Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01201/04
Data do Acordão:02/01/2005
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PROCESSAMENTO DE VENCIMENTOS.
ACTO ADMINISTRATIVO.
RECURSO HIERÁRQUICO.
DEVER LEGAL DE DECIDIR.
PESSOAL DA DIRECÇÃO GERAL DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS.
Sumário:I - Cada acto de processamento de vencimentos, gratificações e abonos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração, e que, por isso, se consolida na ordem jurídica como "caso decidido" ou "caso resolvido", se não for objecto de atempada impugnação graciosa ou contenciosa;
II - Tal doutrina tem implícitos dois limites essenciais, consubstanciados: (i) por um lado, na necessidade de uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento "em determinado sentido e com determinado conteúdo"; (ii) por outro lado, na necessidade de o conteúdo desse acto ser levado ao conhecimento do o interessado através da notificação.
Nº Convencional:JSTA00061480
Nº do Documento:SA12005020101201
Data de Entrada:02/01/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINFIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CPA91 ART68 ART169.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC34955 DE 1994/11/30.; AC STA PROC47683 DE 2001/01/30.; AC STA PROC42/02 DE 2002/12/03.; AC STA PROC32425 DE 1994/01/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em subsecção, na secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A…, Técnico de Administração Tributária, nível l, a exercer o cargo de Tesoureiro de Finanças, nível II, na Tesouraria de Finanças de Aljustrel, residente em Aljustrel, interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso de anulação de alegado acto de indeferimento tácito que se formou na sequência do requerimento que dirigiu ao Ministro das Finanças em 08.01.2002, respeitante ao seu vencimento.
Imputou ao acto recorrido o vício de violação de lei, por violar o disposto nos arts. 67°, n° 2 e 44°, n° 4 do DL. n° 557/99, de 17/12 e violação do dever de decisão previsto no art. 9° do CPA.
1.2. Pelo acórdão de fls. 87-90, o recurso foi rejeitado.
1.3. Inconformado, o recorrente impugna o acórdão, concluindo nas respectivas alegações
“1) O douto Acórdão "a quo" ao rejeitar o recurso contencioso por alegadamente a Autoridade Recorrida não ter competência dispositiva primária para decidir a pretensão da recorrente enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito pelo que não deve ser mantido.
2) E isto porque o indeferimento tácito contenciosamente recorrido se formou em sede de recurso hierárquico do acto processador de vencimento – o qual, segundo a jurisprudência administrativa, é um verdadeiro acto administrativo - não sendo, portanto, conforme aos factos dizer-se que se está perante o exercício de "competência dispositiva primária" a qual, é certo, não cabe à Autoridade Recorrida.
3) Ora, estando-se perante um verdadeiro recurso hierárquico dirigido à Autoridade Administrativa competente para decidir, no exercício de uma competência de 2° grau ou de revisão, existia o dever legal de decidir aquele recurso pelo que se formou o indeferimento tácito contenciosamente recorrido.
4) Acresce que, ao contrário do que é defendido no Acórdão sob recurso, e conforme é jurisprudência pacífica, os actos processadores de vencimento apenas constituem caso decidido, consolidando-se na ordem jurídica, quando devidamente notificados ao interessado, mas tal não significa que deles não se possa recorrer, ou seja, no caso concreto, o acto processador de vencimento, por não ter sido regularmente notificado ao recorrente, nunca poderia consolidar-se na sua esfera jurídica, o que não significa que não se trate de um acto passível de recurso, que a ser formulado, como é o caso, é gerador de dever legal de decidir.
5) Donde, o douto Acórdão "a quo" ao rejeitar o recurso violou o art. 166° conjugado com o art. 9° ambos do CPA pelo que não deve ser mantido”.
1.4. A autoridade recorrida contra-alegou sustentando a manutenção do decidido.
1.5. O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. O acórdão considerou provado o seguinte, no que não vem questionado:
“Os Factos
1 - À data da entrada em vigor do novo estatuto de pessoal e regime de carreiras da DGCI, aprovado pelo DL. n° 557/99, de 17/12, o recorrente possuía a categoria de Tesoureiro da Fazenda Pública de 3ª classe e encontrava-se a exercer a gerência interina da Tesouraria de Finanças de Aljustrel.
2 - Por efeito da entrada em vigor do DL. n° 557/99, de 17/12 o recorrente transitou para a categoria de Técnico de Administração Tributária, nível 1, e manteve-se no exercício da gerência da mesma tesouraria.
3 - Em 08.01.2002, o recorrente dirigiu ao Ministro das Finanças, um recurso hierárquico «do acto de processamento do seu vencimento do mês de Dezembro de 2001», pedindo que lhe fossem abonadas as diferenças remuneratórias devidas pelo índice 680 da escala salarial de Tesoureiro de Finanças de nível II desde Dezembro de 2000, em regime de substituição.
4 - Sobre este requerimento não foi proferida decisão”.
2.2.1. Como se vê, o ora recorrente solicitou ao Ministro das Finanças, em requerimento sob a designação de recurso hierárquico “do acto de processamento do seu vencimento do mês de Dezembro de 2001”, que fosse abonado das “diferenças remuneratórias devidas pelo índice 680 da escala salarial de Tesoureiro de Finanças de nível II desde Dezembro de 2000, em regime de substituição”.
