que julgou procedente e excepção da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal, arguida pela contra-interessada B………………, declarando, em consequência, a competência do TAF de Sintra para conhecer dos presentes autos (fls 452-3).

A recorrente findou a sua alegação de recurso formulando o seguinte quadro conclusivo (fls 471 e ss):

I – É importante para a decisão do presente recurso a matéria vertida na alínea c) das presentes alegações;

II – Refere-se, com especial relevância o facto de a decisão sobre a impugnação administrativa de que derivou a exclusão da ora Recorrente do procedimento concursal – e que foi causa deste procedimento e da acção de que o mesmo depende – ter sido tomada pelo Senhor Primeiro Ministro, após deliberação favorável do Conselho de Ministros, tomada em 29 de Maio de 2014.

III – Facto que, independentemente de eventuais actos de delegação de poderes que tenham sido praticados, demonstra, inequivocamente, ser o Primeiro Ministro/Conselho de Ministros o titular da relação material controvertida ajuizada.

IV – Pelo que ainda que se pretenda retroceder ao espírito da LPTA mediante atribuição de legitimidade passiva ao autor do acto, ainda assim e por força da aplicação dos art. 21.º do CPTA e 24.º n.º 1 e) do ETAF, haverá que reconhecer a competência deste Tribunal em razão da hierarquia.

V – A LPTA tinha na sua raiz «um processo feito a um acto», por oposição ao CPTA em que o interesse em contradizer se deve aferir em função da relação material controvertida.

VI – O que importa aferir, agora no domínio do art. 10.º do CPTA, é se a entidade demandada é, ou não, a titular da relação material controvertida e, como tal, se está em condições de se ocupar do pedido, contradizendo-o.

VII – A legitimidade passiva deixou de pertencer ao órgão autor do acto, passando outrossim para a pessoa colectiva ou, no caso do Estado, para o Ministério titular da relação controvertida, a cujos órgãos seja imputável o acto impugnado ou sobre cujos órgãos recaía o dever de praticar o acto jurídico. (vide o artigo 10.º n.º 2 do CPTA).

VIII – O Primeiro Ministro/Conselho de Ministros é titular da relação material controvertida porque decide e decidiu em «última instância» procedimental (por via hierárquica) pela exclusão da ora Recorrente do procedimento.

IX – E porque, também por essa razão, lhe são dirigidos os pedidos de (i) condenação a admitir a proposta da A………………. e, consequentemente, a adjudicar à A………………… os serviços objecto do identificado procedimento e a celebrar com ela o contrato correspondente; (ii) condenação a abster-se de celebrar o contrato com a B……………… ou, caso este venha a ser celebrado, ser o mesmo anulado.

X – O Supremo Tribunal Administrativo é, em razão da hierarquia, competente para conhecer da presente acção e dos pedidos nela formulados (artigo 24.º n.º 1 al.a) iii) do ETAF e artigos 10.º e 21.º, n.º 1 do CPTA).

1.2. A B……………………, S.A., contra-interessada nos presentes autos, contra-alegou, concluindo do seguinte modo (cfr. fls 504 v. e ss):

a) Nenhum dos pedidos principais e cautelares deduzidos pela ora recorrente nos presentes autos visam a anulação ou suspensão de actos do Conselho de Ministros ou do Primeiro-Ministro ou se prendem com atuações ou omissões que relevem da esfera de competências desses órgãos ou em que esses órgãos possam vir a ser condenados;

b) Existindo delegação de poderes, o que releva para aferir da competência do tribunal, como da legitimidade passiva, é a categoria do órgão que foi autor do ato impugnado ou daquele sobre quem recai o dever de praticar o acto jurídico pretendido, sendo que, em ambos os casos e na vigência da delegação, essa imputação recai sobre o órgão delegado, porque é pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que os atos praticados pelo delegado são praticados em nome próprio (competência própria) e porque é sobre o delegado que recai o dever de decidir no âmbito das matérias que lhe estão delegadas;

c) Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2013, de 23 de dezembro, foi delegada (i) no Secretário-Geral da PCM a competência para proferir o ato de adjudicação no procedimento em causa nos autos e (ii) nos dirigentes máximos de cada entidade adjudicante a competência para a outorga dos respectivos contratos;

d) Tendo o acto de adjudicação suspendendo sido praticado pelo Secretário-Geral da PCM ao abrigo da referida delegação de competências (e, pela mesma via, sendo este o órgão competente para praticar o pretendido ‘ato de adjudicação provisória’) e cabendo aos dirigentes máximos dos serviços de cada entidade adjudicante a competência para a celebração dos contratos respetivos, impõe-seconcluir que não só o Conselho de Ministros (nem o Primeiro-Ministro) não praticou o ato suspendendo como não é sobre este órgão que recai o dever do proferir ou a celebrar, respetivamente, os atos ou os contratos requeridos;

e) Assim, como o respetivo processo principal não é relativo a ações ou omissões do Conselho de Ministros ou do Primeiro-Ministro, mas sim de órgãos que não integram as subalíneas, da alínea a), do n.º 1 do artigo 24.º do ETAF procede a exceção da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia atento o disposto naquele preceito conjugado com a respetiva alínea c);

f) Noutro plano, mesmo que a recorrente tenha razão quanto à circunstância de a legitimidade processual ter deixado de pertencer ao órgão autor do ato, passando para a pessoa coletiva ou ministério a cujos órgãos seja imputável o ato impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar o ato jurídico por força do artigo 10.º, n.º 2, do CPTA, nem por isso consegue fundar a conclusão de que os diferendos subjacentes aos presentes autos dizem respeito a ações ou omissões do Conselho de Ministros.

g) Por um lado, porque o Conselho de Ministros, que se trata de um órgão e não de uma pessoa colectiva ou entidade equiparada a um ministério, não se confunde com a entidade que representa a ‘unidade de atribuições’ titular da legitimidade processual passiva no processo, que é a Presidência do Conselho de Ministros (que é para este efeito equiparada a um ministério);

h) Por outro lado, porque aquela premissa de que parte a recorrente não tem qualquer interferência nos fatores que realmente determinam a competência do STA à luz do artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do ETAF, e que se prendem exclusivamente com saber se os órgãos a cuja atuação ou omissão se refere o objeto do processo integram o elenco de órgãos previsto nesse preceito. E no caso concreto, como sobejamente explicado, isso não sucede;

i) Ao que parece, as referências à relevância da evolução jurisprudencial e legislativa que passou a imputar a legitimidade processual às pessoas coletivas ou ministérios que são partes nos processos e não aos respetivos órgãos, contidas nos pontos d) e e) das alegações da recorrente, parecem dirigir-se a contrariar a passagem inclusa no último parágrafo do Acórdão recorrido;

j) Sucede que o Supremo Tribunal Administrativo nessa passagem limita-se a referir algo que não é juridicamente contestável e que nada tem a ver com a polémica suscitada pela recorrente: o Tribunal pretendeu apenas deixar claro que não é pelo facto de atualmente se considerar que a legitimidade passiva nas ações relativas a atos e omissões do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro se pode imputar à Presidência do Conselho de Ministros, que o Supremo Tribunal Administrativo passa a ser competente para apreciar atos ou omissões de todos os órgãos que se integram naquela estrutura orgânica;

l) Ainda noutro plano, segundo parece resultar da argumentação da recorrente, o facto de o Primeiro-Ministro ter decidido o recurso administrativo interposto do ato do Secretário-Geral do PCM implica só por si que os autos do processo principal e do processo cautelar se referem a atos e omissões do Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros, que teriam assim, “por via hierárquica”, consumido para este efeito o Despacho do Secretário-Geral da PCM. A argumentação da recorrente não procede por duas ordens de razões;

