Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0195/05
Data do Acordão:05/25/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:FAZENDA PÚBLICA.
MULTA PROCESSUAL.
Sumário:I – A Fazenda Pública pode usar da faculdade prevista no art. 145º, nº 5 do CPC, sem sujeição à multa aí cominada.
II – O representante da Fazenda Pública não deve ser considerado mandatário judicial, para efeito da aplicação do disposto no art. 229º-A do CPC.
Nº Convencional:JSTA00062422
Nº do Documento:SA2200505250195
Data de Entrada:02/10/2005
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF BRAGA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART229-A ART145 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC30742 DE 1995/05/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., identificado nos autos, impugnou judicialmente, junto do então Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, a liquidação adicional de IVA do ano de 1997, e juros compensatórios.
O Mm. Juiz do 2º Juízo daquele Tribunal admitiu liminarmente a impugnação.
A Fazenda Pública apresentou a sua contestação.
O Mm. Juiz do TAF de Braga, para onde foram remetidos os autos, ordenou se cumprisse, relativamente à FP, o disposto no art. 145º, 6, do CPC, a pretexto de que a mesma apresentou a sua contestação para além do prazo legal, mas ainda dentro do prazo referido no nº 5 daquela norma.
Ordenou ainda às partes que se notificassem mutuamente, nos termos do art. 229º-A do CPC.
Inconformada com esta decisão, nos seus dois segmentos, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
A.A Fazenda Pública não se conforma com as duas vertentes do despacho de 05.11.04, que ordenou a liquidação de multa, nos termos do art. 145°, n. 6 do CPC, relativamente à apresentação tardia da sua contestação, ao abrigo do disposto no art. 145°, nº 5 do mesmo Código, com a cominação de que o não pagamento da multa implicaria a não validação do acto tardio; advertindo ainda, que na qualidade de parte, deveria proceder, sendo caso disso, à notificação da parte contrária, nos termos do art. 229°-A do CPC.
B. No que concerne à primeira parte do despacho recorrido, a natureza judicial do processo de impugnação, impõe em sede das regras de contagem de prazos para a prática de actos no processo tributário, o recurso, nos termos do art. 20°, nº 2 do CPPT, à contagem de acordo com as regras do CPC.
C.Aplicando, as disposições dos art. 144º e 145º daquele Código, o prazo de 90 dias que se iniciou no dia seguinte ao dia em que foi notificada a Fazenda Pública por termo lavrado nos autos, com data de 26 de Setembro de 2002, suspendeu-se entre 22 de Dezembro de 2002 e 3 de Janeiro de 2003, em virtude das férias judiciais de Natal, ao abrigo das disposições conjugadas do art. 144º, nº 1 do CPC e art. 12º LOFTJ, vindo a verificar-se o seu terminus em 7 de Janeiro de 2003.
D.Por sua vez, o nº 3 do art. 145º do CPC dispõe que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto a que se reporta, vindo contudo a ser admitida a prática de acto processual, independentemente de justo impedimento, nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, podendo esta ser utilizada pelo representante da Fazenda Pública, sem invocação de justo impedimento e sem que seja exigível multa para a validação da prática do acto.
E. Pelo que a apresentação da contestação pela Fazenda Pública em 10.01.2003, com requerimento de que o acto fosse considerado acto praticado nos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, de harmonia com o previsto no nº 5 do art. 145º do CPC, deve ser considerada válida sem que seja exigível a multa liquidada nos termos do nº 6.
F. No que concerne à parte final do despacho recorrido, haverá a ter em consideração que a Representação da Fazenda Pública não integra o âmbito subjectivo do artigo 229º-A do CPC.
G.Ainda que a Fazenda Pública integrasse o âmbito subjectivo desta disposição, as alegações de recurso em processo judicial tributário não integram o âmbito material do artigo 229º-A do CPC.
H.O douto despacho recorrido violou o disposto no art. 20º nº 2 do CPPT e art. 145º do CPC e artigo 229º-A do CPC.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
3. São duas as questões a resolver: por um lado saber se a FP pode ser sujeita à multa prevista nos nºs. 5 e 6 do art. 145º do CPC (sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto); por outro, determinar se o art. 229º-A do CPC (que assegura os termos em que os mandatários das partes mutuamente se notificam) é aplicável ao representante da FP.
Vejamos cada questão de per si.
3.1.A questão do art. 145º, nºs. 5 e 6, do CPC.
Será que a FP, praticando o acto (no caso a apresentação da contestação), nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo processual respectivo, está sujeita ao pagamento da multa cominada nas citadas disposições legais?
O Mm. Juiz a quo entende que sim, pois que, na sua perspectiva, a FP, actuando como parte, não deve ter um tratamento de favor relativamente à outra parte.
Mas não tem razão.
Como é sabido, o nº 5 do art.145º do CPC, permite ao interessado praticar o acto para além do prazo legal (até aos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo), mediante uma multa, que é agravada, caso o acto seja praticado nesse prazo suplementar, mas sem o pagamento imediato daquela multa (nº 6 do citado artigo).
No dizer do acórdão do Pleno da Secção Administrativa deste STA de 2/5/95 (rec. nº. 30.742), “o fim visado pelo legislador foi prescindir da prova do justo impedimento, em certos casos, por este muitas vezes se mostrar difícil, presumindo-se que se o acto praticado inicialmente nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, que não tinha sido praticado atempadamente por justo impedimento, mas faz-se depender a sua validade do pagamento de uma multa e isto, por um lado porque a multa tem a finalidade moralizadora de evitar abusos, de evitar que o recurso a este preceito se transforme num mau hábito e, por outro lado, porque se o interessado recorresse ao incidente previsto no art. 146º também ficaria sujeito a custas”.
De qualquer modo, o certo é que parece inquestionável que o preceito em causa tem íntima conexão com as custas do processo, como se vê claramente do articulado do citado nº5 do art. 145º do CPC.
Ora, a FP estava então isenta de custas, como inequivocamente decorre do art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (Dec-Lei n. 29/98, de 11/2).
Ora, e porque estava isenta de custas, está isenta da multa.
É certo que a situação hoje se alterou, devendo o Estado pagar custas – vide artºs. 189º do CPTA e art. 2º do CCJ.
Mas estas disposições não têm aplicação ao caso concreto.
É pois por esta razão (que colhe também assentimento naquele referido acórdão) que as disposições citadas (artº 145º, nºs. 5 e 6 do CPC) não se aplicam ao representante da Fazenda Pública.
Procede assim o recurso neste segmento.
3.2.A questão do art. 229º-A do CPC.
Dispõe este preceito legal (sob a epígrafe “notificações entre os mandatários das partes”):
“1. Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do art. 260º-A.
“2. O mandatário judicial que só assuma o patrocínio na pendência do processo, indicará o seu domicílio profissional ao mandatário judicial da contraparte”.
Como logo se vê, até pelos termos literais do nº 1, complementado pelo nº 2 da ora citada disposição legal, tais notificações ocorrem apenas entre mandatários judiciais. E só entre estes.
Assim, só haverá lugar a tal notificação se o representante da FP for considerado mandatário judicial.
E é óbvio que não é.
Na verdade, mandatários judiciais são apenas os advogados e os solicitadores – vide artºs. 114º e 115º da LOTJ, 61º, 3, e 62º, 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados e 99º, 1, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
E, nas “causas judiciais” tributárias, mandatários judiciais são os advogados – art. 6º, nº 1, do CPPT.
O Representante da Fazenda Pública tem uma norma especial – art. 9º, nº 4, aí se dizendo que tem legitimidade no processo judicial tributário.
E a sua competência, nos tribunais tributários está inscrita no art. 15º do CPPT.
Como bem refere o recorrente, a Fazenda Pública faz parte do Estado-Administração, representando-o em juízo no processo judicial tributário, sendo tal representação diversa da representação legal ou da representação voluntária.
Entendemos assim que o disposto no art. 229º-A do CPC é inaplicável ao Representante da Fazenda Pública no processo judicial tributário, pelo que procede também o recurso neste específico segmento.
4. Face ao exposto, acorda-se em conceder integral provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Maio de 2005. – Lúcio Barbosa (relator) – António Pimpão – Baeta de Queiroz.