Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01525/12.0BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
RESIDENTE
Sumário:A mais-valia gerada pela alienação de imóvel de contribuinte residente em território nacional é liquidada no âmbito do imposto sobre o rendimento –IRS -, não tendo qualquer autonomia relativamente aos restantes rendimentos ou ganhos sujeitos ao mesmo imposto e, nessa medida, o prazo de caducidade da liquidação é único e conta-se nos termos do disposto no artigo 45º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P27221
Nº do Documento:SA22021021701525/12
Data de Entrada:12/31/2020
Recorrente:A....................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………………, Impugnante e recorrente nos autos à margem referenciados, notificado da sentença datada de 16.02.2019, por estar em tempo e por ter legitimidade, vem interpor recurso, nos termos do disposto nos artigos 279.º, 280.º, n.º 1, ambos do CPPT; e artigo 281.º CPPT, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2 do DL 303/2007, de 24 de Agosto.

Alegou, tendo concluído:
1.º O presente recurso vem apresentado da sentença de fls. que decidiu julgar improcedente a impugnação do Recorrente por entender que a notificação da liquidação referenciada nos autos, efectuada em 27/09/2010, não ocorreu após a verificação da caducidade para o efeito, (cfr. decisão recorrida de fls..)
2.º É imperioso compreender se o imposto sobre as Mais-Valias se trata de um imposto periódico ou de um imposto de obrigação única.
3.º Para efeitos de estabelecer qual a data do início da contagem do prazo de caducidade para a liquidação do imposto.
4.º O imposto sobre as mais valias sobre a venda do imóvel é um imposto de obrigação única.
5.º O direito da Fazenda Pública de liquidação do imposto de mais valias pela venda referenciada nos autos caducou em 26.06.2010.
6.º O prazo de caducidade conta-se, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
7.º As mais-valias ou menos-valias realizadas são os ganhos ou perdas sofridas mediante a transmissão onerosa qualquer que seja o título porque se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros resultantes da afetação.
8.º Quanto ao período de tempo em que ocorrem os impostos podem ser Impostos Periódicos ou Impostos de Obrigação única.
9.º As categorias A, B, E, F, e H do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, são claramente impostos periódicos.
10.º A categoria G corresponde claramente a um imposto de obrigação única, especial face às restantes categorias de IRS.
11.º Os rendimentos provenientes da categoria G, ou seja, Incrementos patrimoniais, têm manifestamente uma falta de periodicidade ínsita a este tipo de rendimentos e são eles, grosso modo: - Rendimentos provenientes de Mais-valias; - Rendimentos provenientes de Indemnizações.
12.º Estes rendimentos da categoria G são por regra rendimentos pontualmente auferidos e manifestamente não periódicos!
13.º Por motivos de eficiência e agilidade fiscal, quer de declaração, quer de liquidação e cobrança, foram inseridos como categoria de IRS mas são especiais face aos demais rendimentos de IRS.
14.º Para os rendimentos de mais valias sobre a venda de imóveis que ganham periodicidade, existe isenção de pagamento por um período legalmente estabelecido para reinvestimento, pelo que a própria lei trata de forma especial as mais valias.
15.º A especialidade das mais valias é exactamente a de não constituírem impostos periódicos, mas sim pontuais.
16.º Não são impostos periódicos porque respeitam a rendimentos que não se repetem com carácter de periodicidade, mas sim ocasional ou esporadicamente, sendo por isso Impostos de Obrigação Única.
17.º À situação dos autos é de aplicar o disposto na segunda parte do artigo 45º, n.º 4 da LGT, nos termos da qual, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
18.º O acto tributário ocorrido em 28/06/2006 e o direito à liquidação do imposto sobre as mais valias caducou quatro anos após essa data, ou seja, em 28/06/2010.
19.º O exercício do direito da Fazenda Pública à liquidação ocorreu em 24.09.2010, já após caducidade desse direito.
20.º Deve pois, ser reconhecido o imposto que recai sobre as mais valias como um imposto de obrigação única (e por vezes única na vida) e reconhecido o decurso do prazo de caducidade, termos em que não pode ser liquidado em recorrente quantia alguma a título de rendimento por mais valias decorrente da venda de ¼ do imóvel melhor identificado nos autos.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, reconhecendo-se a verificação da caducidade do direito de liquidação do imposto no montante de € 88.373,52.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Supremo tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto vertida no probatório da decisão recorrida.

Há agora que conhecer o recurso que nos vem dirigido e, para tanto, seguir-se-á de perto o parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto.