m) Em primeiro lugar, o ato do Primeiro-Ministro que decidiu a impugnação administrativa – e que agora a recorrente pretende invocar como forma de imputar a titularidade da relação material controvertida ao Conselho de Ministros e salvar a competência do Supremo Tribunal Administrativo para julgar os presentes autos – é manifestamente inimpugnável nos termos do artigo 53.º, alínea a) do CPTA, na medida em que se trata de um ato confirmativo de um ato anterior que foi impugnado pela A……………….;

n) Fica assim claro que o objeto do processo na ação principal e na providência cautelar, na parte impugnatória que é a que aqui é relevante, é delimitado pelo ato primário do Secretário-Geral da PCM, ele sim constitutivo da relação jurídica que a A………………… pretende pôr em crise, não se dirigindo ao ato secundário materializado na decisão do recurso administrativo proferida pelo Primeiro-Ministro, já que este é um “ato meramente confirmativo”, desprovido de efeitos jurídicos constitutivos inovatórios, e por isso inimpugnável.

o) Assim sendo, é insofismável que o órgão a considerar para efeitos de aferir da competência hierárquica do STA nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do ETAF é o Secretário-Geral da PCM e não o Primeiro-Ministro ou o Conselho de Ministros, estes últimos que não exerceram qualquer competência dispositiva na configuração da situação jurídica que é posta em crise nos autos.

p) Em segundo lugar, não tendo a recorrente suscitado junto do Supremo Tribunal Administrativo em primeira instância, fosse na ação principal fosse na providência cautelar, a apreciação da validade do ato do Primeiro-Ministro que decidiu o recurso administrativo, não deu ao Supremo Tribunal Administrativo qualquer oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo, atendendo a que o objeto do processo, na parte impugnatória, delineado a partir dos pedidos deduzidos pela própria ora recorrente, incide exclusivamente no Despacho do Secretário-Geral da PCM;

q) Assim, mesmo que a recorrente pudesse em primeira instância ter impugnado o ato secundário do Primeiro-Ministro – que sempre seria inimpugnável ao abrigo do artigo 53.º do CPTA e ditaria a procedência de uma exceção perentória que conduziria à extinção do processo –, a verdade é que não o fez. Não o tendo feito, não apenas não convocou, então, a intervenção do STA ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do ETAF, como não pode agora suscitar essa questão para pôr em crise o Acórdão proferido em primeira instância, porque esta matéria extravasa o objeto do recurso.

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de improcederem “todas as conclusões das alegações da recorrente”, devendo “ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão recorrido” (fl. 516).

1.4. A pronúncia do MP, objecto de contraditório, mereceu resposta da recorrente, que, no essencial, se resume ao seguinte (fls 523 e ss):

(…)
3.º - A deliberação do Conselho de Ministros confirmou o despacho do Secretário-Geral, recusando a sua revogação e, consequentemente, mantendo-o na ordem jurídica.

4.º Ora, a confirmação pelo Conselho de Ministros do despacho do Secretário-Geral é a demonstração cabal da sua competência.

5.º Só assim se explica que o Conselho de Ministros tenha o poder de decidir manter ou revogar o despacho do Secretário-Geral.
(…)
7.º - A delegação não transfere a competência, apenas o seu exercício é permitido ao delegado (…).

8.º - Assim, o delegante não se despoja dos seus poderes através do acto de delegação, continunado com competência para decidir.
(…)
10.º - Sucede, porém, que a deliberação do Conselho de Ministros, porque confirmativa de acto anterior, não é impugnável (cfr. Art. 53.º al a) do CPTA).

11.º Daí que a Recorrente tenha impugnado o acto anterior, porque dotado de eficácia externa (cfr. Art. 51.º n.º 1 do CPTA).