No silêncio da entidade requerida, interpôs recurso contencioso do que alegou ser indeferimento tácito.
O acórdão sob impugnação rejeitou o recurso, por falta de objecto, assente nas seguintes considerações fundamentais:
- A competência dispositiva primária sobre a matéria era do Director-Geral dos Impostos;
- Não houve definição primária, por nenhuma entidade;
- Não tendo o Ministro da Finanças poderes de decisão primária, não tinha o dever legal de decidir.
Na presente impugnação, o recorrente não discute a primeira proposição, isto é, aceita que ao Ministro das Finanças não estava conferida competência dispositiva primária (conclusão 2).
Mas entende que, no caso, o requerimento que dirigiu àquela autoridade era um verdadeiro recurso hierárquico, por isso, para o exercício de uma competência de 2.º grau (conclusão 3.ª), já que a definição primária da situação estava consubstanciada no acto processador de vencimento (conclusão 4ª).
Não estando sob discussão a competência primária, e não se antolhando razões para posição diversa da assumida pelo acórdão impugnado, devemos passar à matéria sob discordância.
2.2.2. No que toca aos actos de processamento de vencimentos, a posição deste STA, que se julga de prosseguir, é a que se pode sintetizar do seguinte modo:
Cada acto de processamento de vencimentos, gratificações e abonos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo, e não simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração, e, por isso, se consolida na ordem jurídica como "caso decidido" ou "caso resolvido", se não for objecto de atempada impugnação graciosa ou contenciosa.
Para que seja assim, e nos seus próprios termos, exige-se que o acto de processamento represente (i) uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento "em determinado sentido e com determinado conteúdo"; (ii) que o conteúdo desse acto seja levado ao conhecimento do interessado através da notificação, que, para ser eficaz, deve obedecer aos parâmetros impostos pelo artigo 68º do Código do Procedimento Administrativo.
Nesta linha, poderão ver-se, entre muitos outros, os acórdãos de 30.11.94, recursos n.º 34955 e 35280 (Apêndice Diário da República, de 18 de Abril de 1997, pág. 8617 e pág. 8624), 21.6.01, recurso 46898, 30.10.01, recurso 47683, 19.3.02, recurso 48065, 3.12.02, recurso 42-02.
A exigência de notificação é irrelevante para o problema sob discussão. Na verdade, ela interessa para a determinação de prazos de recurso, que foi matéria resolvida pelo tribunal a quo em sede de decisão de uma outra questão, e que não está em equação no presente recurso jurisdicional.
Quanto à primeira exigência convém explicitá-la, aproveitando os termos de acórdão muitas vezes citado na matéria, o Acórdão de 13.1.94, recurso n.º 32425 (Apêndice Diário da República, de 20 de Dezembro de 1996, pág. 235/246), ele mesmo socorrendo-se do Acórdão de 7.3.91, recurso n.º 28355:
“É óbvio que só quando, no caso de remunerações, se possa ver «esse comportamento voluntário definidor no processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo» (…), se pode afirmar a existência de acto administrativo, pois – repete-se – «só há acto administrativo onde se revele uma declaração ou uma conduta que tenham a intenção (explícita ou implícita) de definir uma situação»; assim, «na fixação de uma remuneração será detectável a intenção de a determinar de acordo com certas regras […] unicamente quanto a cada factor que se mostre ter sido considerado», nenhum acto administrativo se podendo vislumbrar «em casos de pura omissão, nomeadamente quanto a remunerações, subsídios, gratificações, etc. que não façam parte integrante da remuneração central ou nuclear”
A esta luz, vejamos o caso dos autos.
2.2.3. O ora recorrente, arvorando a nota de abonos de Dezembro de 2001, manifestou à entidade contenciosamente recorrida a sua discordância quanto ao montante processado a título de vencimento.
A “Nota de Abonos e Descontos” de Dezembro de 2001, junta aos autos a fls. 9, indica o nome e a categoria profissional do ora recorrente: “Categoria Profissional Tesoureiro de Finanças – nível II”.
Essa Nota integra, entre outras, a rubrica “Vencimento Mensal”, com o correspondente abono.
Detecta-se, pois, no processamento do abono questionado, uma conduta definidora e voluntária da Administração, e não mera inércia.
Repare-se que é indiferente, para este efeito, saber das razões que levaram a Administração a processar um montante e não outro. Essa matéria, respeita, já, à bondade quanto aos montantes atribuídos, isto é, ao mérito.
Por isso, o acto de processamento consubstanciado na “Nota de Abonos e Descontos” de Dezembro de 2001, constitui acto administrativo quanto ao aspecto do qual o interessado recorreu.
Nos termos do artigo 169.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, o recurso hierárquico deve ser dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto.
Foi o que o recorrente fez, pelo que tinha o Ministro das Finanças o dever legal de decidir.
O recurso contencioso está, assim, dotado de objecto, não podendo ser rejeitado com o fundamento em que se sustentou o acórdão impugnado.
3. Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso jurisdicional e ordena-se a baixa dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Políbio Henriques – Rosendo José.