Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0766/09
Data do Acordão:01/27/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:DIREITO COMUNITÁRIO
IVA
REENVIO PREJUDICIAL
IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
SUJEITO PASSIVO
TRANSACÇÃO INTRACOMUNITÁRIA
Sumário:I - O facto gerador de imposto sobre veículos é, entre outros, «o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos», de acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos.
II - O sujeito passivo do imposto sobre veículos é o respectivo operador/vendedor, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos.
III - Assim, o pagamento do imposto sobre veículos realizado pelo operador/vendedor do automóvel é feito em nome e a título próprio, e não em nome ou por conta do adquirente do veículo.
IV - Nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (novos) o imposto sobre veículos é incluído no valor tributável em IVA, de acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias [RITI].
V - A conclusão, porém, por não se afigurar de conformidade inequívoca e clara com o Direito Comunitário, deve ser colocada como questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título de reenvio prejudicial.
Nº Convencional:JSTA00066238
Nº do Documento:SA2201001270766
Data de Entrada:07/15/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA/VEÍCULOS.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:L 22-A/2007 DE 2007/06/29 ART1 N1 ART14 N1.
CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS ART1 ART2 ART3 N1 ART5 N1 ART6 N1 ART24.
RITI92 ART17 N3.
LGT98 ART43.
CIVA84 ART16 N5 A ART17 N2 A.
Legislação Comunitária:T CEE ART234.
DIR CONS CE 2006/112/CE DE 2006/11/28 ART78 PAR1 ART79 PAR1 C.
Referência a Doutrina:ANTÓNIO BRIGAS NOTAS SOBRE O CÓDIGO DOS IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO IN CTF N402 PAG147 - PAG183.
JOSÉ XAVIER DE BASTO A TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO E A SUA COORDENAÇÃO INTERNACIONAL IN CADERNOS DE CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL N164 PAG24.
SÉRGIO VASQUES A REFORMA DA TRIBUTAÇÃO AUTOMÓVEL PROBLEMAS E PERSPECTIVAS IN FISCALIDADE N10 PAG59 - PAG60 PAG61.
ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA E OUTRO DA (NÃO) INCIDÊNCIA DO IVA SOBRE O IA IN FISCO N124/125 PAG3 - PAG17.
MANUEL FERNANDES TEIXEIRA TRIBUTAÇÃO DO AUTOMÓVEL TRIBUTAÇÃO DO CO2 IN REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DE DIREITO FISCAL ANO1 N2 PAG169 PAG170 PAG173 PAG174.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A…” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a julgar «totalmente improcedente a impugnação deduzida do acto de liquidação de imposto efectuada ao impugnante».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
I. Não obstante não seja a sujeito passivo de imposto na relação jurídica que determinou o pagamento do Imposto sobre Veículos que incidiu sobre as viaturas melhor identificadas nos autos – qualidade que é assumida pelo operador registado – tais impostos foram-lhe repercutidos, pelo que foi a, ora, Recorrente, lesada com o pagamento de IVA em excesso, e cujo reembolso se solicita nos presentes autos.
II. Tal circunstância confere-lhe legitimidade processual para intervir no presente processo nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, e no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendimento que é confirmado por toda a Doutrina e Jurisprudência que se conhecem sobre a matéria.
III. A sentença “sub-judice” faz errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis e, em particular, das regras de funcionamento do Imposto sobre Veículos porquanto, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do ISV (Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho), que a incidência deste imposto depende da introdução no consumo das viaturas em Portugal, consubstanciando-se tal introdução, no pedido de matrícula da viatura que se efectua, simultaneamente, com o pedido de liquidação do ISV – cfr. Rogério M. Fernandes Ferreira e Manuel Teixeira Fernandes, Da (não) incidência do IVA sobre o IA: O Imposto Automóvel enquanto base tributável do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Revista Fisco, N.º 124/125, Novembro 2007, Ano XVIII.
IV. Em termos de Direito comparado, o Imposto sobre Veículos é, usualmente, designado de “imposto de matrícula” ou, pelo sinónimo, “imposto de registo”.
V. Esta designação encontra suporte, no Direito Português, no n.° 1 do artigo 5.º do Código do ISV que, sob a epígrafe “facto gerador”, determina que “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal – negrito e sublinhado nossos.
VI. Significa isto que o facto tributário em sede de ISV é o pedido de matrícula.
VII. E tanto assim é que se o veículo for vendido mas não for solicitada a respectiva matrícula (o que sucederá, por exemplo, com os veículos de colecção ou destinados a serem exportados), não será devido ISV – cfr. artigo 24.º do Código do ISV.
VIII. E bem se compreende que assim seja na medida em que o ISV obedece ao princípio da equivalência (cfr. artigo 1.º do Código do ISV) e a matrícula constitui uma verdadeira autorização para a circulação do veículo num dado território, o que implica custos ambientais, ao nível das infra-estruturas e sinistralidade rodoviária.
IX. De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 128/2006, de 05 de Julho que aprovou o Regulamento de Atribuição de Matrícula a Automóveis, seus Reboques e Motociclos, Ciclomotores, Triciclos e Quadriciclos, “a matrícula dos referidos veículos deve ser requerida no Serviço competente da Direcção-Geral de Viação” – negrito e sublinhado nossos.
X. O modelo a utilizar para requerimento de matrícula – que, como se referiu, é sempre efectuado pelos representantes das marcas no caso dos veículos novos – consta da Portaria n.° 1135-A/2005, de 31 de Outubro, onde deve constar, entre outros elementos, a identificação do “titular do certificado de matrícula” e do respectivo proprietário.
XI. Resulta da interpretação sistemática das citadas normas que a matrícula dos veículos automóveis só pode ser pedida depois dessas viaturas terem sido vendidas. De outro modo jamais poderia o representante da marca solicitar o respectivo certificado de matrícula.
XII. Significa isto que, do ponto de vista lógico e jurídico, o acto da matrícula é necessariamente, posterior ao acto de venda.
XIII. Resulta, também, indubitável que, ao contrário do que defende o Mm.º Juiz “a quo”, quando procede ao pagamento do ISV, o representante da marca e operador registado (“stand”), fá-lo no interesse dos seus clientes – que, naturalmente, pretendem receber a viatura em condições de circular nas estradas portuguesas – e por conta destes.
XIV. Pelo que a importância que os representantes das marcas recebem dos seus clientes, apenas o pode ser a título de reembolso das despesas efectuadas.
XV. O único entendimento compatível com o Direito Comunitário passa por enquadrar o ISV no conceito de despesa previsto no artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c), da Directiva (artigo 16.°, n.° 6, alínea c), do CIVA). Pois,
XVI. Nos termos do artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (n.º 1 do artigo 16.° do Código do IVA), nas operações internas, o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
XVII. Como vem sendo afirmado, unanimemente, pela Jurisprudência Comunitária, para assumir relevância para efeitos de IVA, a contrapartida, que constitui o critério geral da tributação, deve referir-se à entrega de bens incluindo o encargo ou imposto contido no seu valor, sendo que só é incluída na matéria colectável a contrapartida que tiver um vínculo directo com a prestaçãocfr. Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) Naturally Yours Cosmetics (proferido no processo n.º 230/87 e datado de 23 de Novembro de 1988, in Colect., p. 6365, n.º 11), Empire Stores (proferido no processo n.º C 33/93 e datado 2 de Junho de 1994, in Colect, p. I 2329, n.° 12) e Bertelsmann (proferido no processo n.º C-380/99 e datado de 3 de Julho de 2001, in p. I 5163, n.° 15).
XVIII. A alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º do Código do IVA encontra justificação, apenas, se interpretada à luz do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IVA – artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE – de onde resulta que, tal disposição, só se aplica a encargos que apresentem um vínculo directo com a prestação na acepção acima referida ou, para seguir as palavras do TJCE, que estejam “tão estreitamente relacionados com a entrega de bens que são incluídos no valor desta prestaçãocfr. Conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokott, no âmbito do processo n.º C-98/05, in www.curia.europa.eu.
XIX. Significa isto que, face aos termos em que o texto da lei é formulado, os impostos não farão parte da matéria colectável quando pagos em nome e por conta do adquirente e desde que registados na contabilidade do transmitente em contas transitórias, em conformidade com o artigo 16.º, número 6, alínea c) do Código do IVA e o artigo 79.º, alínea c) da Directiva 2006/112/CE.
XX. Subsumindo as referidas regras ao caso em apreço, resulta que, ao contrário do propugnado pelo Mm.º Juiz “a quo”, o operador registado (“stand”), quando paga o ISV que se mostra devido pela aquisição de viaturas fá-lo “em nome e por conta do adquirente” pelo que este pagamento configura um mero adiantamento do imposto, por conta do adquirente, pelo que não deverá integrar o valor da contraprestação relativa à operação em apreço.
XXI. Tal entendimento tem sido, também, partilhado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Invoque-se a este propósito, o Acórdão do mencionado Tribunal, datado de 01 de Junho de 2006 e proferido no processo n.º C-98/05, in JO C 178 de 29.07.2006, pág. 7 e que apresenta manifesta analogia, com o presente processo.
XXII. Estando em causa, no mencionado aresto, o “imposto sobre a matrícula dos automóveis novos” vigente na Dinamarca – tributo que apresenta características idênticas ao nosso Imposto sobre Veículos – decidiu-se que se “o imposto de matrícula foi pago pelo distribuidor em resultado da obrigação contratual de entregar ao adquirente um veículo matriculado em nome deste, há que considerar que a facturação desse imposto ao adquirente corresponde ao reembolso das despesas efectuadas pelo distribuidor em nome e por conta do referido adquirente e não a uma contrapartida do bem entregue”, razão pela qual “tal imposto só poderá ser analisado como um elemento, inscrito na contabilidade do distribuidor, com a natureza de uma conta transitória na acepção do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva” – conforme, aliás, como se demonstrará de seguida, sucede no caso em apreço.
XXIII. Concluindo que o imposto, cujo facto gerador não reside na entrega do bem “mas na primeira matrícula do veículo em território nacional, não está incluído no conceito de impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos para efeitos do disposto no artigo 11.°, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva” não devendo, por esse motivo, ser incluído na base tributável para efeitos de IVA.
XXIV. Não sendo o ISV um imposto devido pela venda de uma viatura (que dá origem a uma entrega de um bem em território nacional), o pagamento deste imposto não tem “uma ligação directa com essa entrega” não devendo, de acordo com o entendimento que subjaz à referida decisão do TJCE, ser incluído na base tributável do IVA.
XXV. O que, no caso em apreço, equivale a dizer que as importâncias pagas ao Estado pelo concessionário (operador registado ou operador reconhecido), a título do ISV devido pelas viaturas que vendeu a clientes finais concretos (identificados pelo nome e pela residência no Organismo Oficial que atribui as matrículas), deverão, na lógica do imposto, considerar-se enquadradas na alínea c) do n.° 3, A, do referido artigo da Directiva 2006/112/CE.
XXVI. Este entendimento é partilhado, não só pela Doutrina que já se pronunciou sobre esta matéria como, ainda, pela própria Comissão Europeia que, ao abrigo do artigo 226.º do Tratado CE, dirigiu, em Julho de 2007, a Portugal o Parecer Fundamentado referenciado por 2006/4398, entendendo a que, “apesar de algumas diferenças menores ou acessórias”, o imposto de registo português (hoje ISV) é, praticamente, idêntico ao imposto dinamarquês analisado pelo Tribunal.
XXVII. Sem prejuízo do exposto se, e na medida em que, não seja clara para esse Supremo Tribunal a questão da invalidade da interpretação do citado artigo 16.º n.º 5, alínea a) conjugado com o artigo 16.º n.º 6, alínea c), ambos do Código do IVA, no sentido propugnado pela Impugnante (e pela Comissão Europeia), desde já se solicita, na fase própria, a suspensão da instância e o reenvio para o TJCE ao abrigo do artigo 234.º do TCE com vista ao esclarecimento das questões prejudiciais infra enumeradas:
1. O artigo 78., primeiro parágrafo, alínea a), conjugado com o artigo 79.°, primeiro parágrafo, alínea c), da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de que um imposto de registo que incide sobre a matrícula de veículos automóveis deve ser incluído na matéria colectável do IVA quando é celebrado um contrato de venda para entrega de um veículo automóvel novo com vista ao seu uso para transporte de passageiros, no caso de o veículo, em conformidade com o contrato de venda e o uso pretendido pelo comprador, ser entregue pelo vendedor ao consumidor devidamente matriculado e por um preço global que inclui o preço pago ao vendedor mais o imposto?
2. No que se refere à questão anterior, tem importância o facto de um automóvel poder ser comprado e entregue sem que seja pago o imposto de registo, o que poderá suceder se o comprador não tiver a intenção de utilizar o automóvel para circular nas estradas desse Estado-Membro?
3. Tem importância que o facto gerador e a exigibilidade do imposto de registo tenham ocorrido – eventualmente a título de adiantamento – antes da ocorrência do facto gerador e da exigibilidade do IVA?
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Âmbito do Recurso: A questão que a recorrente A… vem submeter à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal Administrativo refere-se à violação, pela sentença recorrida, do disposto nos arts 16º, nº 6 al. c) do CIVA e 79º, al. c) da Directiva 2006/112/CE.
Alega a recorrente que a decisão sindicada, ao acolher a tese de que no cálculo do IVA se inclui o IA (imposto automóvel) liquidado e pago na importação para território nacional de veículos automóveis, mesmo usados, viola o disposto no artº 79º da referida directiva, na parte em que exclui da matéria colectável as quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos.
Mais alega que o facto tributário em sede de ISV é o pedido de matrícula, e que, ao contrário do que defende o Mº Juiz “a quo”, quando procede ao pagamento do ISV, o representante da marca e operador registado («stand»), fá-lo no interesse dos seus clientes – que, naturalmente, pretendem receber a viatura em condições de circular nas estradas portuguesas – e por conta destes, pelo que a importância que os representantes das marcas recebem dos seus clientes, apenas o pode ser a título de reembolso das despesas efectuadas.
Sendo que o único entendimento compatível com o Direito Comunitário passa por enquadrar o ISV no conceito de despesa previsto no artigo 16º nº 6 alínea c) do CIVA.
Fundamentação:
A questão objecto do recurso consiste em saber se a decisão sindicada, ao acolher a tese de que no cálculo do IVA se inclui o IA liquidado e pago na importação para território nacional de veículos automóveis viola ou não o direito comunitário, nomeadamente o disposto nos arts 78º, al. a) e artº 79º, al. c) da Directiva 2006/112/CE.
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento, na medida em que suscita uma questão que impõe o reenvio prejudicial junto do TJCE.
Com efeito, a decisão recorrida, considerando o disposto nos arts. 2º e 16º do CIVA, entendeu que o ISV a cargo do operador registado não constitui despesa paga por conta do adquirente do veículo a ele sujeito mas sim parte integrante do preço para efeito de IVA.
Dispõe o artº 78º al. a) da Directiva 2006/112/CE, que o valor tributável inclui os seguintes elementos: os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA.
Por sua vez o artº 79º al. c) da mesma directiva estabelece que o valor tributável não inclui as quantias que um sujeito passivo receba do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que sejam registadas na sua contabilidade em contas de passagem.
Ora o Acórdão do Tribunal de Justiça, citado pela recorrente, de 1 de Junho de 2006 (De Danske Bilimportører/Skatteministeriet (Processo C-98/05), publicado no Jornal oficial da CE de 29.07.2006, veio dar uma nova interpretação ao conceito de impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos para efeitos do disposto no artigo 11.º, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva (norma correspondente ao artº 78º al. a) da Directiva 77/388/CEE, que revogou a Sexta Directiva), nele não incluindo o imposto de matrícula devido na Dinamarca, imposto este de natureza semelhante ao Imposto Automóvel ora em questão.
Decidiu-se naquele aresto, em pedido de decisão prejudicial do Østre Landsret – Dinamarca, que: «No quadro de um contrato de venda que prevê que, em conformidade com a utilização a que o adquirente destina o veículo, o distribuidor o entregue já matriculado por um preço que englobe o imposto de matrícula sobre veículos automóveis novos que pagou antes da entrega, esse imposto, cujo facto gerador não reside na referida entrega, mas na primeira matrícula do veículo em território nacional, não está incluído no conceito de impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos para efeitos do disposto no artigo 11.º, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme. Tal imposto corresponde ao montante que o sujeito passivo recebe do adquirente do veículo, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta deste, na acepção do n.° 3, alínea c), da mesma disposição».
Sobre a questão diz-se, de forma esclarecedora, nas conclusões da advogada geral (processo C-98/05, in curia.europa.eu) o seguinte:
«Em conformidade com o artigo 11.º, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, a matéria colectável inclui, em particular, os impostos e demais encargos. Esta norma é, à primeira vista, surpreendente. Com efeito, leva a que um encargo ou imposto sejam, por seu turno, sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado, apesar de o pagamento de um imposto não implicar, em si, a criação de valor.
A disposição em causa torna-se compreensível quando interpretada à luz do artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva e só se aplica a encargos tão estreitamente relacionados com a entrega de bens que são incluídos no valor desta prestação. A contrapartida, que constitui o critério geral da tributação, deve correspondentemente referir-se à entrega de bens incluindo o encargo ou imposto contido no seu valor. Resulta designadamente da jurisprudência que só é incluída na matéria colectável a contrapartida que tiver um vínculo directo com a prestação.
É decisivo para a inclusão de um imposto no valor do bem entregue o facto de a pessoa que realiza a entrega ter pago o imposto actuando em seu nome e por sua própria conta. Neste caso, a contrapartida relevante para a matéria colectável abrange o correspondente montante de imposto. Por conseguinte, os impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais, o álcool e as bebidas alcoólicas e os tabacos manufacturados, para os quais a Directiva 92/12 instituiu um regime geral, são incluídos na matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado. Com efeito, estes impostos devem, em geral, ser pagos por quem coloca os bens no mercado.
Em contrapartida, os impostos não fazem parte da matéria colectável quando estão registados na sua contabilidade em contas transitórias, em conformidade com o artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva. O texto da disposição, formulado de forma abrangente, compreende, neste âmbito, qualquer tipo de «despesas», ou seja, também os impostos. Se o sujeito passivo de IVA pagar um imposto em nome e por conta do adquirente e o correspondente montante for registado na contabilidade do sujeito passivo como conta transitória, o imposto não é incluído na prestação deste. Consequentemente, através do adiantamento do imposto, o adquirente não paga uma prestação do sujeito passivo (9). Em termos materiais, nesta situação, ao invés, o adquirente paga ele próprio o imposto; o sujeito passivo só intervém de forma intercalar para realizar o pagamento.»
No nosso sistema fiscal o imposto Automóvel, tal como vem definido no artigo 1° do Decreto-Lei n.° 40/93 de 18/2, é um imposto monofásico que só é pago uma vez, quando da primeira introdução do veículo no mercado português, no momento da emissão da primeira matrícula em Portugal.
Trata-se de imposto com características semelhantes ao imposto de matrícula dinamarquês, objecto de apreciação do já referido Acórdão do TJCE.
O facto gerador consiste na introdução do veículo no mercado português, no momento da emissão da primeira matrícula em Portugal (Vide também neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.04.2006, recurso 62/06, in www.dgsi.pt), daí que o pagamento de tal imposto não terá uma relação directa com a entrega do veículo, sendo esta relação directa, de acordo com a jurisprudência comunitária acima citada, um requisito essencial para que o Imposto Automóvel seja considerado como imposto incluído no valor tributável do IVA, nos termos do artigo 16°, nº 5, al. a), do Código do IVA.
Entende-se, por isso, que se suscita uma questão de interpretação de normas comunitárias, mais concretamente dos arts. 78º, al. a) e 79º, al. c) da Directiva 2006/112/CE, em termos que se nos afiguram serem bastantes para justificarem o reenvio prejudicial junto do TJCE.
Com efeito o artº 234º do Tratado CE impõe aos tribunais supremos dos Estados-membros que recorram ao TJCE sempre que se ponha uma questão de interpretação ou de apreciação de validade de actos emanados das instituições comunitárias, cuja resolução seja necessária ao julgamento da causa.
Nos termos do artº 249º do Tratado CE são actos emanados das instituições comunitárias os regulamentos, directivas e decisões, bem como outros actos que possam produzir um efeito de direito.
E o Tribunal de Justiça apenas admitiu três excepções à obrigação de reenvio (Cf. João Mota de Campos e João Luís Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 4ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 429):
- Falta de pertinência da questão suscitada no processo;
- Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE;
- Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro);
No caso subjudice a questão referida é pertinente já que a respectiva decisão comporta aplicação do direito comunitário, estando em causa a interpretação da Directiva 2006/112/CE, nomeadamente dos arts. 78º al. a) e 79º, al. c).
Não existe, por outro lado, interpretação anteriormente fornecida pelo TJCE sobre a questão.
Na jurisprudência comunitária apenas se encontrou o já referido Acórdão do Tribunal de Justiça, proferido no processo C – 98/05, mas relativo à ordem jurídica dinamarquesa.
Não se verifica também total clareza das normas em causa, nem se pode concluir que a aplicação directa do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável.
Em face do exposto somos de parecer que deve ser deferido o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça para esclarecimento da questão suscitada pelo recorrente.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se o imposto sobre veículos deve ser incluído, ou não, no valor tributável em IVA, o que suscita uma questão de interpretação de normas de Direito Comunitário, mormente do «artigo 78.º, § 1.º, alínea a), conjugado com o artigo 79.º, § 1.º, alínea c), da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro» [cf. conclusão XXVII].
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) A impugnante adquiriu duas viaturas ligeiras de passageiros em 28.09.07, pelo montante constante das facturas n° 26226 e 26233 emitidas pelo fornecedor, de cujo valor se inclui o preço base, o imposto sobre veículos e outras despesas, sobre o qual incidiu o IVA à taxa de 21%, tendo-se apurado um imposto de € 8 601,23 e de € 4 554,33, o qual foi pago àquele fornecedor – cfr. facturas de fls. 22 e 23, e recibo, de fls. 31, do P.A. apenso.
B) Dão-se aqui por reproduzidas as Declarações Aduaneiras de Veículos emitidos em 28.09.07 e 29.09.07 respectivamente, pela DGAIEC, de fls. 28 e 29, do P.A. apenso.
C) Dão-se aqui por reproduzidos os Documentos Únicos Automóveis emitidos pela D.G. de Viação, em 10.12.07, de fls. 25 e 26, do P.A. apenso.
D) Em 25.01.08, foi apresentada reclamação graciosa do acto de liquidação de IVA efectuada nas facturas mencionadas em A), deduzida pela impugnante, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido – cfr. fls. 2 a 36, do P.A. apenso.
E) Em 11.03.08, foi elaborado o projecto de decisão da reclamação referida em D), de fls. 40, com base na Informação constante de fls. 37 a 39, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, devidamente notificada para efeitos de exercício do direito de audição prévia, que não tendo sido exercida, veio a determinar o Despacho de 07.04.08, proferido pelo Chefe de Finanças de Sintra 1, de indeferimento da reclamação, notificada ao interessado – cfr. Ofício de fls. 41 e correspondência postal de fls. 42, Informação de fls. 42, Parecer e Despacho, de fls. 43 e notificação de fls. 44 e 45, do P.A. apenso.
2.2 A Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, pelo n.º 1 do seu artigo 1.º, aprova o Código do Imposto sobre Veículos publicado no anexo «à presente lei e que dela faz parte integrante» – o qual entra em vigor em 1 de Julho de 2007, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da dita Lei.
A referida Lei procede à reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação e abolindo, em simultâneo, o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem.
Os quatro impostos (IA, IMV, circulação e camionagem) são abolidos, criando-se o Imposto sobre Veículos e o Imposto Único de Circulação.
As principais alterações são: tributação em função da componente ambiental (o peso das emissões de CO2 na base de tributação sobe para 30%, no primeiro ano, e 60%, no segundo); e deslocação de parte da carga fiscal da aquisição do automóvel (menos 10%) para a fase de circulação.
De acordo com o artigo 1.º do Código do Imposto sobre Veículos, um dos princípios e regras gerais do imposto sobre veículos é o princípio da equivalência, em obediência ao qual se procura «onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária».
Sob a epígrafe “Incidência objectiva”, o artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos, na alínea a) do seu n.º 1, diz que estão sujeitos ao imposto «os automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3 500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas».
E, sob a epígrafe “incidência subjectiva”, o artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos estabelece que os sujeitos passivos do imposto são «os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos».
Por sua vez, e sob a epígrafe de “Facto gerador”, o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos determina que «Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal».
Entende-se por «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional; e «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional – conforme se estabelece nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos.
O imposto torna-se exigível «no momento da introdução no consumo», quando o facto gerador do imposto é «o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional» – nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto sobre Veículos.
Nos termos do mesmo n.º 1 do artigo 6.º, a «introdução no consumo» considera-se verificada:
a) «No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos»;
b) «No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou declaração complementar de veículos pelos particulares».
Na hipótese de “Veículos não destinados a matrícula”, em casos em que o imposto não tem justificação substantiva, por inexistir sobrecarga ambiental – destinando-se os veículos, por exemplo, «a desmantelamento, circulação ou permanência em domínio exclusivamente privado, coleccionismo ou qualquer outra razão» – a tributação em imposto sobre veículos ocorrerá «Sempre que se pretenda proceder à introdução do veículo no consumo» – nos termos do artigo 24.º do Código do Imposto sobre Veículos.
Portanto: se bem entendemos o regime legal do imposto sobre veículos, a matrícula do veículo não é o an e o quando do imposto sobre veículos. Segundo o artigo 24.º do Código do Imposto sobre Veículos, o an e o quando do imposto sobre veículos é a «introdução do veículo no consumo». A «introdução do veículo no consumo» é que é o facto tributário gerador do imposto – em consonância, aliás, com as normas do n.º 1 do artigo 5.º, e do n.º 1 do artigo 6.º, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos.
O n.º 1 do artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias [RITI] preceitua que «Na determinação do valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens é aplicável, em idênticas condições, o previsto no artigo 16.º do Código do IVA para as transmissões de bens».
E «Nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo ou a imposto sobre veículos, o valor tributável é determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente» – nos precisos termos do n.º 3 do artigo 17.º do RITI.
A inclusão no valor tributável de operações sujeitas a IVA de impostos como o imposto sobre veículos é uma solução que se justifica no disposto no artigo 78.º da Directiva IVA, a qual impõe que se incluam no valor tributável os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA. A disposição nacional [artigo 16.º, n.º 5, alínea a) ou o artigo 17.º, n.º 2, alínea a) do Código do IVA] é, aliás, a reprodução fiel e exacta do referido preceito da Directiva IVA.
Decisivo para dever incluir-se um imposto no valor do bem entregue – e, por isso, dever incluí-lo também no valor tributável em IVA –, é o facto de a previsão legal da norma de tributação estatuir que a pessoa sujeita a esse imposto (o sujeito passivo) está a ele obrigado, em nome próprio e por sua própria conta.
Para a norma de incidência não relevam estipulações contratuais particulares e concretas havidas entre vendedor e comprador. As estipulações contratuais, como é de regra, não têm relevo na relação jurídica fiscal. A lei de tributação evidentemente não obedece à configuração negocial. A configuração negocial é que não pode fugir abusivamente à configuração da lei de tributação. Na verdade, os elementos da relação tributária estão subtraídos à estipulação das partes em negócio privado.
Por tudo quanto vem dito, propendemos a concluir que, à luz do regime legal apontado supra, não haverá violação alguma do Direito Comunitário na inclusão do imposto sobre veículos no valor tributável em IVA.
Neste sentido, pode ver-se, v. g., António Brigas, "Notas sobre o Código dos Impostos Especiais de Consumo", in Ciência e Técnica Fiscal, n.° 402, pp. 147 a 183, em especial p. 151, BASTO, José Xavier, "A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional", in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 164, p. 24, e Vasques, Sérgio, "A Reforma da Tributação Automóvel: Problemas e Perspectivas", in Fiscalidade, n.° 10, Abril 2002, pp. 59 a 94, em especial pp. 60/61.
E, em sentido contrário, porém, confronte-se, v. g., FERREIRA, Rogério Manuel Fernandes, e FERNANDES, Manuel Teixeira, "Da (não) incidência do IVA sobre o IA", in Revista Fisco, n.° 124/125, pp. 3 a 17, e FERNANDES, Manuel Teixeira, "Tributação do automóvel; tributação do CO2", in Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, ano 1, n.° 2, pp. 169/170 e 173/174.
2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida expende no essencial como segue.
[…]
no caso presente, não sendo a impugnante sujeito passivo do IVA, mas sim consumidor final dos bens a si transmitidos (cfr art° 2°, do CIVA), apenas suportando a totalidade do imposto liquidado pelos operadores situados a montante do circuito económico dos bens em causa mas, na medida em que, ainda assim, admitindo-se que da repercussão do IVA ao consumidor final possa resultar a lesão de um interesse legalmente protegido, importa verificar da ilegal repercussão do imposto efectuada pelo sujeito passivo de imposto – cfr alínea a), do n° 4, do art° 18° da LGT e observações tecidas a seu propósito pelo Ilte Jurista A. Lima Guerreiro, in “LGT Anotada”, pags. 113 e segs. Portanto nessa matéria importa considerar a problemática da inclusão no valor tributável do IVA a si liquidado, daquele imposto especial sobre veículos. Ora, quanto à questão da relevância de sujeição objectiva e subjectiva daquele imposto, importa dizer que no caso presente o sujeito passivo de imposto é o operador registado que procede à introdução no mercado dos veículos, mas que apenas repercute o tributo no consumidor final. Repare-se mesmo que nos casos de o sujeito passivo de I.S.V, for um particular, nos termos do art° 2° e 16°, do mesmo Código, tratando-se de uma aquisição de meios de transporte novos, na medida em que esteja sujeita a um imposto sobre veículos, tal imposto deverá ser considerado na determinação do valor tributável de IVA, nos termos do disposto no art° 1°, alínea b) e n° 3, do art° 17° do RITI. Assim sendo não é legítimo a conclusão de que tais quantias são pagas em nome e por conta do adquirente, pelo que improcede a consideração de assim se excluir no valor tributável de IVA.
Já quanto à questão da natureza jurídica daquela tributação especial que alegadamente deve atender ao facto gerador de imposto que se consubstancia no acto de matrícula da viatura e não na sua entrega ao adquirente, defende a F.P. que no caso português o facto gerador do imposto é a admissão dos veículos em território nacional, sendo a sua exigibilidade reportada à sua introdução no consumo. O que dizer desta polémica?
Muito singelamente que competindo às jurisdições nacionais a definição da natureza e regime dos tributos não sujeitos a harmonização das legislações dos E.M. da CEE, pelo que não pode este tribunal deixar de considerar que tal tributação especial incide ainda sobre o consumo e não sobre a matrícula já que sobre tal actividade administrativa podem recair certas taxas e emolumentos que poderão ser considerados como não incluídos naqueles valores para efeitos de IVA, mas que tal condição aposta na norma de tributação quanto à obrigação de matrícula apenas significa o âmbito de incidência tributária que não descaracterizam aquela consideração do facto gerador de imposto relativo às operações sobre os bens, quer sejam produzidos, montados, admitidos ou importados, desde que sujeitos a matrícula em Portugal, e não directamente incidente sobre o acto de matrícula do bem. – cfr. nesse sentido art°s 2º, 3º e 5° do Código do I.S.V. Assim sendo,
Entende este Tribunal que a resolução da causa não pressupõe o reenvio prejudicial para o Tribunal das Comunidades, já que no espírito do julgador não se põe nenhuma questão de interpretação da norma do direito comunitário que tome indispensável a pronúncia daquela instância. Atento a inexistência de obrigatoriedade daquele envio, nos termos do disposto no 3º parágrafo do art° 177º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art° 234° do Tratado da União Europeia), conclui-se pela improcedência da pretensão deduzida, assim como dos juros indemnizatórios solicitados, em razão da inexistência de pagamento indevido da prestação tributária. – cfr. art° 43° da LGT.
A sentença recorrida decidiu, pois, com a fundamentação que se resume essencialmente ao seguinte:
a) a impugnante, ora recorrente, é consumidor final dos bens automóveis a si transmitidos, pelo que terá de suportar «a totalidade do imposto liquidado pelos operadores situados a montante do circuito económico dos bens em causa»;
b) no caso presente o sujeito passivo de imposto é o operador registado que procede à introdução no mercado dos veículos;
c) tratando-se, como se trata, de uma aquisição de meios de transporte novos, o imposto sobre veículos deverá ser considerado na determinação do valor tributável de IVA, nos termos do disposto no artigo 1°, alínea b) e n° 3, do artigo 17° do RITI.
Ao que julgamos, a solução encontrada pela sentença recorrida em nada afrontará, e antes respeitará, o Direito Comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu (TJCE). A aduzida similitude da presente situação com a resolvida por um acórdão do TJCE – a um pedido de interpretação do Direito Comunitário em matéria de IVA (reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 234.º do Tratado CE), formulado por um tribunal dinamarquês – parece não existir. Esse acórdão do TJCE limitou-se a declarar que, em face das disposições comunitárias que prevêem a integração de certos impostos e taxas na base tributável de IVA, e dadas as características do imposto dinamarquês incidente sobre a matrícula automóvel, o mesmo não poderia ser objecto de inclusão no valor tributável do IVA. Aí, no caso dinamarquês, decidiu-se, como de resto, a sentença recorrida refere, que «o valor tributável não poderia incluir as importâncias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens sendo que tal tributação específica dos veículos automóveis recaía sobre o adquirente e não sobre o sujeito passivo de imposto». Segundo o aludido acórdão do TJCE, no quadro de um contrato de venda que preveja que o distribuidor entregue um veículo já matriculado por um preço que englobe o imposto de matrícula que pagou antes da entrega do veículo, «o montante desse imposto não pode ser incluído no valor tributável do IVA a aplicar à venda do veículo». O TJCE justificou a sua decisão, em primeiro lugar, no facto de o imposto de matrícula ser aplicado a título da matrícula do veículo e não do fornecimento do mesmo e, em segundo lugar, na circunstância de o referido imposto ser pago pelo fornecedor do veículo por conta do adquirente.
No presente caso, porém, sem similaridade com esse caso dinamarquês, ao que julgamos, não será legítima a conclusão de que as quantias pagas pelo operador/vendedor, a título de imposto sobre veículos, são pagas em nome e por conta da adquirente, impugnante, ora recorrente. Ao contrário: no regime legal português, o sujeito passivo do imposto sobre veículos é o operador/vendedor dos veículos, e não a impugnante, ora recorrente, adquirente desses veículos. Assim, sendo o sujeito passivo da relação jurídica do imposto sobre veículos o respectivo operador/vendedor, será esse imposto devido e pago, por si, em nome e a título próprio, e não em nome e por conta da adquirente do veículo, impugnante, ora recorrente.
Razão por que, a nosso ver, improcederá a pretensão de exclusão do imposto sobre veículos do valor tributável em IVA, por força da aplicação do n.º 3 do artigo 17.º do RITI, a dispor que «Nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo ou a imposto sobre veículos, o valor tributável é determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente».
E, então, havemos de convir, em síntese, que o facto gerador de imposto sobre veículos é, entre outros, «o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos», de acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos. O sujeito passivo do imposto sobre veículos é o respectivo operador/vendedor, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código do Imposto sobre Veículos. Assim, o pagamento do imposto sobre veículos realizado pelo operador/vendedor do automóvel é feito em nome e a título próprio, e não em nome ou por conta do adquirente do veículo. Nas aquisições intracomunitárias de veículos automóveis (novos) o imposto sobre veículos é incluído no valor tributável em IVA, de acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias [RITI].
A conclusão, porém, por não se afigurar de conformidade inequívoca e clara com o Direito Comunitário, deve ser colocada como questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título de reenvio prejudicial.
Com efeito, a solução da questão, não sendo pacífica nem evidente, apresenta-se duvidosa, afigurando-se temerário afirmar a existência de “acto claro”, para efeitos de dispensa de reenvio prejudicial ao TJCE.
Nesta situação, decidindo o Supremo Tribunal Administrativo em última instância e não se conhecendo jurisprudência do TJCE directamente aplicável, é obrigatório o reenvio prejudicial, de harmonia com o preceituado no artigo 234.º, parte final, do Tratado de Roma.
A ora recorrente defende que a inclusão do imposto sobre veículos no valor tributável em IVA viola normas de Direito Comunitário, e aventa que seja colocada ao TJCE a questão da interpretação do artigo 78.º, § 1.º, alínea a), conjugado com o artigo 79.º, § 1.º, alínea c), da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro [cf. conclusão XXVII].
A Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, constitui uma reformulação da 6.ª Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 – sendo certo que a data dos factos relevantes é a de 28.09.07, consoante resulta do probatório do presente acórdão.
Com o objecto estrito com que a ora recorrente a coloca, formulamos a questão do modo seguinte:
O artigo 78.º, § 1.º, alínea a), conjugado com o artigo 79.º, § 1.º, alínea c), da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de não permitir que, nas aquisições intracomunitárias, seja incluído no valor tributável em IVA o quantitativo do imposto sobre veículos, criado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho?
3. Termos em que se acorda suspender a instância até à pronúncia do TJCE, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria deste STA à daquele TJCE, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da petição; da sentença; das alegações de recurso da impugnante; do parecer do Ministério Público neste Tribunal; bem como do presente acórdão.
Custas a considerar a final.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010. – Jorge Lino (relator) – Casimiro GonçalvesDulce Neto.