1.5. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, nºs 1, al. e) e 2 do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Enquadramento e Apreciação da Questão

2.1. Como se viu, a recorrente sustenta que o STA é competente para conhecer da presente providência cautelar relativa a procedimento de formação de contrato, fundando a sua tese numa argumentação que se reconduz às seguintes ideias essenciais:

(i) Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. a), incisos iii) e iv) do ETAF, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) é competente para conhecer dos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões do Conselho de Ministros (CM) e do Primeiro-Ministro (PM);

(ii) Segundo os n.os 1 e 2 do artigo 10.º do CPTA, as acções devem ser propostas contra a outra parte na relação material controvertida (n.º1), sendo certo que, quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público, ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos (n.º 2). Com isto, o CPTA afastou-se da LPTA, na medida em que abandonou a ideia de ‘um processo feito a um acto’, sendo agora muito mais um ‘processo de partes’, em que relevante é a titularidade da relação material controvertida;

(iii) O acto de adjudicação foi praticado pelo Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros. Não obstante, em virtude da impugnação administrativa desse mesmo acto, e tendo o PM, após parecer favorável do Conselho de Ministros, decidido “«em última instância» procedimental”, é ele mesmo, juntamente com o Conselho de Ministros, o titular da relação material controvertida;

(iv) Assim sendo, e ainda que não tenha sido impugnado o acto do PM/CM – o qual, por ser meramente confirmativo, é inimpugnável ex vi artigo 53.º do CPTA – dúvidas não há de que o STA é competente para reconhecer o recurso, dada a legitimidade passiva do Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros.

2.2. Esta linha de raciocínio assenta sobre um pressuposto errado, o qual, uma vez demonstrado, faz ruir a pretensão da recorrente quanto à questão da competência do STA para conhecer da providência cautelar e da acção principal. Senão vejamos.

Como se menciona no acórdão recorrido, o acto de adjudicação suspendendo (contido no Despacho do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, de 08.05.2014) foi praticado no âmbito de uma delegação de poderes (ou de competências) contida na Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2013, de 23 de Dezembro. Efectivamente, nos termos dessa resolução “foi delegada, ao abrigo do n.º 1 do art.º 109 do CCP, a competência ao Secretário-Geral da PCM, para proferir o acto de adjudicação no procedimento em causa nos autos (cfr. n.º 7) e nos dirigentes máximos de cada entidade adjudicante a competência para a outorga dos respectivos contratos (cfr. n.º 8) (cfr. fls 452-3 do acórdão recorrido).

Independentemente de qual seja a tese que se subscreva quanto à natureza jurídica da delegação de poderes, dúvidas não existem de que, com a delegação, o delegante não se desliga totalmente dos poderes delegados. Pelo contrário, e, desde logo, a partir da leitura de vários preceitos da CPA (artigos 35.º a 40.º), pode constatar-se que lhe cabem poderes de orientação em relação ao exercício dos poderes delegados, quer se trate de delegação hierárquica, quer de delegação não hierárquica (art. 39.º n.º 1), o poder de avocar, assim como o poder de revogar os actos praticados pelo delegado (art. 39.º, n.º 2).

Nem por isso decorre, do que foi dito, que o titular do acto delegado seja outro que não o seu autor (in casu, o Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros). Com efeito, tendo havido delegação e não tendo a delegação sido extinta, por revogação ou por caducidade (art. 40.º do CPA), ou ainda, não tendo o delegante avocado a si uma situação concreta compreendida no âmbito da delegação conferida (art. 39.º, n.º 2), a competência para praticar os actos delimitados na delegação de poderes pertence unicamente ao órgão delegado, que a exerce em nome próprio. Isto porque “em cada momento há um único órgão competente antes da delegação, só o potencial delegante é competente; praticada a delegação, só o delegado pode exercer os poderes delegados” (VideD. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 2014, pp. 849-50).

Com interesse para os autos, cabe dizer, agora quanto à natureza dos actos do delegado, que a regra geral, válida para o presente processo, é a de que os mesmos são actos com eficácia externa, susceptíveis de impugnação contenciosa imediata. Todavia, isto não preclude a possibilidade de utilização de meios de impugnação administrativa dos actos do delegado, mais concretamente, do recurso para o delegante (art. 158.º, n.º 2, b), CPA).