O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de liquidação de IRS, no valor de € 88.373,52 euros.
O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando erro de julgamento na apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação.
Para o efeito alega que o imposto sobre as mais-valias não se trata de um imposto periódico, mas sim de um imposto de obrigação única, motivo pelo qual o prazo de caducidade se conta a partir da data da ocorrência do facto tributário, que no caso concreto ocorreu em 28/06/2006; E que assim sendo, o prazo para a AT poder liquidar o tributo terminou em 28/06/2010.
Considera, assim, que à data em que a AT emitiu a liquidação – 24/09/2010 – já se tinha verificado a caducidade do direito de liquidação.
E termina pedindo a revogação da sentença.
Na decisão recorrida deu-se como assente que em 28/06/2006 o impugnante procedeu à alienação de quota-parte de imóvel, cujos ganhos não fez constar da declaração de rendimentos relativa ao ano de 2006.
Mais se deu como assente que na sequência de ação inspetiva desencadeada em 26/06/2009, os Serviços de Inspeção concluíram pelo apuramento em sede de IRS, de rendimentos decorrentes de mais-valias obtidas com a transmissão do imóvel no valor de € 187.476,14 euros, montante que o Recorrente acresceu à matéria coletável do ano de 2006 e fez constar de declaração de substituição por si apresentada.
Na sequência dessa declaração a AT emitiu liquidação de IRS, na qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 88.373,52 euros, que foi notificada ao Recorrente em 27/09/2010.
Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que «integrando-se as mais-valias imobiliárias na categoria G de IRS, que é um imposto periódico, o prazo de caducidade da respetiva liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nº4 do supra citado artigo 45º da LGT)»:
Entendeu-se, assim, invocando em seu apoio a jurisprudência dos acórdãos do STA de 26/09/2007 e de 30/06/2010 (proferidos nos processos nºs 481/07 e 364/10, respetivamente), que no caso concreto o prazo de caducidade do direito de liquidação terminou em 31/12/2010, ou seja, em data posterior à emissão e notificação da liquidação, motivo pelo qual o ato de liquidação não padece de ilegalidade.

A questão que vem suscitada pelo Recorrente consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da questão relativa à caducidade do direito de liquidação, o que passa por saber se o prazo de caducidade previsto no nº1 do artigo 45º da LGT se conta a partir do termo do ano a que respeita o imposto, ou se a partir da data da ocorrência do facto tributário.
Dispõe a este propósito o nº4 do artigo 45º da LGT que «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».
No caso concreto estamos perante uma liquidação de IRS de residente em território nacional, que é um imposto periódico, pelo que de acordo com a citada norma o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Não estamos perante um “imposto de mais-valias” como parece depreender-se das alegações da Recorrente, uma vez que com a Reforma Fiscal de 1989 foi abolido esse imposto (art. 3º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro). Pese embora o IRS englobe várias categorias de rendimentos, estamos perante um imposto único, pelo que a apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação regulada no artigo 45º e 46º da LGT deve ser aferida em relação ao imposto e não aos rendimentos que nele são englobados.
É certo que a jurisprudência do STA tem considerado, a propósito da aplicação da lei no tempo e da sujeição a tributação do facto tributário, que no caso das mais-valias «o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano» - acórdão de 11/12/2019, proc. 0514/12.0BESNT (cfr. acórdãos do Pleno de 16/09/2015, proc. 01292/14 e de 07/06/2017 proc. 1471/14).
Todavia esse entendimento não é transponível para o caso dos autos, por o critério aferidor da contagem do prazo de caducidade a ter em consideração não é o facto tributário, mas sim a figura do imposto - imposto periódico/ imposto de obrigação única -, sendo certo que o IRS, como imposto periódico, compreende rendimentos em que o facto gerador tanto é de formação instantânea como de formação sucessiva ou duradoura (Cfr. acórdão do Pleno de 07/06/2017 proc. 1471/14, em que se deixou exarado o seguinte: «E o facto de o IRS ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo, já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior»).
Por outro lado e no que respeita aos impostos periódicos, como é o caso do IRS, o exercício do direito de liquidação por parte da Administração Tributária só é possível após o termo do período de tributação, que coincide com o ano civil. Daí que qualquer liquidação adicional realizada ao abrigo do disposto no artigo 89º do CIRS, a mesma tenha que respeitar o prazo de 4 anos previsto no nº1 do artigo 45º da LGT, a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Assim sendo, atento que no caso concreto dos autos o facto tributário ocorreu no ano de 2006, o direito de liquidação pode ser exercido até 31/12/2010. Uma vez que o Recorrente foi notificado da liquidação em 27/09/2010, a liquidação não padece da ilegalidade que lhe é assacada pelo mesmo.
Em face do exposto, o recurso não merece provimento.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso que nos vinha dirigido.
Custas pelo recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.