Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0245/11.8BEMDL 0579/15
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
VALIDADE
INSTÂNCIA
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - A sentença ficará afectada de nulidade quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
II - Mas, como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
III - Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
IV - Quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes mas que são de conhecimento oficioso e prejudicam todas as demais questões colocadas, não está a agir de modo a cometer uma nulidade.
V - Assim, apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia. Obviamente, sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
VI - No caso em apreciação, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer (erro na forma do processo) em termos que geraram a impossibilidade de conhecer de todas as demais questões suscitadas nos autos.
VII - Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto recorrido, o certo é que não se está em presença de excesso de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à prescrição das dívidas tributárias, erradamente dada a verificação da excepção dilatória do erro da forma de processo que tornou inválida a instância para o conhecimento de todas e quaisquer outras questões.
VIII - Objectivando os autos que o julgador considerou que podia (e devia) emitir pronúncia sobre a verificação da prescrição das dívidas por esta ser de conhecimento oficioso, decidindo que a mesma se verificava e julgando extinto o direito do Estado à cobrança daquelas, em sentido não oposto ao resultante daquela apreciação, manifestamente que dos fundamentos aduzidos na sentença ora sob censura não podia e devia logicamente extrair-se outro resultado que não o nele foi expresso, pelo que os fundamentos da decisão que foram fixados não impunham outra, inexiste qualquer contradição lógica entre os fundamentos invocados e a decisão.
IX – Mas a sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito ao ter conhecido indevidamente da prescrição por ser inválida a instância em virtude da ocorrência da nulidade por erro na forma de processo. E, não se podendo ordenar a convolação para o meio processual adequado, deve a Fazenda Pública ser absolvida da instância e provido o recurso, com a consequente revogação da sentença na parte em que conheceu e decretou a prescrição das dívidas em causa.
Nº Convencional:JSTA000P25225
Nº do Documento:SA2201911270245/11
Data de Entrada:05/13/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 28-05-2014, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que, na procedência da excepção de erro na forma do processo, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância relativamente ao pedido reportado à dívida de IVA de 2003 e julgou verificada a prescrição das dívidas exequendas relativamente aos anos de 2000, 2001 a 2002, com a consequente extinção da execução, na sequência do recurso deduzido por A…………, melhor sinalizado nos autos.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

“1. Na douta sentença recorrida, o mm.º Juiz a quo, considerando o teor dos pedidos formulados pelo Impugnante, concluiu pela verificação de erro na forma de processo, insusceptível de convolação na forma processual adequada (oposição execução fiscal) em razão da extemporaneidade na apresentação da douta petição inicial;
2. Pese embora constatar, declarando-o expressis verbis, a inadequação do processo de impugnação judicial para apreciação do pedido dirigido ao Tribunal aqui recorrido, o mm.º Juiz a quo decidiu conhecer da prescrição e declarar prescritas as obrigações tributárias exequendas, relativas a IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002.
3. Em sentido oposto, a Recorrente considera que ao mm.º Juiz a quo estava vedado apreciar a dita questão, ainda que consubstancie matéria de conhecimento oficioso, uma vez que este sempre pressupõe a regularidade da instância, no caso vertente, o processo de execução fiscal.
4. O conhecimento da prescrição das obrigações tributárias pode ocorrer em sede de impugnação judicial como pressuposto do julgamento sobre a manutenção da utilidade na prossecução da lide, e nunca — tal como acontece na situação vertente — como causa de pedir.
5. Ao conhecer de matéria que extravasava dos seus poderes de cognição, incorreu o mm.º Juiz a quo em excesso de pronúncia, determinante da nulidade da douta sentença recorrida, nos termos das disposições conjugadas do n° 1 do artigo 125.º do C.P.P.T. e alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (aqui aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do C.P.P.T.)
6. Nestes termos, e nos demais, que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra que absolva a Fazenda Pública da instância, assim se fazendo a já acostumada Justiça.”

O recorrido não aduziu contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CPTP, pronunciou-se no sentido vertido no seguinte parecer:

“1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 48 e seguintes do TAF de Mirandela, que julgou parcialmente procedente a acção de impugnação judicial e declarou prescrita a dívida relativa ao IVA dos artos de 2002 e 2003, determinando a extinção da execução fiscal nessa parte.
A Recorrente invoca a nulidade da sentença, nos termos do n° 1 do artigo 125° do CPPT, e alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC, alegando excesso de pronúncia, por entender que ao considerar verificado erro na forma de processo o tribunal “a quo” não podia ter conhecido da prescrição da dívida, mas simplesmente absolver a FP da instância.
2. Resulta da sentença recorrida que o Recorrido foi citado no âmbito da execução fiscal n° 2380200301003089, na qualidade de responsável subsidiário, para efectuar o pagamento da quantia de € 79.293,10.
Mais resulta que em 23/02/2011 o Recorrido apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida por decisão notificada em 25/05/2011; E em 08/06/2011 apresentou a presente impugnação judicial.
O Mmo. Juiz “a quo” começou por referir que o meio adequado para reagir contra o despacho de reversão era a oposição, pelo que se verificava erro na forma de processo. Ao que acrescentou que tendo sido pedida a anulação de tal despacho, o processo de oposição não era o meio adequado, pois esta visava a extinção da execução fiscal. Mas que de todas as formas também não era possível proceder à convolação do processo, uma vez que o prazo de 30 dias previsto no artigo 203° já havia decorrido aquando da apresentação da acção.
Considerou, contudo, que nada obstava a que o tribunal conhecesse da prescrição, uma vez que esta era de conhecimento oficioso e “se trata de questão que se prende com a subsistência da instância”. E nessa medida considerando que aquando da citação do responsável subsidiário já havia decorrido o prazo de prescrição de 8 anos em relação ao IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002, declarou tais dívidas exequendas prescritas e determinou a extinção da execução nessa parte. E na parte restante absolveu a FP da instância.
3. Dispõe o artigo 615°, n°1, alínea d), do CPC que a sentença é nula se o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
No caso concreto dos autos o vício apontado pela Recorrente prende-se com facto de o tribunal a quo ter tomado conhecimento da prescrição. Não porque o impugnante não tivesse formulado tal pedido, mas porque tendo considerado que havia erro na forma de processo, por falta de adequação do meio processual ao pedido formulado, a solução seria a absolvição da instância da FP, o que obstava ao conhecimento de qualquer dos pedidos formulados.
E afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente. Se o Mmo. Juiz conclui que o meio processual adequado para apreciar os pedidos formulados pelo recorrido era a oposição e que não era possível proceder à convolação por ser manifesta a intempestividade de tal acção, então há lugar à absolvição de instância da FP por erro na forma de processo. Não pode é absolver da instância em parte do pedido e conhecer da outra parte, o que torna a decisão ininteligível, por obscuridade e ambiguidade, e contradição entre os fundamentos e a decisão.
Com efeito, se o tribunal reconhece que se verifica uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção e conduz à absolvição da instância, não pode depois decidir conhecer em parte do pedido com o fundamento que esse conhecimento implica com a subsistência da instância, o que é contraditório nos seus termos.
Entendemos, assim, que se verifica a nulidade da sentença recorrida, como invoca a Recorrente, ainda que se nos afigure ser subsumível na alínea c) do n do artigo 615º do CPC.
4. Declarada que seja a nulidade da sentença, importa conhecer do pedido formulado na acção.
Conforme se alcança da petição inicial, a impugnação judicial é apresentada na sequência da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, cujo indeferimento assentou na incompatibilidade entre o pedido e a forma processual utilizada. O impugnante peticiona a anulação do despacho de reversão, com base na sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda, e a extinção da execução fiscal, por parte da dívida já ter sido paga, parte da dívida estar prescrita e noutra parte haver duplicação de colecta.
Atentos os termos do pedido — anulação da reversão e extinção da execução fiscal -, assim como das causas de pedir invocadas — falta de responsabilidade pela dívida, pagamento da dívida, prescrição e duplicação de colecta -, não oferece quaisquer dúvidas que o meio processual adequado é a oposição à execução, uma vez que tanto o pedido como a causa de pedir se adequam àquela forma processual.
Já outro tanto não ocorre com a impugnação judicial, uma vez que ao contrário do que é invocado pelo impugnante e aqui recorrido não está em causa qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 99º do CPPT, ou seja, qualquer ilegalidade que afecte a validade do acto tributário.
E assim sendo, não há dúvida que se verifica erro na forma de processo. Atento que de facto o meio processual adequado para os pedidos formulados na acção de anulação do despacho de reversão e de extinção da instância é a oposição e que aquando da apresentação da acção já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 203º do CPPT, o que torna inviável a convolação do processo para aquele meio processual, há lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública.
5. Em face do exposto afigura-se-nos que deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida, ao abrigo da alínea c) do n°1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, e em substituição declarar a nulidade do processo, por erro na forma de processo, e, não havendo lugar à convolação para o meio processual adequado, deve a Fazenda Pública ser absolvida da instância — arts. 193° (anterior 199°), n° 1, 278° (anterior 288°), n° 1, alínea b) e 608° (anterior 660°), n° 1, todos do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do art. 2° do Código de Procedimento e Processo Tributário -, e o recurso ser julgado procedente.”
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Por despacho datado de 14/4/2003 a sociedade B…………, Lda, com sede no Largo da ………, ………, ………, Chaves, foi citada para pagar o montante de 79.293,10 € relativamente a IVA dos vários períodos dos anos de 2000 a 2003 — Fls. 21 (uma das fls. 21 que o PA tem) e 15 a 49 do PA;
2. A dita sociedade apresenta em 6/8/2003 oposição à execução — Fls. 19;
3. Por sentença datada de 10/12/2007 foi decidido absolver a FP da instância na parte em que a oposição se reporta ao processo executivo n.° 2470200507000308; deu sem efeito os pedidos formulados pela Oponente nas alíneas a), b), e e) e julgou improcedente a oposição na parte restante. — Fls. 30 a 37 que aqui se dão por reproduzidas;
4. Por despacho de 8/1/2011, e no âmbito de execução fiscal n.° 2380200301003089 e apensos que corre os seus termos no SF de Vila Real, o impugnante foi citado por reversão daquela dívida da sociedade B…………, Lda, com sede no Largo da ………, ………, ………, Chaves, no montante de 79.293,10 € - Fls. 50 a 53 do PA;
5. Em 23/2/2011 apresenta reclamação graciosa — Fls. não numeradas sequencialmente do PA;
6. Por despacho de 24/5/2011, notificado em 25/5/2011, a Reclamação foi indeferida com o fundamento de incompatibilidade entre o pedido e a forma processual utilizada — Fls. 69;
7. Em data anterior a 23/2/2011 a AT levou a efeito uma penhora, sob bem não identificado, nas instalações da sociedade de que o Impugnante será sócio gerente — Cfr. intróito da PI e parte inicial da reclamação graciosa;
8. Esta acção deu entrada em 8/6/2011 — Cfr. fls. 3.
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2.2.- Motivação de Direito

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Como é elementar, há que apreciar as questões que prioritariamente se imponham e cuja verificação impeça o conhecimento de quaisquer outras.
Na verdade, impõe-se ao tribunal o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, donde que urge apreciar a questão colocada pela Recorrente sobre se a decisão recorrida enferma de nulidade e/ ou erro de julgamento por ter decretado a prescrição depois de decretar a inidoneidade do meio processual usado e, consoante a resposta, deve ou não conhecer-se das demais questões, designadamente, a nulidade por excesso de pronúncia e da convolabilidade, ou não, para o adequado meio processual.
Assim e em linha com o que vem dito, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação e declarou prescrita as dívidas de IVA de 2000 a 2002, determinando a extinção da execução fiscal nessa parte, padece de nulidade, por excesso de pronúncia, considerando que uma vez verificado erro na forma do processo, o tribunal a quo não poderia ter conhecido da prescrição da dívida, devendo limitar-se a absolver a AT da instância.
No seu sábio Parecer, o EPGA junto deste Tribunal Supremo, tomou posição no sentido de que, se o tribunal reconhece que se verifica uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção e conduz à absolvição da instância, não pode depois decidir conhecer em parte do pedido com o fundamento que esse conhecimento implica com a subsistência da instância, o que é contraditório nos seus termos. Entende, assim, que se verifica a nulidade da sentença recorrida, como invoca a Recorrente, ainda que se lhe afigure ser subsumível na alínea c) do n do artigo 615º do CPC, e, em substituição, defende que deve ser declarada a nulidade do processo, por erro na forma de processo, e, não havendo lugar à convolação para o meio processual adequado, deve a Fazenda Pública ser absolvida da instância — arts. 193° (anterior 199°), n° 1, 278° (anterior 288°), n° 1, alínea b) e 608° (anterior 660°), n° 1, todos do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do art. 2° do Código de Procedimento e Processo Tributário -, e o recurso ser julgado procedente.
E será que se verifica mesmo o erro na forma do processo no caso concreto?
Vejamos o que se diz a respeito na decisão recorrida:
“O meio processual adequado para reagir contra o despacho que ordena a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário é a oposição à execução fiscal, e não a impugnação - cfr. Art.° 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT, Jorge de Sousa, in CPPT anotado, 4ª ed., págs. 900 e 1044 e 1045 e, entre outros, Acds. do STA de 29/6/2005 (Proc. n° 0501/05), de 8/3/2006 (Proc. n.° 01249) in www.dgsi.pt do STA n.° 01100/04, de 6/4/2005.
Portanto, há um erro na forma de processo.
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção; por outro lado, o pedido constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que este se move - 615, n.° 1 al. e) do CPC.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar - art. 581.°, n.° 3 do CPC.
O Impugnante termina o seu articulado pedindo a anulação do acto de reversão. Tal pedido não é consentâneo com o processo de oposição, já que este visa a extinção da execução fiscal.
Mas mesmo que se entendesse que o que o Impugnante queria era a extinção da execução, também não se poderia convolar o processo para a forma devida, porque, considerando esta nova forma processual (oposição), a acção teria sido apresentada, notoriamente, fora do prazo de 30 dias que a lei requer desde a citação — Art.° 203.°, n.° 1, a) do CPPT.
Assim, a ordenar-se a convolação incorrer-se-ia na prática de um acto inútil a que o tribunal deve obstar - art. 130º do CPC
Não poderia, pois, os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinado na lei — art.° 193°, n.° 1 do CPC, a contrario.
Contudo, nada há que impeça a apreciação da questão da prescrição suscitada que, sendo de conhecimento oficioso (art° 175.° do CPPT), se trata de questão que se prende com a subsistência da instância.
O art.° 48.°, n.° 1 da LGT dispõe que o prazo de prescrição se conta desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário. No caso a situação real e concreta que a lei pretende atingir, facto tributário, ocorreu em vários períodos dos anos de 2000 a 2003 — pelo que o início do prazo de prescrição se conta desde a data em que cada um dos vários factos ocorreram.
Assim, a prescrição da dívida de IVA ocorreria nos períodos correspondentes de 2008 a 2011 caso inexistisse causa da sua interrupção prevista no art.° 49.°, n.° 1 da LGT. Ou seja, se não tivesse havido citação, reclamação, recurso hierárquico, impugnação, ou pedido de revisão oficiosa da liquidação.
A interrupção ocorreu em 14/4/2003 — data de citação da devedora inicial.
Contudo, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao devedor subsidiário se a citação deste for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação. — cfr. n.° 3 do art° 48.º da LGT.
Neste caso, perante os factos provados, só podemos concluir que a liquidação dos impostos em causa (relativos aos anos de 2000 a 2003) ocorreu antes da citação de 14/4/2003. Se assim é, tendo sido o “Impugnante” apenas citado em 8/1/2011, ocorreu a prescrição de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002.”
Com flui das conclusões recursórias, o vício decisório assacado pela Recorrente à extractada decisão, funda-se no facto de o tribunal a quo ter tomado conhecimento da prescrição não obstante o impugnante haja formulado tal pedido, pois tendo considerado que havia erro na forma de processo, por falta de adequação do meio processual ao pedido formulado, a solução seria a absolvição da instância da FP, o que obstava ao conhecimento de qualquer dos pedidos formulados.
Por essa óptica, tem de ser reconhecida razão à Recorrente AT nos termos apoiados pelo Ministério Público no ponto em que o Mmo. Juiz conclui que o meio processual adequado para apreciar os pedidos formulados pelo recorrido era a oposição e que não era possível proceder à convolação por ser manifesta a intempestividade de tal acção, então há lugar à absolvição de instância da FP por erro na forma de processo; mas não se pode absolver da instância em parte do pedido e conhecer da outra parte, com o fundamento de que esse conhecimento implica com a subsistência da instância.
No entanto, a recorrente e o Ministério Público estão em divergência quanto à qualificação do vício: para aquele, sendo a decisão contraditória nos seus termos, o que se verifica é a nulidade da sentença recorrida, como invoca a Recorrente, mas subsumível na alínea c) do nº 1 – oposição entre os fundamentos e a decisão - e não na al. d) – excesso de pronúncia - do artigo 615º do CPC.
Aquilatando.
Na verdade e como flui preclaro da fundamentação supra transcrita, há que distinguir entre pressupostos processuais da acção, dos seus fundamentos substantivos ou de mérito.
A violação das regras próprias do processo de impugnação darão origem a eventuais nulidades (excepções) que deverão ser arguidas, naquele processo pelo que, sendo manifesta a inadequação formal de tal acção, não se conhecerá do seu mérito.
A inadequação formal da acção verificada é da completa responsabilidade do Autor, ora recorrido, e só a este inteiramente imputável.
Concluímos, portanto — e em resposta ao thema decidendum -, que se a presente acção não era o meio próprio, a decisão recorrida que, por ter laborado essencialmente neste entendimento, conheceu da prescrição por esta ser de conhecimento oficioso não deve ser confirmada.
Ou seja:- a alegada prescrição não pode haver-se como “facto” para os pretendidos efeitos.
Em face de todo o antecedentemente exposto e em concordância com o recorrente, o EPGA, deve concluir-se que se a acção não era o meio próprio, tal prejudica a apreciação da prescrição.
A inadequação formal e, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção dilatória que, nos termos dos artºs 576º nº 2 e 579º do CPC, que importa o não conhecimento de meritis pela existência de obstáculos que o impeçam na disponibilidade do recorrente, importando a absolvição oficiosa da instância.
É que, segundo essa conceituação, dúvidas não se levantam de que se verifica uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a qual obsta ao conhecimento do objecto do processo.
Sustenta o recorrente que a decisão em questão é nula, em razão do disposto no artigo 615º, n.º 1, d), do CPC que estatui ser causa de nulidade da sentença em processo judicial a pronúncia sobre questões que o juiz não devia apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 608º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J. A. Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido.
Mas, se bem perscrutamos, para a recorrente a nulidade por excesso de pronúncia existe porque na decisão ora recorrida se conheceu de questão de que legalmente não era possível conhecer, mesmo oficiosamente (para o EPGA a configuração é outra: a decisão de conhecer e decretar a prescrição está em oposição com os fundamentos que apontam para que não podia conhecer-se da prescrição mesmo sendo esta de cognição oficiosa), pelo que a mesma é nula.
Ora, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 5º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”.
E a que também se refere o art. 608º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, estando obrigado, por regra, a ocupar-se apenas dessas questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes mas que, como no caso concreto, são de conhecimento oficioso e prejudicam todas as demais questões colocadas, não está a agir de modo a cometer uma nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal, como aconteceu no caso concreto.
Por último, importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer em termos que geraram a impossibilidade de conhecer de todas as demais questões suscitadas nos autos.
Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida na decisão recorrida, o certo é que não se está em presença de excesso de pronúncia e/ou oposição entre os fundamentos e a decisão, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à prescrição que se entendeu ser oficiosamente cognoscível (veremos que erradamente).
E no vector da oposição entre os fundamentos e a decisão, afirma o EPGA que os fundamentos da decisão impugnada estão em contradição com a decisão, pelo que a decisão recorrida está ferida de nulidade nos termos do art. 615º, nº1 alínea c) do CPC, de acordo com a qual é causa de nulidade da sentença a «oposição dos fundamentos com a decisão».
Este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão:- os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja:- existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente (v. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141 e A. Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág. 686).
Ora, objectivam os autos que tendo a sentença considerado que podia (e devia) emitir pronúncia sobre a verificação da prescrição das dívidas por esta ser de conhecimento oficioso pelas razões supra expostas, acabou por decidir julgar a mesma verificada e julgar extinto o direito do Estado à cobrança daquelas, em sentido não oposto ao resultante daquela apreciação.
Ou seja, dos fundamentos aduzidos na sentença ora sob censura (afora algumas imprecisões ou lapsos manifestos) não podia e devia logicamente extrair-se outro resultado que não o nele foi expresso, pelo que os fundamentos da decisão que foram fixados não impunham outra decisão sendo a mesma tomada conforme um silogismo lógico.
Inexiste, pois, qualquer contradição lógica entre os fundamentos invocados e a decisão, juridicamente plausível, não enfermando a sentença do vício decisório que lhe vem assacado.
Aquilatando sobre o eventual erro de julgamento cometido na sentença por o julgador se ter afoitado a conhecer da prescrição na acção impugnatória pelos fundamentos que dela constam e acima se reproduziram, começaremos por dizer que existem as chamadas condições de fundo da acção, que, em processo civil e segundo a teorização de Anselmo de Castro, Dir. Processual Civ. Declaratório ed. 1982-9, “…são as condições necessárias para a procedência da acção, para uma sentença favorável”.
Por outro lado, tal como expende A. Varela, Man. Proc. Civ., 1ª ed.-98 e ss), os pressupostos processuais que são os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida, trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa. Não se confundem, pois, com as referidas condições da acção, que são os requisitos indispensáveis para que a acção proceda. A distinção entre ambos assenta, portanto, na diferença entre os requisitos necessários para que a acção (cível, penal, administrativa ou fiscal), baseada no direito substantivo possa considerar-se fundada (procedente) e as condições de admissibilidade do processo (ou instância). Os pressupostos, como condições necessárias para o Tribunal se ocupar do mérito da causa -cfr. Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980,1º-118), podem ser positivos (são os requisitos cuja existência é essencial para que o juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção) ou negativos (são os factos cuja verificação impede o juiz de entrar na apreciação do mérito do pedido).
Ora, a impropriedade do meio usado, porque aparece como impeditiva do conhecimento do mérito de, in casu, obter judicialmente o decretamento da prescrição do processo disciplinar é uma excepção dilatória.
Ora, o julgador acabou por fazer tábua rasa desta questão fundamental, entendendo que, mesmo que ocorra o erro na forma do processo, tem o tribunal de conhecer da questão da prescrição por ser prioritária, de conhecimento oficioso.
É certo que vigora o princípio pro actione consagrado no art° 7º do CPTA, também denominado como "prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, à luz do qual se permitiria a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma excepção dilatória, coubesse antes declarar a absolvição da instância nos sobreditos termos.
E o princípio pro actione, é aplicável ex vi art° 2° do CPPT até porque inexiste norma especial que inviabilize a sua transposição para a situação concreta, tendo hoje acolhimento expresso nos art°s. 7° e 12° n° 3 do CPTA - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Contencioso Administrativo) de 06/01/2005, Recurso nº 12301/03).
Haveria, pois, prioritariamente, que averiguar em que condições o Tribunal se poderia pronunciar sobre esse mérito, se faltar – como falta - um pressuposto processual geral.
O critério continua a ser, dado o abandono da apreciação prévia dos pressupostos processuais estabelecido no antigo art° 278°, nº 3, 2a parte, do CPC, o de averiguar se a decisão sobre o mérito é favorável à parte que seria beneficiada com o preenchimento do pressuposto que (eventualmente) falta.
Ora, o princípio pro actione (também chamado anti-formalista) aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
A finalidade de tal princípio é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Aplicando tal princípio ao caso vertente, impõe-se considerar que não se pode conhecer das questões de mérito, preterindo o conhecimento de pressuposto processual quando este contende manifestamente com a procedência daquelas isto porque a aplicação do falado princípio não significa, porém, que a tutela jurisdicional seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim.
Foi o nº. 5 do art. 268 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela Lei Constitucional n. 1/89 (após a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97 de 20/9, é o nº 4 desse preceito), que veio reforçar o princípio "pro actione" ou da accionabilidade, com a institucionalização da viabilidade de acções jurisdicionais administrativas a título principal, que não apenas para mero suprimento ou colmatação das lacunas ou insuficiências da protecção proporcionada pelo recurso contencioso de anulação.
É claro que, como se salienta no Ac. do STA de 31/03/98, Recurso nº 038367 (Contencioso Administrativo), tal inovação abrangente ínsita no preceito não teve porém o propósito de subverter a "normalidade" legal antes visando alcançar uma adequação ou racionalização dos meios de tutela processual aos fins a atingir, em consonância com o art. 2, nº 2 do CPC por forma a estabelecer um elo de correspondência entre o direito a defender e o meio processual a utilizar para o efeito.
Neste ponto, há a considerar que o "pro actione" postula, além do mais, uma interpretação da situação em análise, por forma a privilegiar, sempre que tal seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
Para esse efeito, é míster fazer-se uma apreciação casuística das situações para se aquilatar da racionalidade e da funcionalidade da cognição da arguida situação em que o autor (in casu, o MºJuiz a quo) ancora a necessidade/possibilidade de que seja apreciada e decidido o mérito da questão da prescrição colocada no processo.
Em princípio, e segundo um critério de normalidade, surgirá como totalmente justificado o não conhecimento do mérito se a instância se mostrar inválida para o efeito.
Em suma: nem mesmo por mor do princípio pro actione, também denominado como “prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, se permite a prolação de decisão de mérito no caso presente pois o Tribunal não podia, nem devia, ocupar-se da hipotisada prescrição pois a decisão sobre o mérito dessa questão (ou de qualquer outra) não podia, nem devia, ser conhecida.
Tal não constitui um excesso de exigência quanto ao exacto conteúdo dos direitos que as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
E tal exigência não é excessiva porquanto se harmoniza com o princípio pro actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20º da Constituição o qual, bem vistas as coisas, não é de natureza absolutizada.
E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às partes, em mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode duvidar-se que a opção acertada é o do respeito dos normativos que impõem a verificação de dados pressupostos de cognição do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
Em tal desiderato não deverão as questões de fundo (prescrição e as demais que ultrapassam o objecto da acção) ser conhecidas, pois há um prius que não permite ao tribunal «ad quem» dirimir definitivamente a questão, por muito respeito e homenagem que devotemos ao princípio «pro actione» ou «pró-recurso», consubstanciado no velho brocardo latino «favorabilia amplianda, odiosa restringenda», de que constitui evidente erupção todos os citados normativos.
Daí que a decisão recorrida não padeça do vício decisório de excesso de pronúncia ou oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artº 615º, nº 1, do NCPC/13.
O que vale por dizer que improcedem as conclusões recursórias atinentes, embora se entenda que a sentença incorreu em erro de julgamento ao conhecer da prescrição do processo impugnatório depois de ter declarado a impropriedade deste, reconhecendo, pois, a invalidade da instância devendo o recurso ser provido por tal razão.
Explicitando.
Como bem denota o EPGA no seu Parecer para justificar o pretendido conhecimento em substituição por via da verificação do vício decisório que imputou à sentença, conforme se alcança da petição inicial, a impugnação judicial é apresentada na sequência da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, cujo indeferimento assentou na incompatibilidade entre o pedido e a forma processual utilizada. O impugnante peticiona a anulação do despacho de reversão, com base na sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda, e a extinção da execução fiscal, por parte da dívida já ter sido paga, parte da dívida estar prescrita e noutra parte haver duplicação de colecta.
Ora, por palavras emprestadas pelo Distinto PGA, “atentos os termos do pedido — anulação da reversão e extinção da execução fiscal -, assim como das causas de pedir invocadas — falta de responsabilidade pela dívida, pagamento da dívida, prescrição e duplicação de colecta -, não oferece quaisquer dúvidas que o meio processual adequado é a oposição à execução, uma vez que tanto o pedido como a causa de pedir se adequam àquela forma processual.
Já outro tanto não ocorre com a impugnação judicial, uma vez que ao contrário do que é invocado pelo impugnante e aqui recorrido não está em causa qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 99º do CPPT, ou seja, qualquer ilegalidade que afecte a validade do acto tributário.
E assim sendo, não há dúvida que se verifica erro na forma de processo. Atento que de facto o meio processual adequado para os pedidos formulados na acção de anulação do despacho de reversão e de extinção da instância é a oposição e que aquando da apresentação da acção já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 203º do CPPT, o que torna inviável a convolação do processo para aquele meio processual, há lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública.”
Sucede que, volta a enfatizar-se, a sentença só errou quanto a ter entendido que “nada há que impeça a apreciação da questão da prescrição suscitada que, sendo de conhecimento oficioso (art° 175.° do CPPT), se trata de questão que se prende com a subsistência da instância”.
Do que vem dito e dado que já foi supra perfilhado o entendimento de que a sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito decorrente de ter conhecido indevidamente da prescrição por ser inválida a instância em virtude da ocorrência da nulidade do processo, por erro na forma de processo, não se podendo ordenar a convolação para o meio processual adequado, antes devendo a Fazenda Pública ser absolvida da instância, o recurso deve ser provido, com a consequente revogação da sentença na parte em que conheceu e decretou a prescrição das dívidas em causa.

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3.-Decisão:

Assim, atento todo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença na parte em que entendeu que nada havia que impedisse a apreciação da questão da prescrição, conhecendo desta e decretando-a.

Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter contra-alegado.

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Lisboa, 27 de Novembro de 2019. - José Gomes Correia (relator) - Joaquim Condesso - Paulo Antunes.