No caso concreto dos autos, a recorrente reagiu jurisdicionalmente contra o acto de adjudicação do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, dele recorrendo. Ora, sendo aquele um acto com eficácia externa, e não tendo havido revogação ou modificação do dito acto, antes pelo contrário, tendo o PM, uma vez ouvido e obtido o parecer favorável do Conselho de Ministros, confirmado o acto de adjudicação, não há como afirmar que o Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros sejam os titulares da relação material controvertida, como pretende a recorrente. Ao invés, e como sustenta a entidade recorrida, “estes últimos [que] não exerceram qualquer competência dispositiva na configuração da situação jurídica que é posta em crise nos autos”. De facto, o acto do Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros que decidiu o recurso administrativo, porque meramente confirmativo, não produziu efeitos jurídicos inovatórios na ordem jurídica. Deste modo, configura um acto não impugnável nos termos do artigo 53.º, a), do CPTA. Ainda que assim não fosse, cumpre assinalar que a recorrente não chega a impugnar, neste Supremo Tribunal, o acto secundário praticado pelo PM/CM, nem em primeira instância nem agora, em via de recurso, e nem na providência cautelar ou na acção principal. O argumento da recorrente de que não reagiu contra o acto confirmativo do PM por este ser inimpugnável não só não é convincente, como acaba por reforçar a tese de que o titular do acto delegado suspendendo é apenas e tão só o seu autor, ou seja, o Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.

2.3. Uma vez determinada a titularidade do único acto impugnável nos presentes autos – o despacho de adjudicação praticado pelo Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros –, é a vez de aferir da competência do STA para conhecer da presente providência cautelar (bem como da acção principal).

Este Supremo Tribunal já teve a oportunidade de resolver questões relacionadas com a sua competência jurisdicional em razão da hierarquia em situações em que estavam em causa actos praticados por entidades integrantes da Presidência do Conselho de Ministros (Vide os acórdãos do STA de 05.05.10, de 22.02.11, de 26.05.11, de 18.10.11, e de 08.11.12, processos n.os 238/10, 1023/10, 41/11, 823/11 e 1149/12 respectivamente). Não vislumbrando qualquer razão para nos afastarmos das suas orientações neste domínio, reproduzimos aqui o essencial para a resolução da questão ora em análise.

O artigo 24.º, n.º 1, a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, atribuiu à Secção de Contencioso Administrativo do STA a competência para conhecer dos processos em matéria administrativa respeitantes a acções ou omissões de diversas entidades, de entre as quais, o Conselho de Ministros (inciso iii) e o Primeiro Ministro (inciso iv). Relativamente às condutas das demais ‘entidades’ que integram o Governo ou a ele ligadas, não há, no referido diploma, qualquer norma atributiva de competência a este Supremo Tribunal.

De acordo com a Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional (DL n.º 86-A/2011, de 12 de Julho, com as sucessivas alterações), a Presidência do Conselho de Ministros não é elemento integrante do órgão Governo (art. 1.º), e não se confunde com o Conselho de Ministros. Segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do diploma em apreço, “A Presidência do Conselho de Ministros é o departamento central do Governo, tendo por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros e aos demais membros do Governo nela integrados e promover a coordenação dos diversos departamentos governamentais que a integram”.

A Presidência do Conselho de Ministros é, portanto, o departamento que presta apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos outros membros do Governo aí integrados organicamente.

Não obstante a sua evidente conexão orgânica com o Governo, há que relembrar que o já citado artigo 24.º, n.º 1, do ETAF não prevê a competência da Secção de Contencioso Administrativo do STA para julgar as acções ou omissões da Presidência do Conselho de Ministros, designadamente de entidades nela integradas.

Ele prevê-a para as entidades que individualiza, o Conselho de Ministros e o Primeiro-Ministro, a par com outras entidades aí expressamente elencadas. Deste modo, a competência quanto aos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões de entidades que integram a Presidência do Conselho de Ministros (art.10.º, n.º 2) cabe, por força do artigo 44.º do ETAF, aos tribunais administrativos de círculo.

3. Decisão

Nestes termos, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo acordam negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter a decisão judicial recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz.