Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0878/11
Data do Acordão:02/08/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
DONATIVO
IRS
ORGANISMO DESPORTIVO
Sumário:I - Na redacção dada ao artigo 56º do CIRS pelo artigo 3º do DL nº 65/93 de 10 de Março, os donativos de interesse público concedidos a “centros de cultura e desporto” eram deduzidos à matéria colectável do contribuinte mecenas.
II - A constituição desse benefício fiscal não dependia do facto de a donatária não gozar do estatuto de utilidade pública, nem de ser uma entidade de reconhecido mérito cultural e desportivo.
Nº Convencional:JSTA00067398
Nº do Documento:SA2201202080878
Data de Entrada:10/03/2011
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO DE 2011/01/21 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CIRS88 ART56 N2 C ART56-D
EBFISC89 ART2 ART11
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A………, devidamente identificado nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 21 de Janeiro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação adicional do IRS de 1997, no montante de €5.566,75.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
a) O recorrente concedeu, em 1997, donativos a uma associação cujo objecto estatutário consistia no desenvolvimento da educação física e o desporto, promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os seus associados, proporcionando-lhes, igualmente meios de cultura e distracção.
b) Os donativos em causa não foram aceites fiscalmente, com fundamento no facto de a donatária ARCO não gozar do estatuto de utilidade pública e de não lhe ser reconhecido mérito cultural.
c) Na impugnação apresentada defendeu-se que o preceito legal aplicável (art. 56.º nº 2 al. c) do CIRS, então em vigor) não exigia o cumprimento de tais requisitos, pelo que a correcção efectuada pela AT e a subsequente liquidação de IRS se afigurava ilícita.
d) O Tribunal recorrido reconheceu que a fundamento legal aplicável era constituído pelo preceito antes indicado;
e) Porém (seguramente por lapso, decorrente da inflação legislativa nesta área) em vez de atender à redacção em vigor à data a que se reportam os factos (1997), fez a sua apreciação tomando por base a redacção inicial do preceito, que foi alterada já em 1993.
f) E se à luz da redacção inicial a decisão recorrida se afigurava inatacável, o mesmo se não pode dizer depois da alteração introduzida pelo DL 65/93, do 10/03.
g) Ao aplicar ao caso uma lei já revogada o Tribunal recorrido fez errado enquadramento normativo da questão, devendo a respectiva sentença ser revogada.
1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
2. Na sentença deram-se por assentes os seguintes factos:
a) O impugnante, no ano de 1997, doou à associação ARCO — Associação Recreativa e Cultural da Freguesia de Oliveirinha, a quantia de Esc. 2.000.000$00 (€9.975,71).
b) A Administração Fiscal não aceitou, como abatimento, a quantia referida em 1, pelo que procedeu à liquidação adicional de IRS do ano de 1997, resultando imposto a pagar no montante de €5.566,75.
c) O impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional, a qual foi indeferida, com o fundamento de o impugnante não ter feito prova que a instituição donatária poderia ser considerada centro de cultura e desporto, como refere a al. c), do n° 2, do CIRS, desconhecendo-se se a mesma reunia as condições necessárias ao estatuto de utilidade pública.
d) A ARCO — Associação Recreativa e Cultural da Freguesia de Oliveirinha, criada por escritura pública de 14.9.1977, tem sede na Gândara da Oliveirinha, freguesia de Oliveirinha, concelho de Aveiro e tem por fins desenvolver a educação física e o desporto, promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os seus associados, proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distracção.
3. Na declaração de rendimentos do ano de 1998, para efeito de abatimento à matéria colectável, o ora recorrente incluiu um donativo de 2.000.000$00 que efectuou em 1997 à ARCO, Associação Recreativa e Cultural da Freguesia de Oliveirinha.
A administração tributária não aceitou esse donativo pelo facto de a donatária não gozar do estatuto de utilidade pública, nem ser uma entidade de reconhecido mérito cultural.
A sentença recorrido, após transcrever o artigo 56º do CIRS, na redacção originária do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, julgou improcedente a impugnação com os seguintes fundamentos: (i) “para que os donativos possam ser considerados como abatimentos, as instituições donatárias, a que se refere a al. c) do nº 2 deverão dedicar-se a actividades relacionadas com a produção literária, teatro, bailado e música”; (ii) “A ARCO, de acordo com a factualidade que resultou provada, tem como objecto o desenvolvimento da educação física e do desporto, pelo que as actividades por aquela desenvolvidas não se inscrevem nas previstas na citada al. c) do nº 2 do art. 56º do CIRS”; (iii) “não resulta provado que as acções desenvolvidas pela associação ARCO revistam manifesto interesse cultural, expressamente reconhecido por despacho conjunto do ministro das finanças e do ministro da cultura competindo ao impugnante a prova de tal requisito”,
O recorrente não se conforma com essa decisão porque entende que não foi aplicada a lei vigente à data do donativo, ou seja, a alínea c) do nº 2 do artigo 56º do CIRC, na redacção dada pelo artigo 3º do DL nº 65/93, de 10/3.
E não há dúvida que o recorrente tem razão.
Na sequência da autorização legislativa concedida pelo artigo 38º da Lei nº 2/92, de 9 de Março, o artigo 56º do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, sofreu a seguinte alteração, vigente à data da concessão do donativo:
Artigo 56.
( ... )
1 - Ao rendimento determinado nos termos do artigo anterior abater-se-ão os donativos em dinheiro ou espécie concedidos à administração central, regional e local ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, bem como às fundações em que o Estado ou as Regiões Autónomas e as autarquias locais participem em, pelo menos, 50% da sua dotação inicial, ou, sendo a participação inferior, desde que tal seja autorizado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tenha a seu cargo a respectiva tutela.
2 - Ao rendimento líquido, e até 15% do valor deste, abater-se-á ainda o valor dos donativos, em dinheiro ou em espécie, concedidos às seguintes entidades beneficiárias:
a) Igrejas, instituições religiosas, pessoas colectivas de fins não lucrativos pertencentes a confissões religiosas ou por elas instituídas, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, instituições particulares de solidariedade social ou instituições de beneficência;
b) Museus, bibliotecas, institutos de cultura científica, literária ou artística ou entidades que, desenvolvendo acções no âmbito das actividades de produção literária, teatral, áudio-visual, musical, de bailado e de outras manifestações artísticas, assumam manifesto interesse cultural, reconhecido por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo responsável pelo sector da cultura;
c) Escolas, institutos e associações de ensino, de educação ou de investigação, centros de cultura e desporto ou centros populares de trabalhadores organizados nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres ou que se destinem a custear a instalação ou manutenção de creches ou jardins-de-infância.
3 -
4 - Os donativos previstos nos n.ºs 1 e 2 serão abatidos em valor correspondente a 110% do respectivo total.
Confrontando a redacção dada ao artigo 56º por este diploma com a redacção original, a que foi considerada na sentença recorrida, constata-se que os donativos de interesse público, para efeito de abatimento ao rendimentos líquidos do doador, por foram estendidos às seguintes entidades beneficiárias: (i) fundações, em que o Estado ou as Regiões Autónomas e as autarquias locais participem em, pelo menos, 50% da sua dotação inicial, ou, sendo a participação inferior, desde que tal seja autorizado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tenha a seu cargo a respectiva tutela; (ii) centros de cultura e desporto; (iii) centros populares de trabalhadores, organizados nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres ou que se destinem a custear a instalação ou manutenção de creches ou jardins-de-infância; (iv) entidades que, desenvolvendo acções no âmbito das actividades áudio-visual ou de outras manifestações artísticas, assumam manifesto interesse cultural, reconhecido por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo responsável pelo sector da cultura.
Os donativos de interesse público previstos nesta disposição assumem a natureza de benefícios fiscais, ou seja, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (cfr. art. 2º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89 de 1/07). Na medida em que, por razões de política social, cultural e religiosa, permitem a dedução à matéria colectável do mecenas, o chamado «abatimento», os donativos constituem consubstanciam benefícios fiscais. Tratam-se de benefícios de natureza automática, que operam ope legis, pela simples ocorrência do donativo, não carecendo de qualquer acto posterior da administração tributário que o reconheça como tal.
Tal como prescreve o artigo 11º do EBF, por via de regra, «o direito ao benefício fiscal deve reportar-se à data dos respectivos pressupostos», ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração. Significa isto que o direito à dedução à matéria colectável se constituiu na esfera jurídica do contribuinte no momento em que realiza o donativo.
Ora, na data em que a recorrente concedeu o donativo à ARCO estava em vigor o artigo 56º, na redacção acima transcrita.
Está demonstrado que a ARCO é uma associação recreativa e cultural que tem por fins desenvolver a “educação física e o desporto, promovendo a sua prática e expansão, especialmente entre os seus associados, proporcionando-lhes igualmente meios de cultura e distracção”. Ora, a natureza e o escopo desta associação não pode deixar de estar enquadrada no âmbito daquilo que a alínea c) do nº 2 do art. 56º considera «centro de cultura e desporto». Não é sequer necessário a existência de qualquer «despacho conjunto» a reconhecer que a sua actividade assume manifesto interesse cultural, uma vez que esta exigência está prevista exclusivamente para as entidades que desenvolvam actividades artísticas, como a produção literária, teatral, áudio-visual, musical, de bailado, etc. Para os centos de cultura e desporto a lei não exige que tenham estatuto de utilidade pública ou que lhes seja reconhecido mérito cultural, como o demonstra a legislação que posteriormente foi publicada sobre os donativos de interesse público concedidos a estas entidades.
Com efeito, os centros de cultura e desporto, como entidades beneficiárias de donativos que conferem deduções em IRS, foram abrangidos no Estatuto do Mecenato, aprovado pelo DL nº 74/99, de 16/3 (cfr. al. b) do nº 1 desse diploma), e passaram a ser incluídos no EBF através do aditamento do artigo 56-D efectuado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, correspondendo ao actual artigo 62º: A única diferença relativamente à alínea c) do nº e do art. 56º do CIRS é a exigência de que esses centros sejam organizados nos termos dos Estatutos do Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores (INATEL) e que destinem ao desenvolvimento de actividades de natureza social do âmbito daquelas entidades.
Portanto, quer o acto impugnado quer a sentença recorrida padecem do mesmo defeito: aplicaram ao caso o artigo 56º do CIRS na sua redacção primitiva, quando na data do donativo estava em vigor uma nova norma que permitia o seu abatimento à matéria colectável do doador. A aplicação da norma errada determina a invalidade do acto por erro nos pressupostos de direito, com a consequente anulação do acto impugnado.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida:
b) Julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto de liquidação impugnado.
Custas pela recorrida, nesta e na primeira instância.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Valente Torrão – Ascensão Lopes.